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cias legaes de recusa e os defeitos do nomeado; estou certo que o sr. ministro havia de attender ás rasões do illustre prelado.

Sr. presidente, eu devo dizer, porque nutro por aquelle prelado a maior sympathia, e tenho-lhe a maior affeição, tratei com elle algumas vezes pessoalmente, e achei que era um pastor que conhecia os seus deveres, que era instruido, e que tinha feito serviços á causa da patria; mas o que me admirou e parece inacreditavel é que os documentos que lhe são attribuidos, e que foram estampados no Diario de Lisboa, estejam de harmonia com o espirito de s. ex.ª Podiam saír da pena, mas não saíram de certo do seu coração; faço-lhe esta justiça. Demonstrarei agora que rasões apresentou o ex.mo bispo contra a idoneidade d'aquelle individuo, e logo tratarei do objecto e das habilitações; mas por emquanto permitta-se-me que diga que s. ex.ª não achou outra cousa mais senão o dizer que o nomeado era um apóstata das ordens. Isto para quem não sabe o que é ser apóstata das ordens dirá: pois o governo foi nomear para um emprego ecclesiastico um apóstata!... Eu mais tarde mostrarei que não concorre cousa nenhuma n'este individuo que o impossibilite de exercer aquelle officio.

S. em.ª accusou a secretaria da justiça, e accusou-a acremente. Eu vou referir as palavras de s. em.ª, se não forem estas, espero que s. em.ª haja de me corrigir e de as rectificar. S. em.ª disse «nunca a secretaria da justiça foi mais arbitraria do que no tempo do governo constitucional». Disse mais «a secretaria está no empenho constante de cercear as attribuições do episcopado». Foram estas as palavras proferidas por s. em.ª?

O sr. Patriarcha: — Apoiado.

O Orador: — Muito bem, s. em.ª apoia. Sr. presidente, estas frases comprehendem uma aspera censura, não só a este ministro, mas a todos os' ministros da justiça do systema constitucional. Não limita a tempo certo, abrange todos os tempos deste systema, são expressivas as palavras « desejo constante de cercear as attribuições do episcopado». Muitos dos membros desta camara, que me estão ouvindo, foram ministros da justiça; alguns já estão inscriptos, e elles dirão se, com effeito, aceitam ou não aceitam a censura de s. em.ª

Sr. presidente, nas frases assim enunciadas, que s. em.ª acaba de ratificar, parece ver-se um espirito, um desejo ou um empenho de combater o systema constitucional; não póde ser outra cousa. Pois ha de ser este systema tão fraco ou tão injusto que consinta uma pressão constante sobre o episcopado, e que os ministros da justiça cerceiam as suas attribuições?!

Mas passando aos factos que apontou s. em.ª, accusa o governo por não ter dado ampla execução ao decreto de 1833; por não ter nomeado provisores, nem vigários geraes e outros empregados; mas isto longe de mostrar arbitrariedade da parte do governo, em usurpar as attribuições do episcopado, mostra, por assim dizer, omissão ou deferencia para com elles, deixando de nomear áquelles que tambem s. em.ª disse que eram empregados ecclesiasticos. Por consequencia nada prova o argumento, porque prova de mais. S. em.ª disse que o decreto é de tal natureza que abrange tambem os provisores e vigários geraes, e que o governo os não tem nomeado. Era melhor mostrar que o governo não tinha nomeado escrivães da camara ecclesiastica, então podia colher o argumento, mas d'aquillo não póde tirar ilação logica para censurar a nomeação do escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra. S. em.ª fez largas considerações a este respeito, ponderando que o decreto de 1833 abrangia os vigários geraes, e que não era possivel que o poder temporal se ingerisse na nomeação d'esses empregados, denominados vigários geraes, que são como os immediatos dos prelados e os seus logares tenentes, porque exercem as suas funcções e não devem ser senão da plena confiança dos bispos; mas s. em.ª ha de convir comigo, que se a confiança dos bispos é precisa para a nomeação dos vigários geraes, pelo mesmo motivo lhes deve pertencer o direito de os demittir quando quizerem e tenham perdido essa confiança. Julgo que esta conclusão é logica.

Pois, sr. presidente, eu vou ler um documento que é muito importante, e fará o reverso do quadro que s. em.ª nos apresentou, citando uma carta regia de El-Rei D. João IV, pela qual mostrou que pertencia n'aquella epocha aos bispos a nomeação de todos os empregos ecclesiasticos, e fez-lhe grandes elogios talvez desconhecendo a epocha em que ella foi publicada, as circumstancias em que estava Portugal, e as dissenções que havia com a corte de Roma, e que até, como medida politica, não devia El-Rei de fórma nenhuma fazer conspirar contra si o clero.

Imitando pois o proceder de s. em.ª, referir-me-hei a um documento do tempo em que tambem havia ruptura com a corte de Roma, documento que partiu de um ministro illustrado, que sabia quaes eram as divisas nas relações entre o espiritual e o temporal, quaes as regalias da corôa, e quaes as attribuições do episcopado; e que por seus actos fez ver ser um d'aquelles estadistas que apparecem de seculos a seculos.

Peço a attenção da camara para a leitura deste documento; é a carta regia de 15 de março de 1776, dirigida ao arcebispo da Bahia, do teor seguinte:

«El-Rei, meu Senhor, vendo a petição da copia inclusa, que á sua real presença fez chegar pelo meu expediente Gonçalo de Sousa Falcão, em que representa a notória violencia, que V. ex.ª lhe fez, depondo-o dos logares de ministro da mesa arcebiscopal de V. ex.ª, que havia occupado por mais de trinta annos e de vigario geral d'esse arcebispado por mais de vinte e sete annos, havendo-o V. ex.ª confirmado nos ditos logares; e tendo-os servido com o mesmo zêlo e préstimo até ao tempo que o suspendeu; sem que V. ex.ª para este procedimento lhe fizesse, como devia, culpa e sobre ella o ouvisse, e lhe admittisse a sua defeza, para que no caso de não ser esta relevante, tivesse então logar a referida deposição; e não podendo deixar de se fazer muito reparavel á indefectivel justiça do mesmo senhor a celeridade e ultraje, que V. ex.ª (usando de poder absoluto) fez ao sobredito vigario geral.: manda Sua Magestade significar a V. ex.ª, que deve logo restituir o referido vigario geral aos sobreditos logares, de que não podia ser deposto, senão depois de haver sido citado e ouvido, e de se guardarem no seu livramento os termos, que o direito natural e divino se fizeram sempre impreteriveis, resultando da falta de observancia d'elles uma clara violencia, que se costuma fazer cessar pelo meio de recurso, o que Sua Magestade houve por bem obviar camarariamente n'este caso, attendendo ao decoro do caracter de V. ex.ª, para o não expor á estrepitosa publicidade do foro nas circumstancias acima referida.»

Eis-aqui como então se entendia o principio da confiança, e nem por isso aquelle prelado julgou offendidas as suas attribuições, nem pediu a sua resignação.

Queixou se s. em.ª de que a secretaria da justiça, por meio de regulamentos, tinha usurpado as attribuições episcopaes. O governo tem estabelecidas na carta constitucional as suas attribuições, e póde fazer todos os regulamentos que julgar necessarios para a execução das leis, ainda mesmo que digam respeito a assumptos ecclesiasticos. E um direito que lhe não póde ser tirado emquanto existir a carta constitucional.

Mas, sr. presidente, o que é mais para notar é que, dizendo-se que o governo não tem direito para fazer estes regulamentos, os proprios reverendos prelados tenham algumas vezes pedido que elles se façam, vindo agora a esta camara arguir o poder executivo por este os ter feito! Não me demorarei em mencionar muitos regulamentos de que me lembro, e entre elles um que se fez no tempo em que eu tinha a honra de exercer as funcções de ministro da justiça, e que dizia respeito a um objecto muito mais insignificante do que de certo é o de, escrivão da camara ecclesiastica: refiro-me aos thesoureiros das freguezias; regulamento feito a pedido de alguns prelados do reino e a cujas disposições 8. em,* tambem annuiu. Note bem a camara que este regulamento foi feito de accordo com o reverendo prelado. Ora, se s. em.ª entendia que o governo não podia fazer este regulamento, porque se tratava de negocios puramente ecclesiasticos, porque não recalcitrou contra as tentativas do governo em fazer esse regulamento pedido por varios bispos? Porque lhe não disse que elle não tinha o direito de o fazer? Mas não é só isto, sr. presidente. Um illustre prelado desta diocese concebeu uma idéa luminosa (e eu lhe dou por isso os meus parabens): para dar impulso á educação do clero, propoz que se provessem seis canonicatos da sè de Lisboa com o onus de ensino no seminario de Santarem. Note bem a camara que tudo isto diz respeito a negocios ecclesiasticos. Este reverendo prelado requereu ao governo que regulasse o caso. Este illustre prelado é s. em.ª; o ministro que fez o regulamento, o sr. conde d'Avila.

Sr. presidente, s. em.ª fez-nos uma demonstração, de que se o reverendo bispo de Coimbra ou qualquer outro quizesse inutilisar a nomeação feita pelo governo, não tinha mais do que chamar a si todo o expediente da secretaria da camara ecclesiastica. Eu não sei se uma repartição onde se trata de processos, de patrimónios que affectam a propriedade; onde se processam ordens, onde se trata de matrimónios, objectos que dizem respeito ao estado civil do cidadão; e cujos documentos authenticos regulam muitos actos das transacções da vida civil o das successões hereditárias; não sei, repito, se uma repartição d'estas que não costuma nem deve passar esses documentos, sem que sejam assignados por um escrivão que lhes dá a fé, e pelo prelado ou por aquella pessoa que faz as suas vezes, póde ser anniquilada pelos ex.mos prelados, sem se estabelecer na sociedade uma anarchia completa e sem levantar uma barreira entre o estado e a igreja.

Sr. presidente, s. em.ª quiz demonstrar que o escrivão da camara ecclesiastica não era um empregado; eu até tomei nota das proprias palavras de s. em.ª quando disse: «Pois aquillo é algum emprego?» Era n'este ponto que eu me achava quando hontem interrompi o meu discurso por ter dado a hora, e no qual vou hoje proseguir.

Sustentou s. em.ª que o poder temporal não podia prover beneficios senão a titulo de padroado; que não podia fazer regulamentos, e que isso era uma usurpação das attribuições do poder espiritual; que a nomeação de todos os beneficios ecclesiasticos pertence aos bispos, e que estava firme no seu posto para defender este direito da igreja.

O sr. Cardeal Patriarcha: — Não disse isso.

O Orador: — Se não disse não continuo, porque não quero de modo algum attribuir a V. em.ª proposições que não avançasse.

S. em.ª disse = que o padroado só podia ser exercido pelo governo em relação aos beneficios de cura d'almas. =

S. em.a fez distincção entre beneficios que têem cura d'almas e os que não têem cura d'almas, mas como tem duvida sobre a apreciação que eu fiz das suas palavras, por isso não proseguirei sobre este ponto.

Como dizia, o reverendo cardeal patriarcha contestou o direito que o governo tinha de nomear empregados ecclesiasticos...

O sr. Cardeal Patriarcha: — E disse que havia muitos empregos d'esta natureza que não haviam sido nomeados pelo governo.

O Orador: — Nesse facto convenho eu Mas s. em.ª soccorreu-se muito ao decreto promulgado pelo Senhor D. João IV, e eu devo responder que a differença é que o decreto do Senhor D. João IV tem a data de 1646, e o do Senhor D. Pedro IV é de 1833, e por isso é este que está

em vigor; tendo sido rubricado pelo sr. José da Silva Carvalho, cuja memoria todos respeitámos.

Sr. presidente, o digno par, o sr. marquez de Vallada tinha aqui citado a opinião de Van-Espen, acrescentando que estava convencido que mais alguem n'est'a camara citaria a opinião d'este escriptor. Mal pensava o digno par que se estava referindo a mim! Sou eu, er. presidente, que recorro á auctoridade de Van-Espen; pois é este auctor que no tomo IV, parte int titulo vi, capitulo IV, falla sobre secretários das camaras ecclesiasticas, e os considera como empregados publicos. Não quero fatigar a camara com a leitura textual desse escriptor, e mesmo porque não me acho com forças para isso; tomára eu te-las para acabar o meu discurso.

Sr. presidente, ha ainda alem d'aquella auctoridade um documento muito importante e que não póde seguramente ser estranho a s. em.ª, não só porque havia de consulta-lo muitas vezes, mas porque o illustre prelado antes de subir á alta dignidade em que hoje se acha, regeu o bispado de Coimbra de cujo escrivão nos occupamos agora. Esse documento é o regimento dos officiaes do auditorio ecclesiastico do bispado de Coimbra, o qual tem um capitulo que trata do escrivão da camara ecclesiastica, a cujo cargo dá o nome de officio. Diz este regimento que o nomeado para servir o officio deve ter uma provisão, de nomeação, e ser ajuramentado; que o escrivão deve ter um livro de registo, como de notas, que este livro será authentico, que depois de findo será guardado na arca das escripturas; e quando falla dos emolumentos e no salario que deve ter o escrivão, declara que se ha de conformar com o regimento d'El-Rei nosso Senhor.

Conclue-se portanto que isto é um emprego e emprego publico; e quando não houvesse esta auctoridade e este documento, lá estava a ordenação do reino, livro II, titulo XX, para tirar todas as duvidas; sendo pois emprego ecclesiastico, e d'esta natureza, não se póde duvidar que está comprehendido no decreto de 1833.

Sr. presidente, o governo não é legislador; o governo encontra uma lei, e trata por consequencia de a cumprir, do que não póde ser arguido. Não se diga pois que é uma vergonha guiarmo-nos hoje pelo decreto de 1833. As leis, emquanto não estão revogadas, devem ser observadas por todos, e não é portanto vergonha que esta lei seja cumprida. O que faltou a s. em.ª foi dizer que, se o decreto de 1833 dava ao governo o poder de nomear outros empregados ecclesiasticos, não lh'o dava para nomear escrivães da camara ecclesiastica. Pois é inteiramente o inverso: se o governo tem auctorisação para nomear uns, tambem a tem para nomear outros.

Eu tenho uma nota, não de todas, mas de algumas nomeações feitas pelo governo para escrivães de camaras ecclesiasticas, e foram ellas feitas pelo sr. Vieira de Castro, pelo sr. Mello e Carvalho, pelo sr. Aguiar, pelo sr. Mártens Ferrão, pelo sr. Antonio Bernardo da Costa Cabral, hoje conde de Thomar, e por muitos outros.

Por consequencia se esta lei tem sido executada constantemente nesta parte, como se vem fazer uma accusação ao actual ministro por ter feito o mesmo que muitos dos seus antecessores fizeram?

Tenho demonstrado que o sr. ministro da justiça estava no seu direito de nomear; agora passarei a tratar da outra questão, a saber, se tinha obrigação de pedir informação ao prelado. Poderia responder simplesmente que não, porque não está regulado o meio de exercer esse direito; mas acrescentarei que não me consta que exista lei ou disposição alguma que n'este caso impozesse ao sr. ministro tal obrigação, e não havendo como se póde dizer que o sr. ministro seja um violador dos seus deveres? Mas, sr. presidente, seria conveniente que o ar. ministro ouvisse o prelado? Direi com franqueza, porque não venho aqui dizer senão a verdade, a verdade nua e crua. Desejaria que s. ex.ª o tivesse ouvido (apoiados), não só por deferencia, mas até para tirar o pretexto de elevar uma questão pequena a uma alta questão de estado (apoiados). Esta falta de deferencia não importa porém desconsideração, de que o sr. ministro é accusado. A desconsideração encerra em si a idéa de uma offensa; não se póde presumir que existe offensa quando não ha o animo e a intenção de a fazer, e esta intenção, este animo não póde existir sem causa; ora eu não sei que o sr. ministro tivesse causa para offender o prelado, nem a tenho visto allegar, não creio pois que houvesse intenção de o desconsiderar. Que empenho poderia ter o sr. ministro em promover esta questão e dar origem a um conflicto? Tinha algum motivo para desconsiderar, para offender o prelado? Não tinha. Se não havia causa para a offensa, para que é presumi-la? Eu, pela minha parte, achava mais proprio que o digno prelado, revestindo-se de sentimentos evangélicos, attribuisse antes a omissão do sr. ministro a um erro, porque ninguem neste mundo está isento de errar, nem o mesmo summo pontífice: o proprio principe dos apostolos errou, negando tres vezes o Divino Mestre.

Assim se explicava tudo. Se o sr. ministro praticou uma falta, attribua-se a um erro.

O sr. Marquez de Vallada: — Ha um erro de data.

O Orador: — Não me admira. V. ex.ª o corregira, e eu aceitarei com gosto a correcção. O que é certo é que quando entre cavalheiros ha uma contestação de honra, logo que aquelle que se julga offendido recebe a devida satisfação do offensor, apertam as rasões e continuam as relações; na questão com o sr. bispo de Coimbra, o sr. ministro da justiça declara ao prelado que as suas intenções não foram offende-lo, que nunca teve em vista desconsidera-lo. Esta satisfação não é aceita, o sr. bispo de Coimbra continua a presumir desconsideração e retribue, o que é mais, offensa por offensa. Eu leiu, sr. presidente, no antigo testamento =Non queeras ultionem, nec memor eris injuriai civium tuolrum=. Levit. 19-18.