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CAMARA DOS DIGNOS PARES

Discurso do em.mo sr. Cardeal Patriarcha, D. Manuel I, respectivo á sessão de 18 de março proximo passado, sobre a interpellação do digno par o sr. marquez de Vallada ao sr. ministro da justiça, referente á nomeação do secretario da camara ecclesiastica de Coimbra, e que devia ser publicado a pag. 978, col. 2.* do Diario de Lisboa n.º 74 de 5 de abril corrente.

O sr. Cardeal Patriarcha: — Sr. presidenta, ha já muito tempo que era publico e notorio o grave conflicto, que se dava entre s. ex.ª o sr. ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça e o sr. bispo de Coimbra, e tambem foi desde logo publico e notorio por maior o motivo d'onde se originara similhante conflicto. Mas a correspondencia official, que houve de ambas as partes, e se publicou no Diario de Lisboa, veiu aclarar esta desgraçada desintelligencia, e patentear ao mesmo tempo a maneira illustre e nobre, com que o sr. bispo de Coimbra se ha recusado a consentir na sem rasão e violencia, com que se procura forçar aquelle prelado, politica e religiosamente tão respeitavel (apoiados), a aceitar para secretario da sua camara ecclesiastica um sujeito, que lhe não merece a confiança, que é indispensavel possua quem quer, que seja o encarregado d'aquelle ministerio.

O sr. bispo de Coimbra tendo, como tem, assento n'esta camara, cumpria-lhe vir aqui defender o seu procedimento. Porém se o não faz, é porque lh'o não permitte o mau estado de sua saude; senão fóra este impedimento, de todos bem sabido, estou certo que o sr. bispo de Coimbra voara não só correra a cumprir com o seu dever.

Mas talvez por ahi se repare, que achando se n'esta capital alguns prelados, pares do reino, deixassem que outrem lhes ganhasse por mão n'esta interpellação De mim asseguro, que se não tomei a dianteira, foi por me lembrar ser mais proprio de um bispo, mais conforme com o seu caracter, e com a indole pacifica do seu ministerio pastoral, evitar que rebentem n'esta camara similhantes discussões (apoiados), antes arriscadas a assoprar, do que a apagar o fogo da discórdia. Um bispo deve forcejar cuidadosamente por compor qualquer desavença com o o governo sem recorrer ao meio ruidoso de um debate parlamentar. Desenganado porém de não poder chegar a uma concórdia sem atropellar os sentimentos da sua consciencia, e menosprezar o decoro da dignidade episcopal, n'este caso extremo torna-se forçoso o recurso para o parlamento, como unico escudo que resta, contra os golpes da força ministerial.

Creio que estas mesmas considerações influiram no animo doa meus respeitaveis collegas no episcopado e aqui presentes, para não tomarem a iniciativa n'esta controvérsia. Mas encetada, como se acha, em virtude da interpellação do digno par o sr. marquez de Vallada, já o meu silencio me seria desairoso, já eu não podia sem grave estranheza e censura publica deixar de tomar parte n'esta questão: tanto mais, que se ella directamente diz respeito ao sr. bispo de Coimbra, indirectamente toca a todo o episcopado. O que hoje é com o sr. bispo de Coimbra, ámanhã póde ser com outro prelado.

Seria muito para desejar, que o episcopado portuguez adoptasse a louvavel pratica, seguida nos outros paizes constitucionaes, onde alguns prelados têem tambem assento em alguma das camaras parlamentares: e vem a ser mandar o seu voto por escripto, quando se ventillam questões ecclesiasticas e importantes, e não poderam assistir á discussão. Ainda ha poucoa dias, eu li o voto, que o cardeal Mathieu mandou escripto para o senado francez, por não ter assistido a uma discussão que ali houve sobre materia religiosa e importante. Não vir á camara, e guardar silencio sobre questões religiosas e graves como esta é outras que aqui se ventilaram, póde um tal silencio ser desairosamente interpretado, I

Assim, se cumpro com o meu dever, entrando n'esta discussão, declaro que o faço com bastante repugnancia por me ser desagradavel e penozo haver de censurar um acto do sr. ministro da justiça, por quem tenho grande deferencia. E se porventura eu proferir alguma palavra ou expressão, com a qual s. ex.ª se offenda, immediatamente a retiro, porque eu nem por pensamentos desejo offender a s. ex.ª

Vou entrar na questão. Mas antes seja-me licito confirmar com este conflicto o que já aqui ponderei, que a disciplina ecclesiastica que voga na França, é muito mais apropriada a manter o decoro do poder temporal, visto que este lá approva as nomeações, que os bispos fazem, e entro nós são os bispos, que approvam as regias nomeações. Na França não é possivel coflicto por causa dos provimentos ecclesiasticos. E não é só por esse respeito que aquella disciplina devia proferida, se não tambem por ser mais vantajosa ao melhor sei viço ecclesiastico: por quanto os bispos são os mais competentes para nomearem acertadamente. Todavia estou que não agrada a disciplina da igreja galicana, por que se não presta a manejos politicos (apoiados), e conveniencias de bando, que os beneficios podem tão facilmente ser remuneração de... Fico por aqui.

O sr. Conde da Taipa: — Pois eu continuarei.

O Orador: — O sr. ministro no presupposto de que ao governo compete a nomeação dos secretario, ou escrivão das camaras, ecclesiasticas, achando se V,-sgo o de Coimbra, nomeou para elle um sujeito que o digno prelado não aceita, porque não deposita n'elle a precisa confiança, e está canonicamente inhabil para exercitar empregos ecclesiasticos. Apesar d'isso o sr. ministro da justiça insiste portiadamente com o er. bispo de Coimbra que deve aceitar o nomeado, e investido do exercício do emprego, embora o suspenda depois. E pretende justificar uma tão injustificavel opinião com o fundamento que se acha expresso em um notavel periodo do seu officio de 19 de novembro ultimo, que consta, das seguintes, palavras:

«V. ex.ª sabe que o direito vigente exclue a possibilidade da propria desconsideração ao mesmo tempo que exonera V. ex.ª da responsabilidade, que resulta sempre para o nomeante senão acertou na encolha do nomeado; porque o decreto com força de lei de 5 de agosto de 1833, commettendo ao governo o provimento dos empregos ecclesiasticos, deixou lhe a responsabilidade que no nosso regimen constitucional segue todos os actos do poder executivo.»

Eis-aqui a doutrina, uma verdadeira novidade em materia de provimentos ecclesiasticos, com o que o sr. ministro se defende e quer justificar o seu procedimento com o sr. bispo de Coimbra. Vou portanto encaminhar contra similhante doutrina ás minhas considerações e argumento, procurando provar primeiramente que ainda quando ao sr. ministro competisse o direito da nomeação, o sr. bispo não ficava absolvido da responsabilidade do seu aceito ou desacerto, e conseguintemente do dever de a rejeitar, quando por qualquer respeito a tivesse por desacertada e inconveniente. Mostrarei depois que aos bispos e não ao governo compete o direito de nomear os secretários ou escrivães das camaras ecclesiasticas.

Ao bispo foi confiada a administração espiritual e germen diocesano, não por lei, nem decreto do poder temporal, mas por disposição do divino legislador. Esta doutrina essencialmente catholica só o protestante a contraria. D'aqui segue-se que o bispo antes de confiar qualquer cargo ecclesiastico da sua diocese, deve verificar a aptidão do sujeito, para elle deputado, e na falta d'ella negar-lhe a posse e exercicio do mesmo emprego. Pois se para com Deus e os homens só o bispo e ninguem mais tem a responsabilidade do regimen da sua diocese, da qual o sr. ministro o não póde absolver, infere-se evidentemente que ao bispo compete a livre nomeação e escolha dos que admittir a parte no mesmo regimen da igreja, confiada ao seu pastoral officio. Se o bispo fosse atalhado no livre exercido d'este direito, ficava defraudado do meio mais essencial de governar a sua diocese. Posta esta doutrina incontestavel, que na segunda parte do meu discurso de novo hei de trazer, á memoria, o sr. bispo de Coimbra andou muito bem aconselhado e dentro da orbita das suas attribuições, recusando-se a aceitar para escrivão da sua camara ecclesiastica o sujeito nomeado pelo sr. ministro da justiça, por quanto alem de não depositar n'elle nenhuma confiança, tem contra si o crime ecclesiastico de ser um apóstata das ordens, e como tal, inhabil para cargos da diocese, pois esta apostasia está sujeita a penas canónicas que tornam irregular o sujeito n'ella incurso para cargos ecclesiasticos.

Então queria o sr. ministro da justiça que para um bispo fosse similhante defeito canónico igualmente indifferente, como o tem sido para s. ex.ª? Que o menospresasse do memo modo que o sr. ministro da justiça o menospresa, attendendo só á idoneidade politica do agraciado? Que conceito se faria então do sr. bispo de Coimbra, dos seus sentimentos religiosos e do seu zêlo pastoral? Se o sr. bispo de Coimbra imitasse n'este particular o sr. ministro da justiça, havia de ser tão censurado, como está sendo louvado e applaudido: esta recusa por parte do sr. bispo é o acto da sua vida episcopal que, maia o ennobrece e exalta, e ha de perpetuar gloriosamente o seu nome na posteridade (apoiados).

O sr. ministro da justiça ácerca da responsabilidade dos empregados ecclesiasticos labora em um equivoco, persuadindo-se que ella se deriva do direito de nomear, quando dimana do direito de governar, que pertence ao bispo. O padroeiro tem o direito de nomear pessoa idonea para o beneficio do seu padroado; e todavia o bispo não se considera desobrigado de verificar por via de exame a idoneidade do apresentado, e de rejeitar se porventura se mostrar não idóneo. Mas como pela doutrina do sr. ministro a responsabilidade seja toda n'este caso do padroeiro nomeante, nada tendo o bispo com o acerto ou desacerto do apresentado, devia o bispo sem proceder exame conferir-lhe a instituição canonica: e até para o sr. ministro ser consequente e logico cumpria lhe mandar proceder a exame na sua presença, visto ser só o ar. ministro responsavel pela boa ou má escolha do nomeado.

Em materia de provimentos ecclesiasticos não se podia idear uma novidade mais exótica e nociva. E similhante exoticidade procedeu do sr. ministro da justiça querendo applicar aos empregos ecclesiasticos o mesmo systema constitucional que se adopta nos empregos civis.

O provimento dos logares ecclesiasticos regula-se pela disciplina da igreja, que não é dado ao poder civil alterar sem accordo com a competente auctoridade ecclesiastica.

Mas talvez o sr. ministro entenda que entre nós não ha hoje senão emprega e vi, desde que ao governo pertence na conformidade do decreto de 5 de agosto de 1833, nomear para todos os empregos ecclesiasticos, que ficaram sendo civis, e sujeitos ás mesmas leis, a que o estão os demais empregos publicos. Desgraçadamente esta doutrina por ahi voga. Os, emproados eclesiásticos desde o bispo são meros, funccionarios publicos; administração espiritual,