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APPENDICE Á SESSÃO N.° 25 DE 8 DE JUNHO DE 1893 188-A

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Sr. presidente, receio tornar-me importuno repetindo o requerimento já por duas vezes feito; porem, nunca por certo o tomará v. exa. nem por leve ruptura na confiança que deposito na mesa, pois que é certo, da minha parte como da de nós todos, o respeito e veneração pelas qualidades distinctissimas e nobreza de caracter de quem occupa esse elevado posto. Feita a resalva, requeiro a v. exa. informar-me se desde a ultima sessão veiu a esta camara alguma representação da associação commercial de Lisboa.

(S. exa. o sr. presidente da camara deu informação negativa, e s. exa. o sr. presidente do conselho declarou haver apresentado na camara dos senhores deputados, por solicitação da associação commercial de Lisboa, a representação, depois impressa na folha official.)

O Orador: - Agradeço summamente a explicação do sr. presidente do conselho, dada com a franqueza e lealdade propria do seu caracter. Eu ignorava os pormenores. A uns tinha ouvido uma cousa, outra a outros. Sei agora o processo pelo qual a associação commercial de Lisboa se dirigiu a um ramo dos poderes publicos. Correcto foi o sr. presidente do conselho, e por tal o applaudo.

Agora, antes de apreciar o processo e a doutrina da representação, careço dar uma pequena explicação, em vista de evitar interpretações erróneas. Começando hontem a fallar n'um movimento, talvez de certa impaciencia, nunca de mau humor, notei as galerias e as bancadas desertas, não só por canceira de uma discussão mais longa que elucidativa, mas principalmente por desejo de assistir na outra casa do parlamente á solução de uma questão excitante e provocadora de appetite, como manjar amostardado.

Porém, n'esta referencia, sr. presidente, nunca veja a camara sombra de critica ao procedimento dos dignos pares ausentes, nem tão pouco ao da camara electiva, onde a questão referida teve cabimento. Sei que o regimento e os bons principios constitucionaes me não consentem criticar o procedimento da outra camara; e, se não fosse o regimento, bastaria o bom senso para me abster agora de tal critica. Sei que é natural, que é humano, excitar-se mais a curiosidade em presença de quentes debates de natureza pessoal, do que de frias doutrinas, embora graves e de transcendente applicação. Mais se excita a curiosidade em presença da novidade do espectaculo. Ora, por isso mesmo, o que se dava hontem na outra camara era duplamente curioso. Não se tratava ali, como de ordinario, de discutir lei ou responsabilidade do governo, mas antes de apreciar a illegibilidade de individuo conhecido por culminante posição no mundo financeiro. Longe de mim apreciar a regularidade ou irregularidade do processo; noto só a essencia d'elle. Não se tratava tanto de uma questão legal como de uma operação cirurgica. O espectaculo vulgar num hospital era raro num parlamento. O espectaculo que se apresentava á curiosidade publica era a estirpação de um abcesso.

E n'isto, sr. presidente, protesto que na qualificação não vae injuria para ninguem. Não me consta que nenhum homem publico portuguez tenha abusado em seu proveito das funcções exercidas. Ao contrario, sei que nos antigos e modernos tempos alguns foram injustamente accusados; mas, apesar de accusados e malditos por uma falsa opinião, levantaram-se depois, reivindicada a merecida fama.

Não é a homens que me refiro, refiro-me a um principio que na sociedade moderna exerce influencia deleteria. Mais que por defeito dos homens, do que por essencia propria, se exerce a influencia fatal. O principio a que me refiro é o excesso do capitalismo; nas entranhas leva elle o abuso proprio e o abuso social.

E contra tal abuso e contra tamanho perigo não venha o sr. marquez de Vallada afiar o gume da sua espada revolucionaria, a qual esperamos prudente se conserve na bainha, nem venham demagogos aconselhar anarchismo e provocar a derrocada da sociedade. Não, senhores; não é com remedios taes, peiores que o mal, que este ha de curar-se.

Mas, sr. presidente, que desorientação esta que lavra nos espiritos! Quando em França se liquidava bem ou mal a triste questão do Panamá, eu vi na minha terra homens honestos, impollutos, de sã consciencia, considerarem aquillo um bem, um exemplo benefico de moralidade!

Não era assim. Mal dos paizes em que tal acontece! Mal dos paizes em que se condemna um ministro por concussionario, victima expiatoria da lepra que mal se pede admittir isolada n'elle! Mal póde sair incolumne e puro um regimen sobre o qual caiu macula tamanha!

Se não é com as revoluções, não é tambem com processos similhantes que se ha de purificar a atmosphera, que se hão de corrigir os defeitos dos syndicatos ou, por melhor dizer, os excessos do capitalismo.

De mais alta, de mais santa origem, esperamol-o, virá o remedio; virá da salutar reacção para as doutrinas e praticas christãs. Que se isente antes e siga a voz do veneravel chefe dos catholicos. Vou repetir as palavras de Sua Santidade. Não já na carta ao imperador da Allemanha ou na encyclica admiravel rerum novarum, mas no discurso pronunciado em 1889 perante centenas de operarios francezes que foram em peregrinação a Roma. Peço a attenção que merece este documento.

(Lendo.} "Ás classes dirigentes cumpre ter coração, entranhas para os que ganham o pão com o suor do rosto; cumpre pôr freio ao desejo insaciavel de riquezas, de luxo, de prazeres que, tanto em cima como em baixo, não deixa de propagar-se. Em todas as jerarchias, effectivamente, ha sede de gosos, e como nem todos podem alcançal-os resulta d'ahi um mal estar immenso e um descontentamento, que darão em resultado a revolução e a insurreição permamanentes.

"Aos patrões está prescripto considerar o obreiro como irmão, dulcificar a sorte d'elle no limite do possivel e, por equitativas concessões, velar-lhe pelos interesses, tanto espirituaes como corporaes; edificar com o bom exemplo de uma vida christã, e sobretudo nunca afastar-se, em prejuizo do obreiro, das regras de equidade e justiça com o fito de obter beneficios rapidos e desproporcionados."

E n'estes sentimentos suavissimos, é n'esta sapiente doutrina, tão profundamente verdadeira, tão eloquentemente formulada, que devemos formar a nossa orientação. E ahi, só ahi, na eterna fonte do bem, que podemos achar allivio aos males hoje inherentes á civilisação moderna, tão gloriosa por um lado, tão incompleta por outro, por haver separado do regimen dos interesses a influencia da idéa moral e religiosa.

Mas, sr. presidente, fechada a digressão ou antes previa explicação, eu sinto-me impaciente já de encarar de frente as objecções formuladas contra o tratado, respondendo com a consideração merecida ao meu digno collega e amigo o sr. conde de Castro.

O sr. conde de Castro é um espirito lucido; muitas e varias vezes o tem demonstrado aqui. Por isso mesmo, dil-o-hei sem sombra de censura, tanto mais estranhei a impressão singular sob a qual argumentou agora, como se a natural clareza do seu intellecto estivesse coberta por véu de obsecação. É que, na rapidez com que se occupou do assumpto, o sr. conde de Castro, sem consultar es documentos officiaes, onde encontraria facil resposta aos fracos argumentos formulados, tomou por guia a representação, da associação commercial.

É certo que volumes tão largos como estes documentes não se lêem em pouco tempo; mas tambem o é que vieram aqui em praso maior que o regimental, muito antes de ser o projecto dado para ordem do dia, antes mesmo de ir á commissão. Não houve dispensa de regimento nem occultação de documentos. Por outro lado, o sr. conde de Castro sabe perfeitamente ler; e ler bem não significa ape-

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