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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 26

EM 20 DE FEVEREIRO DE 1907

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

José Vaz Correia Seabra de Lacerda
Francisco José Machado

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Digno Par Alexandre Cabral requer que entre já em discussão uma proposição de lei vinda da outra Camara, e que consta, do expediente, que se destina a conceder uma pensão de 400 réis diarios ao documentos que requisitou ha mais de um mez. O Sr. Presidente declara que ainda não chegaram, e que se vão fazer novas instancias no sentido dos desejos do Digno Par.

Ordem do dia: - (Continuação da discussão do parecer referente ás emendas apresentadas ao projecto que reforma a contabilidade publica): - Usou da palavra o Sr. Ministro da Fazenda, e em seguida o Digno Par Mattozo Santos. - No final da sessão o Digno Par Costa Lobo explica á Camara o que dispõe a constituição ingleza, quanto á iniciativa parlamentar no que toca a augmentos de despesas e criação de receitas. - Consultada a Camara auctoriza a que o Sr. Presidente se ausente do paiz por algum tempo. - Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 45 minutos da tarde o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, varificou-se estarem presentes 20 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Sr. Ministro da Justiça, relativo a um pedido de documentos do Digno Par Campos Henriques.

Á Secretaria.

Mensagem da Camara dos Senhores Deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim conceder a pensão de 400 réis diarios ao arraes da villa de Ilhavo, Gabriel Ançã.

O Sr. Alexandre Cabral: - Sr. Presidente, esta Camara votou, por acclamação, que fosse concedida uma pensão modesta a um benemerito que, arriscando a vida, conseguira muitas vezes salvar a dos seus semelhantes.

Entre o expediente que foi lido pelo Sr. Secretario figura um officio vindo da outra Camara, acompanhando a proposição de lei que tem por fim conceder a Gabriel Ançã, de Ilhavo, a pensão de 400 réis diarios.

Dezenas de vezes este homem tem arriscado a sua vida, para salvar a de outros.

É realmente para sentir que este benemerito, no declinar da vida, se encontre quasi na necessidade de estender a mão á caridade publica para matar a fome.

Parece-me, portanto, que a Camara pratica um acto de justiça, approvando o requerimento que tenho a honra de mandar para a mesa e é do teor seguinte:

«Requeiro a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se permitte que, dispensado o regimento, entre já em discussão a proposição de lei que concede uma pensão ao benemerito Gabriel Ançã, de Ilhavo.

Sala das sessões, 20 de fevereiro de 1907. = O Par do Reino, Alexandre Cabral».

Approvado o requerimento, é lido e seguidamente approvado o projecto, que é do teor seguinte:

Artigo 1.° É concedida ao arraes Gabriel Anca, da villa de Ilhavo, a pensão diaria de 400 réis.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Venho ha dias pedindo a palavra para quando esteja presente o Sr. Ministro da Marinha. Como, porem, S. Exa. não está, não me dispenso de fazer hoje umas considerações, de caracter geral, e de natureza d'aquellas que já outro dia apresentei, porque o assumpto é importante.

Continuo a preoccupar-me com a situação da Fazenda Publica, mas d'esta vez não me referirei ao que se passa na metropole, mas sim ao que occorre no ultramar.

As finanças ultramarinas, que teem relação intima com as da metropole, encontram-se em verdadeiro descalabro, o que é gravissimo.

Quando o meu partido occupou as cadeiras do poder, trabalhou muito, sem prejudicar o desenvolvimento economico das provincias ultramarinas.

O Ministerio que então estava á testa dos destinos do paiz foi muito aggredido pelos elementos politicos que hoje constituem a maioria que apoia o Governo actual, como aconteceu quando eu dei execução ao decreto de 1886, que mandou alargar a area fiscal de Lisboa. Abriu-se uma campanha viva e, em varios comicios, fui accusado de por esse facto commetter um erro de administração e prejudicar os povos dos arredores de Lisboa. O partido progressista, quer n'esta, quer na outra Casa do Parlamento, sem uma

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sessão de descanso, censurava-me asperamente. Uma grande commissão de suburbanos foi pelos meus adversarios encaminhada para as galerias, para ouvir os discursos violentos que se proferiam contra mim, cujo procedimento, alem de ser considerado como erro de administração se affirmava ser inutil.

Hoje está demonstrado que essa affirmação era inteiramente errada, pois que o augmento do imposto do consumo tem excedido 500 contos de réis em cada anno. Tão errada ella era, que, estando hoje no poder os elementos que professavam tal doutrina, e os que o apoiavam, o partido progressista e o Governo nem, uma só vez teem alludido á conveniencia de alterar o que foi feito.

Em 1900, o Governo regenerador, encontrou nas colonias um consideravel deficit, que se não podia calcular era menos de 2:000 contos de réis; todavia, a partir de 1901, no orçamento da metropole, somente se inscreviam 400 contos de réis para despesas geraes, sem nenhum outro auxilio da parte da metropole, para a administração colonial.

Hoje estão quasi paralysadas as obras do caminho de ferro de Ambaca a Malange, porque os trabalhadores foram na maior parte despedidos por não haver dinheiro para lhes pagar, não porque se tivesse esgotado, mas porque ao fundo respectivo se deu applicação diversa.

A provincia de Moçambique, que enormemente pesava nas finanças da metropole com os seus deficits, conseguiu o Ministerio regenerador que passasse a ter um consideravel saldo.

As obras do porto de Lourenço Marques dão lhe uma situação preponderante na Africa do Sul.

Chegou-se a obter n'aquella provincia um saldo que contribuia para attenuar os deficits das outras colonias.

Hoje a situação das finanças da provincia de Moçambique é deploravel. Não só não ha dinheiro para desenvolver as obras do caminho de ferro da Swazilandia e as do porto de Lourenço Marques, como nem o ha para pagar as despesas que aqui na metropole se fazem por conta da provincia de Moçambique aos funccionarios e aos fornecedores.

Tudo isso virá a ser pago pela metropole, o que aggravará a já deploravel situação da Fazenda, Publica.

Para modificar este mal estar, que é que nos dá o Governo?

Os dois principaes elementos economicos da provincia de Moçambique são o caminho de ferro e o porto de Lourenço Marques. Agora é que esses dois elementos de riqueza começavam a compensar nos dos grandes sacrificios que por elles fizemos.

O Governo, porem, criou um conselho de administração do porto de Lourenço Marques e do caminho de ferro; dando-lhe a autonomia administrativa e financeira n'esses dois importantes instrumentos economicos.

Desde que se saiba que esse conselho é composto por individuos que teem interesses materiaes ligados a Lourenço Marques, comprehende-se que hão de dar-lhe todo o desenvolvimento possivel, fazendo com que desappareça qualquer saldo que exista, o que tornará gravissima a situação financeira da provincia.

Não se passaram ainda muitas horas desde que eu fui informado de que a situação de Lourenço Marques, considerada nas suas relações com e Transvaal, é muito difficil, porque se não segue ali a politica que agora mais nos convem.

Em 1901 celebrámos um modus vivendi com o Governo do Transvaal, que nos dava uma situação preponderante para o porto de Lourenço Marques e para o caminho de ferro.

As circumstancias politicas mudaram inteiramente.

A proposito, seja-me licito dizer que deve haver equivoco na noticia que vinos jornaes de que se tratava de nomear uma commissão mixta de inglezes e portuguezes para estudar as circumstancias em que se pode modificar o contrato, feito pelo Governo Portuguez com os representantes da Associação Mineira do Transvaal, no que respeita a emigração de trabalhadores da nossa provincia de Moçambique.

Nem quando eu fui Ministro, nem durante o periodo em que o meu partido esteve no poder, nenhum contrato se fez dando preferencia a estes ou áquelles trabalhadores para a emigração para o Transvaal.

O Governo Inglez outorgou uma constituição ao Transvaal, de forma que este vae ter o seu Governo e o seu Parlamento. Os boers vão ser senhores da administração do Transvaal. D'ahi resultará uma situação grave para nós, se continuarem a ser publicadas nos jornaes transvaalianos as conferencias com o governador geral de Moçambique, em que, constantemente, se ameaçam os interesses do Transvaal. nas relações com Lourenço Marques.

Se nos faltarem a benevolencia e a sympathia do Transvaal, estamos perdidos.

O Governo, tratando mais dos principios de metaphysica politica e juridica do que das finanças do paiz, está prestando um mau serviço, que nos fará voltar á situação em que o Governo regenerador encontrou as colonias em 1900.

O Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Driesel Schrõter): - Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer ao Digno Par que farei constar ao meu collega da Marinha as observações que S. Exa. acaba de fazer, e estou certo de que o meu collega se apressará a vir aqui, na proximo sessão, a fim de dar explicações ao Digno Par.

Pela minha parte, direi que tendo a certeza de que o meu collega da Marinha presta a maior attenção aos assumptos que pertencem á sua pasta, se me afigura que nas considerações que o Digno Par fez ha alguma cousa de terrorista.

S. Exa., porem, virá aqui proximamente, dar as explicações que o Digno Par deseja.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Mattozo Santos: - Desejava que o Sr. Presidente me dissesse se sobre a mesa estão alguns dos documentos que pedi ha mais de um mez.

O Sr. Presidente: - Sobre a mesa, não estão, mas eu vou mandar saber se estão na secretaria, e no caso de já terem chegado irão para casa do Digno Par.

Se ainda não tiverem vindo, insistirei novamente pela sua remessa.

O Sr. Mattozo Santos: - Agradeço a V. Exa.

O Sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia.

Tem a palavra o Sr. Ministro da Fazenda.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão, do parecer referente ás emendas apresentadas ao projecto que reforma a contabilidade publica.

O Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Driesel Schrõter): - Sr. Presidente: notavel foi o discurso do Digno Par E. Hintze Ribeiro, não só pelo brilhantismo da sua phrase, como pelo conhecimento que S. Exa. mais uma vez evidenciou de tudo quanto se refere á administração publica.

Mas se, sem duvida, o discurso do Digno Par foi mais uma manifestação do seu talento, o que me parece é que S. Exa. não trouxe nenhum elemento novo para o debate, por isso que a discussão que houve durante tantas sessões, na qual entraram os oradores mais distinctos, tanto da maioria como da minoria, deu logar a que o assumpto ficasse sufficientemente esclarecido.

É, pois, impossivel, repito, apresentar novos elementos.

Era meu desejo acompanhar a brilhante exposição que o Digno Par fez

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na sessão de hontem; mas, tratando-se no momento actual de um parecer referente ás emendas, eu não me alargarei nas minhas considerações e limitá-las-hei quanto possivel.

O Digno Par começou hontem o seu discurso dizendo que concordava na necessidade de ser alterada a lei da contabilidade publica.

N'este ponto, é claro que o Governo está de accordo com S. Exa.

Unicamente o Digno Par entende que a contabilidade publica não devia ser alterada pelo projecto actual, mas sim por outro que consignasse principios differentes d'aquelles que estão em discussão.

N'este ponto o Governo, apresentando esta proposta, e julgando que nella apresenta principios que devem dar excellentes resultados para a administração publica, não pode deixar de considerar que a approvação que a Camara der a este parecer será um bem para o paiz.

Seguidamente referiu se S. Exa. á unidade orçamental, mostrando-se, não partidario d'ella, mas sim da divisão do orçamento ordinario e extraordinario.

Em quasi todos os paizes, o que hoje se procura é a unidade orçamental e o facto d'ella não existir em todos os paizes, não. nos deve fazer julgar que elles a não desejam.

A unidade orçamental é defendida pelos principaes economistas, e eu não vejo que inconveniente possa haver n'ella.

Acabará o facto de se introduzir nos orçamentos extraordinarios despesas que são tudo o que ha de mais proprio para o orçamento ordinario, por serem encargos que se repetem mathematicamente todos os annos.

É d'ahi que entre nós provém o desequilibrio do orçamento, que tem chegado a attingir cifras muitissimo elevadas.

Disse tambem o Digno Par que, quando uma cousa é boa, não deve ser alterada.

Eu assim o julgo tambem; mas entendo igualmente que, justamente por isso, se deve estabelecer o principio de que desde que uma cousa não é boa, deve melhorar-se.

Tambem S. Exa. se referiu ás difficuldades que do projecto poderiam resultar para as administrações autonomas.

Já disse e repito que a minha opinião é de que a lei da contabilidade em nada prejudica o regular andamento das funcções das administrações autonomas, pois taes administrações em nada ficam prejudicadas por os seus encargos e as suas despesas serem inscriptos no orçamento geral do Estado.

O principio estabelecido na lei tem todas as vantagens e nenhuns inconvenientes.

Referiu-se tambem o Digno Par ás funcções do Tribunal de Contas e ao respectivo visto, que, disse S. Exa., não devia acabar.

Este assumpto já foi aqui debatido, como a Camara decerto se recordará, tendo eu lido até uma portaria do tempo do fallecido estadista Sr. Barros Gomes.

Essa portaria, como então mostrei á Camara, reconhecia que a fiscalização do visto, por parte do Tribunal de Contas, tinha grandes dificuldades, dado o facto de aquelle tribunal não poder exercer a sua fiscalização em todas as ordens de pagamento. Eu tambem já demonstrei a conveniencia do visto ser collocado na propria repartição que processasse os documentos.

Tem-se affirmado que fica extincta a missão do Tribunal de Contas, o que não é exacto, porquanto esse tribunal fica, por assim dizer com o visto repressivo, no exame final de todas as contas que hão de figurar nos documentos enviados para o Parlamento.

Quanto ás considerações do Digno Par, referentes a encontrar anomalias entre as funcções da Thesouraria e da Repartição Geral da Contabilidade, entendo que taes considerações não teem razão de ser, porquanto o artigo 34.° da lei não faz brigar a missão do director geral da Contabilidade com a missão da thesouraria, visto que a responsabilidade d'esta é do respectivo director. Ambos teem a sua responsabilidade perfeitamente definida.

Disse tambem o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro que na lei nada estava preceituado com referencia á apresentação das contas geraes do Estado, pelo que entendia que o projecto devia ser esclarecido ou aclarado n'este ponto.

Ora S. Exa. conhece perfeitamente a lei em discussão, mas não reparou, por certo, na disposição que diz que o Governo fica auctorizado a regulamentar e a codificar todas as disposições sobre contabilidade publica.

Desde que isto está preceituado, é claro que não teem cabimento as objecções de S. Exa.

Relativamente á commissão parlamentar de contas publicas, S. Exa. desejou saber a razão por que essa commissão era nomeada pelo Presidente e não pela Camara, e perguntou por que tal commissão era tirada da minoria e não da maioria da Camara Electiva.

O Governo, entendeu que, para a fiscalização ser quanto possivel rigorosa, devia tal commissão ser composta por membros pertencentes á minoria.

Mas objectou ainda o Digno Par que, dada a dissolução da Camara e vindo outro Governo, a commissão parlamentar de contas ficaria por isso constituida por membros partencentes á maioria.

A esta objecção de S. Exa. responderei que, tratando se de contas de gerencias anteriores, o resultado é o mesmo.

Terminou o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro o seu discurso por dizer que a lei de contabilidade era uma bella obra.

S. Exa. falou ironicamente, como é facil de comprehender.

Mas eu responderei que não sei se a lei de contabilidade é uma bella obra, porque obras perfeitas é difficil fazê-las.

Esta lei de contabilidade tem, alem de outras vantagens, a de não permittir que dos cofres publicos possa sair dinheiro sem conhecimento da contabilidade e obrigar a proceder em harmonia com as auctorizações parlamentares.

Julgo que as disposições consignadas na lei de contabilidade e referentes á venda de titulos da divida publica, á divida fluctuante, a adeantamentos feitos pela thesouraria, a cauções, contratos, serviços de fazenda no ultramar, etc., são outros tantos elementos de fiscalização que fazem estimar o que projecta em relação a contabilidade publica.

Creio ter dito o que desejava em resposta ao Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro, que ouvi hontem com a maior attenção, e repito que, se não sou mais longo na minha resposta, é porque me parece que, estando em discussão simplesmente as emendas á lei da contabilidade, bastava referir-me a ellas.

Vozes : - Muito bem! Muito bem! (S. Exa. não reviu).

O Sr. Mattozo Santos: - Não pediu a palavra pelo prurido de falar. Se, porem, não tivesse outro motivo para tomar parte no debate, a resposta do Sr. Ministro da Fazenda ao magistral discurso do Digno Par Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro a isso o obrigaria.

Não quer ser desagradavel ao Sr. Ministro da Fazenda, que muito considera e estima, e com quem mantem de ha muito as melhores relações de amizade, mas não pode deixar de dizer que nada entendeu da sua resposta, na qual houve confusões e certamente equivocos, que mais n'elle, orador, arreigaram a convicção de no projecto, cujas emendas se discutem, se terem esquecido elementares principios que devem orientar uma lei de contabilidade publica e d'ahi o embaraço de S. Exa. em defendê-lo.

E por assim já antes pensar, pedira a palavra quando o projecto entrou era discussão.

Por motivo de doença não pôde então usar d'ella. Fa-lo-ha agora.

Nem pelo feitio, nem até pelo esta-

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do do seu espirito introduzirá nas considerações que vae fazer a nota politica e; comtudo, facil lhe será mostrar que se alguem deu ao projecto feição politica foi o Governo.

Seguindo o seu systema de inculcar suspeitas sobre tudo e sobre todos, dominam o projecto da Contabilidade suspeitas que se alastram dos Governos para o Tribunal de Contas e d'este para as Camaras!

Que melhor seria pensar mais, ou antes, alguma cousa, na nossa situação financeira; occupar-nos das questões, e tantas ha, de vital interesse economico, em vez de só votar augmentos de despesa, ou leis de muito contestavel utilidade, e alem d'isso de defeituosissima contextura!

É verdade que os augmentos de despesa parece pouco incommodarem o Governo.

O accrescimo das receitas dos tabacos em seu pensar, ou, pelo menos, em seu dizer, chegará para tudo.

Prolifico augmento de receita!

Uma das causas da multiplicidade das nessas leis é attribuirem-se os males que resultam de se não cumprirem, ou, o que é o mesmo, de se cumprirem mal, a despeito das mesmas leis. (Apoiados).

E que garantia pode haver de que a nova lei de contabilidade, que vae ser votada, seja cumprida?

Pelo succedido pode avaliar-se o que succederá?

Quando se tratou n'esta Camara do augmento dos soldos dos officiaes de terra e mar, o Digno Par do Reino Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro, lembrando a disposição da actual lei de contabilidade que determina nenhum augmento de despesa seja proposto sem indicar receita com que fazer-lhe face, perguntou ao Governo qual a receita com que pensava acudir aos encargos resultantes, não só do augmento dos soldos aos referidos officiaes, mas a outros encargos que se annunciavam: augmento dos vencimentos dos funccionarios civis, redacção no imposto de rendimento, etc.

Respondeu o Sr. Ministro da Fazenda citando-o a elle, orador, que no relatorio de fazenda de 1903 dizia não procurar recursos para cobrir o deficit orçamental de 1:900 contos de réis, porque para isso bastaria o accrescimo natural das receitas.

Certamente; mas trata vá-se de um deficit de menos de 1/5 do que deverá ser o do actual orçamento, computados todos os accrescimos de despesa já conhecidos, e mesmo entrando em linha de conta com o augmento da receita dos tabacos.

Mal acredita que actos de anteriores administrações possam ser invocados pelo actual Governo, como exemplos para seu procedimento; ou então tem elle, orador, de se considerar vibração premonitoria d'esse raio de lua que illumina actualmente a administração publica! Não aspira a tanto, nem pode com tanta gloria.

O que julga poder mostrar é não ter esse tal raio de luz illuminado o projecto a que se está referindo, e isso vae fazer.

É contrario a definições; não dá por isso ao que vae dizer tal caracter; é apenas uma indicação para orientar as suas considerações.

Uma lei de contabilidade publica deve estabelecer a forma da auctorização das despesas e a da cobrança das receitas do Estado, e indicar o modo de fiscalizar a execução de uma e outra d'estas auctorizações.

Ha, pois, naturalmente, em uma lei de contabilidade, por uma parte, o regular as auctorizações, por outra, o fiscalizar como essas auctorizações foram cumpridas, isto tanto pelo que respeita ás receitas como ás despesas.

O diploma que comprehendia as auctorizações é o orçamento, cuja approvação pertence ao poder legislativo, como manifestação de um acto de soberania.

Á representação actual d'essa soberania se deve proporcionar, portanto, a intervenção do poder legislativo não só nas referidas auctorizações como na fiscalização do uso que d'elle s fizer o Governo.

D'isto resulta em alguns paizes, a Inglaterra, a Belgica, n Hollanda, a Prussia, etc., serem diversas as attribuições das duas casas do Parlamento, no que respeita ao exame e approvação do orçamento.

A formula ingleza: - o Governo pede, os Communs concedem, os lords consentem, synthetiza a intervenção que cada uma das entidades, Governo, Camara dos Communs e Camara Alta teem no orçamento.

A Camara Alta em Inglaterra só pode com effeito approvar ou rejeitar o orçamento em globo.

Em 1860 por um money-bill o Governo quiz supprimir o imposto sobre o papel. Foi approvado o projecto na Camara dos Communs, mas os lords rejeitaram-no. O Governo obviou á difficuldade propondo a suppressão do referido imposto no act appropriation. Os lords collocados na alternativa de, para não acceitarem a supressão do imposto, terem de rejeitar todo o orçamento, ou de, approvando-o, approvarem o que tinham antes rejeitado, protestaram mas approvaram por fim o orçamento e com elle a supressão do mencionado imposto.

Considera-se, nos paizes em que estas differenças se estabelecem, a Camara dos Deputados como representando mais directa e intensamente a soberania nacional.

O modo de inscrever as receitas e despesas no orçamento depende de se subordinar ou não o mesmo orçamento ao principio da universalidade e ao principio da unidade.

A universalidade e unidade orçamentaes são duas cousas diversas: á universalidade oppõe-se a especialização; á unidade a duplicidade ou multiplicidade.

Nos orçamentos sujeitos ao principio da universalidade as receitas são indicadas sem attenuação nem compensação; nos que se não subordinam a este principio ha receitas que só se inscrevem pelos saldos liquidos.

Em 1884 a Camara Ingleza deliberou que não poderia efficazmente administrar as rendas do Estado se o total dos impostos e das outras receitas publicas não fosse entregue ao Thesouro e lançado em conta. Era a exigencia do principio da universalidade para o orçamento.

Pois apesar d'isto ser na disciplinada Inglaterra, ainda hoje, passados 23 annos, a receita das matas e as rendas das terras da Corôa, etc., só figuram no orçamento pelos saldos liquidos, e os drawbacks, restituições e indemnizações são descontados nas respectivas receitas.

Na França, onde tambem se clama pela universalidade orçamental, as caixas dos museus, as escolas de agricultura a escola de minas, para não falar senão das ultimas concessões n'este sentido, tem os seus orçamentos primitivos.

É que quando um estado não só administra mas explora, tem de collocar-se nas condições do industrial ou do commerciante.

Pode discutir-se se convem ou não que o Estado explore industria ou commercio. N'esse ponto a sua convicção está de ha muito formada, e nem mesmo a modificarão as excepções que possam apresentar-lhe.

É absolutamente contrario ás explorações de qualquer natureza por conta do Estado. (Apoiados).

Julga isso estranho e até contrario á missão dos Governos.

Não é, porem, o que se discute. Uma vez que tal existe não se comprehende se repudiem as consequencias e se aggrave um mal com outro mal, tolhendo a essas explorações os meios de livre e desembaraçada acção.

Disse o Sr. Ministro da Fazenda que em nada se alteravam as actuaes condições da Administração dos Caminhos de Ferro do Estado pelas disposições do projecto. Quiz-se apenas manter a unidade orçamental, disse S. Exa., mas dentro do seu orçamento aquella administração poderá mover se á vontade.

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Não é para manter a unidade orçamental o preceituar se inscrevam no orçamento geral todas as receitas e despesas da Administração dos Caminhos de Ferro do Estado. É o principio da universalidade que tal exigiria, e esse está infringido desde que o Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro, e do porto de Lisboa, como ha pouco se votou, arrecadam as receitas e pagam as despesas proprias, só tendo de entregar no Thesouro o saldo liquido das respectivas explorações.

As correspondentes receitas totaes poderão figurar no orçamento, mas ficticiamente «não são entregues no Thesouro e lançadas em sua conta»; são como que consignadas a determinadas despesas, retendo as quem ha de pagar essas despesas.

Não tem a honra de fazer parte do Conselho de Administração dos Caminhos do Ferro do Estado; não sabe, pois com conhecimento Aproprio, que importancia terá para a regularidade e efficacia d'essa administração o que resultará da proposta de que se trata, mas reporta-se ás declarações do Digno Par o Sr. Pereira de Miranda, que tão terminantes foram, chegando S. Exa. a declarar, que, mantendo-se o que estava na proposta, pediria ao Sr. Ministro das Obras Publicas o substituisse na presidencia do Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro, por não saber em taes circumstancias como administrar.

Bem longe está isto das affirmações ha pouco feitas pelo Ministro da Fazenda, e de justificar o não terem sido acceitas ás emendas apresentadas pelo Digno Par Sr. Pereira de Miranda.

Valerá a pena prejudicar uma instituição que, tal como existe, tem sido de incontestavel proficuidade, sacrificando a um principio cuja observancia não dá vantagens que compensem os males que poderá produzir?

Se o que se deseja, e deve desejar, é clareza e facilidade de apreciação, uma vez que o Estado explora, mais claros serão os resultados d'essa exploração e com mais facilidade se apreciará da sua inconveniencia ou conveniencia, quando a par da autonomia administrativa se dê, ás entidades que por conta do Governo exploram, a autonomia financeira.

As suas contas serão realmente as contas de uma exploração, não se confundirão nas contas geraes do Estado, com difficil destrinça do que lhes é proprio.

A universalidade orçamental era já da nossa legislação, mostrou-o hontem o Digno Par o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro; mas mantinham-se excepções para serviços cuja administração, ou pela natureza ou pelas condições em que tinham, de realizar-se, se entendia dever desembaraçar de peias.

D'isso não se apontam desvantagens. Para que alterar o que está bem? Para que querer realizar o que paizes de boa administração não teem conseguido, por attenderem mais á pratica do que á theoria?

Passa em seguida a tratar do principio da unidade orçamental.

Conforme este principio o orçamento deve constituir um diploma uno. Por isso á unidade, como disse, se oppõe a dualidade ou multiplicidade dos orçamentos.

A excepção mais commum ao principio da unidade é a existencia de dois orçamentos: - orçamento ordinario e orçamento extraordinario, independentes, autonomos, com evolução propria, constituindo, portanto, dois orçamentos distinctos, por vezes até com diverso periodo de vigencia.

Uma cousa, porem, é orçamento ordinario e orçamento extraordinario, tal como o acaba de dizer, outra é a classificação de receitas e despesas em ordinarias a extraordinarias.

Não sabe por isso como entender o que dispõe a primeira parte do artigo 9.° do projecto quando comparada com o que diz o relatorio da commissão da Camara dos Senhores Deputados, e o que lhe parece poder deduzir das palavras ha pouco proferidas pelo Sr. Ministro da Fazenda.

Diz o artigo 9.° referido:

«No orçamento são descritas sem excepção as receitas e despesas ordinarias e extraordinarias do Estado...»

No relatorio da commissão de fazenda da Camara dos Senhores Deputados, logo no principio, diz-se que a commissão incluiu só no projecto de lei os preceitos que apresentam innovoção e acrescenta:

«O confronto do projecto e da proposta (no Governo) elucida facilmente sobre o que representa innovação e sobre o systema geral, constituido tanto por disposições novas como por disposições vigentes que subsistem».

Ora no artigo 7.° da proposta governamental lê-se:

«O orçamento divide-se em ordinario e extraordinario».

Logo, conforme a parte que acabou de ler do relatorio da commissão da Camara dos Senhores Deputados, é esta uma disposição vigente que subsiste.

Mas o mesmo relatorio, n'uns periodos mais adeante, diz:

«De harmonia com o principio da unidade orçamental modificou a commissão o artigo 6.° da proposta no sentido de acabar definitivamente com o orçamento extraordinario».

E a Camara certamente ainda se lembra de ver os esforços que o Sr. Ministro da Fazenda fez para apontar inconvenientes e culpas que elle, orador, não percebe como poderão ser imputados, a tal orçamento.

O que é certo é que entre nós não ha orçamento ordinario e extraordinario distinctos; o que ha é classificação das receitas e despesas em ordinarias e extraordinarias.

É com isso que definitivamente se acaba, no dizer do relatorio da commissão da Camara dos Senhores Deputados e se lhe afigura ser a illação a tirar das palavras do Sr. Ministro da Fazenda?!

Mas então as disposições do artigo 7.° da proposta não subsistem, apesar de no relatorio presente á Camara sé dizer que sim?!

Em que ficamos?

A divisão ou classificação das receitas em ordinarias e extraordinarias é de incontestavel vantagem. (Apoiados).

Por tal divisão se pode realmente e com segurança reconhecer das verdadeiras circumstrancias financeiras do paiz.

Traduzem, as primeiras, os rendimentos ordinarios com que se pode fazer face ás despesas necessarias, ás despesas que se consideram por assim dizer indispensaveis para occorrer aos serviços publicos.

Do seu equilibrio ou desequilibrio sairá o conhecimento do que para a vida financeira do Estado ha a fazer; legitimará o pedido de novos sacrificios, quer para accrescer as receitas, quer para reduzir as despesas ou para uma e outra cousa.

As receitas extraordinarias como as despesas extraordinarias não teem tal significação; o nome o diz.

Confundir tudo, englobar tudo, isso sim, pode trazer para o confronto das receitas e despesas confusões; sobretudo os resultados apurados serão por tal confronto de quasi nulla significação.

Tal é a sua opinião.

E como o projecto ha de depois de convertido em lei ser regulamentado, insiste para que se esclareça se as disposições do artigo 20.° do actual regulamento da contabilidade publica, pelo que respeita á classificação de receitas e despesas, subsistem.

E refere-se ao regulamento actual da contabilidade porque não crê se dissesse se ia acabar definitivamente com o que não existia: um verdadeiro orçamento extraordinario.

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238 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Trata a seguir da epoca em que as auctorizações orçamentaes começam a vigorar, da avaliação das receitas e despesas e da duração das auctorizações respectivas.

Relativamente á epoca em que começara a vigorar as auctorizações procura-se seja o mais proximo possivel da epoca em que o proprio orçamento tem de ser organizado e apreciado pelas Camaras.

Assim, quem tem de o elaborar pode actualizá-lo, dar ás presumpções caracter de maior exactidão; estando proximo, por assim dizer, no meio das occorrencias que o devem guiar no computo das receitas e das despesas.

O anno economico começa em Inglaterra em abril, pois os dois penultimos orçamentos definitivos foram presentes ás Camaras: o de 1904-1905, em 19 de abril de 1904; o de 1905-1906, em 10 de abril de 1905, isto é, dentro já do periodo financeiro a que respeitavam. Não é entre nós muito afastado o exame dos orçamentos pelas Camaras; alguns mezes, da epoca a que se referem. Ha comtudo factos, principalmente pelo que respeita ás receitas, que mal podem ser ainda assim apreciados com bastante rigor na epoca em que o orçamento se discute. E receitas que podem variar quantiosamente.

Para avaliação das receitas ha tres processos que se adoptam isoladamente ou combinados: o processo automatico, o da majoração e o da apreciação directa.

Na nossa legislação vigente de contabilidade publica adoptou-se o primeiro. A receita ordinaria é computada pela receita effectiva do ultimo anno, ou para as receitas muito variaveis, pela media do producto liquido dos ultimos tres annos. É um processo automatico; mas empirico pelo que respeita ás receitas variaveis, perigoso até, principalmente dada a disposição do artigo 14.° do projecto.

No projecto, pelo que respeita á avaliação de receitas, apenas no artigo 11.° ha uma disposição e essa reputa-a inutil. Certamente que quando as receitas são fixadas por lei ou contrato, ou quando alterações legaes no regimen de impostos possam produzir differenças na sua productividade, não se pensaria em applicar as disposições do regulamento da contabilidade para o cômputo d'essas receitas. De resto, nada mais sobre o assumpto. Fica, pois, subsistindo o processo actual.

Preferiria se substituisse pelo de apreciação directa.

Reputa sempre mau estabelecer regras para o que não está sujeito a regra alguma.

Se em todas as formas apontadas para a avaliação das receitas ha muito de arbitrario, para que escolher logo aquelle que poder oppor contra a maior evidencia em contrario a observancia de uma disposição legal?

O resultado é que a disposição legal serve quando convem; quando não convem encontram-se mil, protestos para a julgar inapplicavel.

O orçamento é a resenha, pelo que respeita ás despesas, do cômputo dos encargos que impendem sobre o Thesouro para occorrer aos serviços publicos.

Deve ser pois a transcripção de despesas approvadas por lei anterior e não devem inserir-se nelle despesas moveis, sem lei que previamente as auctorizem. N'elle não se criam despesas nem receitas. Tal é, e perfeitamente em harmonia com a unidade do orçamento, a disposição do artigo 63.° do regulamento de contabilidade publica.

Mas a quem se refere a prohibição consignada n'esse artigo de inscrever despesas em taes condições no orçamento?

Evidentemente a quem os organiza ou é responsavel pela sua organização: ao Governo.

Pois esta sensatissima disposição é substituida pela do artigo 13.° do projecto, que diz não poderão os membros das duas Camaras na discussão do orçamento, apresentar quaesquer propostas que envolvam augmento de despesa: ou diminuição de receita.

O Sr. Costa Lobo: - Diz que essa disposição se encontra na Constituição ingleza. Já em tempo apresentou uma proposta que se destinava a estabelecer entre nós igual preceito, proposta que foi rejeitada.

O Orador: - Assim será, mas na nossa Constituição não existe, e não pode uma simples lei tolher regalias que a mesma constituição dá. Tanto mais que se lhe afigura, e não duvida affirmar, que em Inglaterra como em França tal disposição é do regimento da Camara.

O Sr. Costa Lobo: - Insiste em que a disposição ingleza é da Constituição. Pede a palavra para explicações antes de se encerrar a sessão.

O Orador: - Seja como for, quando estiver na nossa Constituição será constitucional, emquanto o não estiver é inconstitucional. A Carta não limita
nem restringe á occasião ou assumpto a iniciativa dos membros de qualquer das casas do Parlamento.

É de opinião, já o disse, que orçamento só deve ser o computo de receitas e despesas criadas por leis anteriores; mas se um membro do Parlamento fizer uma proposta de que resulte accrescimo de despesa ou diminuição de receita e as Camaras a approvarem, que importará a disposição do artigo a que se está referindo?

Haverá, porem, algum exemplo de se ter augmentado despesa ou diminuido receita no orçamento sem assentimento do Governo?

Não lhe consta, nem crê possivel que tal facto se tenha dado.

Para que serve, portanto, a prescripção referida?

Para defesa do Governo?

Pois se não sabe ou não pode defender-se, não offenda a Carta Constitucional; para se dar regalias não offenda as regalias dos outros. (Apoiados).

Uma emenda do Digno Par Sr. Conselheiro Moraes Carvalho e outra do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa propunham a eliminação d'esta disposição. Não acceitou a commissão essa eliminação; não diz, porem, o porquê.

A Camara julgará;

Com referencia ao periodo de duração das auctorizações, salvo em pequenos Estados em que os orçamentos vigoram por dois annos e mesmo tres, na maioria o periodo de vigencia das auctorizações parlamentares é de um anno.

Para algumas despesas e receitas teem em alguns paizes, maior periodo de validade as auctorizações para despesas e cobranças de receitas.

Em Inglaterra o chamado fundo consolidado não é sujeito á votação annual das Camaras.

Representa esse fundo 1/5 das despesas e 3/5 das receitas.

Tambem no projecto se quiz estabelecer alguma cousa de semelhante.

É este projecto uma caricatura, em que se reconhecem as linhas geraes do modelo, mas deturpado e amesquinhado.

Não admira, pois, se quizesse, não faltasse á caricatura minudencia alguma, mas caricaturada.

Por isso o artigo 12.° do projecto consolida as despesas certas com os vencimentos do pessoal dos quadros dos diversos serviços.

É indifferente esta disposição; apenas a ella se refere para mostrar a feição caricatural do projecto.

No tocante á liquidação das auctorizações parlamentares ha, como a Camara muito bem sabe, dois systemas: o de gerencias e o de exercicios.

Este ultimo parece ter a sua origem n'uma disposição de 1554 em que, para augmentar o numero de funccionarios, se ordenava que os recebedores de impostos alternassem o exercido dos seus empregos.

Assim cada um d'estes funccionarios fiacava com direito ás cobranças referentes ao tempo do seu exercicio.

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D'ahi uma especie de personificação dos exercicios, ficção que se continuou e transformando-se deu logar a que se prolongassem as liquidações das operações por prazo maior ou menor alem do fim do periodo, financeiro a que respeitavam.

Ha partidarios de um e outro systema. Foi este assumpto já discutido e sufficientemente elucidado.

Se uma das razões por que se pedia uma reforma da contabilidade era o atraso das contas, o systema do exercicio não é o mais proprio para se conseguir esse desiderato.

Comprehende, porem, se opte pelos exercicios ou pelas gerencias; mas por cousa que não é nem exercicio nem gerencia isso é inadmissivel.

Pois é o que ficou após as emendas no projecto que aprecia.

Dizem-se ser contas de exercicio contas moraes, porque dando a conhecer a evolução completa dos receitas e despesas de determinado periodo financeiro, definem por assim dizer a psychologia da sua administração; são alem d'isto comparaveis, podendo assim fazer-se o parallelo da feição e indole de cada uma das correspondentes administrações.

Não é prescrevendo que findo o periodo financeiro as receitas por cobrar pertencem ao periodo seguinte, passando em saldo para esse mesmo periodo as despesas liquidadas e não pagas até dias dias depois de elle findar, que se satisfaz ao que recommenda os exercicios.

Não é isto nem sequer um exercicio de treze mezes, visto que as receitas por cobrar em determinado periodo financeiro passam a pertencer ao periodo seguinte e só para as despesas ordenadas até trinta dias depois do encerramento do anno economico é que as auctorizações para despesas não caducam.

Não é tambem uma gerencia, porque não ha completo encerramento de contas, no fim do anno financeiro.

É certo que nenhuma gerencia financeira se fecha abruptamente; mas ou pelo systema inglez de passar a credito de paymaster importancia das despesas constatadas, mas não pagas no fim da gerencia, ou pelo dos residuos, que se adopta na proposta de emenda apresentada pelo Digno Par Sr. Conselheiro Moraes Carvalho, no systema por gerencias as liquidações terminam com a respectiva gerencia.

Porque é que a commissão não adoptou a emenda proposta pelo Sr. Conselheiro Moraes Carvalho? Não o diz.

Ficar-se-ha, pois, como uma cousa que nem é exercicio nem gerencia, com os inconvenientes de um e outro dos systomas e sem as vantagens moraes do exercicio, nem a nitidez e simplicidade das gerencias!

Ao ler-se o artigo 19.° da proposta pode pensar se que a não ser os creditos extraordinarios e os creditos especiaes nenhuma outra especie de creditos poderá ser aberto pelo Governo.

Com effeito os creditos supplementares deixam de existir pelo projecto, mas são substituidos por disposição muito mais perigosa. É a do artigo 14.°: quando haja quebra de receita ou seja necessario fazer face a despesas auctorizadas por creditos extraordinarios, poderá o Governo exceder o limite fixado pela lei de receita e despesa para recurso á divida fluctuante.

A quebra de receitas justifica portanto o recurso á divida fluctuante! Sente não ver presente o Digno Par Sr. Sebastião Telles, porque desejava mostrar lhe como estava illudido na sua boa fé, suppondo que a suppressão dos creditos supplementares obrigaria a uma rigorosa indicação das despesas.

A substituição a que alludiu não só leva a isso, mas mais incita a uma má avaliação das receitas. E ha uma, alem de outras, que a isso muito se presta, sobretudo subsistindo a forma automatica para o calculo das receitas - é a dos cereaes, receita avultada e susceptivel de largas variações.

Basta uma só receita, exageradamente calculada, para autorizar o recurso ao facil commodo mas perniciosissimo recurso á divida fluctuante, sem que ao menos cerquem este perigoso expediente financeiro as cautelas que para os creditos supplementares estabeleciam os artigos 16.° e 28.° da lei de 25 de junho de 1881 e transcriptos nos artigos 53.° e 55.° do regulamento da contabilidade publica.

Isto junto a «ou ainda a casos imprevistos» que auctorizam creditos extraordinarios sem se definir, ou pelo menos limitar, os casos imprevistos, imagine-se como se escancaram as portas para a divida fluctuante e... para a ruina financeira! (Apoiados).

Não seria muito melhor acceitar a emenda proposta pelo Digno Par o Sr. Conselheiro Moraes Carvalho, estabelecendo, não um orçamento rectificado, mas uma lei de rectificação de orçamento?

Assim tudo se passaria sob os olhos da Camara, e o Governo, que tanto diz querer viver com o Parlamento, teria dado uma prova de que esse dizer não era simples alarde de principios liberaes, mas traduzia um desejo sincero.

No artigo 29.° houve certamente falta de palavras, mas que tem importancia.

Diz esse artigo:

«O Estado não poderá garantir obrigações de terceiros, por meio de fiança, aval ou por qualquer outra forma, directa, ou indirecta, de caução».

No relatorio que precede a proposta do Governo diz-se:

«Prohibe-se... o prestamento de aval, fiança ou qualquer forma de caução a favor de terceiros, quando não haja lei que isso especialmente autorize». É esta ultima phrase que justamente falta na proposta e no projecto. Só se encontra no relatorio do Governo.

Então o aval dos warrants de depositos geraes de alcool, o que mesmo será exigido para desconto de warrants dos armazens geraes do porto de Lisboa, o pagamento por letras dos direitos de importação deixarão de existir? A disposição é imperativa e tudo o que de anterior existisse, mesmo por lei, ficará revogado por esta disposição.

Está chegado á parte absolutamente antipathica da proposta: á fiscalização.

Disse logo no começo das suas considerações que a fiscalização abrangia tanto o que respeitava ás receitas como ás despesas.

Nada diz o projecto com referencia ás receitas. Pois alguma cousa, muito até, deveria dizer. Subsistem as disposições vigentes. Mas se o não cumprimento, diz o Governo, das disposições referentes á fiscalização das despesas, instantemente aconselhava uma lei de contabilidade, o não cumprimento da lei, pelo que respeita á cobrança das receitas, não tem sido mais rigoroso. Adiamento de prazos, fraccionamento dos pagamentos, isenção de toda a ordem, representam annualmente quebras nas receitas ou encargos provenientes da sua não realização muito para attender.

Não quer ler numeros á Camara, mas algumas notas tem deante de si muito significativas.

Relativamente ás despesas é que foram todas as cautelas, e então tira-se a um tribunal independente, a uma estação superior, a fiscalização preventiva para se dar a um director geral; a um funccionario dependente, subordinado do Ministro, a quem, comtudo, tutela.

Dá-se a esse funccionario o direito, mais, a obrigação de denunciar, de accusar um Ministro, o Ministerio todo, isto é, um simples funccionario vem perante o poder legislativo apontar irregularidades que suppõe commettidas por membros de um dos poderes do Estado.

Que tensão de reclamações se estabeleceria logo que esse director geral diga ao Ministro, não como simples informação para o esclarecer, mas como indicação de que não obedece a um despacho d'elle: «Não posso pôr o visto n'esta ordem de pagamento».

A um d'elles será applicavel a phra-

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se de Gambetta: se soumettre ou se demettre.

Acceita-se uma observação, um esclarecimento, agradece-se até; mas embora um reparo seja feito nos melhores e mais respeitosos termos, se por traz d'elle estiver a possibilidade de formal recusa, é da natureza humana não o receber com agrado, responder á auctoridade que se disfarça ou não com o auctoritarismo franco.

Mas alem do que acaba de dizer, e considera o principal obice para a viabilidade do projecto, ha um outro facto que nunca, lhe faria escolher para o visto o director geral da Contabilidade.

Parecerá paradoxal o que vae dizer, mas tem-no por exacto. Esse funccionario deve saber de mais.

Vae narrar um facto, pouco importam os nomes, cuja veracidade garante.

Um director geral a quem o Ministro recommendara determinado assumpto disse-lhe que era illegal, que não podia fazer se.

Passados dias o mesmo director geral encontrara uma solução pela qual o caso não era só legal, mas não podia deixar de se fazer. Ora certamente quem não tivesse um conhecimento perfeito dos negocios que corriam por a Direcção Geral a que allude, nunca poderia achar tal solução.

Dizia-lhe um dia um muito conhecido negociante do Porto já fallecido, a quem pedia collocação para um rapaz, dizendo-lhe ser muito instruido e intelligente:

«Sim, diligenciarei satisfazê-lo; a mim, porem não me serve. Não me convem quem saiba muito, que tanto o pode aproveitar para bem como para mal».

Antes de proseguir, desejo fazer uma declaração.

Tem pelo actual director geral da Contabilidade a maior consideração e estima-o como funccionario e como homem.

É do cargo e das attribuições que lhe vão ser conferidas que trata, não da pessoa.

Em áparte, quando hontem o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro se referia a este mesmo assumpto, disse, elle orador, que o visto passado para o director geral da Contabilidade nos termos do projecto era inverosimil.

Não é este qualificativo seu. É de quem tem muito mais auctoridade no assumpto do que elle, orador; mas é tão amoldado ás considerações que tem feito, que, não pensando se possa duvidar de citação que faça, vae indicar o auctor, o livro, a edição e a pagina. Stourm, Le Budget, edição de 1906, pag. 523. Depois de ter dito qual a organização das repartições de contabilidade em Italia, muito semelhante á nossa, o director geral superintendendo sobre ás repartições de contabilidade de todos os Ministerios accrescenta:

«Como o director geral da Contabilidade não só escriptura as receitas e despesas effectuadas, roas tem de lhe ser communicados os contratos, convenções e actos quaesquer de que resultem despesas (artigo 196.° do decreto de 4 de maio de 1885), vê-se que o director da Contabilidade poderia dominar todos os Ministerios ordenadores, si une telle suprematie ÉTAIT VRAI-SEMBLABLE».

Resumem, com effeito, as palavras si une telle suprematie était vraisemblable o que possa dizer-se sobre passar o visto, a fiscalização preventiva das despesas, do Tribunal de Contas para o director geral da Contabilidade: - é inverosimil!

Porque não acceitou a commissão a emenda proposta pelo Digno Par o Sr. Conselheiro Moraes Carvalho, a qual, corrigindo o que de sedentario, possa dizer-se, tem o Tribunal de Contas, estava, de resto, de accordo com o proprio parecer do mesmo tribunal, aqui lido ha dias pelo Sr. Ministro da Fazenda?! Será esta uma das taes emendas rejeitadas por serem contrarias á economia do projecto?! Deve ser. O projecto assenta nas duas inqualificaveis ideias fiscalização preventiva pelo director geral da Contabilidade; commissão parlamentar de contas. Suspeita sobre o Tribunal de Contas; suspeita sobre a Camara. (Apoiados).

Proporcionam-se á representação actual da soberania as prerogativas para a auctorização das despesas e cobrança, das receitas. Este principio de direito constitucional até em alguns paizes se traduz por differenças na intervenção das duas casas do Parlamento em taes auctorizações.

Sendo assim e sendo as maiorias que mais representam d'essa soberania, como em qualquer commissão parlamentar delegada, portanto, do Parlamento, tirar a este o direito de escolha dos seus delegados e impor-lhe restricções de feição politica?

Não são as minorias só representadas, são as minorias maiorias!

Foi ou não foi o Governo quem deu feição politica ao projecto?

Mostrou o Digno Par Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro os conflictos a que isso pode dar logar; elle, orador, insistirá sobre a inconveniencia de introduzir em leis administrativas, nas quaes deve haver toda a calma, prudencia e circumspecção, a cegueira, a má vontade, o antagonismo, naturaes e inevitaveis consequencias da paixão politica, sobretudo para nós meridionaes, por natureza enthusiastas e apaixonados, mais facilmente domados do que dominando os nossos impulsos e em que o partidarismo facilmente se transforma em facciosismo.

Dir-lhe-hão: a maioria da Camara a quem o parecer da commissão está sujeito corrigirá com o seu voto os desmandos.

Mas a maioria da Camara é constituida por homens do mesmo temperamento que a maioria da commissão.

De duas forças iguaes e oppostas a resultante é a differença entre a intensidade das duas.

Resultado: para nada servirá a innovação de uma commissão da Camara, por um lado não escolhida por ella, mas pelo presidente, pessoa de confiança do Governo, por outro constituida, na sua maioria, por Deputados de diversa politica da da maioria.

Prevalecerá sempre a resolução da maioria, a qual se pronunciará em favor por sympathia politica com este e por antagonismo politico com a commissão.

O voto, porem, da Camara não eliminará qualquer suspeita lançada no espirito publico.

Ainda o mesmo triste systema!

Vae terminar formulando um voto. Somos portuguezes, com as nossas virtudes e os nossos vicios; sejamos o que somos; não nos caricaturemos com ademanes e trajes inglezes. Não temos o frio pesado e calmo dos espiritos feitos sob um ceu plumbeo e frio, mas as expansões, as impressionabilidades, as irriquietabilidades de quem illumina este bello sol meridional um ceu limpido e puro, que no inverno nos dá um clima de primavera e de gripes.

Fiquemos portuguezes e façamos leis para Portugal, para portuguezes... e em portuguez.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. Exa. foi cumprimentado por varios Dignos Pares).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra ao Sr. Costa Lobo, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Costa Lobo: - Serei breve nas considerações que vou fazer.

Em primeiro logar, felicito o Digno Par o Sr. Mattozo Santos pelo seu brilhante discurso.

Sr. Presidente: eu não tenho a pretensão de me igualar a S. Exa. em questões de contabilidade. Conheço a sua superior e indiscutivel auctoridade no assumpto; comtudo, não posso deixar de dizer o que a Constituição in-

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gleza estatue, no que respeita ao direito do Parlamento quanto ás receitas e ás despesas.

A Constituição ingleza não é escripta. Compõe-se de preceitos tradicionaes, que varios escriptores de muita auctoridade consignam.

A Camara dos Communs não tem o direito de propor nenhum augmento de despesa, nem nenhuma criação de receita.

Só o Governo tem esse direito.

A Camara dos Communs, o que pode, é tomar uma resolução convidando o Governo a realizar qualquer despesa ou a criar qualquer receita; mas o Governo não tem obrigação de se conformar com o que a Camara resolveu ou deliberou.

A Camara dos Communs pode tomar qualquer resolução; mas o Governo não faz caso d'ella.

A proposta de lei em ordem do dia tende, a prohibir que os membros do Parlamento apresentem qualquer proposta para augmento de despesa no decorrer da apreciação do orçamento do Estado.

Em Inglaterra, em caso nenhum.

Creio que sou bastantemente explicito.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - V. Exa. tem a certeza de que, effectivamente, a lei ingleza contem essa disposição?

O Orador: - Tenho a certeza absoluta do que affirmo; mas, emfim, comprometto-me a apresentar amanhã á Camara um livro que comprova as minhas asserções.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Peço aos Dignos Pares que compareçam na Camara ás duas horas e meia, a fim de evitarem que deixe de haver sessão, o que retardará o andamento dos nossos trabalhos.

Peço tambem aos Dignos Pares que me auctorizem a ausentar-me do paiz por algum tempo.

A Camara concedeu a auctorização pedida.

O Sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 35 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 20 de fevereiro de 1907

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles, Marquez-Barão do Alvito; Condes: de Arnoso, do Cartaxo, de Castello de Paiva, de Figueiró, de Paraty, de Sabugosa, de Valenças, de Villa Real, de Villar Secco; Viscondes de Asseca, de Athouguia, de Monte-São, de Tinalhas; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Antonio de Azevedo, Costa e Silva, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos. Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Coelho de Campos, Dias Costa. Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Jacinto Candido, Teixeira de Vasconcellos, Mello e Sousa, José Dias Ferreira, José Lobo do Amaral, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Affonso de Espregueira.

O Redactor,

ALBERTO BRAMÃO.

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