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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 10 DE ABRIL.

Presidencia do Exm.º Sr. Marquez de Loulé, Vice-Presidente supplementar.

Secretarios os Srs.

Conde de Fonte-nova.

Brito do Rio.

(Assistiu o Sr. Ministro da Marinha.)

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 36 dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente.

O Sr. Conde de Thomar faz notar que a acta está bastante extensa, porque tracta de objectos que não lhe parecem daquelles que devem ser comprehendidos na acta de uma Camara legislativa (apoiados). Por exemplo, sobre a pergunta que elle orador dirigiu ao Ministerio a respeito dos roubos que se diziam praticados na torre de S. Julião da barra, dá-se um extracto do que disse o Sr. Ministro da Marinha, o que era motivo para dever tambem mencionar-se o que se disse da outra parte, e assim tornar-se-ia a acta uma especie de Diario da Camara (apoiados).

O nobre Par intende que na acta só se devem referir as propostas e resoluções da Camara, o mais fica para o extracto das sessões; porque, ainda que póde ser agradavel para o Sr. Ministro ver inserido na acta o que disse, é obvio que o mesmo direito pertence aos outros dignos Pares, e isso daria logar a varias reclamações; uns por acharem de mais, e outros de menos: e quando mesmo assim não fosse, a natureza e fim deste documento é unicamente consignar as propostas e resoluções da Camara, e não entrar nos pro-menores da discussão, expondo o que houve por uma parte, sem dar conta do que houve por outra parte, o que é cousa muito facil de acontecer.

O orador não tem por fim, com estas reflexões, fazer censura a quem redigiu a acta, mas unicamente dizer que não acha proprio, nem conveniente esse methodo.

O Sr. Presidente — Mas o digno Par não propõe uma alteração?

O orador — Peço só que se evite no futuro este modo, e que as razões do que se disser fiquem para o Diario das Sessões (apoiados).

O Sr. Presidente - A Camara toda ouviu as observações do digno Par para que se redija a acta de outra maneira, porque deste modo fica sem ser acta, e podia haver alguma complicação com os discursos publicados no Diario do Governo (apoiados). A Mesa fará em consequencia a alteração pedida pelo digno Par, que me parece conveniente.

Agora peço licença á Camara para participar que o Sr. Marquez de Loulé não póde comparecer hoje á sessão, e que faltará a mais algumas, e por isso me avisou para ter a honra de o fazer presente á Camara.

Vai ler-se a correspondencia.

O Sr. Secretario deu conta do seguinte expediente:

Um officio do Ministerio da Fazenda, enviando 60 exemplares dos mappas estatisticos a que se refere o artigo 12.° da Carta de Lei de 5 de Agosto de 1854.

Mandaram-se distribuir.

- do fiscal do Conselho de Saude do Exercito, remettendo 40 exemplares do Relatorio sobre a Cholera-morbus em Portugal nos annos de 1853 a 1854.

Mandaram-se igualmente distribuir.

O Sr. Presidente — Não ha mais correspondencia. Tem a palavra o Sr. Visconde de Sá, que a tinha pedido, mas não sei se é para a ordem do dia, ou não.

O Sr. Visconde de Sá — É para lêr um pedido por parte da commissão do ultramar (leu).

A commissão do ultramar achando-se encarregada de examinar o projecto de lei apresentado a esta Camara, relativo afazer cessar o serviço pessoal forçado, que debaixo do nome de serviço de carregadores, é exigido dos habitantes livres de uma parte da provincia de Angola; precisa que se peçam ao Governo todas as informações ou propostas, de qualquer natureza, que existam em seu poder, a fim de que a commissão as possa consultar antes de formular o seu parecer sobre o mesmo projecto de lei. Sala da commissão, 10 de Abril de 1855. = Sá da Bandeira.

Foi expedido,

ORDEM DO DIA.

A votação na generalidade do parecer n.º 209.

O Sr. Presidente recordou que se não póde votar hontem por falta de numero, e que por isso ia lêr-se de novo o projecto.

Posto a votos o parecer, foi approvado; ficando assim approvado o projecto n.º 186 na sua generalidade.

Passou-se á especialidade.

Art. 1.º

Approvado sem discussão.

Art. 2.°

O Sr. Conde de Thomar lembrou que hontem disse que estava do accôrdo com a illustre commissão de marinha e eu relator, sobre os principios que se contêem neste projecto (e hoje está ainda da mesma opinião), mas deve declarar que ainda que este projecto lhe parece muito simples, comtudo tem duvida nas suas disposições depois de convertido em lei, pois receia que na sua execução se apresentem graves inconvenientes em que agora nem se pensa; aos legisladores pertence adoptar medidas, que previnam esses inconvenientes.

Affigura-se ao digno Par que, acabando o interesse que os senhores dos escravos tinham com os olhos das suas escravas, como uma propriedade, cresça horrorosamente a mortalidade nos recem-nascidos (apoiados).

Por a legislação em vigor, está estabelecido que todo o individuo, que no acto do baptismo, offerecer ao senhor do baptisado certa quantia pela sua liberdade, elle fica logo livre; mas tanto o individuo que dá aquella quantia, como o senhor do escravo que a recebe, consideram este acto como uma obra pia, e tem certa gloria um, em dar a liberdade a um individuo que até alli era escravo, e o outro em encarregar-se dos cuidados da criação; porém se isto não resultar da piedade, e sómente de uma disposição, de Lei, é muito provavel que cesse este empenho da parte daquelles individuos, e que em logar do haver interesse na criação destes desgraçados, desappareça esse empenho, e que os senhores não tenham cautela com as mães durante à época da gestação, nem mesmo depois de terem vindo ao mundo, para que elles sejam vigorosos, e vivam (apoiados).

Estas ponderações confessa o digno Par que lho tem feito algum peso; e por isso pareceu-lhe que se podia substituir este artigo por outro assim concebido (leu).

«Art. 2.° É e Governo authorisado a crear quaesquer estabelecimentos, e a fazer a respectiva despesa, assim para dar a devida protecção aos filhos das mulheres escravas, de que tracta o artigo 1.°, como para o effeito de que esta Lei tenha a mais prompta e inteira execução. Sala da Camara, 10 de Abril de 1855. Conde de Thomar.».

O orador fax observar que adopta a maior parte da redacção do artigo do projecto; mas em logar de dizer, que fica o Governo authorisado a fazer os regulamentos, o que não é necessario, porque elle está authorisado para isso pela Carta, se diga que fica authorisado a fazer as despezas necessarias para o objecto de que tracta o artigo; se acaso se verificar que não apparece nos senhores dos escravos, nem, nas mães o interesse para que estas crianças vivam, porque então o Governo deve crear um estabelecimento qualquer, e fazer com elle as despezas necessarias para dar toda a protecção a estas pobres criaturinhas. Estimaria, portanto, muito, que a commissão e o Governo adoptassem esta emenda, porque lhe parece que ella póde evitar occorrencias muito desgraçadas (apoiados).

(Leu-se e foi admittida á discussão.)

O Sr. Presidente — Esta substituição está em discussão com o artigo 2.°, e tem a palavra o Sr. Visconde de Sá.

O Sr. Visconde de Sá — O digno Par que apresentou esta substituição tinha tido a bondade de a mostrar aos membros da commissão presentes na Camara, e elles estão dispostos a approva-la. Esta idéa já tinha lembrado anteriormente, mas intendeu-se que se podia prescindir della pela disposição do artigo 1.°, e mesmo porque o Governo está authorisado pelo Acto addicional, a adoptar medidas para o Ultramar, mas como em um assumpto de tanta gravidade, não são de mais todas as cautelas, a commissão concorda com muito gosto na emenda do digno Par (apoiados), e o Sr. Ministro da Marinha dirá se convém tambem nella.

O Sr. Ministro da Marinha — Esta emenda está tanto de accôrdo com o que hontem disse, que não tem a menor duvida em acceitar essa clausula. O receio que o Governo tinha era que os meios indicados pelo artigo podessem dar máo resultado.

Pelas observações que elle Sr. Ministro fez, em resposta ao digno Par, vê-se que não póde deixar de estar de accôrdo com a sua substituição, e muito mais quando o illustre auctor do projecto está tambem de accôrdo. Além disso, por elle dá-se mais authoridade ao Governo sobre este objecto; e por isso elle offenderia o bom senso se não adoptasse esta emenda; porque o Governo deseja ter maior amplitude a este respeito.

Foi approvada a substituição, e rejeitado em consequencia o artigo 2.º

O artigo 5.º foi approvado sem discussão.

O Sr. Presidente propoz que o projecto que se acabava de propôr fosse á commissão respectiva e á de redacção, para ser depois apresentado á Camara, e lido nella.

Assim se venceu.

O Sr. Presidente — Ainda que não está presente o Sr. Ministro da Fazenda, como se acha um outro membro do Governo, vai-se entrar na discussão do

Parecer (n.° 210), na generalidade.

A commissão de fazenda examinou attentamente a proposição de lei n.° 185, vinda da Camara dos Srs. Deputados, que tem por objecto

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authorisar o Governo para mandar proceder, pela Junta do Credito Publico, á creação de mil duzentos e oitenta contos de réis nominaes com coupons de juro de tres por cento ao anno, contado do primeiro dia de Julho de 1855 em diante, para terem a applicação estipulada no contracto para a construcção do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas e Setubal, adjudicado em 6 de Dezembro do anno proximo passado á companhia representada por Thomás da Costa Ramos, e Francisco da Silva Mello Soares de Freitas.

E attendendo a commissão a que o deposito, dos mil duzentos e oitenta contos de réis em inscripções é uma rigorosa obrigação do Estado, contrahida em virtude de contractos legitimamente reconhecidos e approvados;

Attendendo á impossibilidade comprovada pelo Governo de ser satisfeita aquella obrigação por meio das inscripções que existiam em poder do Estado, em virtude da Lei de 30 de Agosto de 1852;

Attendendo a que a não realisação do deposito, além de vulnerar a fé dos contractos e o credito do Governo, importaria comsigo a impossibilidade da construcção do referido caminho de ferro;

Attendendo, finalmente, a que as referidas inscripções ou o seu equivalente, devem ser sucessivamente amortisadas em conformidade com o que dispõe o artigo 6.° da proposição de lei;

É de parecer que a referida proposição deve ser approvada para os effeitos convenientes.

Sala da commissão, 26 de Março de 1855. = José da Silva Carvalho, Presidente = Visconde de Algés =Thomás d'Aquino de Carvalho —Conde d'Arrochella — Visconde de Castro —José Maria Grande = Francisco Antonio Fernandes da Silva

Projecto de lei n. 485.

Artigo 1.° É authorisado o Governo a mandar proceder, pela Junta do Credito Publico, á creação de mil duzentos e oitenta contos de réis nominaes em inscripções com coupons, de juro de tres por cento ao anno, contado do 1.º de Julho de 1855 em diante, para terem a applicação estipulada no contracto para a construcção do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas e Setubal, adjudicado em 6 de Dezembro do anno proximo passado á companhia representada por Thomás da Costa Ramos, e Francisco da Silva Mello Soares de Freitas.

Art. 2.º Para pagamento dos juros das inscripções de que tracta o artigo antecedente, é consignada á Junta do Credito Publico a somma annual de trinta e oito contos e quatrocentos mil réis, que será addicionada á respectiva dotação,

Art. 3.° As inscripções que se crearem em virtude desta Lei, não poderá dar-se applicação diversa da que é determinada no artigo 1.º

Art. 4.° Dos rendimentos com applicação especial, conforme o Decreto de 30 de Agosto de 1852, e mais legislação correlativa, deduzir-se-ha annualmente para o Thesouro a somma correspondente aos juros das inscripções, que a companhia tiver recebido em pagamento da subvenção estipulada no contracto.

Art. 5.° Logo que estejam pagas as prestações correspondentes ás acções com que o Governo subscreveu para a construcção do caminho de ferro de Lisboa a Santarem, serão os rendimentos provenientes da dotação do caminho de ferro do norte, que sobrarem dos outros encargos legaes, applicados ao resgate das inscripções pertencentes á mesma dotação, que se acham empenhadas.

§ unico. Se o Governo vender as sobreditas acções, o producto da venda será, nos mesmos termos, applicado ao resgate das inscripções de que tracta este artigo.

Art. 6.° Das inscripções que se resgatarem, em conformidade do que dispõe o artigo antecedente, fará o Governo amortisar na Junta do Credito Publico uma somma equivalente á que for creada em virtude da authorisação concedida no artigo 1.° desta Lei.

§ unico. A deducção de que tracta o artigo 4.°, cessará á medida que se effectuar a amortisação das inscripções ordenadas por este artigo.

Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 15 de Março de 1855. = Júlio Gomes da Silva Sanches, Presidente = Carlos Cyrillo Machado, Deputado, Secretario = Luiz Augusto de Almeida Macedo, Deputado, vice-Secretario,

O Sr. Ferrão — Sr. Presidente, eu tenho a fazer algumas perguntas directamente ao Sr. Ministro da Fazenda e Obras Publicas, relativamente a este projecto de lei; além de que a sua materia parece exigir, ou pelo menos tornar conveniente a presença de S. Ex.ª e assim eu requeria a V. Ex.ª, consultasse a Camara se annuia a que se suspendesse a discussão, até que esteja presente o Sr. Ministro.

O Sr. Presidente — A Camara ouvio a proposta do digno Par, para que se sobreestivesse na discussão deste projecto até estar presente o Sr. Ministro da Fazenda; porque S. Ex.ª tem que fazer algumas perguntas, que dependem da sua presença, e portanto se a Camara convém nisso passaremos á discussão do outro parecer (apoiados.)

A Camara resolveu que se suspendesse a discussão deste parecer até que chegasse o Sr. Ministro da Fazenda.

Entrou em discussão o parecer n.° 211, sobre legados pios.

Foi approvado na generalidade.

Passou-se á especialidade, foi approvado o artigo 4.º

Art. 2.°

O Sr. Sequeira Pinto — Sr. Presidente, como neste artigo houve um pequeno engano, as duas commissões foram concordes em propôr a seguinte emenda: que em vez de dizer —legados pios não cumpridos, missas, e mais suffragios — se dissesse assim: — de missas e mais suffragios etc.

Foi approvado com a emenda.

Os artigos 3.°, 4.º e 5.º foram approvados sem discussão, e bem assim o 6.º e seu § unico.

Art. 7.°

O Sr. Sequeira Pinto — Este artigo tem um paragrapho unico, que se ommitiu na imprensa; portanto vou fazer a leitura delle á Camara para que sendo aqui collocado, fique a doutrina do artigo em harmonia com a doutrina do artigo 8.° do projecto do Governo (leu).

§ unico do artigo 7.° Aos Administradores, ou possuidores de bens onerados com encargos pios, que foram chamados a dar contas em virtude dos Decretos de 5 de Novembro de 1851, e 24 de Dezembro do 1852, e que se lhes admittio o pagamento de seus alcances em prestações annuaes, serão levadas em conta nas que ainda tiverem a satisfazer de 1840 em diante, as que houverem satisfeito até 1839 inclusive.

O Sr. Presidente — Foi uma lacuna, e agora o digno Par por parte da commissão offerece este paragrapho unico, que acabou de ler, como complemento da doutrina deste artigo, e vou submette-lo á votação da Camara.

Foi approvado o artigo, e tambem o § unico proposto.

Art. 8.° e seu §.

Foi approvado.

Art. 9.° e seus §§.

Foi approvado.

Art. 10.° e seus §§.

O Sr. Sequeira Pinto — A commissão propõe que depois da palavra —reconhecidas— se accrescente — umas e outras.

O Sr. Presidente — O additamento que o digno Par o Sr. Sequeira Pinto mandou para a Mesa é ao § 1.° do artigo 10.°, a respeito das certidões dos encargos pios, e como pela fórma que está redigido o artigo, parece que se tracta só de uma especie de suffragios, quando a disposição abrange ambas ellas; se não ha quem peça a palavra vou pôr o artigo á votação com esta declaração (apoiados).

Foi approvado o artigo e seus paragraphos com o additamento offerecido.

(Entrou o Sr. Ministro da Fazenda).

Os artigos 44.º e seu unico, 42.°, 45.º, e 44.º foram approvados sem discussão.

O Sr. Presidente — Como este projecto não teve discussão, e as unicas emendas apresentadas por parte da commissão pelo digno Par o Sr. Sequeira Pinto foram approvadas, vou consultar a Camara se quer approvar já a ultima redacção deste projecto para ser expedido para a outra Camara (apoiados).

Foi approvada a mesma redacção.

O Sr. Presidente — Tinha ficado adiado o parecer n.° 210 até estar presente o Sr. Ministro da Fazenda; e como S. Ex.ª se acha agora na Camara, está portanto em discussão o mesmo parecer na sua generalidade; e tem a palavra o Sr. Ferrão.

O Sr. Ferrão— Não peço a palavra para defender nem para impugnar o projecto que está em discussão; mas em relação ao mesmo projecto careço interpellar o Sr. Ministro da Fazenda sobre dois pontos. — Eu desejo saber, para me guiar no que tenho a dizer, e a respeito de uma proposta que tenho a fazer, se todos os concorrentes a esta construcção do caminho de ferro, habilitados na conformidade da lei, foram ou não licitar a praça no dia della. Em segundo logar, se, sendo expresso na condição 57 das que fazem parte da lei, que este contracto se deve considerar como não escripto e de nenhum vigor, uma vez que se não verifique um de tres factos, a saber: ou de não ter sido feita a concessão definitiva, ou de não terem sido approvados os estatutos da Companhia, ou de não ter sido feito no Banco de Portugal o deposito das inscripções de que tracta o artigo 16; passados seis mezes depois da promulgação da lei; e tendo sido prehenchidos neste prazo as duas primeiras condições, mas não assim, a do deposito das inscripções no Banco de Portugal; podendo ter-se como certo que o lapso de tempo se póde intender virtualmente sanado pela adopção desta lei, authorisando o complemento do contracto; é todavia igualmente certo, que sendo essencial, para este effeito, o accôrdo dos adjudicatários desta empreza, cumpre-nos saber se esse accôrdo existe ou não; e por isso desejo saber, para meu esclarecimento e da Camara, se S. Ex.ª conta com esta annuencia, e se está seguro dos seus meios de coacção para obrigar os ditos adjudicatários a cumprir as condições a que se ligaram. Portanto espero pela resposta do Sr. Ministro ás minhas perguntas.

O Sr. Ministro da Fazenda observou que, com quanto não estivesse bastante clara a expressão do artigo do contracto, a que se referira o digno Par, que o tinha precedido elle Sr. Ministro para tirar todas as dúvidas, e assegurar os interesses do Estado para com os contractadores, lhes expedira uma Portaria, não se lembra em que data, em que lhes propunha se concordavam n'uma proroga de prazo, para dentro delle se approvar a proposta, que em nome do Governo tinha apresentada na Camara dos Srs. Deputados; no que a Companhia promptamente conveio: e que, passado algum tempo, como se demorava a approvação da referida proposta, propoz uma nova proroga, a que ella igualmente accedeu: pelo que podia, o digno Par, a quem respondia, ficar tranquillo vendo que o Governo se não tinha descuidado de seus deveres, e tinha salvaguardado completamente os interesses do Estado, podendo portanto compellir a Companhia, para que satisfizesse as condições a que pelo contracto se tinha obrigado.

O Sr. Ferrão — Sr. Presidente, a lei acha-se concebida em termos tão claros, que não admitte a menor duvida, porque declara como não escripto e de nenhum vigor o contracto se dentro de seis mezes não estiverem cumpridas as obrigações alli estatuidas. Já disse que, por parte do Governo, a lei que vamos discutir, virtualmente proroga o praso; mas, por parte dos emprezarios, era possivel que elles se negassem ao cumprimento das condições, e não convindo elles a empreza não podia ir por diante. Eu estimo muito que o Sr. Ministro da Fazenda se tenha acautelado, como referiu para segurança deste contracto, mas lamento que o Governo pedisse a proroga para um deposito que tinha obrigação de satisfazer em tempo, em virtude da lei; parece-me que isto foi descer um pouco da sua dignidade, porque poderia obter convenientemente o mesmo fim se da sua parte fosse mais diligente, e não havia motivo nenhum fundado para deixar de o ser.

Sr. Presidente, eu tenho desenvolvido em muitas occasiões uma opposição tão forte quanto permittem as minhas debeis forças, não contra o Ministerio; nunca lhe fiz opposição, nem entrou nunca na minha intenção fazer-lha; mas contra algumas das suas medidas, principalmente as de fazenda, e tinha para isso, a par do interesse publico, outros de dever especial para as combater como injustas e violentas.

Depois vieram as leis da dictadura, e entre ellas appareceram tambem outras providencias que eu não podia consciosamente approvar, e por isso as impugnei, e não me arrependo de assim o haver praticado; porque as reflexões, os factos, e o decorrer dos tempos me tem confirmado cada vez mais de que o erro não estava da minha parte: pelo menos se ha erro, é incomprehensivel á minha intelligencia; por ora tudo tem vindo confirmar as minhas opiniões, e lamento alguns termos desabridos, que desculpo a mim mesmo, porque nem sempre permitte o meu temperamento corrigir o defeito de apresentar com mais algum calor, que o necessario, as minhas reflexões, quando me sinto profundamente convencido da verdade da doutrina que me guia para combater as opiniões contrarias.

Combati, Sr. Presidente, a medidas de fazenda, porque tenho para mim, como um dogma, como uma necessidade publica, como condição essencial, para se poder organisar a nossa fazenda, que tendêssemos, por todos os meios, para restaurar o nosso credito.

Mal podia eu, portanto, abster-me de pugnar, o de protestar contra medidas, que feriram despiedadamente o pouco credito que tinhamos. (Uma voz — Pouco credito!) Pouco sim, porque as nações nunca o perdem completamente, e nem a justiça, primeira base do credito, póde morrer nellas, como nos individuos.

Antigamente, Sr. Presidente, os nossos Reis juntavam grandes valores em ouro e prata, que economisavam em tempos de paz, e deixavam aos seus successores; de modo que se louvava a bondade do seu governo pelas maiores sommas, ou quantidades de metaes preciosos, que depositavam nas torres, que tinham expressamente para esse fim, em differentes logares do reino (apoiados). Mas hoje ha um thesouro mais rico, um thesouro inexgotavel, a deixar, por um bom governo, aos povos, que é o credito. Mas, Sr. Presidente, as condições essenciaes do credito são meios e probidade: o credito é a confiança, porém a confiança sem a justiça é impossivel; e comtudo, a par dessas medidas, que o Governo adoptara, offensivas do credito, que tão util e necessario é a todos os governos e a todos os estados, o Ministerio lançou mão de uma idéa, grande sem duvida, a do estabelecimento dos caminhos de ferro, pelo que certamente merece louvor, mas não colherá toda a gloria que imagina, porque Portugal, diga-se o que se quizer dizer, não podia ficar sempre áquem das outras nações: os caminhos de ferro haviam de necessariamente ser feitos neste paiz, tarde ou cedo, em maior ou menor escala; porque elles são um elemento e incremento de prosperidade publica, do maior e melhor desenvolvimento das condições do credito publico, porque os mutuantes e os capitalistas não consideram mais abstractamente as pessoas que estão no Ministerio; consideram o futuro e o paiz; o credito nos caminhos de ferro não é o credito dos Srs. Ministros, é o credito das suas medidas em si mesmas, e dos seus resultados. Quaes são esses resultados todo o mundo hoje conhece e sabe. Seria uma banalidade pretender demonstrar a utilidade do estabelecimento dos caminhos de ferro, tanto pelo lado economico e social, como em relação ao maior desenvolvimento das faculdades intellectuaes e materiaes do homem.

O Ministerio tractando com empenho da construcção dos caminhos de ferro neste paiz tem, por assim dizer, procurado neutralisar os effeitos prejudiciaes, resultantes de algumas dessas medidas a que alludi, empregando, a par do veneno, o seu antídoto. Com tudo, o que S. Ex.ªs, me parece, não podem ter a fortuna de fazer; é de nos restituir em nossos dias, nem os bens que poderiamos ter gosado, se não fossem as mesmas medidas, nem colher o fructo da compensação que procuram estabelecer. Os caminhos de ferro começaram, mas receio muito que não chegue a aproveitar-me delles; que muitos de nós que aqui nos sentamos, mesmo segundo a ordem natural das cousas, não cheguemos a ter essa ventura (O Sr. Aguiar — Longe vá o seu agouro).

Em seguida ás idéas de caminho de ferro de leste e do norte, nasceu outra idéa, a do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas-novas e Setubal, cuja gloria pertence a um digno Par, que não vejo presente. Este caminho, ainda que de segunda ordem, é de uma vantagem consideravel pelos seus grandes resultados; digo de segunda ordem em relação ao outro caminho de leste que nos póde ligar ás outras nações da Europa; mas sendo de segunda ordem, neste sentido, para nós, é de primeira ordem, porque delles havemos de tirar vantagens immediatas. Mas uma negra nuvem cobre este caminho de ferro, de tantas esperanças, e que com a maior satisfação o anno passado votámos; uma doença quasi mortal o acompanha desde a sua adjudicação!... E agora me lembra de que S. Ex.ª me não

respondeu á primeira pergunta que lhe dirigi, e vinha a ser — se os concorrentes, habilitados na conformidade da lei, tinham concorrido a licitar na praça, porque tendo-se proposto quatro emprezas não sei eu se todas concorreram á praça? (O Sr. Ministro da Fazenda -Todas.)

Sr. Presidente, foi dito, depois dessa arrematação, em diversos circulos, que tinha havido um convénio criminoso que precedera esse acto, e esse convenio consistiu em terem ajustado essas quatro emprezas formarem, pela sua fusão, uma só companhia; ou promettendo tres que renunciariam ao direito de licitar, e do affrontar a quarta, a fim de que esta ficasse servindo de adjudicatária, estipulando para esse effeito recíprocos interesses. Eu, Sr. Presidente, tive em minha mão um dos papeis que trocaram essas quatro emprezas entre si, e que todos assignaram; lá estão consignadas similhantes promessas; desse papel pude obter uma cópia que aqui tenho: não o authentica, mas declaro á Camara que a tenho por exacta e conforme ao original, que antes me foi mostrado. Este contracto, que ora não qualifico, póde parecer um conloio punivel hoje pelo Codigo Penal; porque houve, mediante promessa um ajuste, para não se affrontarem uns aos outros na praça.

A resposta que o Sr. Ministro acaba de me dar, é conforme ao que eu já tinha ouvido referir; mas estimei ouvir isso mesmo da boca de S. Ex.ª.

Mas como se póde explicar similhante facto? Se os representantes dás outras emprezas concorreram á praça, por esse facto, em contradição com o que se linha estipulado entre todas, cáe por terra o convenio criminoso, com quanto fosse o resultado ficar adjudicada a construcção do caminho de ferro á quarta empreza, como todos haviam ajustado.

Sei que se diz, e se póde suspeitar, que nesse acto da praça, a licitação foi simulada, porque se lançou uma insignificante quantia de beneficio para o Estado, sendo a final o resultado a que se tinha promettido, entregando-se o ramo á empreza ou companhia, em favor da qual todos os outros tinham renunciada a licitação para utilidade commum.

Mas da simulação; deste novo crime, mais grave que o primeiro, é que as provas não são faceis.

Para se demonstrar a criminalidade é necessario demonstrar, não só a existencia do conloio antecedente, mas tambem do convenio posterior, como complemento o meio pratico de execução do primeiro, dando-se por esta fórma uma perfeita simulação em prejuizo do Estado, crime tambem previsto no Codigo Penal. Consta em confirmação disto mesmo, que as tres emprezas que haviam renunciado a licitarem, depois de terem quebrado esse contracto, concorrendo á praça para licitarem, fizeram já citar em Juizo contencioso a quarta empreza, em favor do quem tinham renunciado a licitação, exigindo-lhe o cumprimento do primeiro convenio.

Tudo isto é summamente grave. No entretanto este objecto, na parte criminal, ha de ser apreciado pelo poder judicial, se lá chegar; ahi se hão de avaliar as provas de parte a parte, e então se decidirá competentemente se o contracto que essas companhias fizeram entre si, é ou não criminoso; porque póde muito bem ser que esteja no caso daquelles de que fallam as Ordenações de fazenda, ditos de praçaria.

Além de que as emprezas de caminhos de ferro precisam do uma certa união ou juncção de capitaes, e para este fim de uma certa colligação ou fusão de pessoas que possam em commum levar a effeito obras de tanta magnitude.

Mas tambem é possivel que o contracto, celebrado com o Estado, possa, por algum destes fundamentos, vir a ser annullado; e então, Sr. Presidente, para que não façamos actos nullos, e indo eu de accôrdo com o pensamento do Governo e da illustre commissão (a que tenho a honra de pertencer), para que se faça o caminho de ferro, que julgo de tanta importancia e vantagem, pretendo que esta lei não saia do Parlamento sem que o Governo fique authorisado para com as mesmas ou melhores condições poder adjudicar de novo este caminho a quem melhores garantias offerecer á fazenda publica. Desejaria tambem que quando se desse essa nova adjudicação se dispensasse a hasta publica, sem que todavia se prescinda do concurso n'um praso determinado.

Eu tive a honra de communicar uma proposta de additamento ao projecto de lei, neste sentido, ao Sr. Ministro do Reino, a fim de a entregar ao seu collega o Sr. Ministro da Fazenda, mas não sei se S. Ex.ª a trouxe.

O Sr. Ministro da Fazenda — Não trouxe.

O Sr. Ferrão —Esqueceu-lhe talvez....

O Sr. Ministro da Fazenda —Debaixo da minha palavra de honra me comprometto a apresentar a proposta que o digno Par entregou ao Sr. Ministro do Reino, e ainda antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Ferrão— O Sr. Ministro offende-me e injuria-me com a sua demasiada susceptibilidade.

O Sr. Ministro da Fazenda — Eu injurio o digno Par?

O Sr. Ferrão — Mas eu é que me dou por injuriado.

O Sr. Presidente — O Sr. Ministro o que quiz foi mostrar o seu melindre em querer apresentar o papel ou proposta que o digno Par disse que lhe fizera entregar,

O Sr. Ferrão — Mas eu não era capaz de supor que S. Ex.ª de proposito deixasse de trazer esse papel.

Sr. Presidente, este negocio é muito serio; porque innocente ou culpado, o contracto celebrado entre os diversos emprezarios é necessario examinal-o; e vêr se effectivamente era ou não valido, porque quando se prove má fé da

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parte dos adjudicatários, cumpre que o Governo lhes retire a sua confiança. Empresas desta ordem não se devem entregar a pessoas taes, se é que não podem justificar-se. Em negocios de fazenda eu queria que se applicassem as disposições da Lei de 22 de Dezembro de 1661, que fazem consistir a principal garantia da fazenda publica na moralidade dos arrematantes. Se o contracto particular está valido, os actuaes adjudicatários, dando de mão a seus legitimos socios, privaram o Estado da garantia de execução do obrigações, que resultaria do concurso de todos, porque, segundo a mesma Lei, todos são solidariamente responsaveis á fazenda publica, posto que não assignassem o termo de arrematação.

Longe de mim prejudicar com uma opinião decisiva, o licito ou illicito dos convenios, a que tenho alludido. Não assevero que sejam criminosos, e mesmo que o fosse o primeiro convenio: uma vez que todos os concertantes vieram á praça, o caso sómente se poderá talvez considerar como meio preparatorio, ou tentativa de um acto criminoso, de que se arrependeram, e em taes termos, conforme ao Codigo Penal, como a pena do crime consummado não passa de correccional, escapa a toda a punição a mera tentativa ou acto preparatorio.

Quanto ao segundo convenio, revelado pela simulação da praça, as provas podem não ser tão evidentes, e o Governo então, consultando os interesses da causa publica, póde fechar os olhos sobre este negocio. No entanto, nos termos em que elle se acha tambem é possivel que a adjudicação feita se annulle, ou venha a ser annullada, e então eu desejava que o Governo ficasse armado de uma authorisação efficaz para poder occorrer de prompto a similhante eventualidade.

Com isto não pretendo fazer a menor censura ao Governo, que nenhuma culpa tem de que se tivessem feito esses convenios, nem de que este negocio tenha estado desde o seu principio tão doente, e parece que tão poucas eram as esperanças que o Governo nelle tinha, no momento da abertura dos trabalhos parlamentares da presente sessão, que dizendo-se no Discurso da Corda que os trabalhos do caminho de ferro de leste progrediam com regularidade, a respeito do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas-novas e Setubal nem se quer uma palavra se diz! Pois era successo bem importante para se dizer que o Governo tinha conseguido adjudicar um caminho de ferro a uma empreza, que dava a certeza de se realisar o pensamento do Governo e do Corpo Legislativo, quando pouco tempo antes se tinha promulgado a Lei, em virtude da qual se tinha verificado tal adjudicação.

Por agora nada mais tenho a dizer, restando-me só o mandar para a Mesa o meu additamento, neste sentido em que fallei. O que previamente desejava saber era se o Governo o acceita ou não. Se estivesse no logar do Sr. Ministro acceitava similhante proposta; pois não sei que possa haver nisto a menor repugnancia ou inconveniente; ao menos a muitos dignos Pares, a quem o mostrei, ministeriaes e não ministeriaes, mostraram todos que não tinham repugnancia alguma.

Além de que em nada altera o pensamento da Lei, antes o confirma; e é puramente condicional, e a Camara não póde deixar do sentir, que as minhas reflexões constituem uma base solida, para se duvidar da permanencia deste contracto, o em taes circumstancias a previsão do legislador devo abranger a hypothese de que o mesmo contracto não subsista.

O Sr. Ministro da Fazenda diz em primeiro logar, que o Sr. Presidente, teve a bondade de interpretar exactamente as suas expressões, dizendo á Camara, que da parto delle Sr. Ministro não tinha de certo havido a menor intenção de injuriar o digno, Par, por isso mesmo que só desejou mostrar-lhe, que pão tinha passado pela sua cabeça, nem podia de modo nenhum pensar, que o digno Par houvesse de suppôr que elle Ministro, para evitar que S. Ex.ª mandasse para a Mesa a proposta que tencionava apresentar, a linha deixado em casa. — Agora mesmo acaba de escrever uma carta, indicando onde se poderá encontrar esse papel, de modo que espera que elle ainda hoje aqui appareça, e então verá o digno Par, que nada ha aqui que estranhar, e que elle orador, não costumando injuriar ninguem, muito menos o poderia agora ter querido fazer em relação ao digno Par, depois d'um discurso tão amavel e tão conciliador, discurso que, não menos do que á Camara, maravilha a elle por não estar nos habitos do digno Par empregar expressões tão agradaveis e lisonjeiras; e diz agradaveis e lisonjeiras referindo-se ao fim do discurso de S. Ex.ª, porque no principio não aconteceu tanto assim. O digno Par, nem queria attribuir ao Governo nenhuma parte no louvor que resulta do desenvolvimento que se tem dado ás obras do caminho de ferro; intende mesmo que os caminhos de ferros haviam de vir, qualquer que fosse o Governo que estivesse, pois que é uma innovação e progresso do seculo a que nenhum Governo póde resistir, o hão-de ser arrastados a isso por ventura até mesmo contra sua vontade, porque os caminhos de ferro entrarão pela barra dentro, ainda que o Governo os não mande construir. Parecia que do discurso do digno Par se podia tirar esta consequencia, a qual, comtudo não suppõe o Sr. Ministro que esteja na sua cabeça, porque é muito illustrado, e como tal não póde pousar assim.

Observa o orador que o digno Par tambem não faz justiça á boa vontade, e aos esforços constantes do Governo, em quanto á execução que espera ha-de ter o contracto feito com a companhia do caminho de ferro de leste, de modo que se vê forçado a dar os sentimentos aos membros desta Camara, a quem o digno Par fez o triste prognostico de que não chegariam a andar por esse caminho, caminho que alias tem de se concluir dentro de poucos mezes! Isto não é de certo muito lisongeiro para a vida da maior parte dos membros desta Camara, a quem o digno Par a prophetisou tão curta (riso). O que, porém, póde dizer ao digno Par, é que elle Sr. Ministro já lá andou; alguns outros dignos Pares tambem já lá andaram, e o digno Par mesmo poderá andar quando quizer, pois terá muito gosto de o acompanhar.

Deixando, porém, estes episodios, que são menos importantes, e indo á historia principal, para a qual tambem sente não ter presente a proposta do digno Par, que lhe foi hontem entregue pelo Sr. Ministro do Reino, começou por dizer, que a razão principal por que não trouxe essa proposta comsigo, foi por pensar que o digno Par a queria para projecto de lei especial, e não para a introduzir n'um projecto, que já passou na outra Camara, e que apezar de dizer respeito ao caminho de ferro das Vendas-novas, comtudo tem um fim restricto e determinado. Não lhe occorreu que a proposta podesse ser necessaria para a discussão de hoje.

O que, porém, maravilha o Sr. Ministro, é que o digno Par está hoje generoso para com o Governo, generosidade essa que lhe agradece de todo o coração, e sinceramente; porque S. Ex.ª quer armar o Governo com uma authorisação ampla, dispensando mesmo a praça publica, para se poder adjudicar a construcção do caminho de ferro das Vendas-novas a uma outra companhia, uma vez que seja com condições menos onerosas do que aquellas com que actualmente está contractado; pois que o digno Par, em consequencia de diversas circumstancias a que se referiu, e que parece que conhece perfeitamente, por isso que as contou nas suas mais particulares circumstancias, que todavia não têem chegado ao conhecimento do Governo, receia que a companhia adjudicatária não possa levar avante o seu contracto.

O Sr. Ministro pede ao digno Par, que tantas vezes tem nesta casa levantado a sua eloquente voz para defender o cumprimento exacto dos contractos, em sustentação da fé publica, pela necessidade de manter o credito por parte do Governo, ainda que S. Ex.ª não olhasse para a questão debaixo desse ponto de vista, porque todos os negocios teem diversos lados por onde se encarem, e S. Ex.ª encarou esta de certo n'uma hypothese que conhece se póde ou não verificar; pede, repetiu, ao digno Par, que considere qual será o resultado do credito para uma companhia, que arrematou legalmente um contracto na praça, em virtude de disposição de uma Lei, quando um membro do Parlamento, tão authorisado como S. Ex.ª, e de mais a mais jurisconsulto, diz ter tido na sua mão documentos que provam conloio, e este repetido!? Pergunta ainda o Sr. Ministro, qual será o resultado que se espera de vir nestes termos fazer aqui uma proposta do tal natureza? Que o digam, o digno Par, e todos os membros da Camara do um e de outro lado, que o digam sinceramente; se estas palavras lançadas no publico por um homem tão authorisado, e revestido das circumstancias que acaba de indicar, não vão immediatamente ferir o credito daquella companhia? Como ha-de ella assim obter capitaes para realisar a obra?

E se depois de apresentada a proposta por esse cavalheiro, recommendavel pelas circumstancias que o acompanham, a Camara a approvar, e passar á outra casa do Parlamento?!

O Sr. Ministro considera para que se quer tão depressa dar esta arma ao Governo, sem se esperar pela sessão immediata, suppondo mesmo a decisão dos Tribunaes tão prompta como talvez não haja exemplo em objecto desta importancia e gravidade; porque, infelizmente todos sabem que os nossos processos são longos, o que quasi todos aqui conhecem por experiencia? Pois o Parlamento não tem de se reunir em Setembro, e não se deve reunir depois em Janeiro? Nós estamos em Abril, continúa o nobre Ministro; a causa ainda não foi intentada, ha apenas a licitação no Tribunal do commercio, segundo e informado, e então poderá razoavelmente esperar-se que isto aconteça antes da nova reunião do Parlamento? Se não se póde, para que ir ferir o credito da companhia, e fazer nada menos do que inhabilita-la em vista da disposição da Lei, que se refere a sentenças de Tribunaes que podem ser favoraveis ou desfavoraveis para a companhia?

Se o Sr. Ministro visse que havia grande perigo nesta demora até á proxima reunião das Côrtes, ainda assim mesmo havia de pensar muito se, tendo sido elle o Ministro que referendou aquelle contracto, e que o apresentou ao Parlamento, havia de vir pedir desde já authorisação para uma hypothese, que ainda não é possivel saber como resolverão os Tribunaes! Esta é que é a razão principal que o move para não poder, como aliás desejava, acceitar a concessão generosa que lhe quer fazer o digno Par, authorisação de que mesmo não necessita, e que nunca desejaria obter em tão larga escala, porque a experiencia tem ensinado quanto é perigoso fazer arrematações destas sem preceder a praça publica; nem o seu melindre consentia nisso, nem as Côrtes o toleravam; ao monos elle, por certo, que saindo destas cadeiras, e sendo membro do Parlamento, não votaria a qualquer Governo que fosse, uma authorisação tão ampla; e não seria por espirito de opposição que assim procedesse, mas porque mesmo agora sendo Ministro, não a deseja para si.

Foi deste objecto que o digno Par mais particularmente se occupou; mas á vista das considerações que fez, espera que não seja approvada a proposta, que posto ainda não esteja na Mesa, a Camara conhece bem em seu pensamento. Elle Sr. Ministro, ao menos, não a póde acceitar, e di-lo com pesar do seu coração, porque ha muito tempo que o digno Par não o penhora tanto como hoje, e é sempre desagradavel o não poder acquiescer aos desejos de um cavalheiro que nos tracta bem.

O Sr. Ministro concluo dizendo, em resposta á observação do digno Par sobre não se ter tractado deste objecto na falla do Throno, que não se tractou disso, não porque o Governo désse pouca importancia a este caminho de ferro, mas porque pelas circumstancias em que se achava o negocio, era já de uma importancia secundaria, que não valia a pena de mencionar n'um documento como é o discurso da Corôa de uni objecto, que de mais não era novo, já tinha sido apresentado ás Côrtes sob contracto que havia de vigorar independentemente de outras circumstancias; posto que quanto ao principal, o Governo tanto não julgou isto de pouca importancia, que foi elle que se empenhou em apresentar e propôr ás Côrtes a approvação desse contracto.

O Sr. Ferrão — Não fui movido pelos sentimentos de generosidade para com o Sr. Ministro da Fazenda em especial, apresentando o meu additamento. Os motivos que para isso tive, expliquei-os, como pude, reduzindo-se a considerar a utilidade que resultaria da sua approvação. Como, pelas considerações, que apresentei, fiz ver a possibilidade de se annullar, ou rescindir este contracto, desejei que o Governo ficasse armado de uma providencia preventiva para logo poder substituir o mesmo contracto.

S. Ex.ª ha de achar a mesma amabilidade da minha parte, todas as vezes que se tractar de objectos, que me pareçam justos, e nessas occasiões, tanto S. Ex.ª, como os seus collegas, podem contar com o meu fraco appoio: — se isto não tem acontecido sempre, é porque, francamente o direi, SS. Ex.ªs não me têem dado sempre occasião, para eu pôr em pratica os meus bons desejos.

Não me move interesse algum pelo descredito da Companhia adjudicatória deste caminho de ferro, e antes quero que ella se acredite, e que para esse fim, se justifique; mas, Sr. Presidente, o facto é, que a terem alguma cousa de verdade os rumores que correm, o credito dessa Companhia é o descredito. Deve attender-se a que é um precedente terrivel para outras Companhias similhantes o lançar-se agora um véo sobre fraudes e simulações, de que resultará se existiram, immenso prejuiso para o Thesouro, para a nação, para a moralidade publica.

Lamento que isto assim possa acontecer, a par do grande sacrificio que fazemos. Ao passo que, n'outros paizes, se estão constituindo, e se tem constituido, emprezas analogas, entregues exclusivamente á industria privada, e seus recursos, nós damos aqui favores e subvenções taes, que correspondem ao nosso actual descredito, pois que ainda é preciso depositar titulos de dívida fundada, e em tanta porção, quanta seja necessaria para se prefazer, pelo valor do mercado, a somma de oito contos de réis, em metal sonante, por cada kilometro de via ferrea.

Se, pois, repito, ha conloio, e sendo os seus resultados contra o Estado, está visto que nenhum Governo o póde approvar, antes o deve censurar, e fazer castigar. Eu não o acredito, nem deixo de o acreditar, refiro os factos como elles geralmente se contam.

E deve attender-se que não são os Tribunaes judiciaes os que hão-de decidir da nullidade ou validado deste contracto: tracta-se da execução ou não execução de um acto, que é puramente administrativo (O Sr. Barão de Chancelleiros— Apoiado). Muito estimei ouvir este apoiado de um collega meu tão competente. Este é o direito francez, e é tambem o nosso. Ha tres processos que podem nascer deste negocio; distinctos por sua diversa natureza e competencia: um é o contencioso administrativo, sobre a nullidade ou Validade do contracto; outro é o criminal,. dado que haja crime; e um terceiro, que é aquelle a que se refere a citação, de que eu fallei, o commercial. O Sr. Ministro da Fazenda não me intendeu, sem duvida por que me não expliquei sufficientemente.

S. Ex.ª intendeu tambem, que a minha proposta é mais propria de um projecto de lei em separado: e eu penso que o tomar aqui a iniciativa sobre este objecto, fazendo um projecto em separado, seria tempo perdido: primeiro, porque seria eu o auctor da proposta; segundo, porque recaía indirectamente sobre um assumpto de fazenda, e as opiniões ainda não estão bem assentes, quanto á competencia de iniciativa nesta Camara a esse respeito.

Sr. Presidente, fazer este additamento no projecto, que actualmente se discute, não offerece, pelo contrario, embaraço algum, nem com bom fundamento se póde sustentar que é materia estranha, quando é intimamente connexa, e portanto este é o logar proprio para della se tractar.

E de mais, póde haver quem diga, porque a malignidade humana é fertil na invenção: que o Governo não quer annullar este contracto de modo nenhum, tenha ou não, o vicio da criminalidade, menos constando-lhe officialmente, e de maneira tal que não possa fugir a annulla-lo. Eu não quero, Sr. Presidente, que haja de modo algum quem se atreva a suspeitar similhantes intenções: comtudo, a reconhecida probidade e rectidão do Sr. Ministro da Fazenda e Obras Publicas, parecia pedir, e querer mesmo ficar munido de uma boa authorisação, como esta que pertendo dar a S. Ex.ª

Direi agora, que felizmente já tenho em minha mão o meu additamento, que S. Ex.ª acaba de me fazer entregar, e que mandou buscar. Vou dar conhecimento delle á Camara. (Leu-o.)

Artigo. Fica o Governo authorisado a contractar e adjudicar novamente a construcção do dito caminho de ferro do Barreiro ás Vendas-novas e Setubal, se por qualquer motivo legitimo, vier a ser competentemente annullada e rescendida a adjudicação feita á Companhia representada pelos emprezarios a que se refere o artigo 1.° da presente Lei.

§ 1. A esta nova adjudicação deverá preceder concurso publico, aberto por trinta dias, dispensada, sómente para este caso especial, toda e qualquer licitação em hasta publica; e a mesma adjudicação se fará depois á pessoa ou companhia que melhores vantagens e garantias offerecer, nos termos e para os effeitos do § 31. da Lei de 22 de Dezembro de 1761.

§ 2.° Neste novo contracto pão poderão ser estipuladas condições mais onerosas ao Estado, que as confirmadas pela Carta de lei de 30 de Agosto de 1834, e nem admittidas a concorrer por si, ou por interposta pessoa, os referidos emprezarios, ou algum de seus socios.

Sala da Camara dos dignos Pares do Reino, 9 de Abril de 1855. = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.

A respeito da hasta publica, ha-de concordar S. Ex.ª que em negocios desta ordem, esse systema tem provado muito mal: e nem para o caso existe Lei alguma especial: só por analogia de direito a respeito de outros contractos, é que arrastadamente se praticou a solemnidade da hasta publica na adjudicação deste contracto.

Accresce que não se tracta agora de levar esta adjudicação á praça pela primeira vez: já lá esteve, e em o novo concurso só se tracta de melhorar as condições, e de emendar os defeitos do primeiro. Mas S. Ex.ª quer que se não dispense a hasta publica? Concordo com o seu desejo, não por generosidade, mas porque, por essa circumstancia como accessoria, não valle a pena combater. Eu pois insisto em mandar para a Mesa ô meu additamento, sem todavia eliminar as palavras = sem dependencia de hasta publica = porque a Camara resolverá o que tiver por mais conveniente.

O Sr. Secretario — Fez leitura da proposta.

O Sr. Ferrão — Independentemente das observações, que acabo de fazer, accrescentarei que, ainda que o Governo não tenha por ora conhecimento official, póde vir a te-lo, em razão dos factos, que se podem praticar, nos juizos criminal, commercial, ou civil, entre as partes prejudicadas, ou que se dizem prejudicadas; e, por tanto, é possivel, é mesmo natural que um dia se torne o horisonte mais claro a este respeito, e então o Governo se acharia constituido, ou na falsa posição de conservar a gerencia de uma empreza, arguida em juizo contencioso, de má fé ou de crime, ou de previnir um julgamento nesse juizo, para que lhe preceda o da nullidade do contracto, resolvida sobre decisão do contencioso da Administração.

É pois para esse caso que a authorisação providenceia, e que ella seria util, para que o serviço publico não soffra damno, resultante de similhantes eventualidades.

O Sr. Presidente — Permitta o digno Par que eu lhe faça uma observação, e é, que como S. Ex.ª sabe, o que está em discussão é a generalidade do projecto de lei; e a substituição que o digno Par apresenta só póde ter logar na discussão dos artigos na especialidade. Se pois o digno Par, e a Camara concorda, ficará reservada para o logar competente (apoiados). Vou pois pôr á votação o projecto na sua generalidade, ficando a discussão da especialidade reservada para ámanhã, visto estar a hora muito adiantada (apoiados).

Achando-se extincta a inscripção, foi o parecer posto a votos, e approvado; ficando assim approvado o projecto n.° 185 na sua generalidade.

Sendo quasi cinco horas da tarde, levantou o Sr. Presidente a sessão, dando para ordem do dia da de ámanhã (11), a discussão deste mesmo projecto na sua especialidade.

Relação dos dignos Pares que concorreram na, sessão de 10 do corrente Abril.

Os Srs. Silva Carvalho; Marquezes de Ponte de Lima, e de Vallada; Arcebispo Bispo Conde; Condes de Arrochella, do Bomfim, de Fonte Nova, da Louzã (D. João), de Mello, da Ponte, da Ponte do Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral, da Taipa, de Thomar, e de Villa Real; Bispos de Bragança, e de Vizeu; Viscondes de Algés, de Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castro, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Francos, da Granja, de Nossa Senhora da Luz, e de Sá da Bandeira; Barões de Chancelleiros, de Lazarim, e de Porto de Moz; Mello é Saldanha, Sequeira Pinto, Ferrão, Osorio e Sousa, Aguiar, Larcher, Silva Costa, Guedes, José Maria Grande, Duarte Leitão, Brito do Rio, Fonseca Magalhães, e Aquino de Carvalho.

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