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a posse ao escrivão nomeado para a camara ecclesiastica, e n'este caso pergunta s. ex.ª o que é que tenciona o governo fazer. Acrescentou mesmo era fórma de repetição mais explicita: se o reverendo prelado presiste na firme resolução de não dar a posse, que de certo não dá-se elle não resigna o bispado por isso que lhe não foi concedida licença para a resignação, o que é que pretende o governo? Ha de trazer aos tribunaes um ancião respeitavel? Vozes: — Ouçam, ouçam.

O Orador: — E acrescentou ainda o mesmo digno par: pois o governo não ha de ter consideração pelas grandes virtudes, avançada idade e longos serviços de tão venerando prelado? Por ventura quererá o governo chegar a tal extremo?

Sr. presidente, o governo, e creio que toda a gente, respeita como deve os serviços, a idade e as virtudes de tão digno prelado, não deseja por fórma alguma traze-lo aos tribunaes; eu não sei mesmo se a carta da nomeação do empregado a que se allude lhe foi ou não apresentada já, quando o for, espero que ha de ser cumprida, por isso mesmo que o digno prelado não póde desconhecer que no caso de se não cumprir, há motivo para um recurso, e esse recurso é de lei e não se póde tolher, mas sem nos lembrarmos d'isso eu confio que a carta depois de apresentada tem de ser cumprida; se o não fosse que fará o governo em circumstancias tão graves?

Sr. presidente, eu creio que não haverá quem tenha dado mais provas do que eu, tantas sim, de que deseja a melhor harmonia entre o governo e os dignos prelados, podia mesmo apontar factos para comprovar esta asserção que é verdadeira, e todavia tenho a infelicidade de me arguirem por haver mostrado menos consideração e menos respeito para com os dignos prelados.

O sr. Conde de Thomar: — Isso é verdade.

O Orador: — Sim, tenho essa infelicidade, mas resta saber se é com fundamento ou sem elle.

Antes porém de responder definitivamente sobre a pergunta, o que fará o governo? Seja-me licito voltar ainda por um momento aos termos da representação. Pois porventura dando-se o caso de haver algum motivo para não poder ser admittida a pessoa que foi nomeada, os termos serão sómente ou deverão acaso ser áquelles de que usou o reverendo prelado, isto é, seria caso de uma declaração positiva de que não havia de obedecer?! Eu creio que os termos eram outros e muito differentes se havia rasões para repellir o agraciado: se tivera procedido assim o reverendo bispo as cousas teriam tomado outro caminho, e não teriam chegado ao extremo a que infelizmente chegaram; mas eu ainda tenho a esperança de que a cordura e sensatez do digno prelado ha de fazer com que se possa saír bem d'esta difficuldade em que nos encontrámos, não esperando que possa haver da parte do governo condescendência senão aquella que deva dar-se sem que de fórma alguma se offendam as prerogativas da corôa, que eu particularmente na qualidade de ministro tenho o dever e rigorosa obrigação de sustentar.

Sr. presidente, estou bem certo de que todos áquelles que dizem que o decreto que tem feito objecto d'esta interpellação devia ficar sem effeito pelas rasões que produziu o reverendo bispo, se estivessem no meu logar não propunham de certo a revogação d'elle por similhantes fundamentos.

Mas, seja como for, o que é certo é que os termos a seguir eram outros: circumstancias tem havido com alguma similhança com esta que hoje se dá, e esses casos têem-se resolvido pelo bom accordo entre o governo e os dignos prelados. Imagine-se a seguinte hypothese: trata-se do provimento de um beneficio ecclesiastico, pedem-se informações sobre os differentes candidatos e oppositores a elle, porque a lei manda expressa e determinadamente que se peçam essas informações, o prelado diz: «O oppositor A tem sufficientes habilitações litterarias, mas é irrascivel de genio, tem poucos serviços prestados á igreja; o oppositor B é bemquisto dos povos tem prestado serviços á igreja, mas a sua instrucção é medíocre; o oppositor C tem habilitações tem serviços, mas não convem, seria prejudicial o provimento n'elle»; o governo em circumstancias taes tem examinado todas essas informações, e depois tem se dirigido aos prelados, dizendo: «olhae que o oppositor C junta valiosos documentos ao seu requerimento, ha representações a favor d'elle, ha boas informações, parece pois que não está no caso de ser excluído:» resposta: «O oppositor Cesta no caso de ser excluído; não obstante essas informações e esses serviços ha motivos de consciencia para dizer que se faz um desserviço á igreja, recaíndo o provimento em to! individuo». O governo, no fim de tudo isto, tem condescendido com a opinião dos prelados, e não querendo dar logar a conflictos tem escolhido outro candidato tambem digno para ser provido (apoiados).

Alguém me poderá dizer: «Mas nesses casos pediram-se as informações aos prelados, e n'este não se pediu informação» (apoiados).

Pois bem deixemos a primeira hypothese, ou antes facto verdadeiro, e figuremos um caso mais a proposito: apparece um decreto de nomeação para um emprego ecclesiastico, publica-se o despacho, e pouco tempo depois chegam á secretaria informações que dizem que o agraciado não é digno de exercer o logar, que é vicioso, que se entrega ao excesso das bebidas. Qual é a consequencia em tal caso? Expede-se ordem immediata para suspender os effeitos do decreto, não se passa guia para tirar carta, e procede-se a novas indagações e informações. Se se verifica que as informações desfavoraveis não foram calumniosas declara-se sem effeito o decreto, e o despacho fica como se não tivesse nunca existido; se se verifica que não eram exactas, e que bem pelo contrario o nomeado é pessoa digna, cumpre-se e executa-se o decreto, produzindo todos os seus effeitos. E pergunto eu: não se deveria ter agora procedido do mesmo modo?

Se o reverendo prelado, em vez de dizer «eu fui desconsiderado por essa nomeação; a pessoa nomeada não tem pratica dos negocios ecclesiasticos, é um apóstata das ordens, não lhe posso dar posse, peço licença para renunciar»; se tivesse dirigido ao governo, e confidencialmente lhe dissesse, porque estas cousas devem ser confidenciaes: «o governo foi illudido nas informações que teve a respeito do requerente, e eu lamento que não me pedisse informações, porque se m'as pedisse, eu teria dito que o nomeado tem taes e taes qualidades, e por isso não póde ser provido», o governo suspendia o decreto, mandava proceder a todas as averiguações para proceder a final de conformidade e não tinha chegado de maneira nenhuma este desagradavel negocio ao ponto a que chegou; estes eram os termos que se deviam ter seguido: mas desde o momento que o reverendo bispo veiu dizer «não posso dar posse ao nomeado» sô por esse facto ha de o governo concordar immediatamente na revogação do decreto?! Alguém póde tal aconselhar? Pôde alguem dizer que se não sustentem as prerogativas da corôa? E não será isto atacar a dignidade do throno?! Eu entendo que outra era a marcha que se devia ter seguido neste negocio. Da parte do governo, e da minha parte, nunca houve difficuldade em ir de accordo com os reverendos prelados, e dar-lhes, como tem dado, evidentes provas de respeito e consideração.

Por agora limito aqui as minhas explicações. Parece-me que ellas de algum modo são sufficientes; ao menos satisfazem a minha consciencia.

O sr. Marquez de Vallada: — V. ex.ª não respondeu ainda ao final, que é a parte mais importante (apoiados).

O sr. Ministro da Justiça: — Sobre que?

O sr. Marquez de Vallada: — Sobre o que ha de fazer o governo não havendo accordo.

O sr. Ministro da Justiça: — Verdade é que me esquecia a parte mais importante, que é justamente a pergunta sobre o que ha de fazer o governo em ultimo caso.

Eu digo a V. ex.ª: o governo não espera, nem eu, de modo nenhum, que deixe de se cumprir a carta de nomeação, mas senão for, o caso é grave, é gravissimo (apoiados), e esse caso é que eu levo ao conselho de ministros; não é o despacho do escrivão; esse caso da recusa formal, depois de esgotados todos os meios convenientes, é que lá ha de ir. Se o digno prelado insistir em não cumprir a carta regia hei de levar o negocio ao conselho de ministros, hei de proceder e obrar nos termos da lei, como me aconselha o dever que tenho de sustentar as prerogativas da corôa. Hei de ter ouvido os fiscaes da mesma, e proceder com toda a madureza e circumspecção.

Supponhamos porém que o conselho de ministros resolve que, pelo simples facto do prelado ter dito que não dá posse ao nomeado, o decreto se revogue; revoga se, mas eu não hei de referendar esse decreto (apoiados).

O sr. Presidente: — Tem a palavra s. em.ª o sr. cardeal patriarcha.

O em.mo sr. Cardeal Patriarcha: — Combateu os argumentos produzidos pelo precedente orador. -

(O discurso de sua em.ª será publicado na integra quando sua em.ª possa devolver corrigidas as notas tachygraphicas, ao que até hoje tem obstado o seu melindroso estado de saude.)

O sr. Moraes Carvalho: — Sr. presidente, depois da impressão que causou o discurso do digno par, o em.™ cardeal patriarcha, depois d'esse discurso proferido por um prelado a quem os seus concidadãos não podem negar a qualidade de ser exemplar, de ser um varão dotado de grandes virtudes e illustração, não se póde duvidar que a minha posição, seguindo-me no uso da palavra a s. em.ª, é bastante melindrosa. Embora, como eu não desejo dizer senão a verdade, a verdade que é filha do Eterno me ajudará a expender com clareza as minhas reflexões, para combater os falsos principios que se acabam de sustentar, e que nos levariam a ponto de termos um estado dentro de outro estado. E havemos de ouvir impassíveis dizer-se n'esta camara — hei de resistir ás leis? Resistir ás leia! Como póde dizer-se isto em pleno parlamento? Eu desejaria que s. em.ª, compenetrando-se do verdadeiro espirito evangélico, da mansidão e lenidade de que o Redemptor deu tão bons exemplos, não viessse provocar alguma resposta vehemente. Eu hei de conter-me nos limites precisos: parece-me que tenho dado sobejas provas de que nunca faltei ás conveniencias; mas não posso omittir a resposta ao que ouvi. S. em.ª fez ataques positivos á secretaria da justiça, fez ataques ao governo, fez ataques ao systema que nos rege...

O sr. Marquez de Vallada: — Eu não ouvi nenhum.

O Orador: — Refiro-me ás proprias palavras de s. em.ª...

O sr. Marquez de Vallada: — Peço a palavra para responder ao sr. Moraes Carvalho.

O sr. Conde da Taipa: — Também peço a palavra para responder ao orador.

O Orador: — E eu peço outra vez a palavra para responder aos dignos pares...

O sr. Rebello da Silva: — Peço tambem a palavra.

O Orador: — (continuando) Eu explico desde já os motivos que tive para me expressar como me expressei. O sr. cardeal patriarcha veiu dizer aqui que a execução do decreto de 1833 no anno de 1864 era uma vergonha. Pois, sr. presidente, a execução das leis é uma vergonha? Vergonha podia ser para áquelles que, pensando assim e tendo assento n'esta camara, têem deixado passar tantos annos sem propor a revogação deste decreto (apoiados). Pois póde haver vergonha em executar uma lei? (Apoiados.) S. em.ª acha impropria a doutrina do decreto de 5 de agosto de 1833? Tem assento nesta camara, póde propor a revogação d'esse decreto (apoiados); mas não póde vir aqui dizer que é uma vergonha o executar-se e fazer-se ainda obra por elle, como se os ministros não fossem só os executores das leis, como se tivessem poder para revogar ou suspender estas? (Apoiados.)

Nunca a secretaria da justiça foi mais arbitraria do que nos tempos do governo constitucional, disse s. em.ª, foram as suas proprias palavras que eu aqui marquei. No decurso do meu discurso eu farei a confrontação do tempo presente e do tempo passado, e mostrarei que o episcopado tem ganhado mais consideração com o moderno systema do que tinha no passado. Não hei de acompanhar s. em.ª nas digressões que fez. O que nos importa o que se passou em França, o que se julgou ali dever fazer-se quando não estamos tratando de direito constituendo, mas de direito constituido! E para que é tanta vehemencia? Sr. presidente, não azedemos as questões, não as azedemos logo no principio e discutamo-las com toda a tranquilidade e placidez.

Vamos á questão que nos occupa, e ver-se-ha que ella diz respeito a um facto simples, muito simples.

Vagou um logar de escrivão da camara ecclesiastica; o prelado competente logo tres dias depois fez a proposta de um só individuo; subiu esta para o governo (e este proceder contém a resposta mais concludente aos argumentos que se apresentam, negando ao governo o direito de nomear). Foi o proprio prelado com quem te dá a questão aquelle que reconheceu que o governo tinha esse direito, por isso lhe dirigiu a proposta dizendo que o individuo que propunha era o unico que julgava digno para occupar tal logar; param-se tempos, outros pretendentes affluiram com requerimentos ao governo, e entretanto aquelle que fóra primeiramente indigitado foi elevado a emprego de mais alta categoria, de sorte que chegado o momento de se prover aquelle logar, recaíu a escolha n'outro individuo sem que sobre isto fosse ouvido previamente o prelado da respectiva diocese. A questão portanto que temos agora a avaliar é saber se o governo tinha direito de nomear, e se tinha obrigação de ouvir o prelado: são estes os dois pontos capitães, e emquanto te nega aqui o direito que o governo tem de fazer taes nomeações, esquece se, ou parece esquecer, que muitos dos dignos pares têem já estado no ministerio em occasiões que o governo tem feito iguaes nomeações, usando do mesmo direito que hoje te questiona, e que é desconhecido até por quem já o reconheceu...

O sr. Aguiar: — Não é o mesmo caso.

O Orador; — Se o decreto de 1833 não tem sido observado em toda a sua plenitude, podia-se fazer essa arguição, ou propor a alteração do decreto, mas negar o direito que dá a lei, e accusar o governo por cumprir, e querer que se cumpram as leis, e faze-las mesmo cumprir, isso não acho que seja rasoavel, nem justo ou conveniente. No que eu combino com s. em.ª é emquanto a dizer que o artigo 75.°, § 2.° da carta não é applicavel a esta questão; assim se s. em.ª apresentasse a proposta para a declaração ou modificação do decreto de 1833, talvez me teria a seu lado, mas emquanto elle existe intacto não é acertado o fazer arguições taes á secretaria da justiça, dizendo-se que ella é constante em fazer invasões ás attribuições do episcopado, mas emfim isto é moda, e eu já fui alvo de taes accusações! Tudo se faz encabeçar nos attributos essenciaes do episcopado! Não confundamos porém cousas inteiramente distinctas; essas attribuições essenciaes do episcopado todos as respeitam. Emanaram do Redemptor, ninguem pertende ou póde querer ataca-las. Jesus Christo estabeleceu a sua igreja, e não podia omittir cousa que fosse necessaria para -à sua essencia, não achou por consequencia que estivesse n'esse caso a entidade de secretario e escrivão da camara ecclesiastica; tal entidade não existiu durante os primeiros dez seculos. Só depois de passados mil annos vieram os notários apostolicos, e os notários episcopaes, e nomearam se d'aquelles em tanta quantidade e com tanto abuso que o orbe christão se encheu desses funccionarios, muitas vezes sem dotes proprios, e sobejamente ignorantes, foi necessario que o concilio tridentino viesse dar o remedio a fim de haver notários ecclesiasticos competentes e esclarecidos.

Cumpre porém, sr. presidente, que se distinguam cousas diversas, e que não laboremos n'uma confusão: uma cousa é o secretario do bispo, outra couta é o escrivão da camara ecclesiastica: no patriarchado mesmo tem havido ambas as cousas. Ha poucos annos nesta capital se suscitou uma grande questão sobre erros que se attribuiram ao escrivão da camara ecclesiastica: foi nomeada uma commissão de inquerito, de que fez parte o honrado bispo de Vizeu, que se acha presente; essa commissão teve correspondencia com o escrivão da camara ecclesiastica, que era um secular, e com o secretario privativo de s. em.ª, entidade muito differente que não exerce funcções publicas como o escrivão, e que era n'esse tempo o actual ex.mo bispo de Lamego.

Sr. presidente, o officio de escrivão da camara ecclesiastica é um officio ecclesiastico em mão do teu objecto e dos negocios que ali te tratam, mas não em rasão da pessoa; eu logo farei ver o erro em que se labora, pensando-se que elle deve ser exercido por um ecclesiastico.

(Dão cinco horas).

Vozes: — Deu a hora.

O Orador: — Sr. presidente, a questão tem-se complicado, e eu tenho considerações a fazer que não cabem em poucos minutos, não desejaria levar a palavra para casa, mas sendo impossivel, espero que V. ex.ª me reserve o meu direito na inscripção para continuar ámanhã (apoiados).

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a mesma de hoje; e fica reservada a palavra ao digno par que encetou o seu discurso.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e um quarto.