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148 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Ora, eu digo isto unicamente por este principio, e não por ouvir um digno par declarar que não aceitava este parecer pela rasão d'elle envolver idéas contrarias ao principio da desamortisação. N'este caso pois eu aproveito a occasião para francamente dizer qual é a minha opinião a este respeito.

Eu não voto, nem votarei jamais a desamortisação dos passaes, entendendo-se por passal a casa da residencia do parocho e uma certa area de terreno, maior ou menor, que a circunda e lhe serve de logradouro; assim como tambem não votarei nunca qualquer projecto que venha a esta camara com o fim de estabelecer a dotação do clero. E a rasão é obvia.

Eu entendo que o estado, como ente moral, não tem, nem póde nem deve ter religião alguma: a religião só é propria do individuo.

Os habitantes do nosso paiz são catholicos apostolicos romanos, e a elles e só a elles é que incumbe a sustentação dos ministros da religião catholica; mas assim como entendo que o estado não deve subsidiar o clero, tambem entendo que não deve despojar os parochos da casa da sua residencia e dos seus passaes.

Eu respeito muito a qualidade de parocho e muito principalmente respeito os parochos das freguezias ruraes, porque entendo que elles, compenetrando-se da sua evangelica missão, e sabendo a cumprir, são como os mestres de escola, os instrumentos mais poderosos da civilisação moderna.

Voltando agora, especialmente á materia que diz respeito ao parecer, farei algumas mui breves reflexões.

Eu ouvi com muita attenção as considerações que, a respeito d'este parecer, fez o sr. Miguel Osorio, e parece-me que d'ellas mesmo posso tirar argumentos para as combater.

A questão de que se trata é muito simples. Os frades cruzios, em tempos antigos, eram donatarios de alguns terrenos d'aquella localidade em que se acha a freguezia de S. Theotonio de Brenha, e deram uma porção d'esses terrenos, não direi se pequena ou grande, mas creio que é insignificante, deram essa porção de terreno, digo, ao parocho d'aquella freguezia, como passal. Algum tempo depois os freguezes, a junta de parochia, ou não sei quem, mandaram construir no mesmo terreno uma casa para residencia do parocho. Aqui temos portanto uma propriedade com dois senhorios, dos quaes um é o estado, por isso que o terreno pertencia aos frades, e os bens dos frades foram julgados bens nacionaes, e o outro senhorio é quem mandou construir a casa. Ora, sendo o estado apenas dono de uma parte da propriedade, como é que elle vem por esta proposta fazer uma concessão de um todo de que só uma parte lhe pertence?! O estado não póde dispor do que não é seu, porque se elle é dono do terreno não o é das bemfeitorias que de mais a mais n'este caso são de maior importancia, por isso que valem mais do que o terreno, quer-se pois por este projecto que o estado de o que não tem, o que não póde ser.

Diz tambem o artigo 2.° d'este parecer, que no caso d'esta propriedade não servir para o fim para que foi concedida, reverterá a sua posse para a fazenda nacional. Aqui temos uma lei usurpando uma propriedade; porque, como disse já, estas bemfeitorias que constituem o predio que se construiu, não pertencendo ao estado, não sei como elle se reserva o direito de se apropriar d'ellas. Seria isso uma usurpação e um roubo. Supponhamos que ámanhã esta freguezia, que é insignificante e pequena, era por qualquer circumstancia annexada a outra, e que já não era por esse facto necessaria a residencia do parocho n'aquelle local, o que havia de fazer o estado n'este caso? Por este projecto tomaria conta da terra e da casa de residencia? Mas se se diz que a casa pertence a outrem, com que direito a tomaria o estado?

Por consequencia, por todos estes motivos, eu entendo que não posso approvar o projecto de lei que se discute, e lembro que o governo tem na sua mão um meio muito facil, que é fazer com que a propriedade não vá á praça, o que em nada prejudica as circumstancias do thesouro. Portanto voto contra o projecto.

O sr. Silva Ferrão: - Eu não estava na commissão de fazenda quando se tratou d'este projecto, mas pelas explicações que se tem dado, demonstra-se bem a sua indole, e parecem apparentemente fundadas as observações que contra elle se fizeram, porque não se trata aqui de ponderar se a concessão é pequena ou grande, mas sim de uma questão de principios; e nas circumstancias em que o paiz se acha, adoptar um projecto de lei concedendo uma propriedade que se reputa ser nacional, é caso digno de especial attenção.

A discussão d'este projecto foi adiada até estar presente o sr. ministro da fazenda, mas deram-se já bastantes explicações baseadas no parecer da commissão da camara dos senhores deputados, e os fundamentos ahi allegados demonstram bem a irregularidade com que tem caminhado este negocio.

Se é certo que por um dos conventos extinctos foi concedido, embora não exista titulo, um pedaço de terreno, para se construir uma casa que servisse de residencia ao parocho que pelas informações que se têem colhido, valerá 30$000 réis; se effectivamente se fez a casa, e tem servido de residencia ao parocho; verificada portanto a circumstancia da bemfeitoria feita posteriormente á concessão; e se emfira, se deve attender á posse constante em que se achou o parocho desde a suppressão dos conventos, a conclusão a tirar não era a de fazer graça, mas de administrar justiça; e, n'esta conformidade, se devia redigir o projecto de lei. Em presença d'estas circumstancias a fazenda está de posse indevidamente; prova-se que não houve transmissão pela extincção dos conventos, por que elles não podiam transmittir á fazenda o que não tinham.

Foi por erro ou falta de averiguação previa, que o terreno e sua bemfeitoria, foi incluida nas relações dos proprios nacionaes, e que assim passou para a posse do estado. Posse de mero facto, mas não juridica. Estão na posse do estado, mas nunca se incommodou o parocho. Não só nunca houve transmissão real para os proprios nacionaes, porque os frades já tinham alienado o terreno de que se trata, mas foi elle relacionado com a clausula da residencia do parocho; logo não póde o estado conceder o que não tem, e os poderes publicos, quando representam a pessoa moral do estado, estão sujeitos ás mesmas regras de direito commum, que qualquer individuo deve observar.

Quando se apresenta um negocio em circumstancias taes, a consequencia juridica e de justiça absoluta é, cada um reconhecer os direitos de outrem e restituir o que seu não é.

Portanto confesso que, fortalecendo-se o governo com as côrtes, porque estas representam a nação, póde o governo reconhecer que não tem direito nenhum, e por consequencia mandar definitivamente entregar ao parocho o predio e seu accessorio de que se trata. E n'esta intenção em vez de se dizer no projecto é concedida, se dissesse é restituida, não só davam um documento de moralidade e de justiça, tanto o governo como as côrtes, mas cessavam todas as objecções.

Esta é a minha opinião.

E no codigo civil, n'esta lei do paiz, que é preciso ter em vista, está consignada uma disposição que tem alguma analogia para o caso de que se trata. Tratando dos casos de venda, em que ha direito de evicção, se se vender uma cousa que depois se conhece ser pertencente a um terceiro, póde o comprador de accordo com o vendedor entregar espontaneamente a mesma cousa a seu dono, sem contendas em juizo. Isto é um simile perfeito. O governo, porque é governo, não está fóra das regras de direito civil; regula-se pelas leis communs e civis, e não por direito politico, nas suas relações com o direito de privado em ques-