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N.º 26

SESSÃO DE 12 DE MARÇO DE 1880

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Francisco Simões Margiochi

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente.- A correspondencia teve o devido destino. - Reflexões do digno par Miguel Osorio, ácerca de um facto de inaudita selvageria, de que foi victima um empreiteiro das obras do caminho de ferro da Beira. - Resposta do sr. presidente do conselho. - O sr. Carlos Bento pede ao governo que apresente, todas as vezes que for possivel, quaesquer esclarecimentos tendentes á verificação do orçamento.- Resposta do sr. ministro da fazenda.

Ás duas horas o um quarto da tarde, estando presentes 40 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio da presidencia, da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim determinar os contingentes que pelo recrutamento hão de ser fornecidos ao exercito e armada, no corrente anno.

Á commissão de guerra.

Outro da mesma procedencia, remettendo a proposição, que tem por fim reformar os serviços postal, telegraphico e de pharoes.

Ás commissões de obras publicas, legislação e fazenda.

Outro do ministerio da marinha e ultramar, remettendo o autographo do decreto das côrtes geraes de 4 de abril ultimo, pelo qual é fixada a força do mar para o anno economico do 1879-1880.

Para o archivo.

(Estiveram presentes os srs: presidente do conselho e ministro da fazenda, e entrou durante a sessão o sr. ministro da marinha.)

O sr. Miguel Osorio: - Sr. presidente, sinto que não estejam presentes os srs. ministros do reino e da marinha, porque era a quem mais directamente competia que eu dirigisse as perguntas que tenho a fazer ao governo; mas como se acha presente o sr. presidente do conselho, s. exa. tomará nota das minhas considerações, para fazer sciente d'ellas aos seus collegas.

Vi publicada em diversos jornaes uma correspondencia de Celorico da Beira, onde se annunciava um facto de selvageria incrivel: um empreiteiro de umas obras do caminho de ferro da Beira tinha apunhalado um operario, por causa de uma divergencia que houve, em consequencia de diminuição de salario, e em seguida os companheiros de trabalho da primeira victima, despedaçaram a golpes de machado o empreiteiro.

Escuso de dizer couta alguma ácerca de um assumpto que a todos contristou: mas estes factos podem talvez evitar-se.

A agglomeração de grande numero de pessoas de diversas procedencias e faltas de uma educação regular, dão caso a demasias continuadamente; não posso duvidar, porque não me parece possivel, que uma noticia d'esta ordem se d'esse sem fundamento; mas para o que eu chamava a attenção do governo, é para que se providenceie; as auctoridades podem fazer o que é costume em casos analogos,
isto é, mandar para os logares onde ha grande agglomeração de gente de trabalho, alguma força para fazer policia, porque é impossivel que a policia ordinaria n'aquellas localidades seja sufficiente para obstar a casos d'esta ordem; a policia rural consiste em cabos do policia, e onde se agglomera tanta gente de diversas proveniencias e sem educação, não é de certo sufficiente para conter a ordem. Estou certo que o sr. ministro do reino, logo que tiver conhecimento d'este facto, ha de providenciar immediatamente para que se adopte uma medida geral, isto é, que nos pontos onde houver obras, como as do caminho de ferro
da Beira, em que, como já disse, se reunem tantos operarios, haja tropa para fazer a policia.

O outro facto que desejo saber, é se é exacto um telegramma que appareceu com referencia aos factos succedidos na India.

Declaro que não ligo importancia alguma a um telegramma que não é assignado; mas como depois de ter sido feita a publicação d'aquella noticia, e provavel que o governo indagasse o que havia a tal respeito, seria conveniente que se dissesse á camara o que ha.

Estou certo que o governador daquella provincia, que é um homem digno a todos os respeitos, que se tem portado sempre de uma maneira louvavel em todas as commissões importantes que tem desempenhado, não deixaria de dar parte ao governo se houvesse alguma cousa importante; no emtanto, uma vez espalhado o boato, seria para desejar que o governo nos dissesse alguma cousa a esse respeito; e desde que se não acha presente o sr. ministro da marinha e ultramar, eu espero que o sr. presidente do conselho nos dirá o que souber sobre este assumpto, ou então fará sciente ao seu collega dos nossos desejos, a fim de s. exa. informar esta camara.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Sr. presidente, disse o digno par e meu amigo, o sr. Miguel Osorio, que desejava ser informado ácerca de um facto lamentavel succedido num dos pontos de construcção do caminho de ferro da Beira.

Eu não estou informado das occorrencias a que s. exa. se refere, e por isso não posso dar a s. exa. tão amplas explicações como desejaria o que posso, porém, é assegurar a s. exa. que, tendo o governo já em outras occasiões sido prevenido da existencia de conflictos entre os povos das localidades e os trabalhadores empregados nas obras do caminho de ferro da Beira, tem tratado de tomar as providencias necessarias para evitar a repetição de taes desordens.

Com relação, porém, ao facto especial a que s. exa. se refere, que, segundo creio, teve logar entre os empreiteiros das obras e os trabalhadores que estão debaixo das suas ordens, devo observar a s. exa. que difficilmente poderá o governo tomar providencias que possam evitar similhantes conflictos.

S. exa. sabe que as obras dos caminhos de ferro estão espalhadas por muitos pontos, ordinariamente a grandes distancias do povoado, e não é possivel ter disseminadas por todas ellas forças militares que acompanhem o andamento d'esses trabalhos.

No emtanto o que posso assegurar a s. exa., e a toda a

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camara, e que o meu collega do reino tem adoptado todos os meios para obstar, quanto seja possivel, a repetição de factos tão desagradaveis, e que elle não deixará de mandar proceder ás mais severas indagações, e fará entregar ao poder judicial quaesquer pessoas, sejam ellas quem forem, que estejam envolvidas no triste conflicto sobre o qual o digno par pediu informações.

Emquanto ao segundo assumpto a que s. exa. se referiu, tenho a satisfação de poder declarar á camara, que os factos narrados no telegramma não são exactos.

Não obstante o telegramma não dever merecer confiança, como muito bem disse s. exa., por não vir assignado, ainda assim o governo entendeu que devia immediatamente tratar de obter informações officiaes sobre o assumpto; e o meu illustre collega da marinha acaba de receber um telegramma do secretario geral do governo da India, declarando não serem verdadeiras as noticias, e que não tinha occorrido conflicto algum que impedisse o proseguimento da execução do tratado.

Tanto o sr. Aguiar, digno commissario especial do governo, como o sr. governador geral da provincia, têem empregado todos os esforços para se levar a effeito a execução do tratado, e não consta, repito, que se tenha dado nenhum conflicto.

Houve algumas exigencias, talvez exageradas, suscitaram-se até algumas duvidas da parte dos proprietarios das marinhas, mas o governo tem as mais bem fundadas esperanças de que estas difficuldades sorrio facilmente resolvidas pelos meios legaes que se acham estipulados no tratado. Portanto, repito-o, posso assegurar á camara que o telegramma que foi publicado em alguns jornaes, e que effectivamente chegou ás mãos do digno presidente da outra casa do parlamento, é destituido de fundamento.

O sr. Miguel Osorio: - Agradeço ao sr. presidente do conselho a resposta que acaba de mo dar ás perguntas que tive a honra de lhe dirigir.

Com relação á primeira, cumpre-me dizer que não era minha intenção censurar o sr. ministro do reino; mas parece-me que se podiam estabelecer algumas pequenas columnas volantes de força militar nas localidades onde ha grande agglomeração de trabalhadores, a fim de concorrer para a manutenção da ordem.

O sr. Quaresma de Vasconcellos: - Participo a v. exa. que o sr. Pereira Cardoso me encarregou de declarar que faltava á sessão de hoje por motivo justificado.

Cumpro agora o dever de apresentar uma representação da mesa da misericordia de Villa Nova de Famalicão pedindo ser alliviada do pagamento de qualquer imposto.

Leu-se na mesa e foi remettida á commissão de fazenda.

O sr. Vicente Seiça: - Participo a v. exa. e á camara, que o sr. Ferrer, por motivo de doença, não póde comparecer na sessão de hoje e talvez falte a mais alguma.

O sr. Presidente: - Tomar-se-ha nota da declaração do digno par.

O sr. Rodrigues Sampaio: - Na ultima sessão, depois do se ter passado á ordem do dia, recebi uma declaração do sr. visconde de Seabra com referencia ao projecto de arrematação do imposto do real de agua. Mando-a para a mesa e peço a v. exa. lhe de o destino conveniente.

É a seguinte:

Declaração

Declaro que se me não achasse impedido de assistir á sessão da camara em que foi approvada a proposta de lei para a arrematação do real de agua, eu teria votado contra a generalidade da mesma proposta.

Lisboa, 8 de março de 1880. = Visconde de Seabra.

O sr. Presidente: - Será exarada na acta.

O sr. Franzini: - Mando para a mesa o parecer das commissões reunidas de obras publicas e fazenda, approvando o contrato provisorio celebrado entre o governo e a companhia do caminho de ferro da Beira Alta, para a construcção do ramal da Pampilhosa á Figueira da Foz.

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: - Vae a imprimir com urgencia e será distribuido ámanhã, pelas casas dos dignos pares a fim de entrar em ordem do dia na terça feira proxima.

O sr. Mello Gouveia: - Tenho a honra de mandar para a mesa o parecer da commissão do fazenda, sobre os additamentos propostos ao projecto de lei n.° 5, e mais dois pareceres da mesma commissão sobre dois projectos que têem por fim conceder dois edificios do estado á junta geral do districto de Santarem.

O sr. Presidente: - Estes pareceres vão tambem a imprimir com urgencia para serem amanha distribuidos e poderem discutir se na seguinte sessão.

O sr. Conde de Castro: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda approvando o projecto de lei sobre o praso para a revisão da tabella dos valores medios, pelos quaes têem de ser cobrados, ad valorem, os direitos de importação.

Participo tambem a v. exa. que a commissão de fazenda me encarregou de pedir á camara que lhe sejam aggregados alguns membros para tornar mais rapido o andamento de seus trabalhos; e auctorisou-me a propor os dignos pares Mathias de Carvalho, Sequeira Pinto, Mendonça Cortez e Thomás de Carvalho.

O sr. Presidente: - O sr. conde de Castro propõe, por parte da commissão de fazenda, que lhe sejam aggregados os dignos pares, os srs. Matinas do Carvalho, Sequeira Pinto, Mendonça Cortez e Thomás de Carvalho.

Os dignos pares que approvam este requerimento tenham a bondade do se levantar.

Fui approvado.

O sr. Carlos Bento: - Pedi a palavra unicamente para lembrar ao governo a conveniencia de apresentar ás camaras, sempre que possa, a declaração de quaesquer modificações no orçamento ordinario, tanto em relação á receita como á despeza.

Entre nós ha a vantagem, que não temos aproveitado sufficientemente, de ser o nosso orçamento approvado muito mais perto da epocha em que deve começar o exercicio a que elle só refere do que em qualquer outro paiz.

Em França, por exemplo, o sr. Paul Leroy Beaulieu recommendava que se adoptassem os annos economicos, exactamente como nós temos; quer dizer, aconselhava, como remedio, uma cousa que nós praticâmos, ainda que, diga-se de passagem, não fazemos d'ella um uso conveniente.

Peço, pois, ao governo que queira apresentar á camara todos os esclarecimentos que possam servir para se rectificar quaesquer verbas do orçamento, tanto em relação á despeza como á receita publica, a fim desses esclarecimentos serem aproveitados na discussão do orçamento. A camara dos pares tem, n'esta parte, uma vantagem, que e ser a ultima a considerar os orçamentos, e por consequencia póde modifical-os e tornal-os mais exactos, tendo em vista dados mais recentes, e mesmo algumas proposições que haja adoptado a outra camara posteriormente a ter dado a sua approvação áquelles documentos. Ainda ultimamente aconteceu no Brazil um facto d'esta ordem. Ali o senado póde rectificar o orçamento em presença de esclarecimentos que lhe foram ministrados e que não podiam ter sido fornecidos á outra camara na occasião de apreciar a lei de receita e despeza do estado. Foi um bom exemplo mais que deu aquelle imperio do quanto n'elle os poderes publicos se empenham em resolver a questão fazendaria, apesar das grandes difficuldades com que luctam para chegar a esse resultado.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Tenho a declarar ao digno par, o sr. Carlos Bento, que me conformo inteiramente com o seu pedido para que o governo, antes de se fechar a sessão, apresente ao parlamento uma

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especie de primeira rectificação do orçamento, de modo que, quando se haja de discutir n'esta casa aquelle documento, se possa, em vista das informações do governo e das proposições que tenham sido approvadas pelas côrtes posteriormente ao acto da approvação do orçamento pela camara, dos senhores deputados, introduzir n'elle aquellas modificações que resultam d'essas mesmas proposições do governo, ou as de outras origens, já convertidas em lei.

Devo dizer mais ao digno par, que tanto é esse o pensamento do governo que, na commissão de fazenda da outra casa do parlamento, manifestei já a intenção em que estava de, antes de se encerrarem as sessões das côrtes, apresentar essa especie de primeira rectificação orçamental a que alludiu s. exa. Todavia, a camara comprehende bem que, nessa primeira rectificação, não é possivel tomar como elemento de apreciação senão as proposições convertidas em leis do estado a esse tempo, porque as outras, aliás importantes para modificar a receita ou a despeza que tenham sido sujeitas ao exame do parlamento, póde acontecer não estarem ainda approvadas em ambas as camaras na occasião de ser aqui discutido o orçamento, e por consequencia não podem servir de base para qualquer rectificação n'aquelle documento.

O sr. Carlos Bento: - Agradeço ao sr. ministro da fazenda a resposta que se dignou dar ás minhas observações, e devo declarar que eu não peço senão aquelles esclarecimentos que possam servir de base segura a qualquer rectificação; porque quanto ás propostas de lei, de certo que só poderemos considerar as que estiverem votadas e convertidas em leis do estado.

O sr. Mathias de Carvalho: - Agradeço á illustre commissão de fazenda haver proposto que eu ficasse fazendo parte d'ella, e muito me honrou a camara approvando esta proposta. Cumpre-me, porém, declarar que, attento o meu precario estado de saude, em muito pouco poderei coadjuvar os dignos membros d'aquella commissão. Se apezar d'isso v. exa. e a camara entenderem em sua sabedoria, que não devo escusar-me, obedecerei, mas estou certo que qualquer dos meus honrados collegas desempenharia muito melhor do que eu o encargo de que se trata.

O sr. Presidente: - Não posso consultar a camara com referencia ao que expoz o digno par o sr. Mathias de Carvalho, porque ella acaba de resolver a esse respeito. (Apoiados.) A camara decidiu que s. exa. fosse aggregado á commissão de fazenda em vista de um pedido da parte d'esta commissão por um dos seus membros, e seguramente não seria feito similhante pedido se a commissão não estivesse certa que o concurso do digno par lhe havia de ser muito util. (Apoiados.)

Sobre a mesa não ha trabalhos de que a camara se possa occupar hoje. Se os dignos pares, membros das commissões, têem alguns trabalhos a ultimar que possam ser hoje apresentados, suspenderei a sessão por alguns minutos para esse fim, de contrario levantarei a sessão.

Os pareceres enviados hoje para a mesa, por parte de algumas das commissões, já foram mandados imprimir, e eu declarei ainda ha pouco que seriam dados para ordem do dia de terça feira proxima, devendo ser distribuidos ámanhã por casa dos dignos pares. Portanto parece-me inutil termos sessão antes d'aquelle dia.

Por consequencia a primeira sessão terá logar na terça-feira proxima, 16 do corrente, e a ordem do dia será a discussão dos pareceres que foram hoje mandados para a mesa, e que hão de ser distribuidos por casa dos dignos pares a tempo de mediarem os dias que determina o regimento entre a distribuição e a discussão dos pareceres.

Está levantada a sessão.

Era perto das tres horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 12 de março de 1880

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; Arcebispo de Evora; Condes, dos Arcos, de Avilez, de Bertiandos, de Cabral, de Bomfim, de Castro, da Ribeira Grande, de Rio Maior, de Samodães, da Torre; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Bivar, de Borges de Castro, de Ovar, de S. Januario, do Seisal, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Villa Maior; Barão de Ance de; Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Coutinho de Macedo, Barjona de Freitas, Xavier da Silva, Palmeirim,. Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Margiochi, Fortunato Barreiros, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Braamcamp, Andrade, Pinto to Bastos, Castro, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Mello Gouveia, Mattoso, Mexia Salema, Luiz de Campos, Daun e Lorena, Seixas, Franzini, Mathias de Carvalho, Canto e Castro, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Calheiros, Ferreira de Novaes, Thomás do Carvalho, Seiça e Almeida.

Discurso proferido pelo digno par visconde de Chancelleiros na sessão de 3 de março, e que devia ler-se a pag. 174, col. l.ª

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Muito obrigado a v. exa.

Procurarei ser conciso; e se o for, agradecerei reconhecido a v. exa. o haver dado ao meu espirito, por obediencia ao preceito da mesa, uma qualidade que elle não tem.

V. exa. recordou-me as disposições regimentaes. Oxalá que por essas disposições, estabelecidas de certo com o prudente intuito de obstar a que perdessemos tempo em discussões estereis, se houvesse imposto o mesmo preceito de concisão aos oradores que me antecederam, e que tanto se desviaram da materia em discussão, discorrendo sobre assumptos que lhe eram inteiramente estranhos.

Creio que poderei affirmar com rasão, com aquella que os factos justificam, e que de certo me dará a consciencia da camara, que procurei contrahir este debate nos limites que naturalmente lhe estavam marcados.

Para o provar, e para estabelecer a relação entre o que já tive occasião de dizer á camara, e as duas palavras que sou obrigado a dizer ainda para explicar e sustentar a proposta de adiamento, v. exa. me permittirá que, nos termos de maior concisão, eu faça lembradas as considerações que apresentei no discurso que ha dias proferi sobre o projecto que se discute, se vale a pena chamar discurso a um pequeno e simples arrasoado sobre a materia.

Comecei n'essa occasião por declarar em que termos se achava a debatida questão do real de agua antes do governo apresentar ao parlamento esta proposta de lei. E esses termos eram que, havendo o governo recebido pela lei de 4 de maio de 1878 auctorisação para cobrar o imposto do real de agua na circulação, para levantar barreiras para a cobrança desse imposto nas capitaes dos districtos administrativos, e tambem para organisar o serviço especial do real de agua, não excedendo com essa despeza mais de 12 por cento do rendimento do mesmo imposto no ultimo anno, o governo, como era d'antes, apenas exercera esta ultima auctorisação, publicando no exercicio e uso pleno d'essa faculdade o regulamento de 29 de dezembro de 1879.

Fiz ver o que era esse regulamento, considerei-o um instrumento de forte e activa fiscalisação nas mãos da administração por conta do estado; e mais ainda considerei-o uma arma perigosissima nas mãos do arrematante, quando elle se substituisse a essa administração.

Sob a influencia d'estas idéas perguntei ao sr. ministro se nos concelhos onde se deu de arrematação a cobrança do real de agua ficava ou não em vigor o regulamento. O sr. ministro da fazenda respondeu negativamente.

Bem, como eu não posso crer que o governo supponha mais efficaz a administração e fiscalisação do arrematante

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sem e regulamento, que o da fazenda com elle, como me parece que todas as razões de prudencia pedem que em nenhum ponto do paiz se dê de arrematação a cobrança do imposto antes de se saber o que ella póde dar, melhoradas as suas condições de fiscalisação, proponho o adiamento do projecto até serem conhecidos praticamente, e devidamente estudados e comprehendidos os factos que resultarem de nova organisação dada ao serviço do real de agua.

Isto comprehende-se; o que porem só não comprehende, é que se junte um ensaio a outro ensaio, e que antes de saber o que póde dar a auctorisação que se pediu, e que o governo vae exercer, se peça uma outra auctorisação, cujo pensamento é a antithese do da primeira. Pediram e obtiveram meios para manter o serviço do real do agua, de maneira a garantir o augmento calculado d'aquelle imposto.

Bem, vejam primeiro o que póde dar nestas condições a cobrança por conta do estado, e recorram depois, se assim o quizerem, provado que não dá o que se calculou que dava, á cobrança por arrematação.

Isto é que é logico, e a isto creio que se não responde; julgo mesmo que se não póde responder.

Diz o relatorio do parecer que se discute:

«O governo declarou no seio da commissão, para ser aqui expressamente declarado, que é seu proposito não usar d'esta auctorisação senão nos casos e nos logares em que o defeito da acção fiscal do estado se mostre persistente, accusado por uma depressão notavel deste rendimento, comparado com as cobranças municipaes da mesma natureza.»

Pois se o governo está n'estas intenções, deve acceitar a minha proposta de adiamento, cujos termos são, me parece, a expressão do pensamento do governo, significado claramente na commissão da fazenda.

Diz esta proposta:

(Leu.}

Proponho o adiamento do projecto em discussão, e que este volte á commissão para que de novo ella aprecie o pensamento e disposição delle, confrontando com o resultado pratico da cobrança e fiscalisação do real de agua, executado o regulamento de 29 de dezembro de 1879.

O sr. ministro disse que o projecto de que se trata não tinha por fim senão incitar as camaras municipaes a avençar-se com o governo, isto é, a tornarem-se ellas proprias as arrematantes.

Muito bem, para conseguir esse fim não é necessario a auctorisação que se pede. O novo regulamento diz no artigo 67.°:

«É permittido ás camaras municipaes avençar-se com o governo sobre o rendimento do imposto do real de agua.»

As camaras avençam-se, têem a faculdade de arrematar, arrematam a cobrança do imposto, que necessidade temos pois de votar este projecto?

Se isto, porém, é assim, dizem-nos, porque combateis a auctorisação para dar de arrematação a cobrança, se de facto a arrematação existe já, e se as proprias camaras avençando-se com o governo podem dar de arrematação o real de agua? Respondo que se com effeito existe já o arrematante escusado é que o governo tome sobre si a responsabilidade de o restaurar de novo.

O facto, porém, é que temos o arrematante do imposto municipal substituindo-se á camara, mas não temos o arrematante dos direitos reaes substituindo-se ao governo.

Se suppondes que indirectamente com esta auctorisação que pedis, forçaes as camaras municipaes a avençarem-se com o governo, é porque sabeis que essas camaras por interesse dos municipios que representam hão de procurar por esse meio livrar os municipios do flagello dos arrematantes que pretendeis restaurar.

Sr. presidenta, não ha exaggeração n'estes receios, nem são vãos temores os que assaltam a imaginação dos que combatem tão funesta restauração. De mim confesso que com segura convicção accusei á camara os vexames que tal restauração podia importar aos contribuintes, e que meios de funesta e perniciosa influencia ella ia depor nas mãos do governo. Votada esta auctorisação, onde o governo quizer arrematar a cobrança do real de agua, e nos concelhos onde a arrematar põe logo por esse facto á sua disposição a arma a mais poderosa para affrontar a liberdade da urna. Póde não usar d'ella este governo, que decerto a não vae empregar como meio do realisar o teu ideal em materia de eleições.

Quem garante, porém, que outro qualquer governo o não faça?

Diz se ainda, o regulamento é mais suave, e sujeita os contribuintes a menos vexames do que a legislação que elle veiu substituir. Póde ser. Se, porém, a fiscalisação do real de agua era frouxa até hoje, isso prova que taes regulamentos com todo o cortejo de penas comminatorias se não executavam. Pelo menos não havia o arrematante a instigar as auctoridades, e a insistir para defeza e em nome do seu direito, que taes regulamentos se cumprissem em todo o seu rigor.

Tambem as disposições das ordenações eram mais rigorosas do que as do codigo penal, e nem por isso antes d'este ser promulgado, a applicação da justiça se inspirava dos rigores do velho codigo em materia penal.

Pois não nos dizem, não têem insistido em dizer-nos, que os escrivães de fazenda não fiscalisavam a cobrança do real de agua, que não tinham agentes fiscaes, e que pouco mais faziam do que metterem no bolso as pequenas quotas que por lei lhes cabiam por aquella cobrança?

Quaes eram então os horrores da antiga fiscalisação?

Sr. presidente, ninguem é propheta na sua terra, como disse ainda hontem o sr. Fontes. Por uma excepção do acaso, quiz este, que eu o fosse na minha. E não tiro d'isso nenhuma rasão de orgulho. Qualquer o podia ter sido como eu o fui.

Eu affirmei em 1878 que o governo não havia de pôr em execução a lei do real de agua; não a poz.

E não fallava já da cobrança de parte do imposto na circulação, e das barreiras que o governo pediu auctorisação para levantar, referia-me apenas ao regulamento pelo qual se devia dar nova organisação ao serviço do real de agua. As rasões em que eu me firmava escuso repetil-as, e nem o posso fazer por obediencia ao preceito do regimento. Bastará que diga que aquella impopularidade que eu affirmava ao governo que lhe resultaria da apresentação d'aquella medida foi tal, que com effeito nem sequer o famoso regulamento elle teve força para publicar.

Vimos então, sr. presidente, uma situação que tinha por si uma grande maioria em ambas as casas do parlamento, que affirmava merecer a confiança do poder moderador, que se orgulhava de ter a aura da popularidade que lhe dava o apoio da opinião publica, sumir-se um bello dia por aquelle famoso alçapão (Riso.) que ficou legendario, e isto porque?

Porque levantou contra si o paiz; porque um forte movimento de opinião reagiu contra uma medida cujo pensamento se não justificava por nenhuma consideração de ordem financeira.

Entendamo-nos, se para organisar as finanças é necessario recorrer ao imposto, para poder recorrer ao imposto é necessario evitar os vexames que o tornam, odioso.

E ha nada de mais odioso, sr. presidente, do que a idéa d'este projecto?

Ainda mo parece incrivel que um governo que está constantemente a fazer appello ás tradições liberaes do seu partido se inspirasse da idéa funesta de restaurar um systema condemnado pelos principios que esse partido professou sempre.

Ainda ha pouco tempo esse partido combateu as barreiras o combateu o imposto de circulação, e um e outro d'es-

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ses systemas de cobrança é acaso mais odioso que o systema de cobrança por arrematação?

V. exa., sr. presidente, faz-me lembradas, sem intenção talvez, as prescripções do regimento, vendo eu que o está consultando com tanta attenção.

Ainda bem, que assim me recordo que fallo sobre a ordem e que prometti ser breve.

Direi concluindo: esta questão não é, não póde ser uma questão politica, nem eu na posição em que estou posso levantar a suspeita de que em um adiamento justificado por tantas rasões do conveniencia, e inspirado na propria declaração do sr. ministro, pozesse o pensamento reservado de provocar uma questão politica.

Voto contra o projecto, e não sou opposição, votaria com mais rasão ainda contra o projecto, se fosso ministerial.

Os governos representam os partidos; são, devem ser pelo menos, a incarnação das suas idéas, das suas aspirações. Mas se os partidos vivem do futuro, e são instrumento da evolução politica, que é a lei do progresso da sociedade, não se segue d'ahi que não vivam tambem do passado, ao qual estão ligados, vinculados até, pelas tradições.

Por isso, mal comprehendo que se invoque a memoria do duque de Loulé, e o nome de José Estevão, glorificado na nossa historia parlamentar, e representando um dos vultos mais sympathicos e mais populares d'essa historia, para justificar idéas, como as que se traduzem no projecto que se discute; se elle vale pouco como ensaio financeiro, vale muito como significação das tendencias de um governo que se preza de ser liberal, e que tem a obrigação de o ser, se não se quizer distanciar do partido que o acompanha, nem que este se distanceie, seguindo-o, do espirito da opinião publica, que é a grande rasão de força moral de todos os partidos.

Duas palavras ainda, sr. presidente, e estas são apenas um protesto a favor dos bons principios do regimen parlamentar.

Que achou o sr. ministro de offensivo para esse systema, nas palavras do sr. Fontes, quando disse que da sua parte declarava não entrar no concurso ao poder? Estranha acaso s. exa. que o sr. Fontes, chefe de um partido politico, diga que não quer o poder, que desiste do concurso ao poder, por se julgar com direito a elle?

Pois s. exa. o sr. Fontes não póde individualmente deixar de querer ser ministro, e trabalhar como chefe do partido que representa, para que esse partido conquiste de novo o poder?

Que encontrou o sr. ministro de extraordinario nessa declaração que tanto estranhou? O sr. Fontes não disse que não queria ser ministro, significando com isso que o podia ser, quando quizesse sel-o. Nem. o disse, nem o podia dizer, porque nem o poder se conquista por capricho da vontade, nem se conserva tambem pela ambição de o exercer.

Os governos succedem-se, e os partidos alternam-se nó poder, sob a influencia instavel d'esta grande força que rege o movimento politico no regimen parlamentar, a força da opinião.

Se este debate continuar, peço ainda a v. exa. que me inscreva sobre a materia.

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