6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
O Sr. Francisco José Machado: - Posso garantir a S. Exa. que está perfeitamente enganado.
O Orador: - É costume nesta Casa, quando alguem interrompe, pedir licença...
O Sr. Francisco José Machado: - Tem S. Exa. ,a razão. Andei mal, confesso o meu erro, mas mantenho a minha affirmativa.
O Orador: - Lastimo a interrupção, especialmente pela forma por que foi feita, e vejo-me obrigado a dizer que tudo quanto affirmei é a pura expressão da verdade. E esse odio, essa má vontade foram causa de muitos dos mais tristes acontecimentos da politica portuguesa.
O projecto que se está discutindo é um dos projectos de lei chamados constitucionaes. A sua apreciação é obrigatoria ao Parlamento, pela Constituição do Estado. Que o não fosse, era dever entregar esse assunto ao estudo das Côrtes, porque se prende com a organização da defesa nacional. Penso que tudo quanto diz respeito ás nossas instituições militares deve ser olhado pelas assembleias legislativas.
Marrari, o grande escritor militar italiano e democrata ardente, escrevendo acêrca das relações entre o Parlamento e as questões militares, dizia:
"Tenho visto muitos homens intelligentes apreciar favoravel ou desfavoravelmente a interferencia do Parlamento nas questões militares; mas tenho visto tambem que todos os espiritos superficiaes e obtusos, todos os fanfarrões, são unanimes na sua aversão pelos debates parlamentares".
As questões militares prendem com a vida social de um povo, cem a sua situação economica e financeira, com os problemas da educação nacional, com os melindres das suas relações internacionaes com a segurança e existencia de uma nação. Só o snobismo reaccionario e conservador ou só "os espiritos superficiaes e obtusos, os fanfarrões", no dizer de Marrari, querem subtrahir o seu estudo aos debates parlamentares.
Na Russia e na Italia no seio das assembleias legislativas d'estas duas nações estão-se discutindo os problemas que se prendem com as respectivas instituições militares.
A dissidencia progressista, como um partido radical e avançado, não só por coherencia com as suas ideias, mas ainda porque a triste experiencia das ditaduras e autorizações usadas no nosso país com as cousas militares provou quanto, foi funesta á defesa nacional
essa triste experiencia, quer que o Parlamento se consagre á analyse e estudo das questões de defesa nacional.
A dissidencia, que se tem occupado das cousas militares, que julga a solução do problema militar uma cousa vital para o nosso país, a dissidencia que foi o primeiro partido politico que na imprensa defendeu a necessidade da criação de um orgão superior de guerra, que assegurasse a sequencia das organizações e reformas militares, que tanto defendeu a necessidade do aumento dos soldos e da melhoria das condições economicas dos officiaes do nosso exercito e armada, quer que o Parlamento considere como uma das suas mais imperiosas obrigações o olhar pelos destinos das instituições militares.
Para os dissidentes a missão do exercito é a mais alta e a mais patriotica das missões. É quasi uma missão sagrada. E por isso penso eu, e pensa toda a dissidencia progressista, que não ha crime maior para um Chefe de Estado, e para homens publicos, do que deprimir essa missão sagrada dos soldados e dos officiaes portugueses, reclamando-lhes criminosamente - e em nome da honra! - que usem contra o direito e contra a lei as suas espingardas e os seus sabres, exigindo-lhes infamemente - em nome da disciplina! - que sejam agentes da violencia e da força em defesa das instituições que atraiçoaram a liberdade, defraudam o dinheiro do povo, e em defesa dos Ministros que transformam o poder em instrumento dos seus rancores e interesses. Ah! não, ao exercito e aos seus officiaes nunca a dissidencia progressista lhes solicitaria semelhante collaboração de deshonra e de crise!
Porque é que o Sr. Ministro da Guerra, cujo nome se acha ligado a reformas tão elevadas, não apresentou já uma nova organização do exercito?
Ha mais de um anno que o Supremo Conselho de Defesa Nacional se occupa d'esse assunto. Não sabe ou não quer esse Conselho proseguir nessa tarefa? A sua estructura, má como o indiquei quando falei nesta casa do Parlamento, não lhe permitte trabalhar com affinco?
Ao Sr. Sebastião Telles cabe providenciar. Eu entendo que conviria mais, antes da discussão do contingente, estudar essa organização para depois definir qual o contingente proprio a satisfazer as suas exigencias.
A actual organização não pode subsistir, porque, dentro dos recursos orçamentaes, é impossivel mantermos as seis divisões militares da reforma de 1901, de modo a que as unidades existam em verdade com effectivos reaes e instruidos por forma que satisfaçam a sua missão militar.
Não podendo, pelas difficuldades financeiras, manter o actual numero de unidades, o que devemos fazer? Ter um pequeno effectivo de paz e instruir militarmente as reservas, que agora, só num numero limitado, são assim instruidas.
Durante vinte dias, poucos milhares de recrutas recebem um simulacro de instrucção. E os outros milhares ? As circunstancias do Thesouro não o permittem. Portanto, o problema é fazer que, dentro dos recursos financeiros, mantendo apenas um nucleo pequeno de soldados em serviço activo, reduzindo o effectivo de paz, dotando os districtos de reserva com os quadros de officiaes e sargentos necessarios para a instrucção das praças, se prepare militarmente o maior numero possivel de cidadãos para os serviços da guerra.
Temos de organizar os quadros dos nossos officiaes, não só olhando ao effectivo de paz, mas ainda ao das reservas, sendo certo que os quadros actuaes teem de ser conservados e até aumentados.
Por exemplo, na arma de artilharia e preciso aumentar o quadro dos seus officiaes superiores, não só pela importancia d'essa arma, mas até pelas condições de desigualdade em que ella hoje se encontra.
Como se vê d'esta rapida exposição, a nossa situação militar, no que tem de mais fundamental, prende logo com as questões orçamentaes.
Em França, a não ser em projectos concretos sobre determinadas questões militares, é na discussão do orçamento que se travam os grandes debates sobre a organização do exercito e assuntos que com ella prendem.
Nos ultimes annos tornaram-se notaveis os trabalhos de Clotr, Berteaux e Messiny, tres civis, cujos trabalhos são um primor de erudição. O mesmo succede noutros países. Se assim se faz nessas nações, mais deve fazer-se em Portugal.
Reservo-me pois, Sr. Presidente, para aqui expor as minhas opiniões que, com certeza, não teem valor, mas que procurei fortalecer no estudo dos grandes escritores militares da França, da Italia e da Belgica, dos generaes illustres que encaminham a transformação social da força publica.
A essa transformação vae obedecendo a propria Allemanha, que, no regulamento do recrutamento, já introduziu tolerancias, que os escritores allemães dizem ser coagidas pelas conquistas da democracia.
Occupar-me-hei então do problema da reducção do serviço militar, que é tambem uma necessidade da vida social moderna: e esse problema, que varia de país para país, depende da educação e instrucção do povo, que tão inti-