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N.º 26

SESSÃO DE 1 DE SETEMBRO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios - os dignos pares

Julio Carlos de Abreu e Sousa
Luiz Augusto Rebello da Silva

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - O digno par Hintze Ribeiro, depois de uma informação prestada pelo sr. presidente, pede que se repare uma falta que nota na acta e no extracto official.- Expediente.- O sr. Rebello da Silva, depois de participar a constituição da commissão de agricultura manda um parecer da mesma para a mesa e requer a sua discussão.- Os dignos pares Pereira Dias e Franzini mandam pareceres e requerem dispensa do regimento.- O sr. conde do Restello agradece á camara a licença de sair do reino e propõe a nomeação de uma deputação para felicitar Suas Magestades no dia dos seus anniversarios. E approvada esta proposta.- Faz um requerimento, pedindo documentos, o sr. Cypriano Jardim.- É approvado o parecer mandado para a mesa pelo sr. Rebello da Silva e outros.

Ordem do dia.- Fallam os srs. Hintze Ribeiro e presidente do conselho.- O sr. conde de Lagoaça requer a prorogação da sessão.- Manda para a mesa um parecer e requer que elle entre em discussão o digno par sr. Pereira Dias. - Dá-se conta de varios officios. - Usam da palavra os srs. conde de Casal Ribeiro, Pereira Dias, Hintze Ribeiro, conde de Lagoaça e Fernandes Vaz.- É approvado o parecer e encerrada a sessão.

(Estavam presentes os srs. presidente do conselho de ministros e ministro da justiça, entrando durante a sessão o sr. ministro dos negocios estrangeiros.)

Ás duas horas e cincoenta minutos da tarde, verificando-se a presença de 24 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão anterior.

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, não alcancei bem se da acta da sessão de hontem constam as perguntas que eu formulei, e as respostas que deu o sr. ministro da marinha, quando aqui discutimos o projecto referente ás obras do porto de Lourenço Marques.

V. exa. sabe a excepcional importancia e gravidade que tem esse assumpto, e por isso eu offereci ao sr. ministro da marinha, precisamente, as perguntas a que eu desejava que s. exa. me respondesse.

S. exa. recommendou que das suas palavras se tomasse cuidadosamente nota, visto que as suas respostas eram do maior alcance.

Eu desejava saber se na acta estão inseridas as minhas perguntas e as respostas do governo, porque, evidentemente, pelas suas respostas é que tem de se orientar o procedimento do governo no uso da auctorisação que lhe foi votada E isto tem a maior importancia, porque o governo é uma entidade representada hoje por uns ministros, e, porventura, representada ámanhã por outros.

O projecto que nós votamos obriga, qualquer que seja o ministro que haja de executar as obras, a cingir-se ás explicações dadas hontem n'esta camara pelo sr. ministro da marinha.

Por isso eu desejava que na acta das nossas sessões ficassem devidamente consignadas as declarações feitas pelo governo, a fim de que possam supprir a falta da inserção d'ellas no proprio texto do projecto de lei votado.

Aqui tem v. exa. a rasão por que eu pedi que me informasse se da acta constam, precisamente, as perguntas que eu dirigi ao governo, e as respostas que o governo deu, porque, se não constam, eu pediria a v. exa. que no primeiro extracto da sessão, que se publicar, as faça inserir.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Tenho a informar o digno par que da acta não constam as perguntas e respostas a que s. exa. se referiu, e que, portanto, vou tomar as necessarias providencias para que ellas sejam inseridas no extracto da sessão de hoje.

A companhia do Nyassa enviou á camara dos dignos pares uma representação contra os termos em que se acha redigido o projecto relativo aos tabacos, na parte que se refere ao exclusivo nos territorios do ultramar.

Foi lida a alludida representação.

O sr. Presidente: - Vae ser remettida á commissão de fazenda.

Deu-se conta de um

Officio do sr. conde de S. Januario, presidente da commissão executiva da grande subscripção nacional a favor da defeza do paiz, agradecendo a esta camara, e em especial ao sr. visconde de Chancelleiros, o voto de congratulação proposto pelo mesmo digno par, pela fórma como aquella commissão se desempenhou da sua ardua missão, para offerecer ao estado o cruzador Adamastor, para o serviço da marinha de guerra.

Para a secretaria.

O sr. Rebello da Silva: - Sr. presidente, pedi a palavra para participar a v. exa. que está constituida a commissão de agricultura, tendo nomeado para seu presidente o digno par o sr. Vaz Preto.

E aproveito a occasião para mandar para a mesa o parecer da mesma commissão.

Requeiro a y. exa. que, dispensado o regimento, este parecer entre hoje em discussão, visto que trata de um assumpto da maxima urgencia.

O sr. Presidente: - O requerimento de s. exa. será submettido opportunamente á deliberação da camara.

O sr. Pereira Dias: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um parecer da commissão de fazenda; e peço a v. exa. que consulte a camara sobre se, dispensado o regimento, consente que elle entre em discussão na devida altura.

O sr. Franzini: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um parecer das commissões reunidas de fazenda e guerra; e peço a v. exa. que consulte a camara para que, dispensado o regimento, elle entre hoje em discussão, visto a urgencia e importancia do assumpto.

O sr. Conde do Restello: - Sr. presidente, pedi a palavra para agradecer a v. exa. e á camara a licença que me foi concedida para eu poder sair para fora do reino. Regressei hontem e aqui estou no meu posto.

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318 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Aproveito a occasião de estar com a palavra para pedir a v. exa. que consulte a camara sobre se, estando para se encerrarem os nossos trabalhos, e estando proximo o dia do anniversario natalicio de Suas Magestades, deseja que se nomeie uma commissão para ir felicitar Suas Magestades.

O nosso regimento interno mão dá essa auctorisação, e por isso peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que a mesa nomeie uma commissão para, em seu nome, ir felicitar Suas Magestades no dia dos seus anniversarios natalicios.

O sr. Presidente: - Eu creio que esta proposta é d'aquellas que a camara deseja approvar por acclamação. (Apoiados geraes.)

O sr. Cypriano Jardim: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento em que solicito varios documentos pelo ministerio da marinha.

E como o sr. ministro da marinha não está presente, nem mesmo Creio que vem hoje a está camara, devido a já estar em caminho para o estrangeiro, abstenho-me de fazer quaesquer considerações sobre o assumpto que desejo tratar.

No entretanto creio que s. exa., no interregno parlamentar, tem tempo de mandar vir estes documentos da provincia de S. Thomé e Principe, onde estão.

lembro ao sr. presidente do conselho a necessidade que tenho dos documentos a que alludo no requerimento que mando para a mesa, pois desejo realisar, na proxima sessão legislativa, uma interpellação ao sr. ministro da marinha, sobre o assumpto de que trata o meu requerimento.

Foi lido o seguinte

Requerimento

Desejo que pelo ministerio da marinha seja pedido e mandado a esta camara o traslado ou original da escriptura de compra e venda de propriedade, fealisada entre o conde de Valle Flor e os socios da extincta firma commercial, visconde de Valle Flor & C.ª

Idem, o traslado ou original da escriptura de compra e venda, realisada entre a Afirma visconde de Valle Flor & C.ª e o dr. Matheus Ribeiro de Sampaio, em 1891.

Idem, o documento que prove ou negue que estas propriedades, ao tempo da compra (1891), estavam ou não hypothecadas ao banco nacional ultramarino.

Idem, a avaliação pela qual, em ambos os contratos, ou escripturas. foram contadas as contribuições de registo predial, pelo administrador do concelho.

Sala das sessões, = 1 de. setembro de 1897 = O par do reino, Cypriano Jardim.

Mais desejo que venha a esta camara documento que mostre se ao tempo da ultima compra e venda, feita este anno de 1897, as propriedades estavam ou não hypothecadas ao referido banco ultramarino.

Sala das sessões, 1 de setembro de 1897. = O par do reino, Cypriano Jardim.

Foi mandado expedir.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. Rebello da Silva mandou para a mesa um projecto de lei, que. tem por fim estabelecer que da totalidade dos emolumentos cobrados na cadeia civil de Lisboa sejam deduzidas duas terças partes para serem divididas pelo director e pelo official da mesma cadeia, na proporção dos seus respectivos ordenados. S. exa. requereu a urgencia.

Os dignos pares que são de parecer que se dispense o regimento, para que este projecto entre já em discussão, tenham a bondade de se levantar.

(Pausa.)

Está approvado. Vae ler-se.

Leu-se na mesa e foi em seguida approvado o parecer, que é do teor seguinte:

PARECER N.° 33

Senhores.- A vossa commissão de fazenda examinou, como lhe cumpria, o projecto n.° 60, que tem por fim attender ajustas reclamações de alguns empregados da cadeia do Limoeiro.

No parecer da commissão de fazenda da camara dos senhores, deputados vem desenvolvidamente expostas as rasões que justificam a approvação d'este projecto, recommendado ao governo pela commissão do orçamento d'aquella
camara.

Por estes motivos entende a vossa commissão que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo l.° Da totalidade da receita dos emolumentos cobrados na cadeia civil de Lisboa serão deduzidas, a começar no l.° de julho de 1897, duas terças partes, para serem divididas pelo director e pelo official da mesma cadeia, na proporção dos seus respectivos ordenados.

Art. 2.° O vencimento dos guardas da referida cadeia civil de Lisboa, a começar do 1.° de julho de 1897, será de 216$000 réis annuaes

Art. 3.° É elevado a 320$000 réis annuaes o ordenado de 260$000 reis do amanuense da mesma cadeia José Barreto Sacchetti.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 1 de setembro de 1897. = Hintze Ribeiro (com declarações)= Marino João Franzini = Pereira de Miranda = Conde de Lagoaça = Conde de Macedo = Manuel Pereira Dias.

Projecto de lei n.° 45

Artigo 1.° Da totalidade da receita dos emolumentos cobrados na cadeia civil de Lisboa serão deduzidas, a começar no 1.° de julho de 18S7, duas terças partes, para serem divididas pelo director e pelo official da mesma cadeia, na proporção, dos seus respectivos ordenados.

Art. 2.° O vencimento dos guardas da referida cadeia civil de Lisboa, a começar do l.º de julho de 1897, será de 216$000 réis annuaes.

Art. 3.° É elevado a 320$000 réis annuaes o ordenado do 260$000 réis do amanuense da mesma cadeia José Barreto Sacchetti.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 30 de agosto 4e 1897. = Eduardo José Coelho = Joaquim Paes de Abranches - Frederico Alexandrino Garcia Ramires.

Consultada a camara dispensou o regimento para que podessem entrar desde logo em discussão os pareceres n.os 31 e 32.

Foram approvados sem discussão os alludidos pareceres que são do teor seguinte;

PARECER N.° 31

Senhores. - As commissões reunidas de fazenda e de guerra examinaram detidamente o projecto de lei n.° 44, approvado pela camara dos senhores deputados, baseado em proposta de lei do governo, o qual tem por fim conceder ao districto e municipio do Funchal o beneficio da abolição do imposto, cobrado pelo estado, de 15 réis em kilogramma de carnes verdes, e subsidiar a camara do Funchal com uma verba não excedente á sexta parte das receitas liquidas, ahi arrecadadas pelo estado, cedendo-lhe outro sim gratuitamente o Campo da Barca e restos de muralha de defeza, os restos do forte de S. João nas Fontes, os restos do forte da Penha, na parte em que estas propriedades, do estado possam interessar as obras de cana-

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lisação de aguas e outros melhoramentos e embellezamento da cidade, cujos projectos forem approvados pelo governo.

Os beneficios assim concedidos ao districto e municipio do Funchal, com pequeno sacrificio para o estado, irão traduzir-se em notavel melhoria, das condições hygienicas d'aquella importante estação sanitaria e porto de escala, affrontado pela concorrencia das Canarias, que é urgente combater activamente. De modo que o pequeno encargo e diminuição de receita, que agora resulta para o thesouro da nação, será certamente, e em curto praso, largamente compensado pelo augmento de receita proveniente de maior affluencia de estrangeiros a passar a estação invernosa, e augmento no numero de navios que demandam aquelle importante porto de escala, quasi obrigado para a navegação com destino á America meridional e Africa occidental e oriental, pelo cabo da Boa Esperança.

Considerando, portanto, que os terrenos e fortes em ruina, alienados em parte, não têem importancia alguma militar, e devendo os planos das Cobras a executar serem submettidos á approvação do governo, não póde restar duvida sobre o bom emprego das zonas concedidas em beneficio do districto do Funchal, pelo que as vossas commissões reunidas de fazenda e de guerra são de parecer que approveis o referido projecto de lei n.° 44.

Sala das commissões, 1 de setembro de 1897. = Hintze Ribeiro = Conde de Macedo = José Baptista de Andrade = Moraes Carvalho = Pimentel Pinto = Abreu e Sousa = Manuel Pereira Dias = Conde do Bomfim = Carlos Augusto Palmeirim = Cypriano Jardim = Fernando Larcher = Telles de Vasconcellos = Conde de Lagoaça = Pereira de Miranda = Fernandes Vaz = Marino João Franzini.

Projecto de lei n.° 44

Artigo 1.° Fica extincto no districto do Funchal o imposto de 15 réis que o estado actualmente ali cobra sobre cada um kilogramma de carnes verdes.

Art. 2.° É o governo auctorisado a auxiliar ás obras de saneamento do Funchal, especialmente a canalisação de aguas potaveis e esgotos com uma verba que não exceda a sexta parte das receitas liquidas das contribuições ahi arrecadadas pelo estado.

Art. 3.° São isentos de direitos os materiaes importados para as referidas obras de canalisação e esgoto.

Art. 4.° É o governo auctorisado a ceder gratuitamente á camara do Funchal o campo da Barca, com os seus restos de muralhas de defeza e bombardeiras, os restos do forte de S. João, nas Fontes, os restos do forte da Penha, na parte em que estes bens interessem os projectos das obras de saneamento e embellezamento, intentadas pela mesma camara, e que forem devidamente approvadas.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 30 de agosto de 1897. = Eduardo José Coelho = Joaquim Paes de Abranches = Frederico Alexandrino Garcia Ramires.

PARECER N.°32

^

Senhores. - A vossa commissão de agricultura examinou com a devida attenção o projecto de lei n.° 37, vindo da camara dos senhores deputados, o qual se refere ás bases da concessão das levadas da ilha da Madeira, datadas de 26 de setembro de 1896, approvadas pela lei de 21 de maio do mesmo anno. Por este contrato, o concessionario póde elevar a renda das aguas de tal maneira que em algumas levadas serão muito superiores aos da actualidade, como se vê na representação. que os arrendatarios d'essas levadas dirigiram ao governo, a qual vem junta, por copia, ao referido projecto.

Esta concessão é uma das provas do inconveniente que ha em entregar a particulares obras d'esta ordem, que deveriam antes ser feitas pelo estado; comtudo, nas circumtancias actuaes, attendendo aos interesses dos arrendatarios e da agricultura, a vossa commissão entende que, de accordo com o governo, o seguinte projecto de lei, submettido á vossa approvação, permitte attender, tanto quanto possivel, a estas justas reclamações.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a dispor da percentagem de 35 por cento, que tem a cobrar do concessionario das levadas da ilha da Madeira, por virtude do § unico da clausula 4.ª do contrato de 26 de setembro de 1896, para por esta verba poder corrigir nas diversas levadas o augmento da renda actual da hora de agua que vier a resultar das operações auctorisadas pelas bases da mesma concessão.

Art. 2.° O governo regulará o modo de applicação da verba auctorisada, em ordem a que ella não possa ser excedida nem applicada a outro fim, que não seja corrigir os augmentos de preço resultantes da execução do referido contrato, mantendo até onde for possivel, pela referida verba, as rendas actuaes das aguas das diversas levadas, objecto da concessão.

Art. 3.° Fica revogada a, legislação em contrario.

Sala da commissão, 31 de agosto de 1897 .- Voz Preto = Manuel Pereira Dias = Marquez da Graciosa = Conde do Casal Ribeiro = Rebello da Silva, relator.

Projecto de lei n.° 37

Artigo 1.° É o governo auctorisado a dispor da percentagem de 35 por cento, que tem a cobrar do concessionario das levadas da ilha da Madeira, por virtude do § unico da clausula 4.ª do contrato de 26 de setembro de 1896, para por esta verba poder corrigir nas diversas levadas o augmento da renda actual da hora de agua que vier a resultar das operações auctorisadas pelas bases da mesma concessão.

Art. 2.° O governo regulará o modo de applicação da verba auctorisada, em ordem a que ella não possa ser excedida nem applicada a outro fim, que não seja corrigir os augmentos de preço resultantes da execução do referido contrato, mantendo até onde for possivel, pela referida verba, as rendas, actuaes das aguas das diversas levadas, objecto da concessão.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 27 de agosto de 1897. = Eduardo José Coelho = Joaquim Paes de Abranches = Frederico Alexandrino Garcia Ramires.

O sr. Presidente: - Passa-se á

ORDEM DO DIA

Discussão do parecem n.º 23, sobre o projecto de lei n.° 27

Foi lido e é do teor seguinte:

PRRECER N.° 23

Senhores. - Á vossa commissão de administração publica foi presente p projecto de lei n.°27, que tem por fim auctorisar o governo a rever a actual circumscripção concelhia e judicial.

Contra a lei de 21 de maio de 1896 e o decreto de 26 de junho do mesmo anno, se levantaram vivas e instantes reclamações dos povos, que sé julgaram lesados nos seus direitos tradicionaes e legitimos interesses. Subiram ao governo numerosas representações, que estão sendo examinadas por uma commissão especial, para isso nomeada, e que dará parecer sobre a sua justiça.

Este projecto de lei é, pois, destinado a conceder ao governo a faculdade de fazer uma nova revisão, tendo em vista os direitos historicos e as justas commodidades dos

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povos; e por estas rasões entende a vossa commissão que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E auctorisado o governo a rever, a divisão das circumscripções administrativas e judiciaes, approvada nos termos da carta de lei de 21 de maio de 1896 e do decreto de 26 de junho do mesmo anno, é a fazer n’ellaas alteraçõ que forem conformes á bem ordenada divisão territorial, aos legitimos interesses dos povos e á conveniencia publica.

§ 1.° Nos concelhos cuja constituição for alterada pela restauração de outros, e nos concelhos restaurados, o governo nomeará, nos termos do § 4.°do artigo 17.° do codigo administrativo, commissões para exercerem as funcções das camaras municipaes até á eleição d’estas, a que se procederá no praso de quarenta, dias marcado no §,2.° do mesmo artigo.

§ 2.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d’esta auctorisação.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 27 de agosto de 1897. = Telles de Vasconcellos = Marquez da Graciosa = Vaz Preto = Antonio Egypcio Quaresma = Conde da Borralha = Jeronymo Pimentel (vencido) = Auqusto Ferreira de Novaes = Manuel Ferreira Dias, relator.

Senhores. — A vossa commissão de legislação, ouvida sobre o projecto de lei n.° 27, entende que elle deve ser approvado.

Sala da commissão, 27 de agosto de 1897. = Diogo A. Correia de Sequeira Pinto = Julio de Abreu e Sousa = Moraes Carvalho (vencido) = Conde do Casal Ribeiro (vencido) = Conde de Lagoaca. = Tem voto do digno par Fernando Vaz.

Projecto de lei n.° 27

Artigo 1.° É auctorisado o governo a rever a divisão das circumscripções administrativas e judiciaes, approvada nos termos, da carta de lei de 21 de maio de 1896 e do decreto, de 26 de junho do mesmo anno, e a fazer n’ella as alterações que forem conformes á bem ordenada divisão territorial; aos legitimos interesses dos povos e á conveniencia publica.

§. 1.° Nos concelhos cuja constituição for alterada pela restauração de outros, e nos concelhos restaurados, o governo nomeará, nos termos do § 4.°doartigo 17.° do codigo administrativo, commissões para exercerem as funcções das camaras municipaes até á eleição d’estas, a que se procederá no praso de quarenta dias marcado no S 2.° do mesma artigo.

§.2.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d’esta auctorisação.

Art. 2.º Fica revogada a legislação, em contrario.

Palacio das côrtes, em 21 de agosto de 1897. = Eduardo José Coelho = Joaquim Paes de Abranches = Frederico Alexandrino Garcia Ramires.

O sr. Hintze Ribeiro.— Sr. presidente, é n’esta altura da sessão, n’uma epocha do anno em que, de memoria minha, não consta que já estivesse seguidamente aberto o parlamento, quando todos nós nos achâmos tomados de fadiga por longas e successivas discussões que o sr. presidente do conselho, julga apropriado o ensejo para vir discutir, um projecto, que representa para nós, membros da camara dos pares, a suprema abdicação das funcções legislativas:

Podia ser a revogação da obra dos seus adversarios, mas reflectida, minuciosa, completa, para o exame e apreciação de nós todos.

Nem isso. Este projecto, sobre que v. exa. abriu o debate, representa para nós uma declaração do sr. presidente do conselho, de que de hora avante já não é necessario que os governos tenham a coragem de assumir poderes extraordinarios e de praticar actos dictatoriaes sob a sua exclusiva responsabilidade, porque, para os acobertar, basta que o parlamento vote uma auctorisação, que não é mais do que uma dictadura legalisada, não post factum com um bill de indemnidade que assente sobre providencias tomadas pelo governo, apreciadas depois pela camara, e ácerca das quaes se lavra um veredictum que o absolve das culpas constitucionaes; mas antes, o que é uma carta branca, de alforria politica, deixada ao governo sem mais tutela, sem exame, para elle vir no momento grave talhar ao seu alvedrio, não quero dizer a seu talante.

Sr. presidente, estou cansado e doente, mas isso não impede que eu, firme no posto de combate, reprove com toda a energia da minha convicção uma proposta que é, para quem a vote, a abjuração do seu criterio politico, qualguer que seja o ideal que o inspire.

Sr. presidente, nós os membros do ministerio transacto publicámos é certo em dictadura um codigo administrativo, em dictadura o executámos, mas tambem dictatorialmente promulgara em 1886 o partido progressista um codigo administrativo.

Eu não invoco esta circumstancia para acobertar as minhas responsabilidades com as do sr. presidente do conselho.

Trago-a a confronto, porque é grave e porque encerra uma lição politica de todo o ponto aproveitavel.

E que entre o codigo administrativo que nós publicámos era dictadura em 1895 e o que em dictadura publicou a actuai presidente do conselho de ministros em 1886 ha uma differença, que é um abysmo profundo.

O codigo de 1886 inspirou-se em intuitos absolutamente politicos e genuinamente partidarios. Fez-se unia dictadura para defender um partido, para conquistar adhesões politicas, e não para remediar erros graves de administração, para tomar providencias de todo o ponto productivas em proveito da nação.

Esta é a verdade.

Não é uma aceitação, leviana que faço, é um acto confessado pelo sr. presidente do conselho.

E eu preciso deixar, bem a claro quanto foram differentes os motivos que nos levaram a publicar o Codigo de 1895, assim como as rasões que teve o sr. presidente do conselho para publicar o codigo de 1886.

Foram dois actos dictatoriaes, mas bem diverges na sua origem, nas rasões que os determinaram.

O codigo de 1886 baseou-se em conveniencias de politica partidaria, como terei occasião de demonstrar.

Está aqui a confissão do sr. presidente, do conselho ácerca das raspes que o levaram a assumir poderes dictatariaes para publicar o codigo de 1886.

Não sou eu que o accuso, é s. exa. que o confessa.

«Considerações de outra ordem...», diz o estylo elegante do sr. presidente do conselho, «podem ser ainda apropositadamente invocadas para defender o acto do governo Com rasão poderá dizer-se que, na excepcional situação creada pelas ultimas reformas operadas na organisação de unidos corpos legislativos, sem o decretamento do novo codigo, faltariam ao governo as condições indispensaveis para se desempenharia sua espinhosa missão, e tão desiguaes seriam os meios da lucta partidaria, que o exercicio do poder se lhe tornaria impraticavel, volvendo-se aliás era exclusivo apanagio de uma só opinião publica.»

Aqui tem v. exa. o que aqui se lê.

O codigo administrativo de 1886 publicou-se para attender ás convenicncias partidarias, e não para remediar erros existentes, ou melhorar a situação economica dos povos, tendo em attenção as condições especiaes das localidades.

Que triste confissão! (Continua lendo). «É pois que no regimen constitucional, se hão de assegurar a todos os partidos as mesmas faculdades de governo, e não póde permittir-se que um só, depois de usufruir largos annos o poder, deixe preparadas as leis e apparelhados os expe-

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dientes, que hão de condemnar os seus successores a transitoria e attribulada existencia, é bem de ver que não poderia ficar sem remedio tão singular sophismação dos principios que nos povos livres regem o equilibrio e rotação dos partidos.»

Não é o equilibrio orçamental, o equilibrio entre as receitas e as despezas, não é a solução dos problemas mais graves da fazenda publica, é o equilibrio dos partidos e o da sua rotação no poder.

E mais adiante diz s. exa.: «E tão vulgar tem sido entre nós o exercido d’esse recurso, tão frequentemente tem sido usado, não só para organisar serviços e decretar avultadas despezas, mas até para substituir a maxima garantia do cidadão nos governos constitucionaes, a auctorisação da cobrança dos impostos pelos representantes do paiz, que não poderá plausivelmente estranhar-se que por igual maneira se proceda para decretar uma reforma requerida pela opinião publica, reclamada, por auctorisadissimas vozes no parlamento e imposta pela inadiavel conveniencia de organisar a fazenda nacional e ainda pela necessidade de estabelecer o equilibrio entre os partidos.»

Aqui tem v. exa., sr. presidente, para o que se decretou dictatorialmente o codigo de 1886; não quizera eu dizel-o.

O governo devia ter comprehendido a inconveniencia da sua proposta e a elle, como a todos os homens publicos que o apoiam, devia lembrar que a dictadura feita em 1886 pelo actual presidente do conselho para nivelar as condições dos partidos, veiu revolver todo o systema de administração publica, affectando a commodidade dos povos e a vida dos municipios, e tudo para a conveniencia de um só partido; o seu.

Para esta dictadura parece-lhes excellente occasião; já se lhes não apresenta o momento actual tão feio, tão enredado de dificuldades de toda a ordem.

Dizia o sr. presidente do conselho no seu relatorio: mas isso era para o futuro, para os governos que viessem depois:

« Para que esta necessidade se não reproduza, o governo proporá opportunamente ás côrtes a modificação da lei que regula a eleição dos pares no intuito de excluir d’esse acto os corpos administrativos, deixando-os alheios ás contenções particulares.»

Para o governo que estava não era necessaria a reorganisação da camara dos pares; o que se impunha desde logo era reformar o codigo administrativo.

Para os seus adversarios politicos, dizia o seguinte:

«E não poderá fundadamente dizer-se que por esta maneira só, pretende o governo substituir os actuaes corpos administrativos por outros que melhor favoreçam os seus interesses eleitoraes, porque; nas disposições do novo codigo, que asseguram a representação das minorias na constituição d’esses corpos e que applicam á sua eleição as penalidades e restricções da intervenção da auctoridade, estabelecidas para a eleição de deputados. Terão todos os partidos serias garantias de effectiva influecia.»

Para elles a dissolução das camaras municipais, para elles a eleição dos novos corpos administrativos, para os outros a representação das minorias.

Eis os intuitos a que obedeceu o codigo de 1886.

Se os compararmos com aquelles que nos moveram a fazer a reforma de 1895... parece-me que a differença é toda a nosso favor.

Nós não publicámos nenhuma, medida dictatorial que fosse affectar o modo de viver dos municipios, unicamente para tirar as maiorias ao governo contrario. Nós publicámos um decreto dictatorial em que assentámos as bases de uma reforma administrativa tendente, a melhorar as condições economicas dos municipios.

Eu ouvi ha dias n’esta camara com verdadeira surpreza, o sr. presidente do conselho, n’uma resposta aliás seria, ufanar-se de que todos os governos haviam feito dictadura, mas com differenças radicaes e profundas.

Pela sua parte sé gloriava de dizer que o partido, que s. exa. superiormente dirige, nunca fizera dictadura, nem para offender as regalias constitucionaes, nem sobre impostos nem sobre monopolios. A camara toda ouviu s. exa. Eu podia, depois d’esta asserção, se ella fosse verdadeira, entoar um hymno de louvor ao sr. presidente do conselho porque, ao menos reserva para si tão sómente o privilegio da invenção das dictaduras para restabelecer o equilibrio dos partidos. Essa é de s. exa., o mais, sobre impostos, sobre monopolios e sobre regalias constitucionaes s. exa., com a sua alta generosidade, deixava o privilegio de só nós as fazermos.

Como está desmemoriado é sr. presidente do conselho, que, nem ao menos, se recorda do seu passivo em materia de dictadura e "de ataques á constituição do estado!

Como está desmemoriado o sr. presidente do conselho!

S. exa. julga que só nos, em materia de impostos, monopolios e de regalias constitucinaes,é que temos a ousadia, de affrontar a nosso codigo fundamental e de rasgar as leis com a vaidade da admmistração ministerial?

Pesa-me ter de dizer ao sr. presidente do conselho que avive bem a sua memoria e veja se não encontra sobre monopolios e sobre offensas ás garantias constitucionaes, mais essencialmente reservadas no nosso codigo politico, actos de dictadura, em que s. exa. tem rasgado a constituição do estado promulgando leis absolutamente dictatoriaes.

A sua dictadura de 1886 é um ponto historico a dirimir entre nós não constitue uma offensa para ninguem, é unicamente a apreciação de, até onde tem ido um e outro governo, na escala de usurpações de direitos que competem ao poder, legislativo.

Avive o sr. presidente do conselho a sua memoria e diga-me se não fez já dictadura sobre impostos, sobre monopolios, sobre offensas aos direitos individuaes, o que mais fundamentalmente está regulado no nosso codigo constitucional.

Pois então o decreto dictatorial de 24 de junho de 1886, que aboliu o, imposto do sal não foi sobre impostos? Deixou de ser um acto de dictadura? Quem tem a responsabilidade, d’esse decreto?

Dir-me-ha s. exa., mas foi para supprimir impostos, não foi para creal-os; responder-lhe-hei: tão legal póde ser para uma, como para outra cousa, porque se o governo não tem direitos nem attribuições para crear impostos, não os tem tambem para os supprimir.

S. exa. não supprimiu só impostos, creou-se tambem. Diga-me s. exa. o que foi o decreto de 17 de julho de 1886,que estabelecia uma quota para a caixa de aposentação dos funccionarios publicos; o que são estas quotas senão impostos lançados sobre os vencimentos dos empregados publicos?

Quota ou contribuição é a propria lei que assim o diz, e é obrigatoria para todos os funccionarios.

O artigo 14.º d’esse decreto diz:

«Todos os empregados civis nomeados depois da data do presente decreto, etc. são obrigados a contribuir para a caixa de aposentações com a quota de 5 por cento, deduzida... de todas os seus vencimentos, etc.»

O que foi isto senão um imposto? Quem a lançou senão o governo? Não era uma contribuição voluntaria que desse ou não o direito de applicação aos funccionarios publicos; era uma imposição aos funccionarios do estado, porque de contrario se ameaçava de lhes tirarem os direitos que elles mais prezam, as garantias que lhes são mais caras, a esperança em que mais se fundam, a aposentação Pois isto não é um imposto? Não foi s. exa. tambem, que estabeleceu a caixa de reforma para os empregados e operarios que se não achavam comprehendidos n’aquelle decreto?

Lançou um imposto, porque outra cousa não é a deduç-

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cão dos vencimentos, pela fórma mais diçtatorial que se póde fazer.

E o imposto lançado para dotação dos tribunaes administrativos?

Não eram encargos que vinham pesar sobre os contribuintes? Não se estabeleceu a obrigação de o satisfazer? E a fórma d'esse pagamento?

Pois tudo isto fez o sr. presidente do conselho pela maneira mais rasgada de uma dictadura.

Não a fez sobre monopolios?

Pois então o que é o decreto de 27 de janeiro de 1887, sobre tabacos, decreto assignado por todos os ministros e que está na collecção das medidas dictatoriaes para que s. exa. veiu pedir ao parlamento um bill de indemnidade?

O que fez s. exa. n'esse decreto?

Augmentou os direitos sobre os tabacos e, não contente com isso, quer v. exa. ver quanto o governo progressista foi sempre meticuloso em não affectar a liberdade de industria, em não decretar novos impostos em dictadura?

Veja-se o que no artigo d'esse decreto se dizia:

"Até resolução definitiva do poder legislativo não será permittido no continente do reino o estabelecimento de novas fabricas, ou a ampliação ou modificação das actuaes, ou a reabertura das que ha mais de tres mezes tenham suspendido a laboração."

Não serão estas medidas absolutamente restrictivas da liberdade de industria?

Pois o que ficava em campo, depois d'estas restricções?

Ficavam apenas as fabricas já estabelecidas, o que era um monopolio de facto, pois não se podiam estabelecer mais fabricas que podessem affrontar aquellas.

Pois é o sr. presidente do conselho que vem dizer que o partido progressista nunca fez dictadura em materia de impostos e de monopolios?!

No relatorio do seu codigo administrativo, dizia ainda s. exa. o seguinte:

"E tão vulgar tem sido entre nós o exercicio d'esse recurso, tão frequentemente ha sido usado, não só para organisar serviços e decretar avultadas despezas, mas até para substituir a maxima garantia do cidadão nos governos constitucionaes - a auctorisação dos impostos pelos representantes do paiz, etc."

Foi o que s. exa. fez.

Lançou o imposto sem auctorisação do parlamento, e por isso offendeu a maxima garantia, no dizer de s. exa., que tem o cidadão.

E é s. exa. que vem dizer que o partido progressista nunca fez dictadura sobre materia de impostos e de monopolios!

Agora, Volva v. exa. os olhos para o que foi a nossa reforma administrativa de 1896, para os principios em que ella se inspirou, para as circunstancias em que se produziu, para os resultados que teve, e dirá por certo que não foi para obedecer a intuitos partidarios que a fizemos.

A rasão por que a fizemos está claramente expressa no relatorio do decreto publicado, mas está expressa com uma verdade tão precisa, tão incontestavel e de todo o ponto significativa, que ninguem póde deixar de lhe reconhecer a justiça.

Diz-se n'esse relatorio:

"Uma das primeiras necessidades, a que se nos afigura urgente attender, é a de remodelar a constituição e organisação dos municipios, pois muitos d'elles, pela exiguidade dos seus recursos, limitada area e diminuta população, carecem dos meios essenciaes e até de pessoal habilitado e sufficientemente numeroso, para o cabal desempenho da sua alta missão. "

Esta é a rasão clara, evidente e verdadeira por que nós fizemos uma reforma administrativa.

Não foi para nivelar questões prrtidarias, porque nós não precisámos de o fazer, não foi obedecendo a intuitos de politica caseira nem para servir interesses de campanario ou para attrahir amigos que se houvessem affastado do governo; foi unicamente para attender a uma necessidade real, absoluta, incontestavel, de administração publica, em relação á vida dos municipes que não podiam continuar a viver por aquella fórma, de modo que nem havia progresso nas localidades, nem melhoramentos possiveis n'um meio tão depauperado.

Essa foi a rasão e esta rasão entende-se.

É uma rasão que um governo póde dar a um parlamento, porque esta o póde levar a assumir responsabilidades de poderes extraordinarios.

Diziamos nós:

"Assim, os pequenos municipes entre nós, apesar dos exagerados gravames tributarios de que tem lançado mão, pouco ou nada, com raras excepções, tem podido fazer no que respeita á viação, instrucção, beneficencia, policia, hygiene e outros serviços municipaes."

Póde o sr. presidente do conselho contestar que isto fosse uma verdade absoluta, um facto evidente observado todos os dias?

O nosso pensamento foi fazer ao mesmo tempo a remodelação administrativa e á remodelação judicial, precisamente no interesse e commodidades dos povos.

O nosso pensamento foi fazer coincidir as circumscripções administrativas com as judiciaes porque era a fórma pela qual podiamos pôr ao alcance do nosso paiz regras de administração, d'estas que na pratica mais usualmente se têem de seguir e encaminhar os seus effeitos pela fórma mais segura, mais facil e mais solida.

Para isto publicámos o codigo administrativo de 1895, para isto graduámos os concelhos, e para isto fizemos ainda uma tentativa com respeito aos concelhos de 3.ª ordem.

Havia concelhos faltos de recursos, mas que, emfim, tinham a abonar a sua existencia uma tradição, um habito perpetuado, um certo amor á sua independencia local.

Queriamos, portanto, ver se, pela creação dos concelhos de 3.ª ordem, era possivel obtemperar ao mesmo tempo ás exigencias da administração publica e á exigencia de muitos dos mais pequenos municipios; e então, estabelecemos no codigo administrativo que successivamente se iria fazendo a classificação dos concelhos.

Foram estas as condições do nosso decreto com respeito á reforma administrativa.

Agora comprehendia-se que o governo se apressasse a remodelar a obra que fizemos, se a tivesse de a expungir de graves erros, ou se ella se tivesse inspirado n'outro proposito que não fosse o que ha pouco enunciei.

Então, sim, comprehendia-se que b governo viesse desfazer a nossa obra n'uma occasião em que a politica é aquillo que menos deve pesar.

Mas não foi assim que o governo procedeu.

Nós fizemos uma revisão detida, minuciosa, consciente, das condições das proprias localidades, districto a districto concelho a concelho, tendo em attenção a area, a população, as condições de vida, os recursos é os elementos de acção e movimento dos povos. E foi assim, obedecendo a um principio de economia, para cortar por despesas injustificadas, para dotar a fazenda municipal, ao menos, com a largueza sufficiente para que os serviços a seu cargo ficassem regularmente executados e para que as suas faculdades podessem ser convenientemente estabelecidas.

Foi obedecendo a este principio, a este proposito, que nós fomos successivamente effectuando a remodelação, das comarcas e concelhos.

Ferimos interesses, é certo - porque não dizel-o? - contendemos com amigos politicos nossos, valiosos e dedicados. Isto prova quanto a nossa obra foi absolutamente desprendida de considerações de ordem politica.

Não ganhamos affeições no terreno politico, é certo, mas ganhamos ao menos a consciencia de haver cumprido o

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nosso dever, zelando os interesses dos povos, attendendo ás suas condições locaes, muito embora provocássemos reclamações, o que sempre acontece quando um governo segue um caminho que tem por fim zelar os interesses do estado.

Quem reforma assim, quem vae defrontar-se com preconceitos arreigados, com tradições estabelecidas, com habitos que vem de longe, e até com padrões de gloria que n'umas ou n'outras localidades se invocavam, prova que tem uma convicção profunda a obrigai o da necessidade e da conveniencia de proceder com desassombro em assumptos d'esta natureza.

Comprehende V. exa., sr. presidente, que quem tem a convicção profunda da necessidade e da conveniencia de proceder com desassombro n'um assumpto d'esta natureza, quem não receia arcar com esses preconceitos, ferir interesses de toda a ordem, desaproveitar indicações politicas de qualquer especie, e cuida attender tão só e unicamente, áquillo que nós reputavamos serem as condições materiaes e moraes, absolutas é verdadeiras da regeneração da vida local do nosso paiz, não póde approvar o projecto do sr. Presidente do conselho.

Nós temos a consciencia de não haver feito uma obra partidaria, temos a consciencia de, com afincado trabalho, e energicas detigencias com independencia absoluta de propositos e isenções termos afadigadamente colhido todos os elementos, todas as informações possiveis para que a nossa obra das circumscripções administrativas podesse ser, quanto possivel, perfeita.

Comprehende, portanto, v. exa., sr. presidente, quanto é doloroso para nós, depois de tantos mezes que lidámos, para que este nosso pensamento se cumprisse, para que este nosso ideal se realisasse com vantagem para o paiz, que não para nós ou para os nossos amigos, ver que no ultimo dia da sessão nos é trazido um projecto que, com uma só pennada, com Um só traço, aniquila aquillo que tanto custou a fazer, tanto custou a realisar.

Demais, nós não fizemos n'este assumpto obra de dictadura. Nós trouxemos todos os nossos decretos, os primeiros e os que d'elles se derivaram, á sancção do parlamedto, e, note-se, não, viemos, como nos antigos tempos, sollicitar tão só um bill de indemnidade d'estes que os parlamentos lançam coma se fora absolvição geral de culpas passadas; viemos collaborar com o parlamento, em uma e outra camara, acceitando as modificações, e não foram poucas, que nos propozeram, supprimindo concelhos de terceira ordem, procedendo-se a uma revisão, para extremar os que devessem ficar ou ser supprimidos.

Se n'essa occasião não encontrámos a collaboração dos partidos, para que a nossa obra saisse tão completa e perfeita quanto era para desejar, a Culpar não é nossa.

De resto, repito, collaboramos com os representantes do para que á nossa obra se quizessem associar no intuito de a tornar quanto possivel aperfeiçoada, correcta, viavel e proficua.

Foi n'estas circumstancias, depois de publicados os decretos, depois de executados depois de revistos, depois de sanccionados pelo parlamento, que entrou o governo, á testa do qual está o actual sr. presidente do conselho.

Depararam-se-lhe reclamações? É certo.

De antigas concelhos supprimidos provieram manifestações de desgosto, de descontentamento, pelo acto que nós haviamos praticado. Qual é a missão do sr. presidente, do concelho, como verdadeiro homem de governo? Corrigir o que precisa de correcção? Sem duvida.

Não tenho a pretensão de dizer que foi perfeita a nossa obra; que não houvesse retoques a fazer-lhe, modificações a introduzir, milhares de preceitos a formular; mas d'ahi até reabrir por completo o terreno uma nova lucta de interesses locaes, afigura-se-me um erro tão grave, que mal posso comprehender como o sr. presidente do conselho, com a sua larga vida publica, com a sua experiencia de assumptos governativos, veiu expor-se a todos os embates, a todas as apreciações, a todas as luctas locaes de interesses, de recriminações, n'uma occasião que o paiz mais precisa de socego, de paz e tranquillidade; como veiu avivar assim por completo, sem mais treguas, sem mais apaziguação, sem mais prudencia, sem mais consideração sequer, aquillo que reputo hoje mais nocivo ás conveniencias da nação, como é o fazer reviver luctas que estavam amortecidas, interesses que estavam julgados, difficuldades que estavam postas de parte.

Sem duvida é dever de uru governo ouvir as reclamações desde que ellas interessara, a vida especial dos povos nas differentes localidades, utilisal-as no que tiverem de aproveitavel.

Aperfeiçoar o que encontrava feito depois de tantas difficuldades vencidas e melhorar a obra que encontrava, facto consumado, era, portanto, a missão do governo. Mas apagar como se não existisse o que estava feito conscienciosamente e fazer reviver um estendal de reclamações, de interesses feridos, em lucta uns com os outros, no momento em que o paiz precisa de tranquillamente desenvolver todo o movimento das forças economicas do paiz como condição excepcional de solução da questão de fazenda é uma aberração que, não se comprehende, o sr. presidente do conselho tivesse commettido. Isto que vae fazer o sr. presidente do conselho não é conveniente nem opportuno. Não é conveniente porque vae tornar, tudo instavel. É uma obsecação que ataca todos os homens politicos quererem destruir tudo o que estava feito e não aproveitar o que os outros deixaram.

Em relação ao regimen dos povos, estar successivamente a fazer reformas sobre reformas, sem dar garantia de estabilidade, de tranquilidade ao que interessa maximamente a sorte da nação ou que representa uma vida local em todas as suas manifestações de trabalho de riqueza e de producção, é absurdo.

Pois não vê s. exa. os inconvenientes que os povos se acostumem ás reclamações de todos os dias como meio de alcançarem e conservarem interesses que nem todos são reciprocamente compativeis?

É absolutamente inconveniente.

Qual é a medida do governo, que importe pela força das circumstancias a necessidade de uma economia, que não levante desde logo reclamações e descontentamentos em toda a parte?

Para que serve um homem, de estado senão para, com a sua experiencia, e ainda mais com um criterio, prudente e cauteloso, ter mão nas impaciencias dos povos, attendendo só ao que é manifestamente justo?

Emendasse, corrigisse, aperfeiçoasse, mas resolver tudo sem attender as necessidades dos povos, creia o sr. presidente do conselho, foi um grave erro que praticou por si e por quem se lhe seguir no poder.

Por si, pelas difficuldades que lhe ha-de acarretar o seu acto, pelos outros pelas difficuldades se lhes lega.

É inconveniente e é grave, porque o fim principal que devia ter em vista o governo n'este, momento, o objectivo a que devia prender a sua mais séria attenção, os seus mais prestimosos esforços, não era o de alterar o codigo administrativo, mas sim o de ver se era possivel resolver o problema fazendario.

Assim, com a instabilidade em tudo, com alterações era tudo, sem um plano definido, sem uma acção preexistente e firme, quem póde ter confiança no governo, visto que elle vacilla na sua obra?

Mas não é só isso.

Sr. presidente, eu disse a verdade. O projecto que estava discutindo represente para nós, membros do parlamento, uma tristissima abjuração das nossas funcções legislativas, uma abdicação que nem serve o paiz, nem sequer serve o governo.

Antes a dictadura, claramente o digo, porque a dicta-

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dura compromette só o governo que a faz; isto não compromette só o governo, compromette o governo e o parlamento.

Que n'um momento dado, pelas circumstancias imperiosas de occasião, o governo assuma poderes extraordinarios unicamente a bem do seu paiz, e tenha a coragem dos seus actos e das suas opiniões e das suas responsabilidades, comprehendo Não é legal, evidentemente; é uma infracção do nosso codigo politico, mas ao menos é um acto corajoso, desassombrado e digno; não é a tristissima hypocrisia de uma dictadura que se absolve antes de ser executada.

E para, isto, sr. presidente, não tem o governo sequer por si a rasão de uma necessidade inadiavel, urgente, que n'este momento se lhe imponha. Nem isso.

Todos os que se julgavam, feridos nos seus interesses, por virtude da reforma que nós executámos, lhe vieram trazer as suas reclamações, lhe vieram representar em favor do que julgavam ser o seu desaggravo. O governo nomeou uma commissão, entregou-lhe o exame d'esse assumpto, confiou-lhe a attenta indagação Há verdade dos factos, da exactidão das allegações, da justiça das causas que se apresentavam.

Porque não aguarda o governo que essa commissão o habilite a assentar fundamentadamente o seu juizo, a formular a sua opinião sobre quaes são as modificações a introduzir ou seja no regimen concelhio ou seja na classificação das comarcas?

Para que esta pressa, esta precipitação com que o sr. presidente do conselho, ao findar uma sessão legislativa, vem pedir que desde já, que antecipadamente o absolvamos de tudo quanto vae praticar, de reformar, sem ser com o concurso do parlamento, as circumscripções administrativas conforme o seu criterio ou conforme os esclarecimento que lhe prestarem os interessados? Para que é esta precipitação?

Pois não tem o sr. presidente do conselho todo o tempo que decorre no intervallo parlamentar para se escudar no parecer e informação d'aquelles que foram incumbidos de examinar attentamente este assumpto, e não póde depois vir s. exa. ao parlamento dizeis aqui tendes as modificações que proponho onde estavam os mais graves erros, aqui estão emendados; onde havia providencias mais acertadas a tomar, aqui estão propostas; isto não será tudo, mas ao menos ficará mais corrigida e aperfeiçoada a obra dos meus antecessores?

Era legal, era franco é sincero um tal procedimento, e então podiamos nós todos apreciar e votar com inteiro conhecimento de causa, então podiamos nós todos, collaborando com o governo, emendar a obra, se porventura se mostrasse ainda carecer de emenda.

Mas assim, uma auctorisação, de que o governo vae fazer uso conforme entender, para os effeitos que quizer e pelo modo que mais aprazimento lhe der, francamente, nem fica bem ao parlamento. Antes a dictadura, disse ha pouco; antes a dictadura, repito agora.

Creia, sr. presidente do conselho: no seu logar, com as suas responsabilidades dadas as circumstancias em que s. exa. se encontra, eu não vinha pedir esta auctorisação. Não creio que d'aqui até á reabertura das côrtes se dessem taes factos, se dessem taes circumstancias que me impozessem como necessidade absoluta o decretar uma providencia qualquer, mas preferia ter de a assumir eu só, a fazer recair apenas sobre o governo, uma responsabilidade d'esta natureza, a vir desprestigiar o parlamento por esta fórma. Isto o que mostra é fraqueza. E, francamente, para a vida constitucional do paiz, para o exercicio das funcções legislativas tambem não convem.

E em que termos!

"Artigo 1.° É auctorisado o governo a rever a divisão das circumscripções administrativas e judiciaes, approvada nos termos da carta de lei de 21 de maio de 1896 e do decreto de 26 de junho do mosmo anno, e a fazer n'ella as alterações que forem conformes á bem ordenada divisão territorial, aos legitimos interesses dos povos e á conveniencia publica."

Conformes ao criterio de quem? Do parlamento não, pois que este desconhece o que o governo vae fazer.

Como o sr. presidente do conselho interpreta a conveniencia publica sabemol-o nós todos, pelo codigo de 1886.

N'este caso a conveniencia publica não é o interesse dos povos, nem a melhoria da administração publica, é o nivelamento partidario.

E é para este fim que nós, n'uma cousa de tamanho alcance, vamos abdicar das nossas prerogativas !

Porque estes actos não representam senão uma dictadura mascarada.

Sr. presidente, se porventura ainda é tempo, se as minhas observações poderam calar no animo d'esta assembléa, eu pediria que não votassemos d'este projecto, pediria ao sr. presidente do conselho que desistisse d'elle. Pediria que deixassemos tempo ao sr. presidente do conselho para apresentar quando voltasse a abrir-se o parlamento uma proposta de lei em que ao menos viessem as bases de uma providencia, completa, estudada em todas as suas partes, assente em bases conhecidas; e isto para prestigio das mais altas funcções parlamentares.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente do conselho (José Luciano de Castro): - Sr. presidente, quem ouvisse o digno par, o sr. Hintze Ribeiro, defender tão escrupulosamente as garantias, as immunidades parlamentares, e os direitos dos representantes da nação, quem o ouvisse combater assim contra as alterações feitas pelo poder executivo no uso de auctorisações para reformar serviços, concedidas pelo parlamento; quem ouvisse s. exa. por mais de uma vez affirmar que a dictadura era preferivel ás auctorisações parlamentares; diria que s. exa. nunca viera ao parlamento pedir auctorisações, que nunca usara dá dictadura e que nunca se tinha auctorisado a si mesmo para fazer a divisão territorial, cujos defeitos e erros o governo deseja agora corrigir, pedindo á camara a necessaria auctorisação.

O artigo 467.° ido codigo administrativo de 1895, decretado por s. exa., diz o seguinte:

"Depois da publicação d'este artigo, o governo em diplomas especiaes e de harmonia com á divisão judicial, deverá proceder á revisão das circumscripções administrativas e á classificação dos concelhos."

O governo auctorisou-se a si mesmo para proceder á divisão administrativa Vestes termos:

(Continuando a leitura).

"Podendo supprimir aquelles que não tenham as precisas condições e recursos de autonomia municipal; fará constituir as commissões districtaes...e poderá substituir as actuaes camaras municipaes e juntas de parochia por commissões, etc.

Não ha aqui nenhum limite, nenhuma restricção, ha apenas o arbitrio ministerial.

Não ha auctorisação mais ampla.

Esta auctorisação não foi pedida ás côrtes, porque o governo durante é anno de 1895 nem sequer reuniu o parlamento.

E s. exa., depois de ter feito tudo isto, vem accusar o governo .por este pedir ao parlamento que lhe de a auctorisação precisa, não para fazer uma nova divisão territorial e comarca, mas para emendar os erros, as imperfeições e defeitos de uma divisão administrativa que tem dado occasião a tantas reclamações dos povos, as quaes é necessario attender, quando, forem, justificadas, ouvida a commissão que foi nomeada para esse fim.

Sr. presidente, tem porventura o digno par ou o governo de que s. exa. fez parte, auctoridade para nos contestar, a nós, que convocámos o parlamento, que lhe temos dado conta dos nossos actos, o direito de virmos ás

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camaras pedir que nos auctorisem a fazermos a revisão administrativa para se corrigirem os erros e se fazerem alterações nos pontos em que as reclamações dos povos se mostrarem justificadas, depois do governo ter ouvido a opinião dos homens competentes, que escolheu para estudar o assumpto?

Para nós nem ao menos é licito vir pedir ao parlamento auctorisação para procedermos á revisão administrativa; para o partido regenerador, para o digno par e para os seus amigos, a dictadura, não só para fazer a revisão, mas para se auctorisar a si proprio sem bases, sem limites e sem condições.

Então que regimen politico é este?

Então os srs. podem fazer tudo, podem-se auctorisar a si proprios para proceder á revisão, e a nós nem nos é licito pedir ao parlamento que nos auctorise a emendar os erros que os srs. dictatorialmente commetteram.

Sr. presidente, não, sei como o digno par o sr. Hintze Ribeiro se collocou n'esta situação, obrigando-me a citar os seus precedentes, obrigando-me a ler este artigo que s. exa. interpreta ao sabor das conveniencias.

Repito, póde s. exa. ter auctoridade para censurar, o governo porque veiu pedir ao parlamento, para que o auctorise a proceder á revisão, administrativa com a clausula de que, logo que as côrtes abram, lhes sejam sujeitas essas alterações, a fim de as approvar se quizer, emendar ou mesmo revogar.

Parece, que não.

Disse s. exa. que a estas auctorisações era muito preferivel a dictadura, porque ao menos a dictadura era franca e clara e o governo tinha coragem de tomar sobre si a responsabilidade d'esse acto.

Já aqui dias disse o digno par o sr. Vaz Preto, e com muita rasão: é facil aos homens publicos n'este paiz assumirem essas responsabilidades.

Em que tribunal é que elles respondem?

Quando é que foram arrastados aos tribunaes os que têem commettido mais infracções da lei constitucional? Perante, que tribunal têem comparecido, qual foi o banco dos réus em que se sentaram?

É facil dizer d'essa fórma que se toma a responsabilidade! Facil coragem. Tambem eu a tenho!

S. exa. diz que prefere a dictadura franca aberta! Pois não é ella por isso mesmo a violação franca da lei, a derogação formal dos principios constitucionaes que jurámos manter e observar?

Por isso preferi vir ao parlamento, antes de praticar um acto que offenderia as attribuições do poder legislativo, dar as rasões do meu procedimento, explicar os motivos que me levam a proceder d'esta ou d'aquella maneira e pedir-lhe uma auctorisação.

Não, será isso melhor do que não ter com a camara a menor contemplação?

Não será isso melhor do que, sem ouvir a voz do parlamento, praticar actos de caracter dictatorial?

Quantas auctorisações tem pedido o sr. Hintze Ribeiro ao parlamento?

Se eu consultar a collecção das nossas leis, acharei auctorisações para tudo, pedidas por s. exa.

Se s. exa. as não pediu em 1895 é porque teve p parlemento fechado em todo esse anno.

Não publicou s. exa. por exemplo a lei relativa ao embolso pelo estado dos creditos á companhia real?

Sr. presidente, pois então o pedir uma auctorisação ao parlamento não será mil vezes preferivel a praticar um acto dictatorial?

Parece-me que sobre este ponto não póde haver duas opiniões.

Este assumpto porém não está ainda tão completa e devidamente estudado como é necessario; o governo entende todavia, que urge tomar desde já uma resolução, porque os povos a reclamam, porque os actos praticados pelo ministerio do sr. Hintze Ribeiro vieram ferir os seus interesses e se esses povos não requereram mais violentamente no tempo em que foi decretada a circumscripção administrativa, foi porque confiavam em que o partido que substituisse o governo de então teria na devida conta as suas justas reclamações.

Tiveram confiança em que outro governo examinaria as suas queixas e lhes faria justiça.

Caíu esse governo e eu podia desde logo silicitar da corôa auctorisação para desfazer por um decreto dictatorial aquilio que estava dictatorialmento feito pelos meus antecessores.

Muita gente me aconselhou n'este sentido, muitas instancias chegaram até mim para eu proceder d'esse modo.

Entendi porém, que se podia haver alguma cousa de aproveitavel nas reclamações dos povos, podia haver tambem reclamações que não devessem ser attendidas.

O que fiz então?

Nomeei uma commissão de homens competentemente conhecedores do paiz, para examinar todas ás reclamações e formular o seu parecer, á fim de por estas indicações o governo poder decretar uma nova divisão administrativa.

Se estes trabalhos estivessem já feitos, apesar de eu entender, por diversas circumstancias, que não são dos mais proprios para se trazer aqui, não tinha duvida em os por á disposição dos dignos pares.

A commissão está nomeada e não concluiu ainda os seus trabalhos, mas eu devo n'estes quatro mezes ter opportunidade para a ouvir, para examinar o seu parecer e decretar as alterações que me forem propostas e parecerem justificadas.

Não quero fazer obra politica, sr. presidente: se o tivesse querido, como já disse, era natural que chegado ao poder, pedisse a El-Rei os poderes necessarios para me investir da dictadura e desfazer por completo e n'um momento o que estava feito pelos meus antecessores.

Não o fiz porque não estava esse procedimento nas minhas intenções leaes e sinceras.

Ou queria s. exa. que eu não attendesse ás reclamações dos povos e não ouvisse o parecer da commissão que nomeei, e decretasse, em dictadura esta reforma, sem ter pelo parlamento a menor contemplação? Queria s. exa. que eu fizesse isto? Se assim fizesse, procedia conforme as idéas de s. exa., mas não conforme o que eu reputo, melhor systema.

Sr. presidente, aqui tem v. exa. explicadas em poucas palavras as rasões do meu procedimento, que suscitou o conselho dado pelo digno par, de preferir a dictadura á votação parlamentar, conselho que porém não acceito, porque, é contra os meus principios liberaes contra as minhas ideias de respeito para com o parlamento.

Mas, a meu ver, esse acto nem era conveniente para o paiz, visto que o que eu decretasse agora dictatorialmente seria desfeito tambem dictatorialmente pelo partido e pelo governo que me substituir. Eu quero fazer obra duradora e para fazer obra estavel e duradora é necessario que eu proceda com rasão e com justiça, e que não attenda nem a reclamações meramente pessoaes, nem a interesses exclusivamente politicos. E é isto o que eu estou fazendo.

Disse o sr. Hintze Ribeiro, que era necessario aperfeiçoar, melhorar, corrigir a obra que ficou feita pelo governo a que s. exa. presidiu e que deve ter defeitos. Sou o primeiro a apoiar as palavras de s. exa., e com ellas estou completamente de accordo.

Mas, sr. presidente, o que eu estou fazendo, é precisamente o que o sr. Hintze Ribeiro quer que eu faça. O que eu sinto é que o governo anterior tivesse entrado n'esse caminho sem ninguem lho pedir, sem nenhuma reclamação, sem nenhuma instancia, e até sem nenhum interesse. O que eu sinto, é que tivesse decretado essa divisão judicial e administrativa, levantando clamores em todos os pontos do paiz, por parte dos concelhos suprimi-

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midos. Todos os dias choviam pedidos, acudiam reclamações dos povos no sentido de se lhes fazer justiça.

Eu não posso deixar de os attender, salvo no que for menos justo e menos fundado, ou quando tenham atrás de si interesses que nenhum governo e nenhum parlamento póde acobertar. É o que eu estou fazendo. Estou precisamente realisando o programma que o sr. Hintze Ribeiro me traçou. Quero aperfeiçoar, quero corrigir, quero melhorar os defeitos da divisão administrativa, não para proceder a uma nova divisão, restaurando só por capricho de restaurar, os concelhos ou as comarcas, fascinado pela idéa de engrinaldarão meu nome e a minha obra.

O meu fim não é esse.

Se o fosse póde o digno par crer que eu não procedia da maneira por que procedi.

Sr. presidente, o sr. Hintze Ribeiro occupou-se principalmente, de discutir a reforma administrativa de 1886 comparada com a de 1895; mas s. exa. esqueceu-se que não é a reforma de l886 que está em discussão.

O que eu venho propor ao parlamento é que me auctorise a proceder á revisão das circumscripções administrativas e judiciaes nos pontos em que se mostre que essa revisão é justificada, obrigando-me a dar conta ao parlamento dos actos que praticar e das modificações; que introduzir, para o parlamento os julgar, como entender em sua alta sabedoria.

Mas s. exa. esteve comparando a minha reforma de 1886, tambem decretada em dictadura, com o codigo administrativo publicado em 1896, insistindo principalmente nas intenções politicas que deram motivo á publicação da reforma de 1886; intenções politicas que eu muito claramente expliquei no relatorio que precede essa reforma.

Se eu tenho algum merito, é o da franqueza.

Sr. presidente, alem das rasões administrativas houve tambem rasões politicas que obrigaram o governo a assumir a dictadura, e n'esse relatorio aproveitei a occasião para dizer quaes eram os motivos que levaram o governo a declarar-se em dictadura.

Não foi, porém, só por considerações politicas que o governo decretou o codigo de 1886.

No proprio relatorio estão, expostas as rasões de ordem administrativa que determinaram o governo e de tal importancia, e de tanto peso eram ellas que duas terças partes das disposições d'esse codigo foram introduzidas no codigo de 1896.

Como, póde, pois, v. exa. dizer que o codigo de 1886, não continha disposições de interesse publico, se o sr. João Franco aproveitou grande numero d'ellas, para as incluir no codigo de 1896?

Examine, s. exa., as disposições de um e outro codigo, e verá que no codigo de 1896 ha apenas uma terça parte de disposições novas.

Portanto, já vê s. exa. que não foi por interesses politicos que se publicou o codigo, de 1886.

A verdade é que o governo n'aquella occasião achava-se em condições de não poder governar, e para isso não podia deixar de fazer o que fez.

Como s. exa. sabe, as camaras municipaes, influiam poderosamente na eleição dos, dignos pares electivos, e o governo se quizesse reformar a clamara dos dignos pares, havia desfazer dictadura, ou então proceder como procedeu.

Seria facil ao governo o ter feito em dictadura a reforma da camara, dos dignos pares, mas como o governo nunca tinha pensado, em dictadura em materia constitucional, teve de recorrer áquelle expediente, o de publicar o codigo administrativo.

O que o governo não fez foi alterar a divisão administrativa, violando os direitos dos povos, direitos tradicionaes, conservados e defendidos com tanto zêlo e empenho nas localidades. O que se chama, autonomia administrativa, isso é que o governo respeitou e consagrou em muitas das disposições de grande alcance do codigo de 1886.

Dizia s. exa.: «o governo de que eu fiz parte não fez politica, pelo contrario, procedeu conscienciosamente, não se inspirando em nenhum interesse de ordem politica.

Ora, sr. presidente, eu tenho seguido n'esta sessão o systema de não provocar a questão politica, e, se sou provocado não respondo; mas devo declarar ao digno par que ás vezes faço sacrificio, e sacrificio que ninguem me agradece. Mas quando ouço o sr. Hintze Ribeiro, quando vejo que s. exa. aggride o governo por actos que não têem comparação com aquelles, que s. exa. praticou, confesso que tenho vontade de lhe responder com os seus proprios, o que me parece ser a melhor defeza.

Mas, sr. presidente não o faço, porque tenho receio de qualquer provocação inopportuna e entendo, de accordo com o sr. Hintze Ribeiro, que a presente situação nos impõe o dever das conveniencias, e o de concorrer quanto possivel para, uma inteira harmonia de esforços no interesse de todos aos e no interesse commum da patria.

Mas quando s. exa. me diz que o governo não fez politica!...

Eu já disse na outra camara que no districto de Aveiro que mais conheço, se não fez politica com a reforma, administrativa, escusarei agora de insistir n'esse ponto....

Mas o sr. Hintze Ribeiro, presidente de um ministerio, que tanto attentou contra os interesses e as tradições das localidades, que até se serviu da ameaça, vem agora insurgir-se contra, este governo que apenas quer attender ás reclamações das terras que pela sua reforma ficaram injustamente prejudicadas!

Porque eu confesso; quem usa d'essa arma, da ameaça, que é terrivel, tem uma vantagem irreductivel sobre a opposição, por mais influente e poderosa que ella. seja.

No districto de Aveiro, não se alterou a circunscripção antes das eleições, foi depois; e eu sei que se fizeram profundas injustiças.

O governo, de que s. exa. fazia parte, não usou das auctorisações que a si proprio deu, no sentido mais justo e mais Imparcial. Fel-o por politica? Talvez não. Mas o facto é que se póde pensar, que obedeceu a exigencias politicas.

Ora o que eu pretendo agora é simplesmente attender ás justas reclamações dos povos.

E permitta-me .v. exa., sr. presidente, que me refira a uma observação, feita, ainda, pelo digno par o sr. Hintze Ribeiro sobre o que eu disse ha dias, isto é, que não tinha feito dictadura em materia, de impostos.

S. exa. disse que eu a tinha feito decretando as quotas para a caixa de aposentações.

Quando, tratando da dictadura, fallei de impostos quiz referir-me aos impostos como elles são consideradas no orçamento do estado; e nunca imaginei que s. exa. considerasse as quotas como uma contribuição, quando essas quotas são uma pensão, exigida a certos exterminados individuos, que gosam de um certo e determinado beneficio. Mas impostos!

Disse s. exa. que. eu tinha abolido o imposto do sal.

Mas isto prova o contrario do que s. exa. quer.

Então decretar; a abolição, do imposto do sal e desobrigar o contribuinte de o pagar é por ventura, exigir algum imposto?

Já vê o digno par que o seu argumento cáe pela base. É por isso que eu disse que o governo progressista não tinha feito dictadura em materia de impostos.

Parece-me, porém, que para isto a dictadura podia ser permittida, sem nenhum inconveniente constitucional.

Disse tambem s. exa. que eu tinha decretado impostos para os tribunaes administrativos.

Eu devo dizer ao digno par que n'essa parte o codigo determina que esses impostos sejam annualmente submettidos á apreciação do parlamento.

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A accusação de s. exa. não me parece, pois, procedente.

Disse ainda o digno par que eu vinha ressuscitar esta questão, que póde trazer grandes dificuldades, não só para mim, mas para os meus successores, exactamente na occasião em que nos mais carecemos de paz, de tranquillidade, de socego e acalmação de politica partidaria.

Mas de quem é a responsabilidade?

Fui eu porventura que decretei dictatorialmente a divisão administrativa, supprimindo concelhos, sem nenhuma reclamação, sem nenhuma representação, fazendo com que se levantassem queixas e clamores em todo o paiz?

Fui eu porventura que rasguei a ferida que o governo agora pretende curar?

Decretaram s. exas. uma nova divisão, administrativa, supprimindo concelhos e comarcas, desannexando freguezias, a seu sabor, sem criterio!

A quem cabe a responsabilidade de tudo isto senão a s. exa. e ao governo de que s. exa. fez parte?

Eu procedi em harmonia com as reclamações que me foram apresentadas e estimei muito que me tivessem sido apresentadas.

Logo que entrei para o governo, encontrei as reclamações dos representantes das localidades prejudicadas que vieram immediatamente procurar-me, pedindo-me que os attendese, e desfizesse tudo quanto s. exas. tinham; feito a este respeito.

Resisti, dizendo que não podia fazer essa obra tumultuariamente e precipitadamente; que desejava só attender as reclamações justas e não ás queixas, vinganças ou represalias pessoas ou locaes; que por isso ía nomear uma commissão, como effectivamente nomeei, para estudar os pedidos que se apresentassem.

Pois, sr. presidente, que queria s. exa. que eu fizesse?

Achei a ferida aberta precisava cural-a de alguma maneira.

Pensei que não convinha alterar profundamente a nova divisão e por isso não fiz mais do que dar direcção e andamento ás reclamações que já encontrei formuladas.

Não attendi ás instancias que me foram feitas, para destruir tudo quanto s. exas. tinham decretado, respondi, sempre que segundo o parecer da commissão e mais ou menos amplamente conforme as propostas que ella apresentasse, é que eu pautaria o meu procedimento.

Aqui está o que eu fiz.

Mas, então s. exa. queria que eu, que tinha promettido, pela minha attitude na opposição, ao povo e aos seus representantes irritados com o procedimento do governo de que s. exa. fez parte, e tinha assegurado que, se o partido, progressista voltasse ao poder, seria esse o seu primeiro acto, queria s. exa. que eu fosse recusar as reclamações que me eram apresentadas?

Queria s. exa. que eu de repente, sem motivo que imperasse na minha, honra e proceder, dissesse aos representantes dos concelhos que tinha mudado de opinião e estava resolvido a manter tudo quanto s. exas. tinham feito?

Queria que eu não apresentasse ás camaras nenhuma das propostos que apresentei para seguirem os seus tramites parlamentares, obedecendo á todas as indicações a que deve obedecer um governo estrictamente liberal?

Se eu fizesse isto, se não procedesse como procedi s. exa. comprehende que eu, em logar de acalmar as reclamações e irritações, que já havia contra s. exas., iria atear em roda de mim um incendio que podia alastrar-se por todo o paiz.

Não fiz mais do que aquillo que não podia deixar de fazer.

Procedi com prudencia e ordem, systematicamente, ganhando tempo, procurando destruir e elucidar-me com o parecer dos homens que compõem a referida commissão, para depois vir ao parlamento dizer franca e claramente o que penso fazer.

Eu não tenciono levar o paiz a novas perturbações, o que desejo é apreciar as reclamações que me foram apresentadas e quando me convença que ellas são justas, attendel-as.

Ora, sr. presidente, queria s. exa. que eu esperasse mais algum tempo, ou esperasse até janeiro, até á reabertura das côrtes, e dissesse aos reclamantes que esperassem mais estes quatro mezes?

Se, porém, a commissão apresentar os seus trabalhos antes de abrir, o parlamento e eu me convencer, em face d'elles, que é urgente attender ás reclamações dos povos, usarei das auctorisações que o parlamento me vae conceder; se pelo contrario, me demonstrarem que as reclamações não; são justas, não farei uso dos poderes em que o parlamento me investiu, e por consequencia não haverá em nenhum caso inconveniente algum.

Sr. presidente, parece-me ter respondido ao digno par e dado todas as explicações que me pareceram convenientes; não sei se me esqueceu responder a algum dos pontos a que, s. exa. se referiu, porque fallei desordenadamente.

Se s. exa. entender que precisa ainda de mais alguma resposta, estou ás suas ordens.

Direi, porém, á camara o seguinte: não receiem os dignos pares votar esta auctorisação, porque repito, não farei uso d'ella, senão nos termos em que a camara a votar. Não quero glorias á custa da, divisão, administrativa; não desejo mais do que remediar as injustiças, commettidas, depois de ouvir a opinião de homens competentes, especialmente nomeados para estudar o assumpto.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Conde de Lagoaça: - Requeiro a v. exa. consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até se votar este projecto.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o requerimento que acaba de fazer o sr. conde de Lagoaça, tenham a bondade de se levantarem

Foi approvado.

O sr. Pereira Dias: - Mando para a mesa um parecer da commissão de administração publica. Peço a v. exa. consulte a camara sobre se permitte que seja dispensada a impressão para entrar em discussão opportunamente.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o requerimento que acaba de fazer o sr. Pereira Dias tenham a bondade de se levantarem.

Está approvado. Vão ler-se uns officios que estão sobre a mesa.

Leram-se os seguintes:

Officio do sr. presidente da camara dos senhores deputados, de 30 de agosto de 1897, remettendo a proposição de lei que tem por fim fixar o direito de importação para os saes de quinino em 8$000 réis por kilogramma de producto.

Para a commissão de fazenda.

Officio do sr. presidente da camara dos senhores deputados, datado de 30 de agosto corrente, remettendo a proposição, de lei que tem por fim isentar do pagamento da contribuição de registo, por titulo oneroso, a cré he de Santa Marinha de Villa Nova de Gaia pela compra de uma casa, que foi de Antonio Ferreira da Silva Fragateiro.

Para a commissão de fazenda.

Officio do sr. presidente da camara dos senhores deputados, datado de 30 de agosto corrente, remettendo a proposição de lei que tem por fim auctorisar o governo a conceder isenção de direitos de importação ao material fixo e circulante destinado á construcção e primeiro estabelecimento de caminho de ferro de via reduzida de Cantanhede á barra de Aveiro.

Para a commissão de fazenda.

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Officio do sr. presidente da camara dos senhores deputados, datado de 30 de agosto corrente, remettendo a proposição de lei que tem por fim auctorisar o governo a modificar, de accordo com a companhia dos tabacos de Portugal, o contrato de 26 de fevereiro de 1891.

Para a commissão de fazenda.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Sr. presidente, cabendo-me a palavra depois da resposta dada pelo sr. presidente do conselho de ministros ás observações feitas pelo digno par e meu amigo o sr. Hintze Ribeiro, sobre dois pontos que considero principaes no projecto de lei em discussão e, não vendo combatidas essas observações que foram tambem o motivo que me levou a assignar vencido o parecer da commissão de legislação d'esta camara, de novo accentuo que o projecto de lei em discussão contraria principios constitucionaes é que não tem opportunidade; e acrescento que ha injustiça do governo aos seus adversarios politicos, não tanto em accentuar defeitos da passada administração, que podia, fazer segundo o seu programma politico, mas principalmente pretendendo affirmar que, usa de melhores processos n'isto vae a censura.

Sr. presidente, não trato de apreciar a dictadura do governo regenerador. Quero, só apreciar, as respostas dadas ao digno par o sr. Hintze Ribeiro, pelo sr. presidente do conselho, dizendo a esse respeito o que se me offerece.

Disse o sr. presidente do conselho que ha differença no modo de proceder do ministerio regenerador, que se auctorisou a si proprio a fazer a revisão administrativa e judicial e o do governo actual que, respeitando o parlamento, vem pedir-lhe auctorisação para fazer igual revisão.

Ora é justamente este o ponto em que eu entendo que está a irregularidade do governo actual, porque não procede melhor, nem respeita o parlamento.

É justamente esta a differença entre a dictadura, que se assume, franca e lealmente, a dictadura que ao governo que a pratique deixa sempre alliada a responsabilidade dos seus actos e ao parlamento intacto o direito de ratificar, modificar ou annullar esses actos e a dictadura disfarçada, a dictadura irresponsavel, o tal systema de vagas auctorisações, tanto em voga no governo.

Sr. presidente eu prefiro a dictadura franca, porque é responsavel.

Sr. presidente, eu já accentuei aqui, quando fallei sobre o orçamento, que não reconhecia ao governo o direito de pedir vagas auctorisações, pois representam a peior e a mais grave fórma de dictadura.

O sr. presidente do conselho disse n'esta camara, como já referiu o sr. Hintze Ribeiro, que o partido progressista nunca fizera dictadura em materia de impostos, nem em materia de monopolios, nem em materia constitucional; apenas disse o sr. presidente do conselho, que confessava o peccado em materia administrativa.

Deixemos impostos e monopolios e vamos a materia constitucional.

Sr. presidente, ha porventura materia mais inconstitucional que a abdicação das faculdades e direitos do parlamento? (Apoiados.)

E o que representa a concessão de latas e indefinidas auctorisações senão a abdicação de direitos exclusivos do parlamento?

E póde o parlamento ceder attributos que a carta constitucional positivamente lhe confere?

Esta é que é a questão, sr. presidente, em que não insistirei, porém, pois não será de certo a minha voz, sem auctoridade, que ha de influir para que o projecto de lei em discussão deixe de ter a sorte que o governo lhe antevê.

Disse o sr. presidente do conselho que não foi sua a
culpa de vir n'esta occasião occupar-se de assumptos de quem administrativa.

N'esse caso, para que incluiu no seu programma a reforma administrativa.

Para remediar defeitos da actual divisão administrativa ou porque quiz satisfazer compromissos partidarios? Se lha pediam porque não recusou?

Não recusando, deixa de pé que o governo veiu juntar á tão grave questão economica e financeira, assumptos de interesses de localidades.

E estranho, sr. presidente, que o governo n'uma occasião em que a questão financeira e economica se impõe por modo tão imperioso aos cuidados de todos, e que lhe devia merecer o seu principal senão unico cuidado, venha envolver-se em assumptos de ordem administrativa, nos quaes, por melhores que sejam, como são, as suas intenções e da illustre commissão que o governo nomeou para a ouvir e para o aconselhar sobre as reclamações dos povos, fica sempre a impressão de compromissos partidarios.

Sr. presidente queria o governo attender á restrictas reclamações de uma ou de outra localidade, como de facto existem, trouxesse então propostas de lei á apreciação do parlamento, que de certo lhe não negaria o seu voto.

Mas para que sr. presidente, o que aliás já não se remedeia, despertar no todo interesses de localidades, contrapondo esses interesses á grave questão economica e financeira? Ou senão antepondo esses interesses, juntando-os para mais aggravar a questão de fazenda, embaraçando n'esta a acção do governo?

E, alem d'isso, póde affirmar-se que d'este remover de concelhos e de comarcas não resulta aggravamento de despezas, já para os localidades, já para o poder central, despezas que aliás estavam cerceadas pela ultima lei, que foi baseada em principios de boa economia, supprimmindo concelhos que não tinham rasão de existencia?

Sr. presidente, não me alargarei em outras considerações, julgando ter justificado o meu voto contra o projecto e concluo affirmando que voto contra, porque o projecto não tem opportunidade; muito menos rasão para tanta pressa, vindo o governo submettel-o á apreciação do parlamento á ultima hora, n'um fechar de sessão, com a camara cansada, como se fôra uma medida de maxima importancia para a acção do governo no interregno parlamentar, e acima de tudo pela rasão suprema, em questão de principios, de considerar o projecto absolutamente inconstitucional.

Tenho dito.

O sr. Pereira Dias: - Dirá pouco, comquanto tivesse desejo de dizer muito.

Lembra-se, porém, de que estamos em setembro, e de que o estado de adiantamento em que se encontra a actual sessão legislativa não permitte largas explanações.

Ao orador que o antecedeu no uso, da palavra, diz que a opportunidade para, de preferencia a quaesquer; outras, se tratar de questões financeiras, data já de 1890.

Não sympathisa cousas dictaduras mas admitte-as guando são impostas por necessidades imperiosas.

Quanto, ao projecto, diz que elle se destina a modificar e a aperfeiçoar a obra publicada dictatorialmente pelo partido regenerador.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra, e em appendice, quando s. exa. tenha devolvido as notas tachygraphicas.)

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, não bastava que o projecto viesse aqui quasi no ultimo dia de sessão, era mister que a sessão fosse prorogada, para que á camara se pronuncie sobre elle ainda hoje. Deixo á camara a responsabilidade do acto.

Não quero exercer violencias sobre ella, muito embora ella as exerça sobre mim.

É dever meu discutir o projecto do governo, apontando

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o que elle encerra de absolutamente contrario aos interesses do paiz e do decoro do parlamento.

É tambem dever meu protestar solemnemente, como o faço, contra a maneira, que reputo absolutamente incorrecta, por que o governo pretende que se vote esta questão que é de um grande alcance.

Comprehende a camara que eu não venho agora discutir com o sr. presidente do conselho, sobre se quem dictatorialmente supprime impostos faz ou não, dictadura em materia de impostos; se quem vem estabelecer para os membros dos tribunaes administrativos uma dotação com receita proveniente de um imposto faz dictadura em materia de impostos; se quem decreta, na ausencia do parlamento, novas disposições fiscaes faz ou não faz dictadura sobre, impostos. O que venho dizer é que discordo radicalmente do sr. presidente do conselho, quando si exa. me diz, que mais culpado é o ministerio a que eu tive, a honra de presidir, auctorisando-se a si proprio em 1895 a reformar as circumscripções administrativas successivamente, de que o governo a que s. exa. preside vinda pedir antecipadamente ao parlamento auctorisação para um assumpto que o parlamento nem, conhece nem sabe até onde irá.

Concedida pelo parlamento a auctorisação que o governo lhe pede e tomada por este a responsabilidade pelos aptos dictatoriaes que praticar, tratará o governo de cumprir com aquillo para que se muniu de auctorisação?

Mas sabe-o parlamento por que maneira vae o governo pôr em execução o seu plano?

E por decretos successivos?

Aquelle que se auctorisa a si mesmo e traz mais tarde ao parlamento as medidas que promulgou, esse deixa, ao parlamento a faculdade de se pronunciar depois de um exame esclarecido e com conhecimento de causa.

Esse não é o mesmo que, sem nada indicar sobre o uso que fará da auctorisação que pede; não traz ao parlamento actos que possam ser do conhecimento de todos, não traz materia de exame, mas apresenta-se a pedir uma auctorisação com a mais completa ausencia de quaesquer dados, sem a enunciação clara e precisa de quaesquer principios, sobre que o parlamento se possa pronunciar. Não se trata n'este pedido de bases assentes nem de condições tudo isso se deixa no escuro.

Levar o parlamento, a votar uma auctorisação para o governo fazer absolutamente o que quizer, sem saberem os dignos pares o que ella será, compromettendo-se desde já, darem por boa a obra que elle fizer, é preparar-lhe o desaire.

Qual é a base do seu juizo? Qual é a fórma?

N'esta hypothese, o parlamento compromette desde já a sua liberdade de acção, o seu juizo e o decoro que deve sempre presidiria todos os seus actos e a todas as suas resoluções, como sendo um elemento integrante e fundamental, é mais precioso, da representação do paiz.

O parlamento, auctorisando o governo a reformar a seu talante e a seu alvedrio e só d'elle aquillo que interessa mais á vida do povo, sem appello nem aggravo não defende assim a liberdade, nem zela as prerogativas parlamentares.

Disse o sr. presidente do conselho, que tambem assume a responsabilidade dos actos dictatoriaes. E acrescentou: "Fraca coragem tem n'um paiz, onde a responsabilidade ministerial não se torna, effectiva!"

Triste ponderação do sr. presidente do conselho!

Pois s. exa., que é réu de larguissimas e pesadas dictaduras que devem envolver responsabilidades importantes, vem dizer que a responsabilidade não se torna effectiva para que nós possamos suppor que é por isso mesmo que s. exa. se abalança a fazer uma nova dictadura.

Mas que seja o chefe de uma situação que tem um passado de dictaduras como a de 1B86, aquelle que se prepara para fazer uma dictadura escondida e por assim dizer hypocritamente disfarçada!

Pois, o sr. presidente do conselho que tem no seu passado a responsabilidade das dictaduras e no seu futuro breve a pratica de novos actos que não são mais que uma nova dictadura, vem dizer-nos que, se se praticaram estes actos, é porque não ha uma lei de responsabilidade ministerial que torne effectiva essa responsabilidade!

Melhor do que isto, sr. presidente, eu faço justiça ao caracter do sr. presidente do conselho e estou certo que s. exa. com lei de responsabilidade ministerial ou sem ella, desde o momento que, sendo chefe de uma situação, logo que as exigencias do paiz o levem para esse caminho, e a sua consciencia lhe indicar que deve assumir a dictadura, s. exa., ha de assumil-a sem se importar com a responsabilidade, porque não ha nada que se possa antepor a isso, acima de tudo o digno par tinha o seu dever a cumprir, depois julgassem-n'o como entendessem.

Senti pelo sr. Presidente do conselho e sinto por mim pela rasão de que sobre este ponto de vista a nossa causa é commum, que o sr presidente do conselho dissesse que se tem feito dictaduras, tanto por parte de s. exa. como por minha parte, é porque não ha no paiz uma lei de responsabilidade ministerial, que torne effectiva essa responsabilidade. Sinto que s. exa. dissesse isto então posso ficar silencioso ao ouvil-o.

Não foi só agora que as ouvi, tenho ouvido por differentes vezes dizer, que por não haver uma lei de responsabilidade ministerial é que todos os erros se commettem; que todas as illegalidades se praticam; que tudo emfim provem da falta de uma lei de responsabilidade.

Todos os governos, têem trazido ao parlamento medidas d'esta natureza, mas o parlamento é que não as tem querido tomar em conta e não tem achado por conveniente approval-as. Portanto a falta não é dos governos, mas sim do parlamento.

Não ha pela, não ha responsabilidade legal, ou qualquer obstaculo que se anteponha a um homem d'estado quando tenha de se desempenhar da sua missão a bem do seu paiz, e não ha nada que o possa intimidar.

Como o sr. conde de Lagoaça acaba, de pedir a palavra, eu desisto por agora d'ella, pedindo a v. exa. para que me inscreva novamente.

O sr. Conde de Lagoaça: - Como o digno par o sr. Hintze Ribeiro quer ouvir-me, mesmo sem conhecer, o motivo por que pedi a palavra, para depois me fulminar com a sua brilhantissima palavra.

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro (interrompendo):- Eu desejo ouvir o digno par mais do que a mim proprio.

O Orador: - Agradeço a s. exa. Mas, acceitando a ordem de idéas em que s. exa. insistia, parece-me, que o sr. presidente do conselho, não disse que a rasão, pela qual n'este, paiz: se tem feito; dictaduras será porque não havia uma lei de responsabilidade, ministerial. (Apoiado do sr. Presidente do conselho)

O que s. exa. disse, á proposito de o digno par o sr. Hintze Ribeiro estar constantemente, a fallar nas suas responsabilidades e a declarar que as assume por completo, foi que não admirava uma tal coragem, visto todos saberem que taes responsabilidade não existem, ou, por outra, que não ha lei que as torne effectivas.

Deixemo-nos, pois, d'estas hypocrisias politicas. O digno par, que se apressou a dizer que em muita consideração tem o caracter do sr. José Luciano de Castro, sabe tambem que eu tenho todo o respeito pôr s. exa. e que, por isso, não deve ver nas minhas palavras intuitos de aggressão. Eu estou sempre prompto a responder pelo que digo, em qualquer campo; mas, s. exa. não deve imaginar que eu queira ser-lhe pessoalmente desagradavel. Permitta-me, pois que lhe diga, pondo de parte este incidente, que o aprumo serio e grave, que é proverbial no sr. Hintze Ri-

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beiro, affasta de mim a idéa de que s. exa. se esteja divertindo com a camara dos dignos pares! Pois parece, que assim é, pelo menos pelos dois discursos que proferiu na sessão de hoje.

O sr. Hintze Ribeiro a zelar a dignidade do parlamento!..

É preciso arrojo, audacia, para vir aqui defender as prerogativas parlamentares quem fechou o parlamento antes de terminar a sessão e o fechou sine die, sem dizer quando novamente o reuniria.

Incorrectos foram s. exa. e o sr. João Franco com o parlamento, onde fizeram a sua carreira politica e receberam a consagração de homens publicos.

S. exas. outra cousa não fizeram senão fechar de golpe as portas do parlamento contra os representantes da nação, violenta e arbitrariamente, sem. rasão, de animo leve e coração ligeiro.

Esta auctorisação que o governo veiu honradamente pedir- a sua maioria de uma questão de confiança politica.

Vota a favor do governo quem quer, vota contra quem assim entende.

Mas o certo é que o governo vem leal e honradamente pedir ao parlamento uma auctorisação, visto que não tem tempo de lhe apresentar, particularisado o seu projecto para reformar, em parte minima, e seus decretos publicados em dictadura pelo governo transacto.

S. exa. o sr. Hintze Ribeiro, vem dizer que isto é a peior das dictaduras, que é uma dictadura disfarçada, e mais do que disfarçada - hypocritamente disfarçada.

Não sei como s. exa. póde alcunhar de hypocrita o procedimento do governo.

O sr. Presidente do conselho disse: "eu peço que me dêem auctorisação para fazer uma reforma em determinado sentido.

Se a camara tem confiança politica no sr. presidente do conselho, e confiança nas declarações que elle apresenta, vota o pedido de auctorisação, e o governo depois, fazendo uso d'essa auctorisação, é publicando a reforma, vem dar contas ao parlamento, e o parlamento ou approva ou rejeita o que lhe for apresentado.

Mas o governo assume pôr completo a responsabilidade dos actos que praticar.

Quer o digno par declaração mais franca, mais categorica? Como póde então s. exa. dizer que isto é um acto hypocrita?

S. exa. deu a entender que esta auctorisação importa um bill antes, e que depois vem Doutro bill. Pois o digno par quer negar aos representantes da nação o direito de darem ao governo uma auctorisação n'este ou n'aquelle sentido quando, s. exa. não fez mais do que saltar por cima da lei, quando s. exa. esteve um anno inteiro sem parlamento rasgando despedaçando á carta constitucional!?

Pois s. exa fez tudo isto, e vem agora dizer que isto é pior do que uma dictadura, porque tem o bill antes e bill depois!?

S. ex. está perfeitamente no seu direito de dizer o que quizer, mas eu tambem estou no meu, dizendo isto, que é uma verdade.

Se o parlamento concedendo ao governo qualquer auctorisação que este lhe peça, está no uso pleno do seu direito, para que é que s. exa. em dizer-nos que o projecto, que vamos votar, é uma dictadura disfarçada?

O governo depois usa da auctorisação, faz as reformas que quer, e em seguida á sua realisação vem dar conta ás côrtes; então estas ou approvam ou rejeitam os actos por elle praticados. Ha nada mais constitucional? Demais, eu tenho toda a confiança politica no sr. presidente do conselho, acredito piamente no que s. exa. nos diz; ha de cumprir com toda a lealdade as promessas que fez a esta camara.

Eu acabo já, sr. presidente, mas, com franqueza, não
posso comprehender como é que o sr. Hintze Ribeiro, chefe de um partido que praticou toda a sorte de verdadeiras affrontas á lei, á carta e ao parlamento, vem aqui arrogar-se o direito de censurar factos que são, na sua essencia, correctissimos, constitucionalissimos, como acabei de provar.

Eu não tenho ambições a cousa nenhuma, sou nesta camara um simples recruta, mas estou no direito de criticar os actos que s. exa. pratica como homem publico.

O digno par já uma vez declarou que não estava habituado a responder-me, dando assim a entender que me ligara pouca importancia e consideração. Apesar d'isso, passou aqui uma sessão inteira a responder, a todas as perguntas que lhe fiz, como de resto era sua obrigação; e n'outro dia, para replicar a um simples, aparte meu, fallou durante meia hora.

Por consequencia na camara, o digno par, áparte as qualidades pessoaes que o distinguem não é mais do que um par do reino, como eu sou.

Tenha paciencia que lh'o diga. O governo presidido pelo sr. Hintze Ribeiro foi um governo nefasto, extraordinario, phantastico como phantasticas são as declarações de s. exa. quando se levanta como censor do governo, dizendo que estas auctorisações vão affrontar a dignidade do parlamento.

Sr. presidente, termino para não cansar a attenção da camara. Prefiro ouvir o sr, Hintze Ribeiro a ouvir-me a mim proprio.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - Sr.
presidente, fiquei silencioso para ouvir o. sr. conde de Lagoaça, por me parecer que alguma idéa tinha inspirado s. exa. que assim viria, com a sua palavra dar mais luz a este debate, esclarecendo o assumpto, em que mal podemos ver, desde que no projecto não vemos nada.

Com admiração minha, sr. presidente, quando esperava que da palavra facil e brilhante do digno par viesse algum subsidio para a discussão encetada, vi que o digno par se erguera para dizer que eu tinha sido dictador, chefe do um governo nefasto, que tudo o que fiz tinha sido em detrimento da nação.

Não nos contou mais nada e não me parece que n'uma sessão prorogada o digno par devesse pedir a palavra simplesmente para isso.

Por consequencia, desde que o digno par nos não disse nada de novo, eu continuarei na mesma ordem de idéas em que ía.

O sr. Presidente do conselho apoiou vivamente o digno par quando s. exa. dizia que não era exacta a interpretação que eu, dei ás suas palavras, porque s. exa. não dissera que as, rasões da dictadura estavam em que era facil declarar que se assumiam as responsabilidades quando n'este paiz não ha nenhum tribunal aonde ellas se possam levar ao effeito.

Eu não ouvi outra, cousa.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (José Luciano de Castro): - Eu disse que era facil a qualquer assumir as suas responsabilidades, desde que é sabido que ellas se não tornam effectivas.

O Orador: - Folgo com a interpretação do sr. presidente do conselho, porque ella é a absoluta confirmação do que eu estava dizendo.

Diz o sr. presidente do conselho que é facil assumir responsabilidades, desde que não se tornam effectivas, desde que não ha uma lei de responsabilidade ministerial.

Não ha lei de responsabilidade ministerial, mas quem tem a consciencia dos seus actos não se assusta, quando o accusam.

Pois então não nos disse o sr. presidente do conselho, elle que é o zelador da legalidade, que, se porventura as

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SESSÃO N.º 26 DE 1 DE SETEMBRO DE 1897 331

circumstancias o levassem a saltar por cima da lei, não duvidaria fazel-o.

Se assim é, para que vem dizer-nos que não ha lei de responsabilidade ministerial?

Eu não quero, sr. presidente, demorar a discussão; ha, porém, um ponto no discurso do sr. presidente do conselho que não posso deixar passar sem reparo, e é aquelle em que s. exa. disse que a reforma administrativa de 1895 fôra decretada não tendo por fim rasões de administração, mas unicamente rasões de politica partidaria.

Quando ouvi estas palavras ao sr. presidente do conselho, cujas affirmações não podem ser feitas de animo leve, fiquei surprehendido.

E é s. exa. que vem incutir no animo d´esta assembléa que o decreto dictatorial de 1895 obedecêra simplesmente a intuitos politicos!

Parece-me que s. exa. não devia suspeitar do nosso acto.

Que rasões apresentou s. exa. pelas quaes mostrasse que a sua affirmação tinha fundamento, e que pelo, contrario não o tinha a que eu tinha feito.

S. exa. não demonstrou factos, não adduziu rasões, não produziu documento salguns em abono da sua asserção.

Ora, s. exa. sabe muito bem que não tem o mais leve motivo para nos censurar por fazermos politica partidaria em qualquer districto que seja.

O sr. presidente do conselho declarou que vae usar d´esta auctorisação sem fazer politica; attendendo só ás reclamações das localidades e aos interesses dos povos; e na fé da sua promessa é que s. exa. pede á camara que não tenha receio em lhe votar esta auctorisação!

Ora, as auctorisações que eu pedi, sr. presidente, não podem servir de precedente, a s. exa., porque essas assentavam em bases perfeitamente definidas; e o pedido de s. exa. é um pedido vago; a unica garantia com que o parlamento fica é as palavras do sr. presidente do conselho. Ora, não é assim que se derimem questões graves, como são estas; não é para isto que o parlamento se reune.

Isto é á negação, do parlamento; d´esta fórma não póde elle exercer os seus direitos de apreciar; vota sem perfeito conhecimento do assumpto, sem bases, sem regras.

E a respeito do que disse o sr. conde de Lagoaça, fiques exa. certo do seguinte.

Fechei o parlamento em 1894 antes de finda a sessão.

É verdade. Fechei-o porém, quando me reputei incompativel com elle.

N´uma discussão que aqui se realisava com o digno par Antonio Candido, fazendo eu parte do ministerio, foi-me perguntado se o governo estava disposto a cooperar com o parlamento. Respondi que sim; que o governo queria governar com o parlamento emquanto o parlamento o auxiliasse na solução das graves questões pendentes.

No dia seguinte, na camara dos senhores deputados, passavam-se factos, davam-se acontecimentos que evidenciavam que o parlamento não queria cooperar com o governa nem este podia governar com a attitude das camaras. Fiz o que qualquer faria em identicas circumstancias; dissolvi as côrtes.

Sr. presidente, no dia em que entender que o parlamento é completamente uma chancella sem significação, deixo de pertencer ao parlamento.

E não tenho mais que dizer sobre o projecto.

Vote a maioria da camara que, segundo manifestou o digno par, o sr. conde de Lagoaça, tem confiança no governo; vote a maioria essa auctorisação que é o mais completo desprestigio para a nação e uma fonte de abusos e inconvenientes para a administração publica.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par, o sr. Fernandes Vaz.

O sr., Fernandes Vaz: — Tendo ouvido dizer que a dictadura é preferivel ás discussões, do parlamento, pede licença para discordar de similhante doutrina.

Não gosta das dictaduras, não sympathisa tambem com as auctorisações concedidas aos governos; mas nota que ha auctorisações peiores que dictaduras. Entre dois males, venha o menor, e sem duvida, e em geral, as auctorisações são preferiveis ás dictaduras.

Ha auctorisações, porém, que são legitimas, e a que se discute está n´estas condições, porquanto desde que existe regimen constitucional nunca houve reforma, administrativa ou judicial feita no parlamento, nem mesmo nos tempos aureos do parlamentarismo.

Apresenta algumas reflexões, e cita as desigualdades que se encontram na reforma decretada pelo ministerio regenerador, a qual, no seu entender, não teve uma unica base.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra e em apendice, quando s. exa. tenha devolvido as notas tachygraphicas.)

O sr. Hintze Ribeiro: — É unicamente para responder ao digno par.

S. exa. pelo facto de não encontrar uma base para a circumscripção administrativa, conclue d´ahi que evidentemente ella foi feita com intuitos partidarios.

O sr. Fernandes Vaz: — Eu disse que era licito suspeitar.

O sr. Hintze Ribeiro (continuando): — Ora, o digno par não encontra uma base, encontra um conjuncto de bases, e encontra tudo pesado, attendido e considerado, para o effeito de se tirar uma resultante que não é a da politica partidaria, mas a da conveniencia publica.

Lido na mesa o projecto, foi approvado.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis e meia horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 1 de setembro de 1897

Exmos. srs. José Maria Rodrigues de Carvalho, Marino João Franzini; marquez da Graciosa; condes, do Bomfim, da Borralha, do Casal Ribeiro, de Lagoaça, de Macedo, de Paraty, do Restello, da Ribeira Grande; visconde de Athouguia; Braamcamp Freire, Telles de Vasconcellos, Arthur Hintze Ribeiro, Ferreira Novaes, Palmeirim, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Baptista de Andrade, Fernandes Vaz, José Luciano de Castro, Abreu; Sousa, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, camara Leme, Macario de Castro, Pereira Dias, Vaz Preto e Mathias de Carvalho.

O redactor = Alves Pereira.

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