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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO EM 18 DE MARCO DE 1864

PRESIDÊNCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Conde de Mello

(Assistia o sr. ministro da justiça.)

Ás duas horas e meia da tarde, estando presente numero legal, declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente sessão, que se julgou approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Deu se conta da seguinte correspondencia:

Um officio do ministerio das obras publicas, commercio e industria, acompanhando, para serem depositados no archivo da camara, 03 autographos dos decretos das côrtes geraes n.ºs 193, 202, 213, 217, 225, 226, 227 e 233.

Tiveram o competente destino.

O sr. Vellez Caldeira: — Pediu a palavra para ponderar que a commissão de legislação não se tem reunido por faltarem alguns dos seus membros, rasão por que pedia que lhe fossem aggregados os dignos pares Basilio Cabral e Filippe de Soure.

O sr. Presidente: — Consultarei a camara ácerca do pedido do digno par.

A camara decidiu affirmativamente.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, quando na ultima sessão fallei ácerca de certo roubo que tinha havido no deposito publico, o sr. ministro da justiça teve a bondade de me dizer que se havia de informar a tal respeito para então me poder responder; e eu agora peço a s. ex.ª que se não esqueça do promettimento que fez, por isso que desejo muito saber o que se passou.

O sr. Ministro da Justiça (Gaspar Pereira): — Eu me informarei.

O sr. Bispo de Vizeu: — Pedi a palavra para mandar para a mesa duas notas de interpellação: uma ao sr. ministro das obras publicas e outra ao sr. ministro da justiça.

O sr. Secretario: — Leu-as, e são do teor seguinte:

«Desejo saber, pelo sr. ministro da justiça, se o governo tem o proposito de fazer passar nesta sessão o projecto de lei da dotação do clero.

«Camara dos pares, 16 de março de 1864. = Bispo de Vizeu.»

«Desejo interpellar o sr. ministro das obras publicas ácerca do estado da viação publica na provincia de Trás os Montes e estrada marginal do rio Douro.

«Camara dos pares, 16 de março de 1864. = Bispo de Vizeu.»

O sr. Presidente: — Mandam-se expedir. Vamos entrar na

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA INTERPELLAÇÃO DO DIGNO PAR O SR. MARQUEZ DE VALLADA AO SR. MINISTRO DA JUSTIÇA, RELATIVAMENTE Á NOMEAÇÃO DO SECRETARIO DA CAMARA ECCLESIASTICA DE COIMBRA.

O sr. Ministro da Justiça: — Sr. presidente, na sessão passada paguei o meu tributo de louvor ao nobre marquez de Vallada, reconhecendo os seus elevados talentos nas muitas e variadas considerações que o digno par houve por bem fazer, por occasião de me interpellar ácerca do despacho do escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra.

Sr. presidente, o digno par dirigiu-me ásperas censuras e fez-me violentas accusações, e quando eu começava, na sessão de quarta feira, a produzir a minha defeza com referencia a essas mesmas accusações, deu a hora e não pude progredir nas minhas reflexões. Fiquei com a palavra reservada para hoje, e vou continuar a minha tarefa. Antes porém de me occupar com a analyse das considerações apresentadas pelo digno par, seja-me permittido fixar a questão; isto é, collocar a accusação nos seus verdadeiros termos, e ao mesmo tempo desembaraça-la de uma quantidade immensa de phrases e reflexões, aliàs muito eloquentes, mas que devem ser reduzidas a termos precisos; sem o que não é possivel fazer-se uma idéa acertada do ponto da accusação.

Sr. presidente, de que sou eu accusado? E preciso dize-lo com toda a clareza. Sou accusado ou arguido de ter referendado o decreto que despachou o escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra, sem primeiro ter obtido prévias informações do prelado d'aquella diocese. Eis-aqui o ponto principal da accusação.

Este facto que eu confesso ter praticado, o que significa? O que é elle? Na phrase do digno par, o sr. marquez de Vallada, despachar um escrivão da camara ecclesiastica de qualquer diocese, sem previa informação do prelado, é atacar a magestade do throno, é rojar por terra o manto real, é ferir a dignidade da corôa, etc.....

O sr. Marquez de Vallada: — Peço a palavra.

O Orador: — Persuado-me, sr. presidente, que ha neste modo de classificar o acto praticado, bastante exageração. Quando referendei o despacho do escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra sem previas informações do prelado, nunca pela imaginação me passou que isso fosse cousa que não estivesse dentro das attribuições do poder executivo, nem mesmo pensei que attentava contra a magestade do throno, que ía ferir as prerogativas da corôa, que ía rojar o manto real, e que referendando o decreto me tinha collocado em tal posição, que devia logo, como disse o digno par, partir para Ajuda a fim de pedir a minha demissão.

Eu devo declarar, sem difficuldade e sem d'isso fazer mysterio, que talvez em breve parta para o paço a fim de pedir a demissão do meu logar, mas não é pela rasão de ter nomeado um escrivão para a camara ecclesiastica de Coimbra sem as informações do reverendo bispo, é porque a minha saude não comporta o trabalho que tenho tido, e que tenho actualmente, o qual vou desempenhando com o zêlo e dedicação que me tem sido possivel.

Parece-me pois que não hei de deixar o logar que occupo pelo motivo que s. ex.ª indicou; e quando isso acontecesse a minha consciencia estava tranquilla, por isso que não fiz mais do que usar das prerogativas do poder executivo. E devo mesmo declarar, que só eu sou responsavel pelo acto praticado, porque o digno par sabe perfeitamente que isto não são negocios que se tratem em conselho de ministros; é por consequencia, repito, um negocio de minha responsabilidade e de mais ninguem, como já hontem tive occasião de dizer.

Outra arguição me fez o digno par, o sr. marquez de Vallada, porque s. ex.ª não me argue só de eu ter despachado o escrivão da camara ecclesiastica, sem previas informações do reverendo prelado.

O digno par foi mais longe, e quiz arguir-me de ter feito um despacho que só pertencia ao reverendo bispo e não ao governo; para sustentar esta sua proposição recorreu ao disposto na ordenação do reino, livro 2.°, titulo 20.° Ora parece-me que, por mui subidos que sejam os talentos do digno par, nunca s. ex.ª poderá tirar da ordenação do reino argumentos para concluir que o despacho do escrivão de uma camara ecclesiastica não pertence ao governo, mas sim ao prelado...

O sr. Marquez de Vallada: — Isso é um argumento secundario.

O Orador: — Peço perdão, eu respondo aos argumentos principaes e tambem aos secundários.

Mas esta ordenação a que o digno par se refere trata dos escrivães dos vigários, mosteiros e notários apostolicos, declara as escripturas, que uns e outros podem fazer e os salarios que devem levar. E um titulo que tem apenas um paragrapho, e as suas disposições são taes que nem proxima nem remotamente se podem referir ao caso em questão.

Parece-me que s. ex.ª tambem disse que para este despacho havia de preceder proposta do reverendo bispo. O digno par lembrou-se talvez da lei que diz respeito aos seminarios, a de 28 de abril de 1845, a qual determina n'um dos seus artigos, que a nomeação dos professores para os seminarios em cada uma das dioceses, pertence ao prelado salva a approvação do governo.

O que porém o digno par não é capaz de apresentar é uma lei que diga = a nomeação do escrivão da camara ecclesiastica de qualquer diocese pertence ao prelado =. Ha sim uma lei, sr. presidente, que estabelece quaes os casos em que aos prelados compete a nomeação d'este ou d'aquelle empregado; essa é lei de 28 de abril já citada, quando diz que o provimento das cadeiras para o curso dos estudos theologicos e canónicos, que mandou estabelecer nos seminarios, será feito pelo governo sobre proposta dos respectivos prelados, mas d'aqui resulta que é indispensavel que a lei assim o declare expressamente como excepção, e todas as nomeações que não estiverem estabelecidas n'essa excepção pertencem á regra geral de deverem ser feitas pelo governo sem dependencia de proposta que é justamente o que acontece com o funccionario de que se trata, e por isso entendi eu que podia fazer a nomeação sem preceder a proposta do prelado.

Não é portanto da attribuição dos prelados diocesanos a nomeação do escrivão da camara ecclesiastica. Isto é incontestavel, não admitte replica.

Já avancei esta proposição, torno a repeti-la, e sustento que não é da sua attribuição, porque a lei moderna, a lei fundamental do estado e outras que citei na sessão passada, e que não citarei agora, dizem que taes despachos são da attribuição do governo. Mas ainda ha mais. Agora me occorreu que devo responder a outro argumento que apresentou o digno par. S. ex.ª quando quiz provar á camara que a nomeação pertencia ao prelado, recorreu não só á ordenação do liv. 2.°, tit. 20.°, como já disse, mas tambem mencionou um alvará de 1676, e fallou em Van-Espen. E verdade que s. ex.ª não citou nem referiu o volume e o titulo dessa obra, mas disse e annunciou que s. em.ª o sr. cardeal patriarcha faria uma citação mais ampla d'esse auctor.

O sr. Marquez de Vallada: — Peço perdão, eu disse que suppunha que o sr. cardeal patriarcha faria uma citação mais ampla.

O Orador (continuando): — Pois bem, se alguem citar o Van-Espen, eu desde já respondo, que em vista da legislação a que me tenho referido, o § 2.° do artigo 75.° da carta, e o decreto de 5 de agosto de 1833, nem a ordenação, nem a disposição do alvará de 1676, nem as doutrinas de Van-Espen, que eu não tive tempo de ver, podem vigorar em virtude das disposições expressas da legislação actual. É uma das attribuições do poder executivo, torno a repetir, a nomeação do escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra, e essa nomeação pertence-lhe sem dependencia de proposta, mas como uma das attribuições do governo, eu digo o que sempre disse.

As informações, sr. presidente, são convenientes, convenientissimas, ninguem deixou de as pedir em regra, nem quando se trata da nomeação de escrivães das camaras ecclesiasticas, nem da nomeação de outros empregados, ainda de menor importancia; mas não havendo lei que obrigue a pedir essas informações podem dar-se casos em que ellas se devam dispensar. Nas circumstancias que se deram entendi que tinha informações bastantes, e que estava sufficientemente habilitado com ellas para poder fazer o despacho que teve logar.

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Assim procedi, foi provido o officio de escrivão, e obrei na melhor boa fé Bem nenhuma idéa de desconsideração para com o prelado, pelos motivos que logo hei de explicar detidamente, e entendo que não ultrapassei em cousa alguma as attribuições do governo nem invadi as do episcopado, por isso que podia fazer o despacho dentro da lei e dentro das conveniencias. Posto isto, sr. presidente, continuarei no exame do contexto do officio a que já me referi, e por essa occasião me será facil ir explicando, quaes foram os motivos que determinaram o meu procedimento, motivos muito alheios, muito distinctos, muito diversos desses a que elle se tem querido attribuir: nem quiz servir afilhados, nem houve pressão politica, nem influencia eleitoral; nada d'isso existiu. O que houve a camara o saberá pela referencia que vou fazer, e pelas explicações que vou dar.

Chegou á secretaria a participação de que tinha vagado o logar de escrivão da camara ecclesiastica do Coimbra. Já disse na sessão passada, e agora repito, que me persuado que não póde considerar-se no verdadeiro sentido da palavra, um logar de confiança, o logar de escrivão de uma camara ecclesiastica, disse já e não quero demorar me sobre este ponto, que tanto podia ser exercido esse logar por um ecclesiastico, como por um secular. O officio a que me estou referindo continua e diz — que n'estas circumstancias, entendia (o prelado) que a pessoa que estava mais no caso de poder desempenhar satisfatoriamente o logar de escrivão da camara ecclesiastica era o presbytero José Ferreira Fresco, e que se esta proposta agradasse ao governo, seria muito conveniente que o despacho se fizesse sem demora, a fim de não despertar a cobiça de muitos que se preparavam para requerer o logar. E verdade, sr. presidente, que o officio falla no presbytero José Ferreira Fresco, e não dizia que elle era beneficiado da sé de Coimbra; mas eu sabia que este presbytero era beneficiado da dita sé de Coimbra, porque pouco tempo antes tinha sido concorrente a uma conesia que vagara.

Escusado é estar a cansar a camara repetindo os motivos que se deram n'essa occasião para elle não ser provido, e ter recaído o despacho n'outro individuo. Basta só dizer que tendo eu conhecimento da circumstancia de que o individuo proposto era beneficiado, foi isso bastante para desde logo entender que não devia prove-lo no logar de escrivão da camara ecclesiastica e que não devia accumular empregos. N'este ponto começaram os meus actos de deferencia e consideração para com o reverendo prelado; muito longe de querer favorecer afilhados, como se disse, nunca similhante idéa me passou pela imaginação; mas como o beneficiado não devia ser escrivão, accumulando assim beneficio e officio, não foi provido, e tambem não foi logo despachado outro por contemplação para com o prelado, consentindo em que esse que propozera continuasse a servir internamente porque essa era a idéa em que eu estava. Entendi que d'este modo dava da minha parte uma prova evidente de deferencia para com o reverendo bispo, e ainda hoje sustento que assim devera ter sido avaliado o meu procedimento, se motivos que não sei explicar lhe não tivessem querido attribuir uma causa ou causas inteiramente alheias da verdade. Causas que não actuaram nunca em meu animo, sejam quaes forem as aparências. Demorei pois o despacho, e demorei-o em attenção ao sr. bispo conde. Ora esta demora que houve não seria sô por si uma prova clara de que não existia sobre mim pressão nenhuma, nem me movia interesse algum politico? Se houve pedidos, se eu era acabrunhado por elles, como se disse, teria feito logo o despacho, e não o demoraria perto de um anno.

Bem pouco se deixou dominar por essas chamadas influencias politicas quem retardou o provimento de um logar que poderia ter sido provido um anno antes! O despacho foi demorado, e foi demorado por considerações para com o prelado, torno a repetir, porque não podia ser despachado, o presbytero José Ferreira Fresco, por elle proposto, e desejava encontrar uma occasião de o prover neutro logar, para então recaír o despacho n'outro individuo,. sem desconsiderar a proposta do prelado. Era um meio conciliador; era repelli-la sem parecer que a rejeitava. O ensejo deu-se com brevidade, porque passado pouco tempo vagaram duas cadeiras de conego; abriu-se concurso para serem providas, e não tardou que se apresentasse para uma dellas o presbytero José Ferreira Fresco. N'este ponto, sr. presidente, eu entendi que não devia prover o logar sem ver o resultado do concurso, porque se fosse favoravel aquelle pretendente, do qual já tinha boas e excellentes informações, era minha intenção prove-lo, e despachar n'esse caso outro individuo para o logar de escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra, sem julgar que o prelado se podesse offender, porque o seu proposto era assim elevado a um cargo mais alto.

Eis-aqui está, sr. presidente, a explicação do modo como procedi. Tenho dito e repetido muitas vezes, que não tive nenhuma idéa de desconsiderar o prelado, e antes dar-lhe provas de deferencia. Eu ainda não declarei explicitamente os motivos por que não pedi informações, mas vou faze-lo. Fechou-se o concurso para o provimento das duas cadeiras de conego da sé de Coimbra; as informações foram como as primeiras a respeito do presbytero José Ferreira Fresco, e entendi que não havia motivo nenhum para que se não expedisse o despacho a favor d'elle.

Mas como se dava uma circumstancia, que é preciso declarar á camara, como se dava a circumstancia de eu estar intimamente convencido de que a pessoa que servia interinamente o officio de escrivão da camara ecclesiastica era aquella que o reverendo prelado havia proposto, por isso que no officio que participava a vacatura nem uma palavra se dizia ácerca da pessoa nomeada para servir interinamente; como estava n'esta idéa, fiquei entendendo que o officio de escrivão ficava desde logo Bem ter quem o exercesse, visto que era despachado conego aquelle que eu presumia que o estava servindo interinamente. N'estas circumstancias pareceu-me conveniente não demorar por mais tempo o despacho do escrivão da camara ecclesiastica.

Os requerimentos que havia na secretaria, pedindo o logar, eram treze; mas não se conte o do beneficiado que foi promovido a conego, e temos que eram doze os pretendentes. Eu via-me na necessidade de prover um, sem demora, porque, como já disse, presumia que o serventuário interino o ía abandonar, visto que fora despachado conego.

Não era cousa difficil remetter ao prelado os doze requerimentos que existiam na secretaria e pedir informações; mas como não desejava retardar por maia tempo o despacho do escrivão, entendi que era conveniente examinar desde logo os requerimentos, resolvido a realisar o despacho se os documentos combinassem com informações que eu tinha, e podessem dispensar as do prelado, visto que não havia offensa de lei em deixar de lh'as pedir. Foi o que fiz. Examinei os requerimentos e documentos, e pareceu-me em melhores circumstancias o do supplicante Monte Negro.

Na verdade começa o supplicante por juntar certidões de que é formado na faculdade de theologia, e na de direito pela universidade de Coimbra, junta documentos que attestam a sua exemplar conducta e bom comportamento, e não se diga que eu pedi informações á commissão administrativa, ou que pedi informações á camara municipal, isto não se podia affirmar com verdade; o que digo e disse é que existiam juntos ao requerimento attestados da boa conducta do supplicante. E essas corporações que os deram, julgo eu que não são compostas de pessoas que ponham a sua assignatura em attestados menos verdadeiros. Esses documentos todos fizeram-me convencer da idoneidade do pretendente, das suas habilitações e da sua boa conducta.

O sr. Marquez de Vallada: — Não havia attestado do prelado?

O Orador: — Nada, não havia... E tinha eu já conhecimento d'estes oppositores? Tinha eu já conhecimento d'este pretendente que despachava para escrivão da camara ecclesiastica? Tinha, declaro á camara, e declaro francamente que tinha conhecimento d'elle, e bem assim tinha conhecimento de todos, ou quasi todos quantos requereram.

Sr. presidente, no nosso paiz é costume os pretendentes, sejam elles de que categoria forem, dirigirem se sempre a alguem que os recommende a quem ha de intervir no despacho que pretendem. Isto é cousa tão sabida que basta affirmar-se para que ninguem se atreva a duvidar. Todos os pretendentes têem alguem que os recommende mais ou menos. E essa recommendação de que serve? Serve muitas vezes de informar sobre as qualidades da pessoa que requer. Todos os dias está acontecendo isto. Portanto n'aquelle momento eu tinha informações de todo3 os pretendentes, e tinha o testemunho de pessoas de consideração, de que o requerente de quem se trata, não só era bacharel formado em duas faculdades, mas que gosava de bom conceito e que tinha dado provas de boa conducta. Não. me faltavam tambem informações dos outros, como posso dizer que tenho sempre da maior parte dos que requerem logares, sejam elles de que natureza forem. Essas informações combinavam com os attestados e recaíam sobre um individuo que era formado em duas faculdades; estava portanto de sobejo habilitado para ser escrivão de uma camara ecclesiastica. Eis-aqui pois o motivo por que deixei de pedir as informações ao reverendo prelado de Coimbra. Não as julguei precisas em taes circumstancias e não havia lei que me obrigasse a pedi-las. Portanto parece-me que não podia ter receio quanto ao acerto do despacho e idoneidade da pessoa, já pelos documentos, já pelo que me affirmaram pessoas para mim de grande credito.

Parece-me que estava no caso de ser despachado, sem que o despacho se deva attribuir nem a pressão, nem a outras considerações politicas.

São da mesma data os decretos e publicaram-se no mesmo dia, tanto aquelle que despachou conego da Sé de Coimbra o proposto para escrivão e com muita satisfação da minha parte, como aquelle pelo qual era provido no officio de escrivão da camara o bacharel Monte Negro. E quando eu digo que tive muita satisfação em promover a conego o proposto para escrivão é porque entendi que dava uma prova de deferencia ao prelado, não porque elle me tivesse feito algum pedido, mas por se tratar de uma pessoa que merecia o seu conceito, e a respeito da qual me tinha informado tres mezes antes com muita vantagem e distincção.

Julguei pois que fazia, não um favor ao prelado, mas sim um despacho que lhe seria agradavel, devendo ao mesmo tempo prover o logar de escrivão da camara ecclesiastica n'aquelle dos requerentes que se mostrasse mais habilitado e de quem tivesse taes informações, que me devessem fazer acreditar que o reverendo bispo cumpriria o despacho sem difficuldade nem repugnancia. Enganei-me, não aconteceu assim, e n'este ponto veiu a representação já publicada! O que contém essa representação? Contém justamente o que eu não esperava, nem tinha motivo nem rasão nenhuma para poder esperar. O nobre prelado, que eu acredito que procedeu na melhor boa fé, que procedeu como entendeu na sua consciencia, andou quanto a mim, de um modo que me pareceu, e ainda hoje me parece, precipitado e que o não comportava o caso da nomeação do escrivão! Na representação, dizia o reverendo bispo com referencia ao officio em que participava a vacatura: «Não fui attendido, porque a proposta que fiz não se tomou em consideração; não me pediram informações, e appareceu despachado Antonio Maria Montenegro para escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra! Este homem não tem pratica nenhuma dos negocios ecclesiasticos, este homem é um apóstata das ordens que recebeu, não merece a minha confiança, não está no caso de ser despachado».

Quando vi esta representação, pareceu quanto á primeira parte, que não havia uma rasão séria nem um argumento concludente que se pudesse apresentar. Pois um bacharel formado na faculdade de theologia e na de direito não tem pratica dos negocios ecclesiasticos, a necessaria para ser escrivão de uma camara ecclesiastica? Pois póde presumir-se que lhe falte a pratica precisa para exercer o officio de escrivão. Supponhamos que lhe faltava essa pratica. Pois um homem formado em duas faculdades não póde habilitar-se para adquirir a necessaria pratica em oito dias? Não havia pois motivo para se dizer que ao despachado faltava pratica dos negocios ecclesiasticos.

Eu não posso admittir taes argumentos. Um homem que é formado, não digo em duas faculdades, mas em uma, tem a presumpção a seu favor, de que póde exercer um emprego muito mais elevado e difficil do que um officio de escrivão. Entendo que taes argumentos não são aceitáveis, e que tal rasão se não podia ter como rasão concludente e forte, pelos motivos que acabo de referir. Mas o homem é apóstata das ordens que recebeu. A palavra apóstata, na significação natural, não se costuma applicar no sentido em que a applicou o reverendo bispo no seu officio. Parece me haver n'isto uma especie de desfavor para a pessoa a quem se quiz attribuir apostasia. No sentido natural, apóstata é aquelle que tem a infelicidade de renegar a religião que professa; mas eu não quero entrar mais detidamente n'este assumpto.

A verdade é que o despachado chegou a tomar ordens sacras, mas não seguiu o estado ecclesiastico e não completou a sua ordenação, não recebeu as ordens de presbytero. Pois um homem que se acha n'estes casos não está habilitado para desempenhar um officio que se dá muitas vezes a um secular? Não se trata do um beneficio que só póde ser conferido a um sacerdote, trata-se de um officio que póde exercer o secular quando tenha as habilitações precisas, bom comportamento e conducta regular.

N'este caso pareceu-me que bem podia exercer o officio de escrivão da camara ecclesiastica em Coimbra aquelle que tinha ordens sacras, embora não tivesse concluido a sua ordenação.

Pelo que fica referido entendi que o nobre prelado depois de reflectir mais maduramente sobre o ponto em questão, deixaria de se oppor e de se recusar ao cumprimento da carta de mercê que devia ser expedida a favor do agraciado.

Mas elle diz positivamente, allegando só estes dois motivos no seu officio, que não póde dar a posse ao nomeado, e que para evitar complicações com o governo pedia licença para impetrar a concessão de renuncia do seu bispado! Confesso que a leitura de tal documento, que estava bem longe de esperar, me causou verdadeira magua, e talvez que a sensação que em mim produziu me não desse tempo para reflectir bem no que mais convinha fazer! Talvez que se eu não tratasse de dar uma resposta prompta negasse decididamente a licença ao reverendo bispo para impetrar a sua resignação, visto que não havia motivo suficiente para isso.

Mas, sr. presidente, eu enchi-me de pesar, e persuadindo-me ainda que o reverendo prelado havia de reconsiderar, fiz-lhe expedir uma portaria, que foi já publicada, e que é do dominio do publico, portaria em que se explicava ao reverendo bispo a rasão do despacho, fazendo-lhe ver que não tinha havido a mais leve idéa de o desconsiderar, e se manifestava ahi a esperança e o desejo de que elle deixasse de insistir na sua pertensão infundada de renunciar, concluindo todavia por dizer-lhe, que se fosse absolutamente irrevogavel similhante resolução, n'esse caso se lhe concedia, com pesar, a licença pedida.

Dadas porém estas explicações, que eu julguei a principio que seriam suficientes, e que fariam entrar as cousas n'um caminho regular, não aconteceu assim; veiu immediatamente a resposta, com uma carta dirigida ao núncio de Sua Santidade, e uma supplica dirigida ao Santo Padre, na qual effectivamente se pedia a renuncia; estes documentos vinham todos abertos, foram lidos na secretaria da justiça, tiraram-se as competentes copias, sendo os originaes remettidos para a secretaria dos negocios estrangeiros, a fim de serem dirigidos para o seu destino. N'este tempo aggravou-se o meu mau estado de saude; por alguns dias estive fóra do serviço, e voltando a elle fiz expedir ao digno prelado de Coimbra um officio, que tambem é do dominio do publico, e tem a data de 19 de novembro do anno proximo passado. Quanto a esse officio parece-me que posso affirmar que todas as pessoas que o lerem imparcialmente, e com a devida attenção, hão de encontrar n'elle os motivos que explicam assas a minha conducta, sem necessidade de a attribuir ás causas a que tem sido attribuida, tão alheias da verdade como tenho declarado e confessado mais de uma vez, não havendo nunca da minha parte a mais leve idéa de offensa.

Participou-se pois por officio ao mesmo prelado que a sua representação tinha immediatamente tido seguimento, e este negocio assim permaneceu até que ha dias se espalhou que a renuncia não fóra aceita pelo Santo Padre. Eu já tive occasião de declarar que me não chegou ainda communicação alguma official sobre esse ponto, e já tive tambem occasião de dizer e declarar que toda a correspondencia dos reverendos prelados com o núncio de Sua Santidade deve ser feita na conformidade da portaria de 15 de dezembro de 1860, que suscita a observancia de muitas outras disposições, ordenando que tal correspondencia tenha logar por intermedio do governo, portanto não é pois de esperar que qualquer communicação que haja a fazer a respeito da renuncia deixe de ser feita por intermedio do governo.

Disse o digno par que sabe e póde affirmar que o reverendo bispo de Coimbra está na firme resolução de não dar

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a posse ao escrivão nomeado para a camara ecclesiastica, e n'este caso pergunta s. ex.ª o que é que tenciona o governo fazer. Acrescentou mesmo era fórma de repetição mais explicita: se o reverendo prelado presiste na firme resolução de não dar a posse, que de certo não dá-se elle não resigna o bispado por isso que lhe não foi concedida licença para a resignação, o que é que pretende o governo? Ha de trazer aos tribunaes um ancião respeitavel? Vozes: — Ouçam, ouçam.

O Orador: — E acrescentou ainda o mesmo digno par: pois o governo não ha de ter consideração pelas grandes virtudes, avançada idade e longos serviços de tão venerando prelado? Por ventura quererá o governo chegar a tal extremo?

Sr. presidente, o governo, e creio que toda a gente, respeita como deve os serviços, a idade e as virtudes de tão digno prelado, não deseja por fórma alguma traze-lo aos tribunaes; eu não sei mesmo se a carta da nomeação do empregado a que se allude lhe foi ou não apresentada já, quando o for, espero que ha de ser cumprida, por isso mesmo que o digno prelado não póde desconhecer que no caso de se não cumprir, há motivo para um recurso, e esse recurso é de lei e não se póde tolher, mas sem nos lembrarmos d'isso eu confio que a carta depois de apresentada tem de ser cumprida; se o não fosse que fará o governo em circumstancias tão graves?

Sr. presidente, eu creio que não haverá quem tenha dado mais provas do que eu, tantas sim, de que deseja a melhor harmonia entre o governo e os dignos prelados, podia mesmo apontar factos para comprovar esta asserção que é verdadeira, e todavia tenho a infelicidade de me arguirem por haver mostrado menos consideração e menos respeito para com os dignos prelados.

O sr. Conde de Thomar: — Isso é verdade.

O Orador: — Sim, tenho essa infelicidade, mas resta saber se é com fundamento ou sem elle.

Antes porém de responder definitivamente sobre a pergunta, o que fará o governo? Seja-me licito voltar ainda por um momento aos termos da representação. Pois porventura dando-se o caso de haver algum motivo para não poder ser admittida a pessoa que foi nomeada, os termos serão sómente ou deverão acaso ser áquelles de que usou o reverendo prelado, isto é, seria caso de uma declaração positiva de que não havia de obedecer?! Eu creio que os termos eram outros e muito differentes se havia rasões para repellir o agraciado: se tivera procedido assim o reverendo bispo as cousas teriam tomado outro caminho, e não teriam chegado ao extremo a que infelizmente chegaram; mas eu ainda tenho a esperança de que a cordura e sensatez do digno prelado ha de fazer com que se possa saír bem d'esta difficuldade em que nos encontrámos, não esperando que possa haver da parte do governo condescendência senão aquella que deva dar-se sem que de fórma alguma se offendam as prerogativas da corôa, que eu particularmente na qualidade de ministro tenho o dever e rigorosa obrigação de sustentar.

Sr. presidente, estou bem certo de que todos áquelles que dizem que o decreto que tem feito objecto d'esta interpellação devia ficar sem effeito pelas rasões que produziu o reverendo bispo, se estivessem no meu logar não propunham de certo a revogação d'elle por similhantes fundamentos.

Mas, seja como for, o que é certo é que os termos a seguir eram outros: circumstancias tem havido com alguma similhança com esta que hoje se dá, e esses casos têem-se resolvido pelo bom accordo entre o governo e os dignos prelados. Imagine-se a seguinte hypothese: trata-se do provimento de um beneficio ecclesiastico, pedem-se informações sobre os differentes candidatos e oppositores a elle, porque a lei manda expressa e determinadamente que se peçam essas informações, o prelado diz: «O oppositor A tem sufficientes habilitações litterarias, mas é irrascivel de genio, tem poucos serviços prestados á igreja; o oppositor B é bemquisto dos povos tem prestado serviços á igreja, mas a sua instrucção é medíocre; o oppositor C tem habilitações tem serviços, mas não convem, seria prejudicial o provimento n'elle»; o governo em circumstancias taes tem examinado todas essas informações, e depois tem se dirigido aos prelados, dizendo: «olhae que o oppositor C junta valiosos documentos ao seu requerimento, ha representações a favor d'elle, ha boas informações, parece pois que não está no caso de ser excluído:» resposta: «O oppositor Cesta no caso de ser excluído; não obstante essas informações e esses serviços ha motivos de consciencia para dizer que se faz um desserviço á igreja, recaíndo o provimento em to! individuo». O governo, no fim de tudo isto, tem condescendido com a opinião dos prelados, e não querendo dar logar a conflictos tem escolhido outro candidato tambem digno para ser provido (apoiados).

Alguém me poderá dizer: «Mas nesses casos pediram-se as informações aos prelados, e n'este não se pediu informação» (apoiados).

Pois bem deixemos a primeira hypothese, ou antes facto verdadeiro, e figuremos um caso mais a proposito: apparece um decreto de nomeação para um emprego ecclesiastico, publica-se o despacho, e pouco tempo depois chegam á secretaria informações que dizem que o agraciado não é digno de exercer o logar, que é vicioso, que se entrega ao excesso das bebidas. Qual é a consequencia em tal caso? Expede-se ordem immediata para suspender os effeitos do decreto, não se passa guia para tirar carta, e procede-se a novas indagações e informações. Se se verifica que as informações desfavoraveis não foram calumniosas declara-se sem effeito o decreto, e o despacho fica como se não tivesse nunca existido; se se verifica que não eram exactas, e que bem pelo contrario o nomeado é pessoa digna, cumpre-se e executa-se o decreto, produzindo todos os seus effeitos. E pergunto eu: não se deveria ter agora procedido do mesmo modo?

Se o reverendo prelado, em vez de dizer «eu fui desconsiderado por essa nomeação; a pessoa nomeada não tem pratica dos negocios ecclesiasticos, é um apóstata das ordens, não lhe posso dar posse, peço licença para renunciar»; se tivesse dirigido ao governo, e confidencialmente lhe dissesse, porque estas cousas devem ser confidenciaes: «o governo foi illudido nas informações que teve a respeito do requerente, e eu lamento que não me pedisse informações, porque se m'as pedisse, eu teria dito que o nomeado tem taes e taes qualidades, e por isso não póde ser provido», o governo suspendia o decreto, mandava proceder a todas as averiguações para proceder a final de conformidade e não tinha chegado de maneira nenhuma este desagradavel negocio ao ponto a que chegou; estes eram os termos que se deviam ter seguido: mas desde o momento que o reverendo bispo veiu dizer «não posso dar posse ao nomeado» sô por esse facto ha de o governo concordar immediatamente na revogação do decreto?! Alguém póde tal aconselhar? Pôde alguem dizer que se não sustentem as prerogativas da corôa? E não será isto atacar a dignidade do throno?! Eu entendo que outra era a marcha que se devia ter seguido neste negocio. Da parte do governo, e da minha parte, nunca houve difficuldade em ir de accordo com os reverendos prelados, e dar-lhes, como tem dado, evidentes provas de respeito e consideração.

Por agora limito aqui as minhas explicações. Parece-me que ellas de algum modo são sufficientes; ao menos satisfazem a minha consciencia.

O sr. Marquez de Vallada: — V. ex.ª não respondeu ainda ao final, que é a parte mais importante (apoiados).

O sr. Ministro da Justiça: — Sobre que?

O sr. Marquez de Vallada: — Sobre o que ha de fazer o governo não havendo accordo.

O sr. Ministro da Justiça: — Verdade é que me esquecia a parte mais importante, que é justamente a pergunta sobre o que ha de fazer o governo em ultimo caso.

Eu digo a V. ex.ª: o governo não espera, nem eu, de modo nenhum, que deixe de se cumprir a carta de nomeação, mas senão for, o caso é grave, é gravissimo (apoiados), e esse caso é que eu levo ao conselho de ministros; não é o despacho do escrivão; esse caso da recusa formal, depois de esgotados todos os meios convenientes, é que lá ha de ir. Se o digno prelado insistir em não cumprir a carta regia hei de levar o negocio ao conselho de ministros, hei de proceder e obrar nos termos da lei, como me aconselha o dever que tenho de sustentar as prerogativas da corôa. Hei de ter ouvido os fiscaes da mesma, e proceder com toda a madureza e circumspecção.

Supponhamos porém que o conselho de ministros resolve que, pelo simples facto do prelado ter dito que não dá posse ao nomeado, o decreto se revogue; revoga se, mas eu não hei de referendar esse decreto (apoiados).

O sr. Presidente: — Tem a palavra s. em.ª o sr. cardeal patriarcha.

O em.mo sr. Cardeal Patriarcha: — Combateu os argumentos produzidos pelo precedente orador. -

(O discurso de sua em.ª será publicado na integra quando sua em.ª possa devolver corrigidas as notas tachygraphicas, ao que até hoje tem obstado o seu melindroso estado de saude.)

O sr. Moraes Carvalho: — Sr. presidente, depois da impressão que causou o discurso do digno par, o em.™ cardeal patriarcha, depois d'esse discurso proferido por um prelado a quem os seus concidadãos não podem negar a qualidade de ser exemplar, de ser um varão dotado de grandes virtudes e illustração, não se póde duvidar que a minha posição, seguindo-me no uso da palavra a s. em.ª, é bastante melindrosa. Embora, como eu não desejo dizer senão a verdade, a verdade que é filha do Eterno me ajudará a expender com clareza as minhas reflexões, para combater os falsos principios que se acabam de sustentar, e que nos levariam a ponto de termos um estado dentro de outro estado. E havemos de ouvir impassíveis dizer-se n'esta camara — hei de resistir ás leis? Resistir ás leia! Como póde dizer-se isto em pleno parlamento? Eu desejaria que s. em.ª, compenetrando-se do verdadeiro espirito evangélico, da mansidão e lenidade de que o Redemptor deu tão bons exemplos, não viessse provocar alguma resposta vehemente. Eu hei de conter-me nos limites precisos: parece-me que tenho dado sobejas provas de que nunca faltei ás conveniencias; mas não posso omittir a resposta ao que ouvi. S. em.ª fez ataques positivos á secretaria da justiça, fez ataques ao governo, fez ataques ao systema que nos rege...

O sr. Marquez de Vallada: — Eu não ouvi nenhum.

O Orador: — Refiro-me ás proprias palavras de s. em.ª...

O sr. Marquez de Vallada: — Peço a palavra para responder ao sr. Moraes Carvalho.

O sr. Conde da Taipa: — Também peço a palavra para responder ao orador.

O Orador: — E eu peço outra vez a palavra para responder aos dignos pares...

O sr. Rebello da Silva: — Peço tambem a palavra.

O Orador: — (continuando) Eu explico desde já os motivos que tive para me expressar como me expressei. O sr. cardeal patriarcha veiu dizer aqui que a execução do decreto de 1833 no anno de 1864 era uma vergonha. Pois, sr. presidente, a execução das leis é uma vergonha? Vergonha podia ser para áquelles que, pensando assim e tendo assento n'esta camara, têem deixado passar tantos annos sem propor a revogação deste decreto (apoiados). Pois póde haver vergonha em executar uma lei? (Apoiados.) S. em.ª acha impropria a doutrina do decreto de 5 de agosto de 1833? Tem assento nesta camara, póde propor a revogação d'esse decreto (apoiados); mas não póde vir aqui dizer que é uma vergonha o executar-se e fazer-se ainda obra por elle, como se os ministros não fossem só os executores das leis, como se tivessem poder para revogar ou suspender estas? (Apoiados.)

Nunca a secretaria da justiça foi mais arbitraria do que nos tempos do governo constitucional, disse s. em.ª, foram as suas proprias palavras que eu aqui marquei. No decurso do meu discurso eu farei a confrontação do tempo presente e do tempo passado, e mostrarei que o episcopado tem ganhado mais consideração com o moderno systema do que tinha no passado. Não hei de acompanhar s. em.ª nas digressões que fez. O que nos importa o que se passou em França, o que se julgou ali dever fazer-se quando não estamos tratando de direito constituendo, mas de direito constituido! E para que é tanta vehemencia? Sr. presidente, não azedemos as questões, não as azedemos logo no principio e discutamo-las com toda a tranquilidade e placidez.

Vamos á questão que nos occupa, e ver-se-ha que ella diz respeito a um facto simples, muito simples.

Vagou um logar de escrivão da camara ecclesiastica; o prelado competente logo tres dias depois fez a proposta de um só individuo; subiu esta para o governo (e este proceder contém a resposta mais concludente aos argumentos que se apresentam, negando ao governo o direito de nomear). Foi o proprio prelado com quem te dá a questão aquelle que reconheceu que o governo tinha esse direito, por isso lhe dirigiu a proposta dizendo que o individuo que propunha era o unico que julgava digno para occupar tal logar; param-se tempos, outros pretendentes affluiram com requerimentos ao governo, e entretanto aquelle que fóra primeiramente indigitado foi elevado a emprego de mais alta categoria, de sorte que chegado o momento de se prover aquelle logar, recaíu a escolha n'outro individuo sem que sobre isto fosse ouvido previamente o prelado da respectiva diocese. A questão portanto que temos agora a avaliar é saber se o governo tinha direito de nomear, e se tinha obrigação de ouvir o prelado: são estes os dois pontos capitães, e emquanto te nega aqui o direito que o governo tem de fazer taes nomeações, esquece se, ou parece esquecer, que muitos dos dignos pares têem já estado no ministerio em occasiões que o governo tem feito iguaes nomeações, usando do mesmo direito que hoje te questiona, e que é desconhecido até por quem já o reconheceu...

O sr. Aguiar: — Não é o mesmo caso.

O Orador; — Se o decreto de 1833 não tem sido observado em toda a sua plenitude, podia-se fazer essa arguição, ou propor a alteração do decreto, mas negar o direito que dá a lei, e accusar o governo por cumprir, e querer que se cumpram as leis, e faze-las mesmo cumprir, isso não acho que seja rasoavel, nem justo ou conveniente. No que eu combino com s. em.ª é emquanto a dizer que o artigo 75.°, § 2.° da carta não é applicavel a esta questão; assim se s. em.ª apresentasse a proposta para a declaração ou modificação do decreto de 1833, talvez me teria a seu lado, mas emquanto elle existe intacto não é acertado o fazer arguições taes á secretaria da justiça, dizendo-se que ella é constante em fazer invasões ás attribuições do episcopado, mas emfim isto é moda, e eu já fui alvo de taes accusações! Tudo se faz encabeçar nos attributos essenciaes do episcopado! Não confundamos porém cousas inteiramente distinctas; essas attribuições essenciaes do episcopado todos as respeitam. Emanaram do Redemptor, ninguem pertende ou póde querer ataca-las. Jesus Christo estabeleceu a sua igreja, e não podia omittir cousa que fosse necessaria para -à sua essencia, não achou por consequencia que estivesse n'esse caso a entidade de secretario e escrivão da camara ecclesiastica; tal entidade não existiu durante os primeiros dez seculos. Só depois de passados mil annos vieram os notários apostolicos, e os notários episcopaes, e nomearam se d'aquelles em tanta quantidade e com tanto abuso que o orbe christão se encheu desses funccionarios, muitas vezes sem dotes proprios, e sobejamente ignorantes, foi necessario que o concilio tridentino viesse dar o remedio a fim de haver notários ecclesiasticos competentes e esclarecidos.

Cumpre porém, sr. presidente, que se distinguam cousas diversas, e que não laboremos n'uma confusão: uma cousa é o secretario do bispo, outra couta é o escrivão da camara ecclesiastica: no patriarchado mesmo tem havido ambas as cousas. Ha poucos annos nesta capital se suscitou uma grande questão sobre erros que se attribuiram ao escrivão da camara ecclesiastica: foi nomeada uma commissão de inquerito, de que fez parte o honrado bispo de Vizeu, que se acha presente; essa commissão teve correspondencia com o escrivão da camara ecclesiastica, que era um secular, e com o secretario privativo de s. em.ª, entidade muito differente que não exerce funcções publicas como o escrivão, e que era n'esse tempo o actual ex.mo bispo de Lamego.

Sr. presidente, o officio de escrivão da camara ecclesiastica é um officio ecclesiastico em mão do teu objecto e dos negocios que ali te tratam, mas não em rasão da pessoa; eu logo farei ver o erro em que se labora, pensando-se que elle deve ser exercido por um ecclesiastico.

(Dão cinco horas).

Vozes: — Deu a hora.

O Orador: — Sr. presidente, a questão tem-se complicado, e eu tenho considerações a fazer que não cabem em poucos minutos, não desejaria levar a palavra para casa, mas sendo impossivel, espero que V. ex.ª me reserve o meu direito na inscripção para continuar ámanhã (apoiados).

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a mesma de hoje; e fica reservada a palavra ao digno par que encetou o seu discurso.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e um quarto.

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Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 18 de março de 1864

Ex.mos srs.: Conde de Castro; Cardeal Patriarcha; Duque de Palmella (Antonio); Marquezes, de Alvito, de Ficalho, de Fronteira, de Niza, do Pombal, de Vallada, de Sabugosa, de Vianna; Condes, das Alcaçovas, Arrochella, de Avilez, d'Avila, de Azinhaga, de Fonte Nova, da Louzã, de Mello, de Mesquitella, de Peniche, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral, da Taipa, de Thomar; Bispos, do Algarve, de Beja; Viscondes, de Santo Antonio, de Benagazil, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres; Barão de Foscoa; Mello e Carvalho, Moraes Carvalho, Augusto Xavier da Silva, Pereira Coutinho, Teixeira de Queiroz, Sequeira Pinto, Ferrão, Aguiar, Soure, Pestana, Braamcamp, Pinto Basto, Silva Cabral, Reis e Vasconcellos, José Lourenço da Luz, Baldy, Eugenio de Almeida, Matoso, Rebello da Silva, Luiz de Castro Guimarães, Vellez Caldeira, Miguel Osorio, Miguel do Canto, Menezes Pita e Sebastião José de Carvalho.

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