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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
EXTRACTO DA SESSÃO DE 25 DE FEVEREIRO DE 1859.
PRESIDENCIA DO Ex.mo SR. VISCONDE DE LABORIM, VICE-PRESIDENTE.
Secretarios, os Srs.
Conde de Mello
D Pedro Brito do Rio
Ás duas horas e meia da tarde o Sr. Conde de Mello procedeu á chamada. O Sr. Presidente — Estão presentes vinte e sete Dignos Pares, temos na sala um numero alem do legal, e por conseguinte está aberta a sessão. Vai lêr-se a acta.
Lida esta, como não houvesse reclamação em contrario julgou-se approvada na conformidade do regimento.
O Sr. Presidente — Passe-se á leitura da correspondencia.
O Sr. 1.° Secretario procedeu á sua leitura. Constava unicamente de um officio do Ministerio do Reino, remettendo o authographo do Decreto das Côrtes Geraes, n.º 67, que se mandou archivar.
(Entrou o Sr. Avila, Ministro da Fazenda, e interino das Justiças.)
O Sr. Presidente — Tem a palavra o Digno Par o Sr. Pereira de Magalhães.
O Sr. Pereira de Magalhães — Cedo da palavra, visto entrar nesta Casa o Sr. Ministro da Fazenda.
O Sr. Conde de Thomar usando da palavra, principiou expondo que, segundo era informado está actualmente pesando uma enorme despeza sobre os Ministérios das Obras Publicas, e da Guerra, em consequencia de terem sido distrahidos muitos Officiaes dos logares em que deviam estar no Exercito. Entende que os Officiaes do Exercito são para ahi servirem nos logares que a Lei lhes marca, e de que só podem saír em casos muito extraordinarios, ou quando o serviço publico assim o exige. Com tudo, achou-se hoje, permitta-se-lhe a expressão, uma Califórnia na Repartição das Obras Publicas e na dos pezos e medidas, onde certos individuos encontraram um meio excellente de receber grandes vencimentos sem, como deviam, satisfazer ao serviço que a Lei lhes incumbe. Sabe mais, e nesta parte já foi antecedido pelo seu nobre amigo o Sr. Visconde d'Athoguia (e informado por outro seu illustre amigo o Sr. Visconde da Luz) que muitos desses logares se teem dado por favor. Ora, a fallar a verdade, não sabe elle orador, que esteja nas attribuições de ninguem o fazer favores com dispêndio dos dinheiros publicos! (Apoiados.) Dizem-lhe igualmente, que mais de duzentos Officiaes do Exercito estão distrahidos dos seus lo gares, para desempenho de commissões na Repartição das Obras Publicas. Isto assim não póde marchar! Neste caso manda para a Mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos; e depois quando chegar a relação que requer, mais algumas explicações dará. Accrescenta parecer-lhe que o seu requerimento é da natureza daquelles, sobre os quaes a Camara costuma logo votar.
Fez leitura do alludido requerimento, que é do theor seguinte:
«Requeiro que se peça ao Governo, pelo Ministerio das Obras Publicas, uma relação nominal dos Officiaes do Exercito em commissões por aquelle Ministerio, com a tabella das gratificações, que cada um recebe. Camara dos Pares, 24 de Fevereiro de 1859. = C. de Thomar.»
O Sr. Presidente — Como a Camara já ouviu ler o requerimento do Digno Par, não quererá que se lêa segunda vez, e por conseguinte vou pôl-o á votação da Camara.
Foi approvado.
O Sr. Visconde da Luz pede a palavra para dar uma explicação sobre o objecto em que acabava de fallar o Digno Par o Sr. Conde de Thomar.
O Digno Par (expoz o orador) antes de apresentar o seu requerimento, para que se remetta a esta Camara uma relação nominal dos Officiaes do Exercito, que se acham empregados na Repartição das obras publicas, disse que nesta Repartição tinham aquelles Officiaes achado uma Califórnia. Deve dizer ao Digno Par, que os Officiaes alli empregados só recebem os vencimentos côr respondentes ao seu serviço, isto é, só recebem de mais as gratificações que estão marcadas nas tabellas.
Ora, para o serviço do Ministerio das Obras Publicas, apenas ha uns oito ou nove Officiaes scientificos da direcção das obras que ha a fazer, e não é possivel prescindir-se delles, e se por ventura se mandassem retirar daquelle serviço os Officiaes que alli se acham empregados em commissão, o resultado seria o sustar-se grande parte das obras, por isso que, como todos sabem, não temos um numero sufficiente de engenheiros para o serviço que actualmente é mister desempenhar.
Além do serviço das obras publicas, ha o dos pesos e medidas, e dos trabalhos geodesicos, em que estarão empregados uns trinta e tantos Officiaes, os quaes se dali forem tirados, farão com a sua saída parar trabalhos, cujo adiantamento e de muita necessidade.
É facto que em alguns corpos ha falta de Officiaes, em consequencia dessa distracção do serviço; mas tambem é certo que nos corpos ha Officiaes a mais, com quanto porém, nos da capital e Porto, haja falta de subalternos, mas a culpa não provém delle orador.
No entanto diz, que os Officiaes empregados na Repartição das Obras Publicas, e nas commissões dos trabalhos geodesicos e de pesos e medidas, são alli necessarios, ao menos grande parte delles, que certamente não é possivel dispensar. Mas, assim mesmo (elle orador) como Director das obras publicas, talvez possa dispensar alguns (e poucos), não porque haja Officiaes de mais, mas porque a esses, que poderia dispensar, falta a capacidade ou as habilitações necessarias para executarm os trabalhos a que foram chamados.
O Sr. Ministro da Fazenda — Estou perfeitamente de accôrdo com o que acaba de dizer o Digno Par o Sr. Visconde da Luz, e estimei bastante que S. Ex.ª desse a explicação que deu ao Digno Par o Sr. Conde de Thomar, á quem eu agora respondo, assegurando-lhe que a sua requisição ha de ser satisfeita; e não podendo neste momento accrescentar mais nada, nem o meu collega da repartição respectiva, por estar empenhado S. Ex.ª n'uma importante questão, que a estas horas se discute na outra casa do Parlamento.
No entanto com relação á commissão de pesos e medidas, sempre direi ao Digno Par que a Lei que estabeleceu o novo systema metrico, marca um prazo, findo o qual ha de ter execução aquella Lei, e que por conseguinte é necessario que os trabalhos que lhe dizem respeito, se activem, a fim de que o systema comece a ser exercido no prazo que a Lei determinou; e S. Ex.ª ha de estar convencido das vantagens do mesmo systema; logo, se agora se fossem distrair daquelle serviço os Officiaes que ali se acham empregados, grandes embaraços viriam á execução da Lei.
Eu tambem estou conforme com o Digno Par o Sr: Visconde da Luz, quando disse que nós temos no Exercito um numero de Officiaes alem do legal, e talvez superior aquelle que se acha empregado nessas commissões. Mas, torno a dizer, não estando preparado para melhor satisfazer ao Digno Par, limito-me a dizer que a relação que S. Ex.ª pede, ha de vir, e ella cabalmente satisfará ao Digno Par.
O Sr. Barão da Vargem deseja que á margem dos nomes de cada um dos Officiaes, na relação que pediu o Sr. Conde de Thomar, se especifique a data em que foram para essas commissões.
O Sr. Conde de Thomar para se ficar entendendo bem o sentido em que empregou a palavra California, dirá bem saber que os Officiaes, que vão servir na repartição das obras publicas, apenas recebem os vencimentos correspondentes ao seu serviço; mas empregou aquelle termo para significar que esses Officiaes haviam escolhido esse meio para não servirem no Exercito, tendo por conseguinte um serviço menos pesado, e recebendo alem disso maiores vencimentos. Julga que o Digno Par não poderá contrariar que isto tenha sido uma perfeita especulação apoiada pelo favor, como elle orador espera que se verá, quando vier a relação que pediu, realisando-se, portanto, a asserção do Digno Par o Sr. Visconde d'Athoguia, porque bem sabe que muitos individuos teem estado empregados ha muitos annos naquella repartição, onde lhe parece que nada teem feito. Ora, não sabe se as palavras — obras publicas — comprehendem os trabalhos geodesicos, e de pesos e medidas? (O Sr. Visconde da Lm — Comprehende). Nestes termos declara estar conforme o seu requerimento.
Mas o Digno Par o Sr. Visconde da Luz, respondendo á consideração que elle orador havia apresentado de se terem distraído dos corpos do Exercito Officiaes, para irem servir nos trabalhos das estradas, dos caminhos de ferro, de geodesia, e pesos e medidas, disse que no Exercito havia um certo numero de Officiaes a mais, querendo com isto fazer ver que a distracção desses Officiaes da fileira não fazia falta ao Exercito. Parece-lhe, porém, que esta razão do Digno Par não colhe, quando lhe consta que muitos Commandantes de corpos se queixam de lhes terem tirado os melhores Officiaes, causando-se por conseguinte um mal não pequeno ao serviço, e grande prejuizo ao Thesouro, pela despeza que se faz com todas essas gratificações.
Aproveita a occasião de estar de pé, para lembrar ao Sr. Ministro, que elle orador havia tempos pedíra uma relação dos pensionistas do Estado, com as datas do respectivo cabimento; que S. Ex.ª lhe promettera envial-a brevemente, e que comtudo ainda até esta época ella não tinha chegado.
O Sr. Ministro da Fazenda — Para mostrar ao Digno Par que me não esqueci do seu pedido, aqui lhe mostro uma relação dos pensionistas, que não tem, comtudo, o caracter official; e com isto não quero dizer que não seja mui brevemente enviada á Camara uma relação completa, conforme quer o Digno Par; mas digo que já podia fornecer esta (que aqui tenho na pasta) ao Digno Par, mostrando assim a muita deferencia que tenho para com S. Ex.ª, e o desejo que me anima de satisfazer, tanto quanto me é possivel, ao seu requerimento.
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Sr. Presidente, sobre a abertura de Cabimento para pagamento de pensões, teem-se levantado alguns clamores infundados, porque a regra que eu estabeleci para a abertura do cabimento parece-me que e a mais justa, e que satisfará a todos os escrupulos. Esta regra é a de preferir a data do Decreto que concede a pensão, e quando haja mais de um com a mesma data, preferir a daquelle que concede uma pensão mais pequena ao outro que a concede maior (apoiados); porque me parece de justiça que se prefira uma desgraçada pensionista, que apenas receberá uns 70$000 réis, a outra que irá ter 600$000 réis (apoiados). Isto tem levantado alguns clamores, como já disse; mas esta Camara de certo não deixará de me apoiar neste modo de proceder, porque não vejo outro melhor, nem mais justo.
O Sr. D. Carlos Mascarenhas — Pedi a palavra porque ouvi dizer ao meu nobre amigo, o Digno Par Sr. Conde de Thomar, que os Officiaes procuravam estas commissões para se eximir ao serviço mais pesado nos corpos e procurar outro menos pesado. Ora eu vou fazer justiça a estes Officiaes, e direi que a razão porque elles procuram estas commissões, e os Commandantes dos corpos não as podem recusar, é as decimas que carregam sobre elles; por isso que um Official subalterno, que não tem senão o seu soldo, está redusido á miseria, e se eu viesse prevenido para esta discussão, ou estivesse preparado para entrar nella, trazia uma conta para mostrar que elles não teem para comer (O Sr. Ministro da Fazenda — Apoiado). Um subalterno tem muitas despezas que fazer com as guardas, destacamentos, e uniformes, e tem que se apresentar sempre decente, como é da sua obrigação, porque quando assim não fizer, não tem a força necessaria para poder commandar os seus inferiores, e agora digo ao Sr. Ministro, que me deu um apoiado, que se não esqueça deste assumpto: digo isto porque me lembra que S. Ex.ª me fallou muitas vezes, antes de entrar para o Ministerio, que era uma cousa absolutamente necessaria o abolir as decimas; mas, desgraçadamente, S. Ex.ª está ha dois annos no Ministerio, e não tem levado á pratica esta sua opinião, porque as decimas continuam a subsistir. É esta, Sr. Presidente a razão porque os Commandantes dos corpos, e muitas vezes mesmo os Generaes, não podem deixar de annuir a essas requisições, porque a fallar a verdade quem tem menos do que ganha um pedreiro, como tem um subalterno, não lhe é possivel viver.
Foi só para dar esta explicação que pedi a palavra, e para mostrar a conveniencia da medida da abolição das decimas; porque repito, Sr. Presidente, que não sei como um Official subalterno que seja casado póde viver com tão pequeno soldo, e por isso, e pelas considerações que fiz, parece-me ter provado que se lhes deve dar um vencimento maior.
O Sr. Ministra da Fazenda — Sr. Presidente, eu quero apoiar todas as doutrinas apresentadas pelo Sr. D. Carlos Mascarenhas, mas quero só destruir uma observação que o Digno Par fez a meu respeito, porque não é exacta, e S. Ex.ª não provou a sua asserção.
Sr. Presidente, eu sustentei antes de entrar para o Ministerio, e depois da minha entrada e continuo a sustentar ainda — que é necessario attender á sorte dos empregados publicos, e entendi que devia começar por melhorar a situação dos pequenos empregados, não é porque eu tenha a convicção de que os empregados que teem ordenados maiores estejam em melhor situação do que os outros, estou convencido do contrario, e assim como S. Ex.ª se referiu ao pouco vencimento que teem os Officiaes do Exercito, eu tambem me refiro á minha classe, e digo que um Ministro que tem hoje 186$000 réis de ordenado por mez, de que tem a deduzir o aluguel da carroagem, que excede a 70$000 réis, tem um ordenado insignificante (apoiados). Peço ao Digno Par que não perca de vista esta circumstancia: a situação do pequeno empregado é difficil, mas a dos superiores não é melhor; porque a sua despeza e proporcionada e teem encargos, que felizmente se não estendem aos pequenos empregados.
É necessario que o paiz vá ouvindo estas queixas, para que se vá preparando para soffrer mais um pouco nas contribuições, e o Governo ficar habilitado para poder satisfazer este augmento de despeza publica. (O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Peço a palavra.) Parece-me que o nobre Visconde pede a palavra para me combater, mas o que digo é em resposta ao Sr. D. Carlos Mascarenhas. Tive grande difficuldade em fazer passar a reducção que se effectuou nas deducções dos pequenos ordenados; e S. Ex.ª não ignora que a deducção dos empregados até 300$000 rs. de ordenado era de 15 e meio por cento, e que agora é só de 10, e eu asseguro ao Digno Par que esta differença monta a 90 contos de réis. Mas eu não paro aqui, e sustento que se deve abolir pouco a pouco todas as decimas dos ordenados dos empregados do Estado; e que alem disto ainda ha ordenados que sem essa deducção carecem de ser augmentados. (O Sr. Visconde de Algés — Apoiado.) Mas se comecei aliviando os ordenados pequenos dos encargos da decima, tambem entendo que se deve adoptar o mesmo beneficio a respeito de outros, e já no orçamento que apresentei ao Parlamento a sessão passada, e repeti na actual, estando a reducção já feita aos empregados que teem 600$000 réis de ordenado.
Confesso que devemos ir mais avante, por isso que quanto maiores são os ordenados as reducções são menos importantes, em vista do menor numero de empregados; e se eu quizesse estender a diminuição de 5 por cento a todos os empregados faria esta despeza com menos do que foi preciso para a reducção já feita nos ordenados até 300$000 réis: mas os Ministros eram comprehendidos neste favor, e se o Digno Par fosse Ministro havia ter escrupulo em apresentar essa medida. (Uma vos—É excesso de delicadeza.) Todos os paizes teem feito o mesmo que eu fiz, este espirito de delicadeza animou a todos os Governos, porque na França, na Belgica o na Prussia só se teem adoptado meios para melhorar a situação dos empregados de pequenos ordenados.
Nós estamos passando por uma crise a que se tem dado pouca attenção, e uma crise cujas consequencias hão de recaír sobre esta geração, é a depreciação dos metaes preciosos. As lavras das minas de ouro cada dia dão maior augmento, e o grande emprego que se está fazendo do ouro na amoedação ha de parar um dia, ou ha de diminuir consideravelmente, e toda essa porção de ouro que se colhe ha de ficar á superficie: então é que se ha de sentir a influencia da abundancia do ouro, e se hão de tornar impossiveis os actuaes ordenados.
Eu quero juntar o meu brado ao do Sr. D. Carlos Mascarenhas, mas veja S. Ex.ª que no sacrificio que já fiz da diminuição de 5 e meio por cento nas decimas dos ordenados ate 300$ réis dei uma prova de que queria melhorar a situação daquelles empregados a que S. Ex.ª se referiu, e espero que S. Ex.ª ha do modificar um pouco as idéas que exprimiu, porque eu tenho entrado francamente neste, caminho, e hei de continuar se me conservar no Ministerio.
O Sr. Conde de Thomar folga muito que o seu nobre amigo e Digno Par o Sr. D. Carlos de Mascarenhas se aproveitasse da discussão que tem por objecto o requerimento delle orador, para fallar de um negocio tão importante como este que diz respeito aos empregados publicos; apesar de não ser essa a verdadeira questão, foi comtudo muito a proposito porque deu logar a uma discussão em que se reconheceu, da parte do Governo, que este estado de cousas não póde continuar assim.
O Sr. Ministro da Fazenda é o primeiro a reconhecer que em todos os paizes, em consequencia da carestia que teem soffrido todos os generos, os Governos foram obrigados a augmentar os ordenados dos empregados; mas em Portugal não é assim. Em Portugal sustenta-se uma contribuição de 30 por cento em uma boa parte dos empregados publicos, de modo que (falia de causa propria) um Conselheiro de Estado que no orçamento tem um ordenado nominal de dois contos de réis, paga seiscentos mil réis de decima. E perguntará se é possivel continuar este estado de cousas? Se um Conselheiro de Estado, um membro do Supremo Tribunal de Justiça, e todos os altos funccionarios do Estado, que são obrigados a viver com certa decencia, e a fazer despezas extraordinarias pela sua posição, repete, podem manter-se com tão tenues ordenados? É necessario olhar para isto com a maior seriedade (apoiados). Bem conhece elle orador as boas intenções do Sr. Ministro, mas é conveniente que não se alargue demasiado em promover outros ramos de serviço publico, com prejuizo dos augmentos que de justiça são devidos aos funccionarios publicos (apoiados). Estejam os Srs. Ministros e a Camara na certeza, que todas 33 vezes que os empregados não forem devidamente remunerados, o serviço não poderá ser bem feito. Ora, se todos teem esta convicção, é então preciso que o Governo e as Camaras tenham a coragem necessaria para a tornar clara, e apresentar uma medida que póde ser resolvida nesta conformidade (apoiados).
Sabe o orador que em algumas partes os impostos se pagam com difficuldade, e que estão elevados; mas tambem sabe que em outras partes ha uma grande irregularidade na distribuição delles, e que proprietarios ha nas provincias que não pagam 3 por cento! Sabe de um concelho, no qual certo individuo tem sido Administrador desde que ha Administradores em Portugal, o qual individuo tem uma grande fortuna, e não chega a pagar dez mil réis de contribuição, quando devia talvez pagar mais de quinhentos mil réis! E porque acontece isto? Porque todos os membros da commissão do recenseamento são sempre homens dependentes delle, e por isso não se atrevem a tocar no augmento dessas contribuições. Sabe igualmente que houve tempo em que um Ministro da Fazenda mandou para alli um Escrivão de Fazenda disposto a pôr as cousas no estado em que ellas deviam ficar, e esse empregado quiz, em conformidade com as Leis, elevar a contribuição; mas foi logo ameaçado de morte se tocasse n'alguma cousa, e teve de se retirar, quando não morreria!
Para isto é que se torna necessario dar providencias. Está convencido que o Sr. Ministro da Fazenda, com a actividade com que costuma tractar os negocios, com a sua efficacia e resolução, e com os conhecimentos que tem desta materia, fara revêr os recenseamentos e lançamentos das provincias, e estabelecerá um meio de contribuição differente do que actualmente está em pratica.
Não diz que S. Ex.ª o possa fazer nesta sessão, mas sim na seguinte; e julga tambem, que por meio da melhor distribuição das decimas, o rendimento das provincias ha de augmentar muitos centos de contos de réis: mas é necessario que primeiro se tirem informações particulares para se saber onde está o mal, a fim de o remediar, ou destruir, mesmo para que se não diga que se o Governo conserva tal Administrador, é pela razão de ter nelle um agente eleitoral. {O Sr. Ministro da Fazenda — Peço a palavra.) Nisto, entenda-se (declara o orador), que senão refere ao actual Sr. Ministro da Fazenda, nem faz censura nenhuma nenhuma a este Governo, nem a qualquer outro, falla em geral. É comtudo conveniente que esta idéa domine na cabeça de todos os Srs. Ministros, e que tenham a coragem de destruir este mal pela raiz.
Conclue, porque não deseja cançar a Camara sobre este assumpto, nem embaraçar a discussão dos projectos importantes que estão dadoa para ordem do dia, dizendo, que em vista das explicações dadas pelo Sr. Ministro da Fazenda, em relação ao que disse o Digno Par o Sr. D. Carlos Mascarenhas, se deve ter toda a esperança em que se não fôr nesta sessão, pelo menos na seguinte, ha de S. Ex.ª apresentar medidas que favoreçam os empregados publicos (apoiados). Por esta occasião lembra a S. Ex.ª uma classe de empregados do Estado que, pelas suas circumstancias, são obrigados a viver fóra do paiz: falla do Corpo diplomatico.
É uma vergonha aquella por que se está passando; é uma vergonha o vêr o modo como vive o Corpo diplomatico lá fóra (apoiados).
Já n'outra occasião ouviu ao Sr. Ministro da Fazenda fazer serias considerações sobre este objecto, e S. Ex.ª prometteu que havia olhar para essa classe de empregados do Estado; mas até hoje nada fez. Se elle orador podesse lêr influencia na Camara dos Srs. Deputados havia de fazer com que o orçamento fosse alterado, tirando-se as decimas aos empregados do paiz, porque sem esta medida elles não poderão subsistir (apoiados). Pede ao Sr. Ministro da Fazenda que pense sobre este objecto.
O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Tem-se feito, Sr. Presidente, diversas considerações, aliás mui justas, sobre a inconveniencia dos descontos nos soldos dos militares, considerações estas que eu approvo, porque estou convencido de que os seus soldos são pequenos, e assim diminuidos uma verdadeira miseria.
É uma desgraça, digna de toda a contemplação, acharem-se elles nas circumstancias em que se acham, obrigados a despezas consideraveis, com o miseravel soldo para lhes fazer face, e neste estado difficultosamente se podem manter, e ás suas familias, sendo casados.
Os ordenados dos empregados publicos, exceptuando os de alguns funccionarios de alta cathegoria, são igualmente mesquinhos.
Parece-me, por conseguinte, que ha grande precisão para o bom serviço, tanto militar como civil, que, ao menos, dos seus ordenados e soldos, não se lhes desconte a decima, o que só será fazer-lhes justiça (apoiados).
Mas, Sr. Presidente, uma questão ligada com esta se apresenta, e foi encetada pelo nobre Ministro da Fazenda, qual o modo de fazer face a estas despezas.
S. Ex.ª vai logo ao bem parado; e aonde é o bem parado? É a bolsa dos contribuintes; sem lhe importar se a producção do paiz tem augmentado, ou não, e se com maiores impostos não será diminuida.
Parece-me que é impossivel continuar assim, tirando unicamente ao contribuinte, sem se tractar de tomar outras medidas, diminuindo a despeza, e igualando as contribuições, que, como muito bem disse um Digno Par, são muito desiguaes, pagando umas provincias muito, quando outras comparativamente pouco pagam; quando assim se fizesse o Governo ficaria habilitado para prescindir dos descontos, sem lançar mão de novos impostos, sacrificios a que se não deve recorrer, sem que se cortem muitas despezas inuteis; para se poder fazer o que está no coração de todos nós, e eu sou o primeiro a desejar.
Por esta occasião, Sr. Presidente, me lembro o que ha annos, sendo tambem o Sr. Avila Ministro da Fazenda, se passou nesta Camara, por occasião de um Digno Par se queixar da desigualdade das contribuições entre diversas provincias do reino.
Então S. Ex.ª o Sr. Ministro declarou que em certas provincias as contribuições não passavam do 3 a 4 por cento. Sobre isto pedi a palavra, e insisti com S. Ex.ª que não bastava aquella declaração, mas que reconhecendo S. Ex.ª a desigualdade que havia no pagamento dos impostos entre diversas provincias, era obrigação sua acabar com esta desigualdade, fazendo que todos pagassem o que, na conformidade da Lei, são obrigados a pagar.
Mas, pergunto eu agora, fez então S. Ex.ª alguma cousa para acertar com aquella desigualdade? Não fez por certo.
Felo agora? Não o fez. Unicamente do que tracta é de ir buscar mais e mais impostos á algibeira do contribuinte, sem attender á desigualdade com que todos reconhecem estão lançados os tributos.
É impossivel governar assim.
As questões economicas são a verdadeira politica do paiz, tirados certos principios sobre que não ha duvida; a politica a seguir é resolver aquellas questões pelo modo que mais conveniente for para o paiz.
Sr. Presidente, por eu ver que é inutil quanto se tem dito e repetido nesta Camara, tanto a este Ministerio, como a outros, é que eu tenho feito constantemente opposição aos diversos Governos, pois entendo que lêem governado mal.
Quando ha uma desigualdade de contribuições como a que se nota, quando os empregados publicos morrem de fome, quando o Exercito não tem espingardas construidas, segundo os principios modernos, de tal modo que, se por desgraça fosse preciso fazer uso dellas contra outro Exercito, os nossos soldados seriam fuzilados antes que os seus tiros podessem offender o inimigo; não vejo que se possa dizer outra cousa senão que não ha Governo.
Mas esta conclusão é uma desgraça, e mostra que nós não caminhamos senão para um abysmo, que será impossivel evitar.
É pois preciso saír quanto antes deste caminho, reconhecer o estado do paiz, e cortar pelas despezas inuteis, ou mostrar á nação portugueza, pelo menos, que não é possivel cortar despeza alguma, mas isto ninguem faz; e quando se tracta de alguma despeza da primeira necessidade, o que se responde é, que são precisos novos sacrificios.
Tem-se dito, e eu o tenho ouvido muitas vezes, que o povo póde pagar mais do que paga; mas, Sr. Presidente, a questão não é se o povo póde pagar mais, a verdadeira questão é se tudo quanto é necessario para que a nação portugueza tenha Exercito, e para que possa subsistir como nação, se póde obter por menos do que ella paga. Este é o verdadeiro ponto da questão, e que eu tenho sempre visto despresado.
Quero mesmo suppôr que o povo póde pagar tres ou quatro vezes mais do que paga, segue-se que deve pagar tudo quanto póde?
Mas será possivel que as despezas necessarias para que a nação subsista se possam fazer por menos?
Se assim for tudo quanto se lhe exige de mais é um roubo.
Este exame é que eu queria se fizesse, e para isso tendem os meus esforços, mas inutilmente, porque o Governo vai sempre seguindo a mesma estrada.
Se todavia vier um Ministerio que siga o caminho que tenho indicado, póde estar certo do meu apoio, venha elle de qualquer lado desta Camara, da outra, de fóra; mas a este Ministerio, e a qualquer outro que continuar a seguir o mesmo miseravel systema, a esses hei de fazer-lhe a opposição que poder.
O Sr. Visconde d'Algés....
(N. tí. Era consequencia do doloroso golpe que acaba de ferir tão fundamente o coração deste Digno Par, nas suas affeições paternas, não se mandaram pedir a S. Ex.ª os extractos dos seus discursos.)
O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Eu pedi a palavra quando o Sr. Ministro da Fazenda, respondendo ás observações do Digno Par o Sr. D. Carlos, disse que tinha sido conveniente esta discussão, para que o povo se fosse convencendo da necessidade de se augmentarem os tributos; tal foi pelo menos o que eu percebi a S. Ex.ª, e foi nesta persuasão que usei da palavra; apesar de que só com muita difficuldade o podia fazer, porque estou passando muito incommodado, e custa-me muito levantar a voz; não me referi, portanto, ao Sr. Conde de Thomar, procurei unicamente responder ao Sr. Ministro da Fazenda pelo que deprehendi das suas expressões.
Concluirei esta explicação agradecendo muito ao Digno Par que me precedeu a benevolencia com que me tractou.
O Sr. Visconde d'Algés
O Sr. Ministro da Fazenda — Eu não quero cansar a Camara, e demais esta questão não póde ser tractada senão em occasião especial, e com vagar, porque é uma questão que está ligada com muitas questões, todas de alia importancia, e apresentada sem o necessario desenvolvimento tem até o inconveniente de ser mal interpretada, como ha pouco succedeu quando o Digno Par o Sr. Visconde de Fonte Arcada respondeu ao que eu linha dito.
Agora em quanto a lêr dito o Digno Par o Sr. Conde de Thomar, que nós temos feito o contrario do que nos outros paizes, direi que S. Ex.ª se equivocou, porque tem-se seguido em Portugal o mesmo que os outros paizes fizeram, que foi — melhorar os pequenos vencimentos, e nós effectivamente alguma cousa temos feito nesse sentido.
Agora visto que se fizeram tão sensatas considerações era relação á distribuição da contribuição predial direi, que é exacto que o Governo procura todos os meios de á; habilitar para que esta distribuição se faça do modo mais conveniente; mas para isso é necessario antes de tudo ter as matrizes bem organisadas, e a isso tenho eu dado todo o impulso que me tem sido possivel; mas infelizmente a maneira como estão organisadas as Juntas não é a melhor. Nesta sessão porém espero eu apresentar um projecto que ha de melhorar esse ramo do serviço.
Tendo ainda aqui muitas notas sobre as reflexões que se fizeram, deixarei de fazer uso dellas por considerar que a hora está adiantada, e que esta questão ha de voltar mais tarde; mas eu quero unicamente notar uma cousa que á Use o Digno Par o Sr. Visconde d'Algés, a qual pela maneira como S. exª se exprimiu parece-me que mostra uma idéa opposta ao que S. Ex.ª mesmo pertendia. S. Ex.ª fallando a respeito da diplomacia disso, que estavamos fazendo uma figura tristissima lá fóra.
Eu sou o primeiro a reconhecer e sustentar, que uma nação que não póde exercer grande influencia nos negocios do mundo pelas suas circumstancias especiaes, deve procurar supprir pela capacidade e superioridade do corpo diplomatico qualquer falta n'outro sentido; mas eu quero e preciso dar um testemunho daquillo mesmo que de certo estava na mente do mesmo Digno Par o Sr. Visconde d'Algés. Esse testimunho é o de que todos os membros do corpo diplomatico portuguez nas differentes côrtes estrangeiras não envergonham o seu paiz (apoiados). Eu creio que nisto estou interpretando a propria opinião do Digno Par. (O Sr. Visconde d'Algés — Peço a palavra.) E por mim direi, que tenho a intima convicção de que os membros do corpo diplomatico portuguez não só pela sua capacidade, como pelo seu immensa patriotismo, e pelos esforços que empregam para viver decentemente com os poucos meios que teem, se tornam dignos de que empreguemos toda a nossa solicitude para melhorar a sua sorte. Posso asseverar tambem que quanto em mira couber hei de empregar os meios de que possa dispor para esse fim.
O Sr. Visconde d'Algés....
O Sr. Visconde de Balsemão como não pretende cançar a Camara, se acaso se vai passar á ordem do dia, cede da palavra, porque quando se tractar do orçamento haverá sobejas occasiões para se tractar esta questão.
O Sr. Marques de Vallada — Sr. Presidente, aproveito esta occasião para chamar a attenção do Sr. Ministro da Justiça em relação a um assumpto que reputo de grande momento. S. Ex.ª teve a bondade de me nomear ha algum tempo para membro de uma commissão encarregada de propôr as reformas das cadêas (O Sr. Ministro da Justiça — Ha oito mezes.) S. Ex.ª deu nisso um testemunho de que me julgava capaz de desempenhar aquella commissão, o que eu agradeço; mas devo dizer a S. Ex.ª que a commissão até hoje ainda
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não se reuniu senão uma vez; sei que alguns dos membros della tem em seu poder trabalhos importantes que desejariam apresentar, sobre tudo os que tendem, se não á reforma completa das prisões do reino, ao menos á reforma das duas maiores cadêas do paiz, que são as de Lisboa e Porto. Por essa occasião, terei na commissão de fazer algumas observações sobre objecto tão momentoso, como é a grande massa de individuos que se reunem naquellas casas, e farei algumas considerações em comparação do que se tem feito lá fóra. Pedia, portanto, ao Sr. Ministro da Justiça para empregar toda a sua influencia a fim de que a commissão se reuna quanto antes, porque sei que ha alguns trabalhos que podem ser apresentados á discussão da commissão, e da adopção dos quaes se tirará muito bom resultado, embora se não obtenham melhoramentos completos, porque me parece que devemos começar pelo pouco, para depois podermos chegar ao optimo.
Agora, achando-me de pé, aproveitarei a occasião para lembrar ao Sr. Ministro da Justiça a promessa que me fez, e espero que S. Ex.ª me dará as explicações que outro dia lhe pedi, em relação á publicação do livro intitulado — Jesus Christo e a Igreja = e creio que S. Ex.ª tem dentro da pasta alguns documentos com a ajuda dos quaes me poderá dar uma resposta, é provavel que eu tenha de fazer algumas considerações posteriormente á resposta, e aguardando-a assim como as explicações do Sr. Ministro, peço a V. Ex.ª me conserve a palavra, ou m'a torne a dar para depois fazer as considerações que julgar convenientes.
O Sr. Visconde d'Athoguia participou á Camara o triste acontecimento de um fratricidio, por questões de alimentos, praticado no Funchal. É informado de que o Governador civil e militar da Madeira acha o desgraçado criminoso n'um estado lamentavel, effeito dos remorsos. — Está certo que o Sr. Ministro das Justiças dará as suas ordens para que o processo caminhe regularmente, para exemplo e cumprimento das leis.
O Sr. Ministro da Fazenda — Eu tive já noticia desse crime atroz que o Digno Par acaba de referir, não porque o Governo delle tenha tido conhecimento official, mas pelas declarações que dois ¡Ilustres Deputados fizeram na outra casa do Parlamento, e pelo que os-jornaes publicaram; no entanto o que desde já posso asseverar ao Digno Par é que o Governo fará tudo quanto estiver ao seu alcance para que um facto tal e tão horroroso não fique impune, e pela pasta da justiça, que está a meu cargo, tomar-se-hão todas as medidas que se julgarem necessarias.
Em quanto á recommendação que me fez o Digno Par o Sr. Marquez de Vallada, sobre a conveniencia de activar os trabalhos relativos á reforma das cadêas: primeiramente direi, que muito bem fez o Governo em nomear o Digno Par para membro da commissão encarregada de apresentar o projecto dessa reforma, porque S. Ex.ª de certo com as suas muitas luzes e intelligencia muito a ha de coadjuvar, e concorrer por conseguinte para a promptidão e perfeição desses trabalhos. E já o Digno Par acaba de dar umo prova do seu zêlo e do muito que ha a esperar de S. Ex.ª a este respeito. — O presidente, porém, dessa commissão é um membro desta casa, e em cujo e intelligencia eu muito confio, e S. Ex.ª tractará de reunir a mesma commissão, a fim de que os seus trabalhos progridam, e dentro em pouco elles sejam apresentados ao Governo.
Relativamente ao outro objecto, sobre que eu tinha promettido informar o Digno Par, posso asseverar a S. Ex.ª que a querela foi dada no dia 17 deste mez por abuso de liberdade de imprensa, e em vista das instrucções que o digno Conselheiro e Procurador geral da Corôa dera aos seus agentes; mas o Juiz não acceitou a querela, por entender que o facto accusado não estava comprehendido na respectiva lei, e deste despacho do Juiz interpoz-se o recurso d'aggravo para o Tribunal da Relação.
Não me lembro agora a data em que se interpoz o aggravo, mas é certo que foi interposto, e que o negocio está em andamento e entregue ao poder judicial.
O Sr. Marquez de Vallada — Sr. Presidente, segundo me constou dentro e fóra desta casa, S. Ex.ª o Sr. Ministro tomou taes providencias e tão rapidas que mesmo não dariam logar a que o Ex.mo Prelado desta diocese podesse proceder como devia em virtude da Portaria que fóra assignada pelo Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães em relação ás penas impostas pelo Código Penal. Mas eu quero acreditar que o nobre Ministro não tractaria de pôr pêas ou embaraços a que o Em.mo Prelado apresentasse formulada em termos canonicos a sua condemnação á obra — Jesus Christo e a Igreja. Já eu outro dia pedi, e agora repito, que o Sr. Ministro desse as suas ordens, para que fosse publicada a consulta de S. Em.ª, porque, ha alguem que julga que S. Em.ª não fez na fórma canonica a condemnação (que o caso exige) a pedido do Sr. Ministro, e em consequencia das fortes ameaças dos jornaes, que constantemente estão dizendo ao Sr. Antonio José d'Avila, que qualquer transacção que elle faça com certo partido seria bastante para logo lhe declararem guerra, por isso que sómente o defendiam no poder com essa condição sine que non, de sustentar as idéas puras desses mesmos jornaes, que abertamente ahi teem defendido o livro intitulado — Jesus Christo e a Igreja.
Entendendo eu pois, que o Em.mo Prelado não deixaria de cumprir o seu dever a despeito de quaesquer embaraços. Peço ao Sr. Ministro que dê as suas ordens para que desde já sejam publicadas no Diario do Governo não só a consulta que S. Em.ª fez subir ao Ministerio da Justiça, mas tambem outras duas que recebêra, uma da commissão de Theologos de Santarem, e outra da Camara Ecclesiastica de Lisboa, porque se estas publicações se não fizerem, o nobre Ministro viria a confirmar as suspeitas que já recahem sobre S. Ex.ª
Fazendo, como effectivamente faço, duas perguntas ao Sr. Ministro, espero que S. Ex.ª me dê duas respostas para socego de minha consciencia, e socego de muitas pessoas mais ou menos escrupulosas, que julgam que o Sr. Ministro não permitte ao Sr. Cardeal Patriarcha o livre exercicio de suas prerogativas.
É a primeira pergunta — se no caso de S. Em.ª ter apresentado a sua condemnação formulada segundo os termos canonicos, o Sr. Ministro não terá duvida de que ella se publique; e é a segunda = se o Sr. Ministro permitte que tambem sejam publicadas as outras consultas a que acabo de alludir.
O Sr. Ministro da Fazenda — Parece-me que o Digno Par póde estar convencido de que todas essas suspeitas que sobre mim alguem quer fazer recaír, não tem fundamento algum.
O negocio tem seguido os tramites regulares, e eu posso assegurar ao Digno Par que o Governo não tem tido necessidade de ingerir-se nesse negocio, porque os agentes do Ministerio publico teem cumprido o seu dever.
Agora, em quanto á publicação dos documentos, peço ao Digno Par que me deixe pensar sobre isso, porque entro em duvida se posso mandar fazer essa publicação em quanto o processo está correndo, e estas minhas duvidas parece-me que devem ser apreciadas por esta Camara.
O Sr. Marquez de Vallada — Parece-me que fui bastante prudente e precatado, quando me dirigi ao Sr. Ministro; mas agora as palavras de S. Ex.ª, proferidas em pleno Parlamento, forçam-me a dizer mais alguma cousa, que de certo não ha de ser agradavel a S. Ex.ª
Este negocio do livro intitulado — Jesus Christo e a Igreja — ha de ficar abafado!... Toda a gente está persuadida disso! E as palavras do Sr. Ministro vieram agora confirmar todas essas suspeitas.
Ha muitas pessoas que julgam que o processo não poderá caminhar, em quanto não apparecer a condemnação na fórma canonica feita pelo Ex.mo Cardeal Patriarcha, e estas idéas ou duvidas são apoiadas na Portaria, a que já me referi, e que fóra assignada pelo Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, Portaria em relação ás penas estabelecidas no Código Penal. Mas não me parece que o Sr. Ministro proceda bem, querendo fazer a vontade aquelles que, a troco de condições pouco honrosas para S. Ex.ª, promettem sustental-o nas cadeiras do Ministerio. Elles não cessam de dirigir ameaças a S. Ex.ª, e a todos os funccionarios que tomarem parte naquelle negocio, lançando sobre elles a animadversão de um partido, que dizem os julgará membros podres e degenerados desse mesmo partido, ao qual tivessem pertencido, ou a que ha pouco a elle tivessem sido admittidos.
Sr. Presidente, eu sei algumas cousas, mas não as poderei dizer (O Sr. Ministro da Fazenda — Diga. Então direi que o Ministerio publico não póde proceder, em quanto o livro, a que me refiro, não fôr canonicamente condemnado pelo Prelado, em vista da Portaria do Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, com relação ao Código Penal; mas o Sr. Ministro, cuja capacidade não contesto para se occupar deste, e de outros negocios, deve saber o que acabo de referir tão bem ou melhor do que eu; alguem dirá que o Código Penal está obsoleto, e, pelo que vejo, devo acreditar que sim. O que digo é que, pela minha parte, estou resolvido a não recuar (O Sr. Ministro da Fazenda — Apoiado. É provavel que este negocio não chegue a ter solução, e consta-me que já está publicado o segundo volume da dita obra!
Peço ao Sr. Ministro que pese bem a responsabilidade que lhe cabe pelo logar que occupa, e que despreze o apoio de certos homens, que só póde obter a troco de condições, que não podem ser convenientes, nem honrosas para um Ministro.
Eu desejo ardentemente ver este Ministerio substituido por outro, porque entendo que elle é obnoxio aos interesses publicos. Desejo sobretudo ver saír do Ministerio o Sr. Ministro das Obras Publicas, desapparecendo com elle o ominoso contracto Petto, um dos maiores escandalos de que o paiz tem sido testimunha.
O Sr. Ferrão — Mandou para a Mesa um parecer de commissão.
O Sr. Ministro da Fazenda — Eu não quero tomar o tempo á Camara, e por isso direi pouco, e não pediria a palavra se não me visse forçado a rebater as asserções adduzidas pelo Digno Par o Sr. Marquez de Vallada que tomou tanto calor nas observações que fez sobre os factos a que alludiu, e que esses factos não comportavam. Digo pois, Sr. Presidente, que com referencia ao negocio do folheto a que S. Ex.ª alludiu, dou a minha palavra de honra ao Digno Par e á Camara, em que a unica pessoa que me tem fallado sobre esse negocio foi S. Ex.ª, e mais ninguem, nem nesta casa nem fóra della. Assevero tambem que me não tenho ingerido nesse assumpto, e só tanto quanto quanto é necessario para me informar e poder responder ao Digno Par. Não tenho fallado a este respeito com o Ex.mo Sr. Cardeal Patriarcha; e posso asseverar ao Digno Par que o Ministerio publico tem cumprido o seu dever, e obrado com toda a legalidade no procedimento que tem tido com relação a este negocio. Se pois o negocio fôr abafado como disse o Digno Par, ha de sel-o pelo poder judicial; mas este poder não merece que se lhe faça essa injuria. E declaro, Sr. Presidente, que todas as suspeitas que aqui teem sido apresentadas por S. Ex.ª, são para mim uma novidade, porque á a primeira vez que dellas tenho noticia, podendo certificar ao Digno Par, que foi S. Ex.ª a causa unica da reimpressão do livro, e se dessa obra houver ainda segundo volume e isso devido a S. Ex.ª pela importancia que lhe está dando.
O Digo Par o Sr. Marquez de Vallada apresentou proposições que mereciam uma resposta mais severa da minha parte: não usarei desse meio porque não quero imitar o que notei em S. Ex.ª, mas só lhe digo que me fez uma grande e immerecida injustiça.
O Sr. Marquez de Vallada — Peço a palavra para dar uma explicação.
O orador — O Digno Par póde explicar as suas palavras como quizer; mas eu certifico á Camara, que o que ouvi dizer a S. Ex.ª é um puro romance. O Digno Par póde dar as explicações que quizer, e como quizer; mas todas as explicações que o Digno Par der serão tão verídicas como as asserções que proferiu quando fallou, que nada teem de verdade.
O Sr. Marquez de Vallada — O que disse o Sr. Ministro é que é falso.
O orador — Eu peço ao Digno Par que attenda a que fui civil com S. Ex.ª, o que S. Ex.ª não praticou para comigo. Pois, Sr. Presidente, é civil o dizer o Digno Par que eu só sou apoiado por jornaes e pessoas a quem compro, a troco de certas concessões deshonrosas! Pois isto deve saír da bocca de um Digno Par, e deve proferir-se n'uma Camara respeitavel por todos os titulos, como esta é?! O Digno Par portanto não tem que explicar, tem sim que retirar o que disse.
O Sr. Marquez de Vallada — Não retiro.
O orador — Pois não retire; mas eu digo aos homens de bem que me ouvem, que tudo quanto avançou o Digno Par é completamente falso.
O Sr. Marquez de Vallada — Eu chamo o Sr. Ministro a ordem.
(Sussurro na Camara.)
O orador — O Digno Par vem tractar aqui de assumptos, que não devia aqui trazer, vem brincar com cousas e pessoas, que deveria tractar com seriedade. Eu não brinco com ninguem.
O Sr. Marquez de Vallada — O que eu disse do Sr. Ministro, digo-o aqui, e repito-o lá fóra.
Vozes — Ordem, ordem. — Não ha numero na sala.
O orador — Quando se lançam sobre um Ministro accusações, que deshonram o seu caracter, que se empregam a respeito delle, em tão grande escala, expressões injuriosas, não ha nem póde haver prudencia, para as ouvir e soffrer callado (apoiados). Eu tenho tido toda a consideração pelo Digno Par, mas não a poderei continuar a ter, em presença do seu procedimento e das suas inconveniencias, que tanto ferem o meu caracter; e peço ao Digno Par, que no futuro meça melhor as suas palavras, se quer passar por homem bem educado, que tem obrigação de ser, e de certo é. E como se ha de tambem qualificar o procedimento do Digno Par, quando vem lançar aqui insinuações offensivas ao caracter do Sr. Ministro das Obras Publicas, quando o meu collega não está presente para lhe responder, e isto quando o Digno Par não viu esse contracto de que fallou, não o leu, nem ouviu lêr ainda, e por conseguinte ignora as provisões que elle contém! O nome que isto tem não o direi eu: e ficarei aqui para não empregar algumos expressões, que talvez S. Ex.ª acharia duras, mas que eu tinha direito a proferir em justo desforço.
O Sr. Visconde d'Athoguia — Tivemos hoje uma sessão a que se póde, sem injustiça, dar o nome de conversação parlamentar, mas da qual, no meu entender, pouco proveito resultou para o serviço publico (apoiados). Acha-se nesta casa em discussão um projecto de lei que favorece os Officiaes de artilheria, o qual ficou sem andamento por se ter resolvido, que a discussão delle na sua especialidade só tivesse logar com assistencia do Sr. Ministro da Guerra interino, e S. Ex.ª não tem podido vir aqui, em consequencia de estar doente; no entretanto, Sr. Presidente, consta que o nobre Ministro da Guerra tem uma opinião especial sobre este objecto. Pedia, portanto, ao Sr. Ministro da Fazenda, que está presente, visto que se acha doente o seu collega, tivesse a bondade de o procurar, e depois nos viesse aqui declarar se S. Ex.ª tem alguma objecção a que este projecto, que é da iniciativa do Governo, seja ampliado aos Officiaes do Estado maior: bem entendido que eu só peço isto para os que estiverem em effectivo exercicio das commissões que pertencem á sua arma. A commissão de guerra já alterou o primeiro artigo do primitivo projecto, dando-lhe a fórma que lhe pareceu melhor; mas não póde realmente ser alterado, sem que se ouça o Ministro competente; por isso peço ao Sr. Ministro, que está presente, que haja de procurar os necessarios esclarecimentos do seu collega, para por elles responder na proxima sessão, e decidir-se depois este negocio com facilidade, como eu desejo que se decida brevemente, porque é um acto de justiça dar aquelles que teem estudos superiores, e commissões trabalhosas, os meios necessarios para poderem subsistir.
O Sr. Visconde d'Algés: pede a palavra sobre a ordem.
O Sr. Presidente — Antes de dar a palavra a V. Ex.ª tenho a observar que os papeis que vieram para a mesa, e que são relativos á pretenção do Sr. Visconde de Gouvêa, segundo as disposições da Lei é necessario imprimirem-se para seguirem os tramites convenientes. Vão portanto a imprimir.
Agora tem a palavra o Digno Par.
O Sr. Visconde d'Algés: cede da palavra porque era para dizer o mesmo que S. Ex.ª acabava de observar.
O Sr. Presidente — Agora, antes de dar a palavra ao Sr. Ministro da Fazenda, aproveito a occasião para ponderar á Camara, que estes incidentes que se tem passado nesta casa, com quanto sejam muito interessantes, e de resultados mais ou menos proficuos, o certo é que nelles se tem consumido o tempo, que era necessario para tractarmos do objecto da ordem do dia! Isto não me parece regular; portanto creio que a Camara convirá em que eu designe em cada uma das sessões um prazo de tempo em que hajam de ter logar estes incidentes, e que terminado este prazo se passe á ordem do dia (apoiados).
O Sr. Conde de Thomar: não apoia o que S. Ex.ª acabava de indicar, porque a experiencia tem mostrado que não se tira resultado disso. Os
Dignos Pares não abusam. A sessão não foi perdida. Houve alguma cousa desagradavel entre o Sr. Ministro da Fazenda o o Digno Par o Sr. Marquez de Vallada, mas não se póde dizer que o tempo foi perdido. Pois a Camara póde ser accusada de ter perdido o seu tempo? Pois as propostas e projectos importantes que vem aqui não são examinados pelas commissões, e discutidos convenientemente? Parece-lhe que não ha razão nenhuma para queixar da Camara dos Pares, e seria fazer passar esta por baixo de uma grande censura se se dissesse que o tempo tem sido perdido. Pois no principio e no meio desta sessão não se tractaram questões transcendentes, a respeito das quaes se ouviram explicações importantes, mesmo da parte do Governo? Depois disto só por algumas expressões fortes, trocadas entre um Digno Par e um Ministro da Corôa, ha de ser censurada a Camara? É isso motivo para que ella seja censurada? N'uma palavra, a experiencia tem mostrado que sempre que se tem querido dar nova fórma aos trabalhos da Camara as consequencias são peiores (apoiados).
O Sr. Presidente — Eu não disse que o tempo tinha sido perdido, disse que com quanto estes incidentes fossem muito importantes, e de consequencias aproveitaveis, comtudo de hoje em diante tomava esta deliberação. Se o Digno Par não me apoia, nem por isso me tira o direito de consultar a Camara.
O Sr. Conde de Thomar — Pergunte V. Ex.ª se ha numero.
O Sr. Presidente — Sei que já não ha numero, e por essa razão é que não posso agora consultar a Camara.
O Sr. Ministro da Fazenda — É para dizer ao Digno Par o Sr. Visconde d'Athoguia que farei o que S. Ex.ª me pede em relação ao meu collega o Sr. Ministro da Guerra; eu saberei qual é a opinião de S. Ex.ª sobre a questão que se tem ventilado, e a transmittirei á Camara.
Permitta-se-me agora, que eu signifique a V. Ex.ª e á Camara o immenso pesar que tenho de ter tomado algum calor, e proferido com vehemencia algumas expressões que ha pouco empreguei, mas espero que a Camara reconhecerá que a minha situação era um pouco difficil, e não me podia deixar de considerar offendido. Pela minha parte, repito, sinto que se tivesse dado este incidente, pelo respeito que devo á Camara.
O Sr. Marquez de Vallada — Sr. Presidente, eu pedi a palavra, e não costumo recuar, como disse a primeira vez.
Sr. Presidente, a Camara póde avaliar as expressões que eu pronunciei, e a maneira porque me dirigi ao Sr. Ministro, protestando inclusivamente que eu reconhecia as suas boas qualidades; a Camara avaliará o alcance das minhas palavras, e a inconveniencia das expressões injuriosas empregadas pelo Sr. Ministro.
S. Ex.ª extranhou que eu, no uso do meu direito, avançasse certas expressões, que lhe pareceram inconvenientes; extranhou que eu dissesse que o Governo comprava certos apoios a troco de concessões que eu reputava menos honrosas para S. Ex.ª Pois é honroso pagar com empregos publicos a homens sem brio nem pudor, que estão constantemente injuriando esta Camara, e toda a gente honesta e grave; que diariamente desacatam a religião e offendem o pudor publico com artigos infames? E esses artigos é que o Sr. Ministro recompensa com os dinheiros publicos!! Honra-se disto o Sr. Avila; pois se se honra com tal procedimento ninguem lhe tem inveja.
Isto é que eu disse que era deshonroso; mas, quanto ás expressões que o Sr. Ministro acaba de proferir, se S. Ex.ª declara que sente tel-as dito... (O Sr. Ministro da Fazenda — Não é em relação ao Digno Par, é em relação á Camara). Pois eu tambem sustento o que disse. Avalie a Camara o meu procedimento, e compare-o com o acto de má creação do Sr. Ministro da Fazenda. É intoleravel que um homem, que é Ministro do Rei, venha dizer com notavel entono, que é falso o que disse um Par do Reino, que provou o que disse, e que não teme ser desmentido porque os factos fallam mais alto do que os inconvenientes protestos do Sr. Ministro. S. Ex.ª procedeu do uma maneira inqualificavel e inadmissivel entre homens que prezam a propria dignidade. Pela minha parte estou prompto a sustentar sempre as minhas expressões, quando não são contrarias á minha consciencia. Sustento o que disse dentro e fóra desta Camara. Tenho dito.
O Sr. Presidente — A seguinte sessão será na segunda-feira, e a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje, e é os pareceres: n.°s 83, ácerca dos Officiaes de artilheria;'61, relativo á Companhia dos canaes d'Azambuja; e 86, sobre pensões. Está levantada a sessão. Eram quatro horas e meia da tarde.
Relação dos Dignos Parca que estiveram presentes na sessão de 85 de Fevereiro de 1859.
Os Srs.: Visconde de Laborim; Duque da Terceira; Marquezes: de Fronteira, e de Vallada; Condes: das Alcaçovas, do Farrobo, de Mello, de Paraty, de Penanamacôr, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, do Sobral, e de Thomar; Viscondes: d'Algés, d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castro, de Fonte Arcada, da Luz, de Ovar, e de Ourem; Barões: de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; D. Carlos Mascarenhas, F. P. de Magalhães, Ferrão, Margiochi, Aguiar, Larcher, e Brito do Rio.