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N.º 26

SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O digno par conde da Azarujinha requer que seja permittido á commissão de fazenda reunir-se durante a sessão. É approvado este requerimento. - O digno par Gomes Lages justifica as suas faltas ás sessões antecedentes. - O digno par conde de Lagoaça dirige perguntas ao governo. Responde-lhe o sr. presidente do conselho.-O digno par Jeronymo Pimentel manda para a mesa um parecer da commissão de fazenda, e requer que elle entre immediatamente em discussão. Approvado o requerimento, é depois approvado o parecer que se refere ao projecto que augmenta em 15 réis o direito do assucar, depois de troca de explicações entre os dignos pares Marçal Pacheco e Jeronymo Pimentel.- O digno par Montufar Barreiros declara que lhe não foi possivel tomar parte na deputação para que foi ultimamente nomeado.

Ordem do dia: discussão do parecer n.° 15. É approvado, após considerações apresentadas pelo, digno par Marçal Pacheco e sr. ministro das obras publicas.-É lida uma mensagem vinda da outra camara. - O sr. presidente do conselho de ministros participa o dia e a hora a que Sua Magestade se digna receber a deputação d'esta camara, que tem de apresentar-lhe os autographos das leis ultimamente votadas.- Os dignos pares conde de Thomar e Frederico Arouca mandam para a mesa tres pareceres da commissão de negocios externos. Vão a imprimir. - O sr. bispo de Lamego manda para a mesa um requerimento, pedindo documentos ao ministerio da fazenda. É expedido. - A respeito de negocios da India trocam-se explicações entre o digno par conde de Lagoaça e sr. ministro dos negocios estrangeiros. - O digno par Thomás Ribeiro pede providencias contra certos abusos da fiscalisação aduaneira. Responde-lhe o sr. presidente do conselho, e aquelle digno par insta pela remessa de uns documentos que ha dias pediu.-Encerra-se a sessão, designa-se a immediata e a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão ás duas horas e tres quartos da tarde, achando-se presentes 20 dignos pares.

Foi lida e approvada sem discussão a acta da sessão anterior.

(Assistiram á sessão o sr. presidente do conselho, e os srs. ministros das obras publicas e dos negocios estrangeiros.)

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei, que tem por fim comprehender no imposto de fabricação e consumo o assucar que, a datar da promulgação da lei que estabelece o mesmo imposto, estiver nas alfandegas do continente e ilhas, ou já completamente embarcado com destino a portos portuguezes ou em viagem para estes; bem como copias authenticas do parecer da commissão de fazenda, do projecto de lei e da proposta do governo.

Foi enviado á commissão de fazenda.

O sr. Conde da Azarujinha: - Pedi a palavra para requerer a. v. exa. que, em vista da importancia especial e urgencia do projecto vindo da outra camara, se possa reunir durante a sessão a commissão de fazenda, a fim d'ella dar o seu parecer com a maior brevidade.

Foi approvado o requerimento.

O sr. Gomes Lages: - Sr. presidente, pedi a palavra para declarar a v. exa. que, por incommodo de saude, não tenho podido comparecera algumas sessões.

O sr. Conde de Lagoaça: - Sr. presidente, eu disse hontem que levantaria novamente a questão que a camara, na sua alta sabedoria, entendeu dever abafar e, por consequencia, não posso deixar de me referir a ella.

O sr. Presidente: - V. exa. dá-me licença? Essa questão foi hontem resolvida. V. exa. não póde renoval-a agora.

O Orador: - É prohibido referir-me ao sr. ministro da guerra? Se v. exa. entende que não, posso referir-me a elle.

O sr. Presidente: - V. exa. não póde renovar a sua questão já discutida e julgada.

O Orador: - Sr. presidente, eu, antes da ordem do dia, posso tratar do que queira e me appeteça, desde que não offenda a camara; mas ainda assim, devo dizer a v. exa. que não vou tratar agora d'essa questão.

Desejo ver presente o sr. ministro da guerra, porque a questão não ficou liquidada.

Pedi a palavra para tratar de um assumpto que diz respeito ao projecto de lei que mandei para a mesa relativo ás promoções por distincção.

Eu pedi a promoção por distincção para o heroico capitão Mousinho de Albuquerque, hoje major. Este meu desejo já foi satisfeito, e, se ainda que mal e tardiamente, nem por isso deixo de me congratular, mas pedi tambem a promoção a general do coronel Galhardo, e isto é uma questão differente que ha de ser tratada, porque eu não prescindo do meu direito; agora se entendem que pelo facto de hontem terem abafado uma questão, isto contra os usos d'esta casa, não se podem discutir mais os actos do sr. ministro da guerra n'esta camara, tenha a bondade v. exa. e o governo de o dizer.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Não ha tal.

O sr. Marçal Pacheco: - Ninguem entende isso.

O Orador: - Por consequencia, peço ao governo o favor de pedir ao nobre ministro da guerra que venha aqui tratar d'este assumpto, que é palpitante.

Quero saber o que é que s. exa. pensa a tal respeito. Eu hontem pedi ao nobre ministro que me dissesse qual era a sua opinião, mas s. exa. não se dignou responder-me. Tinha pedido de novo a palavra, para instar pela resposta, mas a camara abafou a questão e eu não pude fallar.

É preciso que s. exa. nos diga qual é a sua verdadeira e ultima opinião sobre o assumpto. S. exa. disse em tempos que não promovia o coronel Galhardo porque não havia lei que tal consentisse; eu disse que s. exa. laborava num equivoco. S. exa. retorquiu-me que o não promoveu a general, porque a opinião do governo era contraria ás promoções, e, dias depois, saltando por cima das suas declarações peremptorias e saltando por cirna de nós, promove o capitão Mousinho.

O sr. ministro da guerra declarou em tempos que sobre esta questão das promoções não transigia, que sobre ella punha a sua pasta, e a final ainda hontem vimos s. exa.

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sentado n'aquellas cadeiras, e ainda hoje é ministro d guerra!

Peco aos seus collegas o favor de lhe dizer que venha aqui. S. exa. não póde fugir, porque a questão é muito melindrosa, particularmente para s. exa.

Por agora, limito-me a pedir ao sr. presidente do conselho o favor de pedir ao seu collega da guerra que venha aqui resolver esta questão. Apresentem, se quizerem, mais moções, ponham novamente a questão politica, façam o que quizerem, que eu não deixarei de insistir na necessidade e conveniencia de se galardoarem os cidadãos que bem merecem da patria, para assim animar todos os portuguezes a bem servir o paiz.

Eu fiz, n'uma das ultimas sessões, uma pergunta ao sr. presidente do conselho ácerca da nomeação do sr. Neves Ferreira como plenipotenciario por parte de Portugal para negociar com a Inglaterra um trado de extradição.

Não sei se effectivamente s. exa. foi nomeado para esse cargo.

Vi nos jornaes que não tinha sido, mas depois os mesmos jornaes noticiaram o contrario, isto é, que sempre tinha sido nomeado para aquelle cargo.

Na sessão em que dirigi a pergunta ao sr. presidente do conselho, estranhei que o governo fizesse uma nomeação d'essa ordem, e acrescentei que me parecia esse um facto bastante extraordinario.

Disse isso então, e hoje declaro bem alto que na pessoa do sr. Neves Ferreira eu não vejo competencia nenhuma, não obstante a sua carreira administrativa e politica, para ser o negociador de um tal tratado.

S. exa. não é um diplomata, não é um jurisconsulto.

É simplesmente, segundo creio, um valente official de marinha, mas isto não basta para tratar com uma potencia estrangeira numa questão de grande importancia, como é a de um tratado de extradição.

Mas ha mais.

De entre os 5.000:000 de habitantes que tem Portugal, o sr. Neves Ferreira é o unico que não póde ser nomeado para esse logar.

Todos de certo se recordam dos memoraveis successos que precederam o affrontoso ultimatum da Inglaterra.

O sr. Neves Ferreira foi o unico culpado d'esse matum.

Não estou inventando, isto está na memoria de todos, e o que acabo de dizer posso-o provar com documentos.

Se for necessario, eu dirigirei a este respeito uma interpellação ao governo, e farei ver com documentos officiaes, que esta é a verdade dos factos.

O sr. Neves Ferreira desobedeceu duas ou tres vezes ao sr. Barros Gomes, duas ou tres vezes, note a camara.

O sr. Neves Ferreira disse em uma certa occasião: "La patience a des limites".

E s. exa. acrescentava ainda que não tinha medo, que quem tinha medo era o governo da metropole, e que se fosse elle que mandasse, a cousa seria de outra maneira.

Por consequencia, sr. presidente, não ha homem mais incompetente para negociar com a Inglaterra um tratado de extradição como é o sr. Neves Ferreira.

Ha mais ainda.

Apparece agora publicado um documento assignado pelo sr. ministro do reino, documento que vem no livro do sr. Fuschini.

Dois amigos meus disseram-me que eu não devia referir-me aqui a esse livro. Não sei porque.

O sr. Fuschini foi collega do sr. Hintze Ribeiro, é um ex-ministro d'estado, a que alguns dos actuaes srs. ministros convidaram para se sentar ao seu lado. É, por conseguinte, um homem importante. Não me parece que fosse de mais que eu, um simples mortal, corresse pressuroso a comprar esse livro para ver o que n'elle se continha.

Se é verdade o que se diz no livro do sr. Fuschini, em que situação ficam alguns dos srs. ministros?

Com respeito a algumas cartas particulares que vem publicadas n'esse livro, sem auctorisação de quem as enviou ao sr. Fuschini, eu direi de passagem que nada tenho com isso.

Se as cartas fossem minhas, eu saberia como havia de proceder e não me soccorreria de indicações alheias. O que é inegavel é que o livro é publico, e que n'elle se fazem accusações gravissimas.

De passagem, direi aos srs. ministros que, aparte qualquer commentario que se possa fazer ás intenções d'esse livro, e ao facto de n'elle estarem publicadas cartas e conversações particulares, é muito bem feito que tal succedesse.

S. exas., aos seus amigos, áquelles que sempre os aconselharam lealmente, escorraçam-os do parlamento, do governo e de toda a parte, e depois, quando querem constituir ministerio, vão buscar um dos seus inimigos mais confessos...

O sr. Marçal Pacheco: - Apoiado.

O Orador: - Um dos que tanto os vilipendiou; que chamou aos membros mais importantes do partido regenerador, serventuarios da bandeira rica do sr. conde de Burnay.

O sr. Marçal Pacheco: - Apoiado. O Orador:

Agora supportem as consequencias. E muito bem feito. Tomem, por isso, s. exas. nota do que lhes digo: não ha de ser este o ultimo castigo justo...

O sr. Marçal Pacheco: - E providencial.

O Orador - E providencial.

Não se na o sr. presidente do conselho, porque o que se diz n'aquelle livro é muito serio e grave; desprestigia os altos poderes do estado e os homens mais notaveis d'este paiz, que estão mais em evidencia.

O governo não póde ficar indifferente perante aquella accusações. Ou exige um processo formal contra o auctor d'aquelle livro, ou adopta qualquer outro procedimento. A seu tempo tratarei d'este assumpto. O que é facto é que n'aquelle livro fazem-se accusações gravissimas e violentas; põem-se em foco as mais altas individualidades politicas.

Ora, se aquillo é um acervo de falsidades, corrija-se quem o praticou; mas o que não se póde consentir é que corra de mão em mão, e por mãos estrangeiras, um livro, no qual tão baixo cáe o prestigio e a dignidade do governo e dos altos poderes do estado d'este paiz.

No livro a que me refiro lê-se o seguinte:

(Leu.)

Não ha, evidentemente, ninguem mais proprio, nem mais adequado na nação portugueza para negociar um tratado com a Inglaterra, do que um anglophobo confesso, reconhecido authenticamente por um ex-ministro da corôa!

Isto será tudo quanto os srs. ministros quizerem, mas não é serio.

Por isso, eu peço ao sr. presidente do conselho que, principalmente, depois da publicação d'aquelle livro, que póde ser censuravel, não o nego, mas que, infelizmente, é boje publico, e que é lido não só por nós, mas por quem representa, entre nós, as nações estrangeiras, peço ao sr. presidente do conselho, repito, que não consinta que o sr. Neves Ferreira continue no exercicio do seu novo argo, se é que já foi nomeado.

Peço ao governo que sobreesteja n'este assumpto, porque elle póde acarretar gravissimas consequencias, e traz, alem d'isso, um augmento enorme de despeza para o thesouro publico. Portanto, repito ainda, peço ao sr. presidente do conselho que reflicta, e que, se for preciso, renuncie ao seu proposito, desfaça aquella nomeação, porque o sr. Neves Ferreira não tem auctoridade para o desempenho de tal cargo, principalmente depois do documento

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que ha pouco li, assignado pelo actual sr. ministro do reino.

Eu, quando pedi a presença do sr. ministro da marinha, sr. presidente, tencionava referir-me a este- assumpto, porque desejava saber se effectivamente o sr. Neves Ferreira ia para Goa desempenhar uma missão diplomatica, ou para auxiliar o sr. Infante D. Affonso no governo d'aquella provincia.

Por consequencia, e para não cansar a camara, passo já a formular as duas perguntas que dirijo ao governo.

Primeira: Foi effectivamente nomeado o sr. Neves Ferreira para negociar com o governo inglez um tratado de extradição?

E cabe aqui observar de novo que por causa do sr. Neves Ferreira já se romperam negociações encetadas para a realisação de um tratado de extradição, e romperam-se porque s. exa. não quiz acceitar a pena de morte para aquelles cuja extradicção fosse concedida por parte de Portugal. S. exa. foi de certo guiado por um sentimento nobre, louvavel e extremamente honroso para o seu caracter; mas quererá s. exa. acceitar agora o que então fortemente recusava?

Parece-me esta uma circumstancia ponderavel e que exige a attenção e a reflexão do governo.

Portanto outra interrogação que, com a que acabo de fazer, cabe na minha primeira pergunta e a completa: Se o governo ainda não nomeou o sr. Neves Ferreira, póde nomeal-o depois das rasões que acabo de expor?

Não serão ellas sufficientes para que o governo annulle a nomeação, se já está feita?

Segunda pergunta: Verificada a nomeação diplomatica do sr. Neves Ferreira, qual o genero de instrucções que o governo lhe dá?

E já agora, e como se trata de um assumpto de ordem publica, termino perguntando tambem ao governo se elle fica impassivel perante o livro do sr. Fuschini.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, o sr. conde de Lagoaça fez uma accusação ao meu collega o sr. ministro da guerra que eu não posso deixar de classificar, de injusta, pois que elle a não merece. O sr. ministro da guerra não foge ás discussões parlamentares, como o tem provado, quer numa quer n'outra casa do parlamento, apresentando-se para dar conta dos seus actos, sempre que a sua presença se torna necessaria ou é reclamada.

Nunca fugiu das discussões parlamentares, nem precisa fugir; basta-lhe a sua competencia em todos os assumptos que correm pela pasta que tem a seu cargo gerir.

O sr. ministro da guerra não está hoje aqui porque não tinha de estar. Póde o digno par entender que cabe nos seus direitos parlamentares o renovar uma questão que a camara julgou finda.

O sr. ministro da guerra é que o hão podia entender assim.

Nas assembléas parlamentares os direitos individuaes teem por limite as votações da collectividade.

A camara pronunciou-se, a camara julgou, a camara procedeu a uma votação solemne, clara e significativa.

D'essa votação resultaram consequencias affirmativas que o sr. ministro da guerra sabe muito bem comprehender. Se fossem negativas tambem o sr. ministro da guerra e o governo saberia quaes as illações a tirar da resolução da camara.

Em todo o caso esta resolveu.

O digno par comprehende que a ninguem mais do que ao governo cumpre acatar as resoluções da camara.

Pela minha parte não tinha que responder ao digne par; todavia, se s. exa. quizer, sobre um assumpto qual quer que não esteja prejudicado por uma resolução da camara, discutir com o sr. ministro da guerra, eu communicarei ao meu collega os desejos do digno par, e estou certo de que o sr. ministro da guerra se apressará a vir a ista camara dar as explicações que lhe forem pedidas. Isto pelo que toca á primeira parte das observações do digno par.

Pelo que toca á nomeação do sr. Neves Ferreira direi ao digno par que o governo está no proposito de o nomear. O digno par póde discordar do acerto da escolha, se quer mesmo da intelligencia d'este cavalheiro, mas s. exa. comprehende, todavia, uma cousa: é que a responsabilidade da nomeação não é do digno par; é o governo quem nomeia e é ainda do governo a responsabilidade da nomeação.

Para nós, o governo, o sr. Neves Ferreira reune todas as qualidades necessarias para o bom desempenho da sua missão. Foi nosso collega experimentado nas lides arduas e penosas da governação durante mais de dois annos; caracter leal, competencia provada e experiencia dos negocios publicos, não só no continente como nas administra-lo es das provincias ultramarinas.

O digno par foi buscar não sei que argumentos contra sr. Neves Ferreira.

A esse respeito devo dizer ao digno par o seguinte: é que não posso, pelo respeito que devo á camara e a mim proprio, discutir n'este logar cartas particulares, (Apoiados.) factos, conversações, particularidades intimas e reservadas, porque não devo por dignidade minha praticar o mesmo abuso que a minha consciencia exprobra quando praticados por outros. (Apoiados.)

Só direi ao digno par que o sr. Neves Ferreira foi nosso collega (e vejo agora presente um antigo collega n'este logar, o sr. Frederico Arouca, que póde testemunhal-o).

S. exa. foi nosso collega precisamente na epocha em que as relações entre os dois governos, o de Portugal e o de Inglaterra, se tornaram successivamente mais lhanas, mais affaveis, mais amigaveis.

O sr. Frederico Arouca: - Apoiado.

O Orador: - É um facto que me parece que destroe por completo qualquer illação que o digno par quizesse tirar em contrario.

Posto isto, só tenho de responder á ultima pergunta do

digno par.

Essa pergunta é: Que instrucções dá o governo ao sr. Neves Ferreira para o desempenho da sua missão?

Eu disse que só tinha de responder, e precisamente o que não posso é responder; porque as instrucções que o governo dá a um commissionado seu, são do governo e d'esse commissionado, e de mais ninguem.

Constitucionalmente é attribuição do poder executivo fazer tratados, salva a apreciação e sancção ulterior das côrtes; mas emquanto se trata de uma negociação, as instrucções partem do governo para o commissionado.

É esta a rasão por que, mau grado meu, ainda que quizesse, não podia responder á ultima pergunta do digno par.

(O orador não reviu.)

O sr. Jeronymo Pimentel: - Por parte da commissão de fazenda tenho a honra de mandar para a mesa o parecer sobre um projecto de lei vindo da outra casa do parlamento, e que tem por fim auctorisar o governo a fazer a cobrança antecipada de 15 réis por cada kilogramma de assucar, que á data da publicação d'esta lei estiver nas nossas alfandegas, ou já embarcado ou em viagem, para assim evitar os inconvenientes que ao thesouro podem vir em consequencia de ter sido apresentada á camara dos senhores deputados uma proposta que augmenta o imposto sobre este mesmo genero.

Como o caso é urgente, eu pedia a v. exa. que se dignasse consultar a camara sobre se, dispensando-se o regimento, póde desde já entrar em discussão este projecto.

(O digno par não reviu.)

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Leu-se na mesa o parecer, que é do teor seguinte:

PARECER N.º 24

Senhores.- A vossa commissão de fazenda examinou com a rapidez, que a urgencia do caso reclamava, o projecto de lei n.° 42, vindo da camara dos seniores deputados, que tem por fim acautelar os interesses do thesouro, auctorisando o imposto de 15 réis por kilogramma de assucar que, a datar do dia da publicação d'esta lei na folha official, esteja, ou nas alfandegas do continente e ilhas adjacentes, ou já completamente embarcado, ou ainda em viagem com destino a portos portuguezes.

A proposta de lei n.° 5, uma das medidas de fazenda apresentadas pelo governo na outra casa do parlamento, na sessão de 16 d'este mez, estabelece impostos de fabricação e consumo sobre os productos n'aquella proposta especificados.

Entre elles vem o imposto de l5 réis, a que ficam sujeitas a clarificação e refinação do assucar por cada kilogramma que d'este producto trabalharem.

Como a mesma tributação vae incidir sobre os productos similares de procedencia estrangeira, importados para consumo, e como no espaço que medeia entre a apresentação da, proposta e a sua conversão em lei, caso esta se venha a realisar, se podem fazer grandes encommendas d'aquelle genero, para o subtrahir ao projectado imposto, com grave prejuizo para os interesses da fazenda, necessaria se tornava esta providencia para salvaguardar esses mesmos interesses.

N'este momento não discute a vossa commissão a proposta de lei do governo, a que este projecto se refere; não é agora logar para isso. Quando ella aqui vier será considerada e discutida com a attenção que merece.

Qualquer que seja e modo de ver d'esta camara, a respeito dos impostos de fabricação e consumo estabelecidos n'essa proposta, entende esta commissão que não deveis recusar o vosso assentimento a este projecto de lei, que só tem por fim acautelar os interesses do thesouro.

Sempre que ao parlamento foram apresentadas propostas d'esta natureza, que estabelecem ou augmentam impostos sobre generos que se importam, se auctorisou a antecipação da cobrança dos novos direitos.

Se necessario fosse podiamos citar muitos factos comprovativos d'esta asserção.

Nem d'ahi resulta grave prejuizo para os legitimos interesses do commercio, porque a liquidação faz-se por deposito, que será restituido, quando porventura as côrte não approvem aquella proposta.

É tão evidente o alcance desta providencia que a vossa commissão julga desnecessario adduzir outras rasões em justificação do seu parecer inteiramente favoravel a este projecto de lei, que entende tambem dever merecer vossa approvação, para poder ser levado á sancção regia.

Sala da commissão de fazenda, 24 de março de 1896.= A. de, Serpa Pimentel = José Antonio Gomes Lages = Con de da Azarujinha = Marçal Pacheco (com declarações) = A. A. de Moraes Carvalho = Tem voto do digno par: = Frederico Arouca = Jeronymo da Cunha Pimentel relator.

Projecto de lei n.° 32

Artigo 1.° O imposto de fabricação e consumo, estabelecido pela proposta de lei n.° 5, apresentada á camara dos senhores deputados, pelo governo, na sessão de 16 d março corrente, de 15 réis por kilogramma de assucar clarificado ou refinado, é devido por todo o assucar que, a datar do dia, inclusive, da publicação d'esta lei no Diario do governo, não esteja nas alfandegas do continente ilhas adjacentes, nem completamente embarcado com destino a portos portuguezes ou em viagem para elles.

§ unico. A liquidação do imposto, segundo o disposto n'este artigo, far-se-ha nos precisos termos da mencionada proposta de lei, e a sua cobrança realisar-se-ha por deposito até que as côrtes resolvam definitivamente sobre a mesma proposta.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 23 de março de 1896. = Visconde do Ervedal da Beira, vice-presidente = Amandio Eduardo da Mota Veiga, deputado secretario = Abilio de Madureira Beça, deputado vice-secretario.

O sr. Presidente: - O digno par relator da commissão requereu, em vista da urgencia e importancia d'este projecto, que eu consultasse a camara sobre se dispensava regimento para que o mesmo projecto podesse desde já entrar em discussão.

Os dignos pares que approvam este requerimento, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado e em seguida procedeu-se novamente á leitura do projecto que entrou em discussão na generalidade e na especialidade.

O sr. Marçal Pacheco: - Tratando-se de um aggravamento de imposto, embora seja provisoria a cobrança respectiva, declara que vota contra o projecto.

Já tem declarado, e de novo repete a declaração, de que não vota nenhum imposto novo, nem aggravamento das tributações existentes emquanto nas obrigações dos tabacos se não fizer a reducção que estão soffrendo todos os demais titulos da divida do estado.

Aguarda uns esclarecimentos que pediu, e, depois d'elles chegarem, annunciará uma interpellação ao sr. ministro da fazenda, e n'essa occasião mostrará qual á rasão e a justiça da causa que tem defendido, e os motivos que o levam a mostrar-se contrario a todos os projectos que tendam a augmentar impostos.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra quando s. exa. tenha revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Jeronymo Pimentel: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par, o sr. Jeronymo Pimentel, relator da commissão.

O sr. Jeronymo Pimentel (relator): - Sr. presidente, disse o digno par que acaba de fallar, que as suas affirmações, que as suas insistencias, as suas declarações, a respeito da opinião que s. exa. tem de que devem ser tributadas as obrigações da companhia dos tabacos, mortificam e incommodam muita gente; a mim nada me incommoda a insistencia do digno par, porque nada tenho com aquelles titulos.

Se elles podem, se elles devem ser tributados, é justo que o sejam.

Eu podia responder a s. exa. da mesma fórma como lhe tem sido respondido já, por occasião de fazer iguaes declarações.

Nós agora não tratamos da companhia dos tabacos.

Tratâmos apenas, como s. exa. disse, de um imposto provisorio, para evitar inconvenientes e prejuizos que poderiam resultar para o thesouro se porventura não fosse votada esta medida.

Como v. exa. e a camara sabem, entre as medidas apresentadas ao parlamento pelo sr. ministro da fazenda vem a que se refere ao direito de 15 réis sobre cada kilogramma de assucar refinado ou clarificado.

No espaço que medeia entre a apresentação d'aquella proposta de lei e a sua approvação, se a obtiver, os interessados poderiam encommendar grandes porções d'este genero; se esta providencia não viesse acautelar os interesses do thesouro, poderiam d'ahi resultar grandes inconvenientes para o estado.

A commissão diz no seu parecer que se reserva para apreciar devidamente aquelle augmento de imposto, quando essa proposta vier a esta camara.

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O seu voto dado a este projecto não importa a approvação d'aquella medida.

S. exa. não se referiu especialmente a este projecto, e, por consequencia, nada mais tenho a apresentar sobre o assumpto.

O sr. Montufar Barreiros: - Declaro que, por incommodo de saude, sr. presidente, não me foi possivel tomar parte na deputação para que fui ultimamente nomeada.

O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção. Vae votar-se o projecto.

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam este projecto tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Tendo já decorrido a hora marcada no regimento para os trabalhos antes da ordem do dia, vae passar-se á ordem do dia.

Se houver tempo darei depois a palavra aos dignos pares que se acham inscriptos, e que são os srs. bispo de Lamego e conde de Lagoaça.

Vae ler-se o projecto de lei n.° 15.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 13

Senhores: - A vossa commissão do commercio e industria foi presente o projecto de lei n.° 15, vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim converter em lei do estado as disposições do decreto dictatorial de 12 de julho de 1894, regulando a fiscalisação dos estabelecimentos bancarios e emissão das obrigações das sociedades anonymas.

O muito lucido e substancioso relatorio que precede o referido decreto, seria mais que sufficiente para justificar plenamente aquellas disposições, reclamadas já pela opinião publica e recebidas com geral applauso quando o decreto foi publicado.

As perturbações e occorrencias irregulares que, principalmente, nos ultimos annos se tem dado em varios estabelecimentos bancarios, e a crise bancaria que se seguiu, determinaram o governo a submetter á approvação do chefe do estado o decreto de 12 de julho de 1894.

Para o justificar seria em verdade sufficiente a lucida exposição do mencionado relatorio. Mas acrescem ainda as judiciosas ponderações da illustrada commissão da camara dos senhores deputados, que seria ocioso reproduzir aqui.

Portanto, o notavel trabalho do nobre ministro das obras publicas, trabalho que só por si é uma prova de quanto s. exa. se occupa seriamente, estuda profundamente e resolve com alto criterio os variados e complexos assumptos dependentes do seu ministerio, e as sensatas considerações da illustre commissão da outra camara, não deixam á vossa commissão mais a fazer do que apreciar esses valiosos argumentos, com os quaes ella concorda; e convencida como está de que essa providencia legislativa ha de ser efficaz correctivo das perturbações e irregularidades acima mencionadas, é de parecer que o projecto de lei n.° 15 merece ser approvado pela camara dos dignos pares do reino.

Sala da commissão, em 13 de março de 1896. = A. de Serpa Pimentel = Visconde de Athouguia = Arthur Hintze Ribeiro = Francisco Simões Margiochi = Conde de Carnide, relator.

Projecto de lei n.° 15

Artigo 1.° Consideram-se bancos, para os effeitos d'esta lei, todas as sociedades anonymas ou cooperativas que tiverem por objecto exclusivo ou principal as operações designadas, no artigo 362.° do codigo commercial, isto é, operações tendentes a realisar lucros sobre numerario, fundos publicos ou titulos negociaveis, e em especial as de cambio, os arbitros, emprestimos, descontos, cobranças, aberturas de creditos, emissão e circulação de notas ou titulos fiduciarios pagaveis á vista e ao portador.

Art. 2.° Igualmente, para os effeitos d'esta lei, partilham do caracter de bancos as sociedades anonymas, qualquer que seja a sua natureza, que, nos termos do anterior artigo, effectuarem as seguintes operações:

1.° Recepção de depositos em conta corrente com attribuição de juro, mediante annuncios, ou circulares impressas, e com distribuição de livros de cheques aos depositarios;

2.° Collocação de obrigações alheias ou titulos circulantes, de juro fixo;

3.° Contrato de emprestimo sobre penhor, quando a esses emprestimos se reuna a recepção de depositos.

Art. 3.° O estabelecimento das agencias ou succursaes de bancos estrangeiros, funccionando em Portugal, ficam sujeitas para todos os effeitos ás disposições d'esta lei.

§ unico. Os seus balancetes mensaes referir-seãhao exclusivamente ás operações effectuadas pelas mesmas agencias ou succursaes.

Art. 4.° É prohibido aos bancos:

1.° Adquirir de conta propria acções não liberadas de qualquer outro banco ou sociedade, exercendo funcções bancarias;

2.° Fazer emprestimos sobre penhor das suas proprias acções, alem de 15 por cento do capital realisado do banco;

3.° Comprar de conta propria as suas proprias acções.

§ unico. Os accionistas que tiverem acções empenhadas no banco, não poderão tomar parte nas assembléas geraes em representação d'essas acções.

Art. 5.° As immobilisações de capital por praso superior a tres annos, e por quantia superior ao vigesimo do capital de um banco, quer essas immobilisações tenham por fim compras, hypothecas, ou outras operações, ficarão sempre dependentes da approvação das assembléas geraes, salvo se os estatutos expressamente dispozerem o contrario.

§ unico. Exceptuam-se d'esta disposição as transacções que forem indispensaveis para liquidação de operações anteriores.

Art. 6.° O juro attribuido aos depositos em conta corrente á vista nunca poderá exceder metade da taxa media do desconto no banco de Portugal durante o semestre anterior á liquidação do mesmo juro.

Art. 7.° Os bancos terão sempre em caixa, em moeda corrente, pelo menos, o quinto da importancia dos depositos á ordem; devendo os quatro quintos restantes achar-se representados por valores de carteira realisaveis a curto praso, que não poderá exceder noventa dias.

§ unico. Os balancetes mensaes serão organisados por fórma que facilmente se possa verificar a execução das prescripções d'este artigo.

Art. 8.° Recebendo em deposito ou em caução titulos de qualquer especie, o banco deverá indicar no recibo a numeração e mais signaes distinctivos dos mesmos titulos para que não possam ser confundidos com outros, e para que na occasião da restituição se effectue a entrega do penhor ou do deposito na propria especie em que foi feito.

§ unico. Quando o depositante ou mutuario, entender convir-lhe deixar ao banco a liberdade de substituição dos titulos, deverá essa condição ser expressamente declarada no recibo.

Art. 9.° Quando os activos dos balanços annuaes descreverem valores circulantes de cotação variavel, esses balanços serão acompanhados do uma relação individualisada dos mesmos valores.

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310 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Art. 10.° Não poderá um banco desviar do seu fundo de reserva, para complemento do dividendo das acções, somma superior ao decimo do total realisado d'esse fundo; devendo esse desvio ser preenchido quanto possivel nos annos immediatos por acrescimo á somma estatuariamente estabelecida.

Art. 11.° Não póde fazer parte dos corpos gerentes de um banco o individuo:

a) Que tiver parente até terceiro grau, segundo o direito civil, em qualquer dos corpos gerentes do mesmo banco;

b) Que for socio ou parceiro de qualquer dos membros dos corpos gerentes do mesmo banco;

c) Que fizer parte dos corpos gerentes de outro banco ou sociedade que exerça funcções bancarias.

Art. 12. ° As gerencias, direcções ou administrações dos estabelecimentos bancarios, ou que exerçam funcções bancarias tem serem propriamente bancos, são pessoal e solidariamente responsaveis per qualquer infracção das disposições d'esta lei, bem come pelos actos praticados sem auctorisação legal ou estatuaria, sem que as votações das assembléas geraes d'esses estabelecimentos possam resalvar-lhes a responsabilidade, transferindo os prejuizos para a sociedade.

§ unico. Esta responsabilidade durará por um anno depois de approvadas as contas pela assembléa geral, e só é applicavel ás operações de caracter bancario que as sociedades anonymas realisarem.

Art. 13.° Mensalmente os bancos enviarão á repartição do commercio da secretaria das obras publicas, commercio e industria, para ser publicado no Diario do governo um balancete referido ao ultimo dia do mez anterior.

§ 1.° Esta remessa effectuar-se-ha dentro do mez immediato ao do balancete.

§ 2.° O balancete será assignado pelo director do serviço e pelo gerente ou guarda livros, que certificarão a conformidade com a escripturação.

§ 3.° Os balancetes mensaes e os balanços annuaes serão organisados segundo um modelo uniforme, elaborado pela repartição do commercio, de accordo com as direcções dos bancos.

Art. 14.° A repartição do commercio da secretaria das obras publicas, commercio e industria, compete em geral a fiscalisação da execução das disposições d'esta lei.

§ 1.° Compete especialmente a verificação da exactidão dos balancetes mensaes e do balanço annual, quando, por despacho do ministro, assim for auctorisado.

§ 1.° A esphera do acção d'esta fiscalisação fica, porém, limitada ás operações para que n'esta lei se consignam disposições especiaes, com exclusão de outras.

§ 3.° Annualmente a repartição do commercio formulará mu relatorio para conhecimento do governo, em que exporá as circumstancias de cada banco e o conjuncto dos factos dignos de menção, conforme os elementos estatisticos, extrahidos dos balanços e suas verificações.

Art. L5.° O governo poderá alem disso ordenar qualquer inspecção extraordinaria a um banco, em caso especial e urgente, nomeando para esse fim, por decreto, uru ou mais commissarios para inquirirem da situação do mesmo banco.

Art. 16.° Assim que uru banco deixe de satisfazer, no todo ou era parte, as obrigações contratadas no exercicio das suas operações, o governo nomeará um commissario seu, que funccionará com a direcção até á resolução do estado de crise, ou pelo restabelecimento das condições normaes ou pela abertura da fallencia.

Art. 17.° Quando esta cessação de cumprimento de encargos importar o não pagamento de juros ou amortisações de obrigações emittidas, os portadores de obrigações poderão desde logo constituir-se em assembléa geral, para, tambem desde logo, tomarem parte na gerencia da sociedade.

§ 1.° A relação numerica dos representantes dos obrigacionistas estará para a dos accionistas conforme estiver a relação do capital das obrigações para o das acções.

§ 2.° As regras para a constituição d'estas assembléas geraes serão as determinadas no estatuto para as assembléas geraes dos accionistas.

Art. 18.° Nenhuma sociedade anonyma poderá constituir-se definitivamente a partir da data d'esta lei, para o exercicio exclusivo ou simultaneo de operações bancarias, sem permissão especial do governo, que a concederá por decreto ou a recusará, conforme entender conveniente.

§ unico. Nenhuma companhia ou sociedade anonyma estrangeira poderá ter succursal on agencia em Portugal sem auctorisação do governo, que a não concederá sem que se fixe o capital com que a agencia ou succursal vae funccionar no paiz, e se obrigue a ter n'este um agente ou director responsavel.

Art. 19.° A creação e emissão de obrigações dos bancos au de quaesquer sociedades anonyma?, ficarão sujeitas á approvação do governo, que a não concederá sem que a sociedade requerente mostre:

1.° Estar a emissão nos termos prescriptos pelo artigo 196.° do codigo commercial;

2.° Achar-se garantido, á face do respectivo balanço, o pagamento dos encargos, excepto quando esta emissão for para substituir outra já realisada, ou quando a importancia de metade da emissão estiver garantida com valores immobiliarios, pertencentes á sociedade ou companhia emissora.

§ 1.° Se dentro do praso de um mez, depois de satisfeitos os requisitos dos dois numeros anteriores, o governo não tiver decidido sobre a concessão ou negação de licença para a emissão pedida, considera-se que a emissão foi approvada.

§ 2.° As emissões auctorisadas pelo governo, ou como tal reputadas, nos termos do § 1.°, não poderão realisar-se sem que se apresente previamente documento comprovativo do registo definitivo ordenado pelo n.° 6.° do artigo 49.° do codigo commercial.

Art. 20.° As disposições d'esta lei não são applicaveis aos estabelecimentos bancarios existentes em virtude de contratos com o estado, em tudo o que for contrario ao que está consignado nos mesmos contratos e nos respectivos estatutos, que tiverem sido approvados pelo governo.

Art. 21.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 9 de março de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Editarão da Motta Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

O sr. Marçal Pacheco: - Está de accordo com o pensamento generico que presidiu a este projecto, e por isso merece-lhe o seu assentimento; no entretanto vae fazer alguns reparos, para os quaes chama a attenção do sr. ministro das obras publicas.

Vê que no n.° 3.° do artigo 4.° diz que é prohibido aos bancos comprar de conta propria as suas proprias acções; mas não comprehende a rasão por que se lhes não impõe a mesma restricção quanto ás obrigações.

Tambem a alinea c) do artigo 11.° preceitua que não póde fazer parte dos corpos gerentes de qualquer banco o individuo que igualmente pertença aos corpos gerentes de outro banco ou sociedade que exerça funcções bancarias.

Deduzindo d'este preceito, que qualquer individuo que faca parte dos corpos gerentes de um banco póde fazer parte dos corpos gerentes de qualquer sociedade anonyma que não exerça funcções bancarias, recorda os inconvenientes que resultaram de algumas vezes ser o director

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SESSÃO. N.° 26 DE 24 DE MARÇO DE 1896 311

de um banco o mesmo individuo que o era de certa companhia.

Pergunta se os estabelecimentos bancarios, que existem independentemente de qualquer contrato com o estado, estão comprehendidos no que dispõe o artigo 20.°

Com relação ao artigo 19.° notou que a sua doutrina lhe parecia mais bem cabida no codigo commercial, e, a proposito, lembra que seria agora occasião azada de promulgar qualquer medida tendente a remodelar as disposições d'aquelle codigo no que respeita ao funccionamento das sociedades anonymas, visto que a legislação em vigor tem dado logar a interpretações varias.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. tenha revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Campos Henriques): - Agradece os elogios que o digno par dispensou ao projecto, mas pertencem elles ao mallogrado estadista Carlos Lobo d'Avila.

Respondendo ás considerações do sr. Marçal Pacheco quanto ao n.° 3.° do artigo. 4.°,. que, segundo a opinião de s. exa., devia abranger tambem as obrigações, entende que, estabelecendo o projecto certas restricções para a emissão d'esses titulos, não era absolutamente indispensavel exarar especialmente a prohibição a que o digno par se referiu.

Com respeito á alinea c) do artigo 11.°, responde que, em cumprimento de uma promessa já feita, o governo apresentará ainda n'esta sessão legislativa um projecto tendente a regular a constituição das sociedades anonymas de responsabilidade limitada, ainda que ellas não exerçam funcções bancarias.

Por ultimo, e em referencia ao artigo 20.°, dirá que a disposição n'elle contida se refere simplesmente aos estabelecimentos bancarios, cuja existencia depende de contratos feitos com o governo.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. tenha revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Marçal Pacheco: - Agradece as explicações do sr. ministro, e faz votos por que se realisem as intenções de que s. exa. está animado.

O sr. Presidente: - Não ha mais nenhum par inscripto, e por isso vae votar-se o projecto na generalidade.

Posto á votação o projecto, foi approvado na generalidade, e em seguida, sem discussão, na especialidade.

O sr. Presidente: - Vae ler-se uma mensagem que veiu da camara dos senhores deputados.

Le-se na mesa um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim determinar que não se ordene a construcção de novas estradas, por conta do thesouro, sem se acharem ultimadas as que actualmente se estão construindo, e feitas a grandes reparações reconhecidas como necessarias; e um exemplar do parecer da commissão de obras publicas, seguido do projecto de lei.

Foi enviado á commissão competente.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara que Sua Magestade El-Rei receberá na proxima quinta feira, pelas duas horas da tarde, a deputação que esta camara nomeou para lhe apresentar os autographos das propostas de lei ultimamente votadas.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que fazem parte da deputação e que não estão presentes, serão avisados em suas casas do dia e hora em que Sua Magestade recebe a deputação.

O sr. Conde de Thomar: - Mando para a mesa um parecer da commissão de negocios externos.

Leu-se na mesa, t foi a imprimir, para ser distribuido.

O sr. Frederico Arouca: - Mando para a mesa dois pareceres da commissão de negocios externos, sobre os tratados de commercio com os Paizes Baixos e a Russia.

Como os dois pareceres concluem pela approvação dos projectos vindos da camara dos senhores deputados, mas que não estão transcriptos nos pareceres, eu pedia a v. exa. que mandasse imprimir esses projectos em separado, para ficarem fazendo parte integrante dos pareceres.

Leram-se na mesa, e foram a imprimir.

O sr. Presidente: - Como não ha mais nenhum assumpto a tratar na ordem do dia, vou agora dar a palavra aos dignos pares que se inscreveram antes da ordem do dia.

Tem a palavra o sr. bispo de Lamego.

O sr. Bispo de Lamego: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo.

(Leu.)

Sr. presidente, como as congruas são em geral muito mal pagas, havendo mesmo alguns parochos nas provincias que não recebem congruas ha mais de oito annos, eu desejo, logo que venham os esclarecimentos que peço no meu requerimento, conversar com o sr. ministro da fazenda a tal respeito.

(S. exa. não reviu.)

O requerimento foi mandado expedir, e é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio dos negocios da fazenda, seja enviada a esta camara a ultima dotação das igrejas parochiaes do continente e ilhas adjacentes, com designação especial da côngrua de cada uma, e de quanto, relativamente a ella, se deve, quer do anno findo, quer dos anteriores, aos parochos respectivos. = Antonio, bispo de Lamego.

O sr. Conde de Lagoaça: - Sr. presidente, pedi a palavra para agradecer ao sr. presidente do conselho as explicações que s. exa. fez a honra de me dar.

Pelo que diz respeito ao sr. ministro da guerra, eu não disse a v. exa., sr. presidente, que queria discutir com s. exa. o caso que já hontem tinha sido liquidado n'esta camara.

O que hontem aqui se liquidou, por uma votação politica, sob proposta do digno par sr. Antonio de Serpa, foi, em duas palavras, a situação politica do sr. ministro da guerra, n'esta camara, pelo facto de, em contradicção com as suas affirmações aqui feitas, ter dado o posto de accesso a Mousinho de Albuquerque.

Foi isto, creio eu, o que se liquidou hontem aqui; mas de modo algum estamos impedidos de tratar de outras questões com o sr. ministro da guerra. E a que eu desejo tratar com s. exa. é a que se refere á promoção, por distincção, do sr. coronel Galhardo.

É sobre este ponto que desejo ouvir o sr. ministro da guerra. Por isso peço ao sr. presidente do conselho que previna s. exa. para vir aqui o mais breve possivel.

A questão parece-me melindrosa; e apraz-me tratar della, porque de duas uma: ou o governo se levanta das suas cadeiras e me diz "Sim, o digno par tem rasão; o governo vae promover o sr. coronel Galhardo D, e eu fico radiante, porque é o que eu quero, visto significar esta resposta o pagamento de uma divida de honra; ou então o governo diz-me "Não, não transijo; ponho a minha pasta, n'esta questão", e eu não deixo de ir satisfeito para casa, porque no dia seguinte vou ver o Diario do governo, e lá encontro o decreto da promoção do sr. Galhardo.

Foi o que succedeu com a promoção de Mousinho de Albuquerque.

Portanto, tenho todo o interesse em tratar d'esta questão.

Se o governo me diz "sim" fico radiante; se me diz "não" ainda fico com uma ligeira esperança, e todos os dias irei ler o Diario do governo.

Temos, pois, tudo a ganhar e nada a perder,

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312 DIARIO DA CAMARA DOS DIGINOS PARES DO REINO

Com relação ao sr. Neves Ferreira, é evidente que o governo tem direito de nomear quem lhe aprouver, e a responsabilidade é sua.

Eu, porém, como representante da nação, entendi do meu direito e dever, ao ter conhecimento de que se projectava essa nomeação, indicar ao governo, no parlamento, os inconvenientes que me parecia vir a dar-se na nomeação d'aquella cavalheiro, aliás distinctissimo, que é um bravo official de marinha, mas que não me parece o mais apropriado para, n'esta occasião, ser nomeado plenipotenciario por parte do governo de Portuga], a fim de negociar com a Inglaterra una tratado de extradição.

Está presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, meu distincto amigo, que muito prezo, e por quem tenho muita sympathia. Talvez s. exa. possa dizer alguma cousa mais sobre este assumpto.

Eu não pedi ao governo que me dissesse quaes as instrucções que ía dar ao sr. Neves Ferreira. Deus me livre de fazer tal.

Apesar da pouca pratica parlamentar que tenho, sei que isso seria um grande inconveniente.

O que eu simplesmente disse á camara, e terno a repetil-o, porque é um facto publico, foi que as negociações para um tratado de extradição, que começaram a ser entaboladas, quando era ministro da Inglaterra em Lisboa sir John Peter, se romperam por culpa do sr. Neves Ferreira, então ministro da marinha, por não ter querido acceitar a pena de morte para os subditos inglezes extradictados.

E a meu ver fez s. exa. muito bem.

Portanto, o que eu pergunto ao governo, n'este ponto restricto da pena de morte, é se acceita ou não a pena de morte; porque, para o sr. Neves Ferreira fazer esse tratado, é natural que já se tivesse tocado n'esse ponto.

O governo inglez está decidido a querer introduzir a pena de morte, no seu tratado, para os subditos inglezes extradictados. Ora o sr. Neves Ferreira tem a sua opinião compromettida, como ministro da corôa.

São estas as considerações que sobre este ponto eu tinha a fazer.

Realmente, considero o mais improprio possivel nomear um plenipotenciario que não quer a pena de morte (no que tem compromettida a sua opinião de homem publico) para negociar um tratado com uma nação que n'elle não quer prescindir d'essa pena.

E passo a outra declaração.

Disse o sr. presidente do conselho que tinha muita consideração pela camara e escrupulo em fazer uso de cartas particulares. Creia s. exa. que eu não tenho menos nem uma nem outra cousa. Mas o documento a que me referi não é particular; se foi particular não o é já hoje; é do dominio publico, fazem d'elle menção até os jornaes de 10 réis, e consta de um livro que me custou oito tostões.

Portanto, não se tratando já de cartas particulares, e sim de escriptos do dominio publico e relativos a assumptos de interesse publico, parece-me que ninguem me póde contestar o direito de, como representante do paiz, me referir a elles.

(O orador não reviu.)

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz de Soveral): - Sr. presidente, em resposta ás considerações do meu nobre amigo o sr. conde de Lagoaça, devo dizer que a missão do sr. Neves Ferreira não tem por fim unicamente negociar um tratado de extradição, tem principalmente por fim a delimitação ou rectificação das fronteiras do nosso estado da India em relação á India ingleza. Quanto ao tratado póde o sr. Neves Ferreira negocial-o ou mesmo não o negociar.

Pelo que respeita ás instrucções que o governo dá ao sr. Neves Ferreira, não posso dizer ao digno par senão que s. exa. as poderá conhecer e apreciar quando o governo apresentar ao parlamento o resultado das negociações diplomaticas.

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, v. exa. sabe que não desejo e nunca desejei cansar a camara.

Requeri ha dias uns esclarecimentos á respeito das alfandegas parecia-me facil obtel-os, mas vão-se demorando. Em compensação tive o dissabor de em uma das ultimas sessões ver o meu excellentissimo amigo o sr. Hintze Ribeiro investir de lança em riste contra mim em defeza das suas alfandegas.

Ora, eu entendo que o nosso systema de fiscalisação aduaneira é vexatorio em demasia, desastrado, contrario aos interesses do paiz, e miserando nas suas relações com os estrangeiros, que, tomando-nos por um povo de barbaros, fogem de nos visitar.

Pareceu-me que vindo, como venho, de um paiz cujos interesses estão tão ligados com os do nosso, e ouvindo-lhes tantos queixumes, poderia enviar aos meus amigos de alem mar uma palavra grata do nobre ministro da fazenda, palavra que, quando não fosse uma promessa formal, Lhes d'esse uma esperança de verem modificados os processos barbarescos d'essa repartição do estado, pois desgraçadamente tenho de esconder d'elles a minha cara, attenta a maneira como o sr. presidente do conselho me respondeu, mostrando-se satisfeito, glorioso, com o procedimento d'aquella repartição.

Sr. presidente, v. exa. bem vê que eu tenho necessidade de conversar com o meu amigo o sr. Hintze Ribeiro e de tentar convencel-o.

E elle sabe que é na boa intenção que o faço, e que faço mais justiça aos seus sentimentos do que elle mesmo se faz e me fez n'aquella occasião da nossa palestra. No dia seguinte tinha eu a palavra e não pude comparecer, falta que justifiquei, mas não desejo por este facto ficar privado de ouvir ao sr. presidente do conselho duas palavras melhores do que essas que s. exa. pronunciou n'aquella sessão.

Effectivamente, julgo que vão fazer um desgraçado effeito alem mar se forem publicadas taes quaes no Diario da camara.

Desejava, portanto, e espero ouvir outras palavras a respeito da questão que esbocei.

Peço, pois, a v. exa. de as ordens precisas para que os documentos que pedi venham com brevidade, a fim de que eu em melhores condições possa fazer a minha exposição.

O sr. Presidente: - O requerimento do digno par foi expedido, mas renovar-se-ha a requisição.

Tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Não deseja que o digno par se retire sobre aquella penosa impressão.

Permitta-lhe o digno par que lhe diga francamente o seu pensar e o seu sentir quando ouviu s. exa., com aquella isenção e auctoridade que todos lhe reconhecem, dizer que o serviço das alfandegas era uma lastima aos olhos do mundo.

Achou a censura do digno par absolutamente immerecida na intenção que o orador lhe deu.

O sr. Thomás Ribeiro: - Esse absolutamente tira-me toda a esperança.

O Orador: - Os serviços fiscaes aduaneiros em especial estão hoje desempenhados com boa vontade, intelligencia e zelo.

Se o digno par consultar as estatisticas, vae ver como precisamente os rendimentos das alfandegas são aquelles que mais têem contribuido para que se possa fazer face ás despezas numa occasião em que temos de contar com a prata de casa, e mais nada. E, francamente, sendo essas receitas as que mais se teem avolumado com proveito e beneficio do paiz, n'uma conjunctura dolorosa e apertada, ouvir dizer que os serviços aduaneiros, para os quaes o

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orador decretou em 1885 uma reforma que fez executar, arrostando com grandissimas difficuldades, com muitos tropeços, normalisando muitas irregularidades, e corrigindo muitos abusos, mas conseguindo importantes vantagens para a riqueza publica e sobretudo para o thesouro; ouvir dizer que esses serviços, para os quaes em 1894 fez outra reforma, em que se intercalou uma serie de providencia que, a seu ver, têem produzido excellentes resultados; emfim, ouvir dizer que o serviço das alfandegas, pelo qual o orador se tem empenhado com desvelo, é uma lastima aos olhos do mundo inteiro, confessa que lhe tinha doido.

O facto de que o digno par se queixou, e a que chamára uns pequenos senões, não são dos que affectam as receitas do estado, pois não é com migalhas que as receitas se avomulam; são pequenas incorrecções, que produzem mau effeito, da parte dos agentes fiscaes que podem e devem ser mais moderados na sua acção, mais cortezes na sua maneira de proceder.

Perfeitamente de accordo com s. exa.; e só tinha a deplorar que taes senões se dessem n'esse serviço. Resta-lhe por outro lado prometter ao digno, par que porá todo o seu possivel empenho em que elles desappareçam.

Notaria, todavia, ao digno par uma circumstancia que de certo não escapava á sua consciencia e á sua penetração atilada; e é que precisamente esses serviços, a que s. exa. se referira, são exercidos por empregados menores, pelos que não podem deixar de ter menos educação, por isso que os seus proventos são diminutos.

A similhantes serviços só se prestam aquelles que não teem um curso superior de letras, nem um curso de moral e civilidade bem acabado. Não admirava, pois, que da parte de taes empregados houvesse na sua expansão natural e modo proprio de proceder, umas faltas de attenções que ferissem os estrangeiros que vem a Portugal, faltas que produzem effeitos deploraveis e que não se podem evitar por completo, dadas as circumstancias precarias do nosso thesouro, mas que convem quanto possivel corrigir.

Dando a rasão clara e sincera do interesse que toma pelas instituições aduaneiras, concorda em que effectivamente convem por todos os modos possiveis fazer com que essas asperezas, esses attritos, de .que s. exa. fallou, se não dessem, e sobretudo se não repetissem.

(O discurso do nobre ministro será publicado na integra quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Thomás Ribeiro: - Cada um vê as cousas pelo prisma que tem mais proximo.

O sr. presidente do conselho e meu amigo particular é verdadeiramente a encarnação do ministerio da fazenda, do cofre, da receita! Para s. exa. não ha outra excellencia acima do receber mais por dia uns tantos réis por cada vexame que se pratica contra o nacional e o estrangeiro.

Não pensa, ou não quer pensar, no que não vê - o engrandecimento da receita pelo augmento de riqueza publica achada no melhoramento das condições economicas do paiz.

Sinto isto porque o saber, a intelligencia e o coração de s. exa. são para mais. Defeitos que vem, que dimanam da posição que cada qual occupa, e que deslumbra os melhores videntes.

S. exa. vê nos vexames dos funccionarios aduaneiros a apotheose das nossas alfandegas. Um erro.

É justamente por isso que eu peço a v. exa. que obtenha os documentos que pedi; quero mostrar que muito d'esse dinheiro é proveniente de extorsões que se praticam diariamente contra o direito e contra a justiça, e se por acaso s. exa., com as suas rasões, me convencer e a camara, com os seus votos, que estou em erro, sou o primeiro a confessal-o. Aqui o prometto.

Mas estou convencidissimo que hei de provar que uma parte d'essas receitas é fructo, não dos direitos aduaneiros, mas de extorsões aduaneiras.

Já quando aqui tratei do assumpto e apresentei alguns factos, prometti que havia de apresentar mais. Hei de cumprir.

Não quero negar a s. exa. que realmente entre os funccionarios das alfandegas ha homens muito distinctos pela sua educação, pela sua consciencia, pelas suas maneiras. De alguns sou muito amigo. "Nem todos têem o curso superior de letras", diz o meu nobre amigo.

Para dizer a verdade a s. exa., eu preferiria que nós tivessemos menos cursos superiores de letras, menos faustosa educação litteraria, que, salvo honrosissimas excepções, não dá cousa nenhuma senão o colarinho mais tezo do que branqueado, e tivéssemos escolas de educação popular onde se ensinasse aos pobres a serem bem educados, em geral, e em especial, no exercicio dos misteres que solicitam; uns nas alfandegas, n'esses logares inferiores, outros na policia civil, outros como serventes nas industrias, outros, e isto é serio, muitissimo conveniente, para creados em casas particulares e em hoteis.

Hoje, ainda, triste é dizel-o! não ha hoteis em que pessoas de certa categoria se hospedem; não ha n'elles os obséquios e as attenções que encontramos em toda a parte, na França, por exemplo, na Italia, na Suissa, onde se respeita e se obsequeia o hospede, o adventicio.

Nós temos muito falsas idéas sobre o que seja dignidade, hombridade, independencia de caracter. Julgâmos que, com ser mal creados, mostrâmos essas qualidades.

Vejo muitissimas vezes que certas pessoas carregam o chapéu quando passa um alto personagem, e ficarem contentes de si, principalmente se com a sua grosseria respondem a um comprimento. Pobres mal educados que não sabem o que fazem. Eis o que mostrou estimar o nobre presidente do conselho quando viu que essa má educação attingia pobres e ricos, pequenos e grandes.

Eu tenho respeito por todos os meus proximos, mas tenho muito mais respeito pelo homem que mais merece, pelos bem educados, pelos bemfazejos, pelos heroes, pelas senhoras, pelos decrepitos, pelos aleijados e pela meninice.

Na minha benevolencia ha desigualdades.

Para a minha educação e para o meu coração ha, pois, superiores e inferiores.

Um defeito meu que fica já confessado.

Este nivellamento da sociedade ante a malevolencia da alfandega póde ser professado, desculpado, applaudido por alguem? Como não professo taes principios, não posso applaudir os desejos de s. exa. Nem creio que sinta o que disse. Calumniou-se, o meu illustre amigo.

Estimei muito ouvir hoje as palavras do sr. Hintze Ribeiro, porque tudo quanto aqui se diz tem echo lá fóra, sobretudo quando essas palavras teem a auctoridade do sr. presidente do conselho. Estimei; e peço a s. exa. pergunte pelos factos que aqui apontei e reflicta n'elles.

Se s. exa. approvar as exorbitancias que accusei e as que hei de adduzir, eu, que tanta vontade tenho de viver n'este paiz, onde espero morrer, irei pedir o meu passaporte para o estrangeiro, para o meio de homens que me não conheçam e diante dos quaes não tenha de corar.

Estou certo de que taes procedimentos estão muito longe das instrucções e ordens, que de certo dá o sr. presidente do conselho. Peço a s. exa. que obtenha o mais are vê possivel aquelles documentos, e relatarei factos que hão de edificar a camara.

O sr. Presidente: - A proxima sessão é sexta feira, 27 do corrente, e a ordem do dia os tres pareceres da commissão de negocios externos, e o que se refere a passaportes, se forem distribuidos por casa dos dignos pares com a anticipação marcada pelo regimento.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e tres quartos da tarde.

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Dignos pares presentes á sessão de 24 de março de 1896.

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquez das Minas; Condes, da Azarujinha, de Bertiandos, do Bomfim, de Carnide, de Lagoaça, de Thomar, de Valbom; Bispo de Lamego; Visconde de Athouguia; Moraes Carvalho, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Ferreira Novaes, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Costa e Silva, Margiochi, Frederico Arouca, Jeronymo Pimentel, Gomes Lages, Baptista de Andrade, José Maria dos Santos, Pessoa de Amorim, Marçal Pacheco, Thomás Ribeiro.

O redactora = João Saraiva.

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