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E governo das dioceses considera-se absorvido pela administração publica, sendo um ramo desta em tudo subordinado ao poder temporal. Em summa o regimen diocesano considera-se secularisado inteiramente.

E devo eu ou qualquer outro bispo conformar se com similhante transtorno, admittir similhante confusão e secularisação, que é um verdadeiro protestantismo? Não posso acabar comigo, sujeitar-me a uma tamanha exorbitancia incompativel com a auctoridade episcopal Capotados). Anteponho arriscar-me a qualquer adversidade, que levante contra mim o cumprimento do meu dever (apoiados). Em todo o tempo o officio pastoral foi difficil e espinhoso; mas na conjunctura actual é cheio de contradições e amarguras (apoiados), que o tornam um verdadeiro martyrio, que lentamente vae consumindo a vida: sómente escapará a este tormento cruel o bispo que se dirigir pela prudencia humana, por esta prudencia, que costuma sacrificar tudo á fruição da paz, prudencia verdadeiramente mortífera do proprio episcopado.

Á vista das ponderações que venho de fazer, será facil ajuizar quem foi o verdadeiro culpado de tão grave como imprudente conflicto. O sr. bispo de Coimbra manteve-se dentro da orbita das suas attribuições (apoiados). O sr. bispo de Coimbra reconhecendo que o sujeito nomeado para escrivão da sua camara ecclesiastica era destituido da idoneidade canonica por ser um apóstata das ordens, cumpriu com o seu dever recusando se a aceita-lo. E o sr. ministro da justiça que podia ser desculpável emquanto ignorava esta circumstancia, depois que a soube a sua insistência torna-se injustificavel, foi quem verdadeiramente provocou o conflicto. 1 ' Vem a proposito n'este logar o exame de uma opinião do sr. ministro da justiça, muito singular e digna de reparo. Diz s. ex.ª que o sr. bispo de Coimbra devia dar posse ao agraciado, e depois que o suspendesse e representasse; temos o cumpra e represente, ordenado pelo governo aos seus subalternos. Ora não seria futil e ridiculo que o sr. bispo de Coimbra empossasse do logar de escrivão da sua camara ecclesiastica a um sujeito a quem devia immediatamente suspender do exercicio do emprego, por ser para elle canonicamente inhabil!? Demais ao bispo em cousas da sua competencia não se diz cumpra e represente. Se o bispo entende em sua consciencia que não póde cumprir deve representar esta impossibilidade; mas nunca cumprir contra òs dictames da sua consciencia. O bispo está, como qualquer Outro cidadão, sujeito ás leis civis; mas como bispo no regimen da sua diocese representa um poder tão independente, como o sr. ministro representa a independencia do poder temporal. Um bispo não é um subalterno da secretaria da justiça; nem está na mesma rasão de um governador civil para o ministerio do reino. Por isso convem que de parte a parte se procure evitar tudo que possa perturbar a harmonia entre os dois poderes, cuja perturbação produz sempre consequencias graves.

O sr. ministro da justiça parece-me, que ainda não respondeu airosa e decentemente ao reparo, que se lhe tem feito, de não ter ouvido o sr. bispo de Coimbra, antes de fazer o despacho do escrivão da camara ecclesiastica, contentando-se com as informações da camara municipal de Coimbra e do administrador do concelho. O sr. ministro da justiça responde, que não ha lei que o obrigasse a pedir informação ao bispo antes de feita a mercê. Ora quem souber o que é verdadeiramente o escrivão da camara ecclesiastica não contesta que seja um empregado da inteira confiança do bispo. Esta circumstancia imperiosa era quanto bastava para o sr. ministro se dar por obrigado a não fazer o despacho sem previa informação do prelado. Oh! O agraciado mostrou se pelos documentos com sobeja habilitação, sendo como é, bacharel formado em theologia e direito. E os outros requisitos moraes não menos necessarios? E constava ao sr. ministro que a sua nomeação seria bem aceita do prelado? Que o nomeado tinha a sua confiança e havia de haver boa correspondencia entre ambos? Nada d'isto constava ao sr. ministro, nem lhe podia constar, senão por via de informação, dada pelo sr. bispo de Coimbra. Mas como o que o sr. ministro queria, era que o despacho fosse por diante, que se satisfizesse com elle a uma exigencia de partido e talvez receasse, que o prelado não informasse favoravelmente, passou por cima de todas as considerações, que lhe aconselhavam a previa informação do sr. bispo e prescindiu d'ella. Mas para que me estou eu a cançar em afiar este negocio de desconsideração para com o prelado, quando a sua deformidade se manifesta sem esforço, nem encarecimento?

Vou entrar na segunda parte do meu discurso, que versa sobre o direito que compete aos bispos de nomear livremente os escrivães ou secretários das suas respectivas camaras ecclesiasticas.

O presupposto direito que o sr. ministro da justiça invoca para nomear os escrivães das camaras ecclesiasticas funda se no celebre decreto de 5 de agosto de 1833, o qual consta dos tres seguintes artigos:

«Artigo 1.º Ficam extinctos, como se nunca tivessem existido, todos os padroados ecclesiasticos de qualquer natureza ou denominação que sejam.

«Art. 2.° Só o governo póde nomear e apresentar os arcebispados, bispados, dignidades, priorados mores, canonicatos, parochias, beneficios, e quaesquer outros empregos ecclesiasticos.

«Art. 3.° Ficam revogadas todas as leis em contrario, e retirado o beneplácito regio a todas as disposições que se oppozerem ao presente decreto.»

Em virtude pois d'este decreto não ha emprego ecclesiastico, cuja nomeação não pertença ao governo. Os empregos ecclesiasticos reduzem-se em geral a duas classes, beneficios e officios. O logar de escrivão da camara ecclesiastica

é um officio. A nomeação ou apresentação dos beneficios constitue o direito do padroado, que nunca abrangeu nem abrange o provimento dos officios. São officios os empregos ecclesiasticos instituidos para o regimen diocesano. As pessoas que os exercitam chamam-se officiaes do bispo. A minha discussão não versa sobre beneficios ou o direito do padroado, mas tão sómente sobre os officios. Desejo e peço que a camara se digne attender a esta circumstancia essencial, para que eu não venha a ser calumniado, arguindo-me de negar o que actualmente nem se quer discuto.

Conferindo ao governo o decreto de 5 de agosto de 1833, como já disse, o direito de nomear indistinctamente todos os empregados ecclesiasticos, reparo desde logo que nunca o governo nomeasse os officiaes do bispo, pois não me consta que nenhum sr. ministro da justiça tenha até agora nomeado os provisores, vigários geraes, promotores, juizes das varas, juizes das relações ecclesiasticas, vigários geraes das comarcas ecclesiasticas, arciprestes ou vigários das varas. Como se explica este facto notavel que todos presenciámos? /Não ha outra explicação possivel se não no reconhecimento e convicção que tem o governo de que o bispo deve ser livre na escolha e nomeação dos seus officiaes. E na verdade sendo o bispo o responsavel pelo regimen espiritual que lhe foi divinamente confiado da sua diocese as pessoas de que elle se servir para o auxiliarem de qualquer modo desse mesmo regimen não podem deixar de ser pessoas da sua plena confiança, e como taes da sua nomeação e escolha. Se V. g. o provisor ou o vigario geral, que são os dois principaes officiaes do bispo, e que exercitam aquelle a jurisdicção voluntaria e graciosa e este a jurisdicção contenciosa, não fossem pessoas nomeadas pelo bispo e da sua confiança, não os admittia ao exercicio da respectiva jurisdicção. Outro tanto se deve dizer dos demais officiaes acima especificados.

Ora o escrivão da camara ecclesiastica não póde deixar de ser igualmente um empregado da confiança do bispo, porquanto tem a cargo o expediente da jurisdicção voluntaria e graciosa, que o bispo póde confiar a quem lhe aprouver, mandar fazer pelo seu gabinete, e até por simples despacho uma grande parte das cousas. Por conseguinte depende sómente do bispo inutilisar a nomeação do escrivão da camara ecclesiastica, sendo feita por outrem, assim como inutilisaria a nomeação do provisor, se fóra feita pelo sr. ministro da justiça. Se o bispo póde nomear o seu provisor, igualmente póde nomear o escrivão da sua camara ecclesiastica, e se não póde nomear este, tambem não póde nomear aquelle. Aqui não ha fugir. As mesmas rasões, pelas quaes o bispo deve nomear o seu provisor, são applicaveis ao escrivão da camara ecclesiastica. São ambos empregados da inteira confiança do bispo, que os póde escusar, quando se pretenda força lo a aceitar quem elle nem escolheu nem nomeou.

Diz o sr. ministro da justiça, que o governo tem nomeado os escrivães das camaras ecclesiasticas; menos no patriarchado, deveria s. ex.ª acrescentar. Porque os patriarchas tem mantido o direito de nomear o escrivão da camara patriarchal. O sr. D. Guilherme, que Deus haja, aceitou a exoneração que lhe pediu o escrivão que então era da camara patriarchal, deu o logar por vago, e nomeou outro escrivão. O sr. D. Guilherme era um jurisconsulto abalisado em ambos os direitos, sabia perfeitamente a quem competia a nomeação do escrivão da sua camara patriarchal.

Se o sr. ministro da justiça nomeasse escrivão para a camara patrirachal, eu nem lh'o aceitava, nem renunciava, nem abria conflicto (apoiados). Chamava desde logo todo o expediente ao meu gabinete, e acabava-se a questão. Podia o sr. ministro mandar tomar posse pelo judicial ou administrativo, mas o que não podia era obrigar me a confiar o expediente a quem eu não quizesse (apoiados).

A nomeação de alguns escrivães das camaras ecclesiasticas sem ser feita pelos bispos respectivos sómente prova a sua excessiva condescendência, deixando-se esbulhar de um direito, que em parte nenhuma se lhes disputa. No proprio Brazil aonde o governo exercita, como d'antes exercia a corôa de Portugal, o padroado universal, nomeando para todos os beneficios, não se contesta aos bispos o direito de nomearem todos os seus officiaes sem excepção dos escrivães das Camaras ecclesiasticas.

O decreto de 5 de agosto de 1833 foi o effeito de uma consulta, assignada por quatro ecclesiasticos, um dos quaes, sendo eu vigario geral do patriarchado, suspendi do ministerio parochial por ser falsificador dos assentos parochiaes. Tenho por certo, que nem o sr. patriarcha S. Luiz, nem o sr. patriarcha D. Guilherme, nem João Pedro Ribeiro, nem qualquer outro ecclesiastico respeitavel, como estes o foram, pela sua sciencia, gravidade e sisudeza, assignavam similhante consulta, que seria todavia tolerável nas circumstancias em que então nos achávamos; mas hoje é vergonhoso querer fazer obra por este decreto, onde transluz tão pouca sciencia da disciplina ecclesiastica.

Finalmente quem bem repara no decreto de 5 de agosto de 1833 fica conjecturando, que fóra seu unico intento a extincção dos padroados (artigo 1.°), e a encorporação destes no padroado da corôa (artigo 2.°), porquanto não podendo a doutrina do artigo 3.° ser applicavel senão a beneficios, parece dever inferir se que o decreto sómente quiz comprehender a estes, e que não abrange os officios, e por conseguinte o logar de escrivão da camara ecclesiastica.

Por todas estas rasões se conclue que, ao bispo compete o direito de nomear o escrivão da sua camara ecclesiastica, direito que fóra de Portugal senão contesta, porque dimana da propria auctoridade, e jurisdicção episcopal.

No anno de 1646, reinando o Senhor D. João IV, de gloriosa memoria, suscitou-se uma similhante controvérsia entre o cabido da sé de Angra, e a mesa da consciencia e ordens, que tambem teve o mesmo empenho, que de há tempos a esta parte manifesta a secretaria dos negocios ecclesiasticos e de justiça de cercear a auctoridade episcopal a ponto que os bispos ficassem sendo meros delegados seus, e pontuaes executores das suas ordens. O Senhor D. João IV mandou consultar a materia que versava na pretensão que tinha a mesa da consciencia e ordens, de prover os officio» ou cargos ecclesiasticos do governo da diocese, e em resolução da consulta se fez o decreto que vou lêr, e encontrei a pag. 22 da allegação juridica do bispo de Pernambuco,. D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho.

Mandei ver com toda a consideração por pessoas muito zelosas do serviço de Deus e meu a petição, que o cabido da sé de Angra me fez sobre as rasões que ha para a mesa da consciencia e ordens se não intrometter nos provimentos dos officios ecclesiasticos, e juntamente o que a mesa em ordem a isto allegou por sua parte, e confirmando-se a materia com os documentos, papeis e mais rasões, que por uma e outra parte offereceram. Pareceu que o cabido no que propõe e allega tem justiça, porquanto a bulia da creação d'aquelle bispado de Angra, extinguiu de todo a jurisdicção ecclesiastica, que a ordem de Christo tinha laquei-las partes ultramarinas, e a deu ao bispo de novo eleito, sem fazer distincção entre o que pertence á ordem episcopal e ordinaria, em que consiste o bom governo do bispado. E sómente reservou aos réis d'este reino o padroado para nomearem bispos, e para a apresentação de todos os beneficios com cura e sem cura, como mestre da ordem de Christo, e que por ser esta reserva odiosa em respeito da jurisdicção dos bispos, se não podia ampliar aos officios e mais cargos do ecclesiastico de que a bulia e padrão não fizeram menção, e se devia restringir e entender sómente nos beneficios que forem perpétuos, e que os officios e mais cargos do ecclesiastico se não podiam chamar beneficios, e sómente contém um mudo ministerio annual ou removível, dependente do arbitrio de quem os concede, e que o provimento dos taes officios e cargos pertencia ao bispo e cabido, sede vacante, por rasão da jurisdicção episcopal que a bulia lhe deu para o governo do bispado. E que o costume e posse que se allega por parte da mesa da consciencia, fundado nos exemplos tirados da chancellaria das ordens e provimentos dos taes officios, e cargos do ecclesiastico me não podiam dar direito algum para os poder prover como mestre, porque nenhum costume e posse fundada n'elle póde prejudicar a jurisdicção e direito episcopal, por ser o tal costume irracionavel e contra direito, ainda que seja introduzido por muito tempo, etc...

Neste notavel decreto, que vem tanto a proposito da questão que se ventilla, apparece admiravelmente consignada a mesma doutrina que acabei de expor, que o provimento dos officios e mais cargos ecclesiasticos, instituidos para o governo da diocese, compete ao bispo, em rasão de ser o bispo quem exercita a jurisdicção e regimen espiritual da sua diocese. E nenhuma outra rasão por certo é causa de se reconhecer por toda a parte este mesmo direito episcopal.

Vou tambem lêr algumas poucas palavras, tiradas da «tentativa theologicana» na sua dedicatória. Este livro, feito pelo padre Antonio Pereira, um dos maiores regalistas, e como tal insuspeito, occupa-se todo em mostrar e defender os direitos episcopaes.

«A honra e dignidade dos bispos não está em se chamarem bispos, cem em usarem das insignias de bispos. Está sim em exercerem as funcções proprias do seu caracter, etc... Eu sinceramente confesso a vv. ex.ªs que esta decadencia da jurisdicção episcopal, tanto pelo que tem de indecorosa aos bispos, como pelo que involve de prejuizo dos subditos, foi o unico motivo que me obrigou a pegar na penna para escrever este livro que lhes dedico, etc... Não me posso persuadir que vv. ex.8" venham a reprovar um livro, cuja honra não é outra que a dos bispos, e cuja doutrina se não póde condemnar sem injuria do episcopado. Na inteireza e conservação dos direitos episcopaes se interessa igualmente a gloria da religião, que a do estado.»

Eis aqui como Antonio Pereira, apesar do seu bem conhecido regalismo, se expressa ácerca da dignidade e direitos episcopaes. Esta sua linguagem hoje merece a taxa de reaccionaria e offensiva dos direitos da corôa. Por vezes escreve o Pereira na sua «tentativa», que as reservas pontifícias, e as regras da chancellaria romana haviam quasi aniquilado a auctoridade e jurisdicção episcopal, reduzindo os bispos a sombras de bispos simulacra picta, na frase do grande Gersão.

Que diria hoje o Pereira, observando que os bispos se acham entre nós reduzidos verdadeiramente a sombras de bispos, não em virtude das regras da chancellaria, nem das reservas pontifícias, mas pela invasão dos direitos essenciaes do episcopado, feita por quem em outro tempo se gloriava de lh'os manter e respeitar.

Isto não deve, sr. presidente, continuar assim, a igreja catholica portugueza não póde continuar sem amiudados conflictos a ser regida por decretos, derogando um ministro o que outro decretou, sem nenhuma attenção nem com a disciplina ecclesiastica, nem com o episcopado. Todos os governos desde a Hespanha até á Russia regularam as cousas religiosas por via de concordatas cem a santa sé. Que rasão ha, que justamente possa eximir o nosso governo de fazer outro tanto?

O sr. Marquez de Vallada: — Apoiado.

O Orador: — Quererá esperar por uma perturbação das consciencias, por um scisma? Não me parece prudente aguardar este extremo (apoiados).

Ouço dizer que se quer metter em processo o sr. bispo de Coimbra, com o fim de o forçar á aceitação do nomeado para escrivão da sua camara ecclesiastica. Custa-me a crer tal noticia, mas se viesse a verificar-se, seria quando eu invejasse a posição do sr. bispo de Coimbra (apoiados).