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E no novo testamento diz-se isto mesmo pela bôca do principe dos apostolos = Non redentes malum pro maio; nec maledictum pro maledicto, sed e contrario benedicentes ==S. Petr. 3, 19.

Mas qual foi a causa que o sr. bispo attribuiu ao procedimento do sr. ministro da justiça?

Eis as suas palavras = Parece pois que o governo de Vossa Magestade com este seu procedimento injustificado, ou não quer o bem d'esta diocese, ou quer desconsiderar o seu pastor =.

Em qualquer dos pontos d'este dilema que estivesse envolvido o sr. ministro, quando fosse verdade, era indigno de se sentar n'aquellas cadeiras. Pois o sr. ministro póde deixar de querer o bem de um bispado, de todos elles? Pôde ter interesse em desconsiderar um prelado?

Desconsideração! Desconsideração por não ter sido nomeado para escrivão da camara ecclesiastica o individuo proposto pelo prelado, o qual individuo requereu depois e obteve outro emprego de mais alta categoria; pois o logar de conego não póde comparar-se com o de escrivão da camara ecclesiastica, e foi despachado para esse logar. Grande acto de desconsideração! Desconsideração, sr. presidente! Persuado me que no estado em que as cousas estavam collocadas, o sr. ministro fez um assignalado serviço ao sr. bispo em não ter mandado que fosse ouvido. Se o mandasse ouvir, o que responderia s. ex.ª, que se tinha collocado n'uro plano inclinado, que forçosamente o havia de precipitar no abysmo da inconsequência. A demonstração ei-la: No seu officio primeiro, em que faz a proposta, diz o prelado o seguinte =E de necessidade que seja provido quanto antes, e que o seja não em pessoa que o procure para modo de de vida, etc... = e mais abaixo diz, fallando do proposto = se elle merecer regia confirmação, a igreja e o estado ficarão bem servidos, sem se excitar a cobiça de muitos, porque muitos se preparam para requerer =.

Eu não posso conceber que quem requer um emprego retribuido o não requeira como modo de vida, salvo se renuncia aos proventos; nem que o facto de requerer possa ser considerado como cobiça. Quem requer um emprego, porque se julga habilitado para o exercer, não pratica acto reprehensivel, e tem direito aos seus proventos. A doutrina contraria podia voltar-se contra o sr. bispo, não só porque feria o seu proposto, que tambem requereu o emprego sem dizer que renunciava os proventos do officio, mas até porque o inhibia de informar sobre os outros; que diria elle se o sr. ministro o ouvisse, e não quizesse ser in consequente? Diria = todos esses requereram, e n'isso mostraram a sua cobiça; nenhum disse que renunciava aos emolumentos, e por isso buscam o como moo de vida; portanto todos são indignos =. Similhantes principios não são compativeis com a publica administração.

Desconsideração! Se a houve no acto do sr. ministro, então tem-n'a havido em todos os tempos, não só nos do governo constitucional, mas nos tempos passados, pelos quaes muita gente chora e suspira. E ha até uma differença. N'esses tempos não só se praticava a denominada desconsideração, mas até preceituava-se nas leis, o que é mais alguma cousa.

No alvará, denominado das faculdades, de 14 de abril de 1781, onde se mandava ao bispo do Funchal, que para o provimento dos beneficios collados ou não collados (precedendo para aquelles concurso) fizesse proposta graduada dos tres mais dignos, lêem-se estas memoraveis palavras:

«Havendo eu por bem nomear outros ecclesiasticos em logar dos propostos, instituireis e collareis os que pelas referidas cartas vos constar, que foram por mim apresentados; e os fareis logo investir na posse dos seus beneficios.»

Eis aqui uma disposição, onde se diz positivamente, que os prelados fazem as propostas, mas que se o soberano nomear outros, esses serão collados e se lhes dará posse. Temos tambem o alvará de 14 de fevereiro de 1800, que amplia as disposições do outro; ordena que a mesa da consciencia e ordens proceda como se não houvesse propostas dos bispos, e que consulte os propostos e os não propostos.

De maneira que n'aquelles tempos dizia-se aos prelados: «Vós podeis propor, mas o governo ha de nomear quem quizer, ainda que não tenha sido proposto». Eis aqui está a desconsideração preceituada nas proprias leis. Podemos nós acreditar que uma rainha tão piedosa como era a Senhora D. Maria I, e um principe tão religioso como o Senhor D. João VI, quizessem desconsiderar os prelados estabelecendo estas disposições nas suas leis? Certo que não.

Antes da portaria de 13 de agosto de 1849, que veiu regular os concursos ecclesiasticos, raro foi o ministro que não despachasse para beneficios collados, o que é muito mais importante, muito mais transcendente do que a nomeação de escrivão da camara ecclesiastica, sem ouvir os prelados. Consultem se os archivos do ministerio da justiça, onde muitas vezes tenho recorrido (porque isto não são materias que se tratem de leve); consultem-se esses archivos, e lá se verá á verdade do que digo. Ali se encontrarão decretos de despachos ecclesiasticos feitos sem se ter ouvido os prelados, sem que por isso estes se tenham julgado desconsiderados e hajam pedido a sua resignação; ali se verá que este facto, sobre que versa a questão de que nos occupâmos, não é novo, tem havido muitas nomeações d'estas; em 1846, vagando o logar de escrivão da camara ecclesiastica de Aveiro, bispado que estava então governado por um governador que fazia as vezes do bispo, e que por consequencia, se para a nomeação d'aquelle emprego fosse indispensavel ouvir o prelado o governador do bispado devia ser ouvido; foi nomeado um individuo sem preceder esta formalidade.

Presidia aos destinos da sé archiepiscopal de Braga um varão eminentissimo em virtudes e igualmente em saber; um prelado que sabia cumprir exactamente todos os seus deveres, que conhecia até onde chegava a sua jurisdicção, e que sabia sustentar as prerogativas do episcopado; um homem, emfim, e portuguez tão perfeito, que ainda hoje vemos acatar seu nome e merecer a nossa veneração e respeito; fallo de Pedro Paulo! (Apoiados.) Ainda n'esta camara estão muitos dignos pares que, como eu, foram seus discipulos (apoiados). Estando elle á testa daquella diocese, vagou o logar de escrivão da camara ecclesiastica, e o governo nomeou um individuo que foi provido sem ter sido ouvido o prelado sobre as habilitações d'elle para esse emprego.

Pergunto eu, o ministro que mandou assim prover aquelle logar, esse ministro que sabia cumprir o seu dever, que sabe a fundo o direito canónico, e que ainda hoje é um ornamento d'esta tribuna, um ministro dotado de maneiras afiáveis q polidas quereria acaso desconsiderar um prelado como era o arcebispo de Braga, um homem daquella categoria!? Não era possivel.

Ora, sr. presidente, á face dos argumentos que tenho apresentado, alguem póde ainda censurar o procedimento do sr. ministro da justiça? Direi que a insistência não me parece justa. Verdade é que, da parte do sr. bispo de Coimbra algumas imputações se fizeram sobre as qualidades da pessoa nomeada, mas ainda que o sr. ministro já se justificou largamente dos fundamentos sobre que tinha baseado o seu despacho, notarei alguma cousa a este respeito, e sirva isso de resposta ao digno par o sr. marquez de Vallada.

Queixa-se aquelle prelado de que o sr. ministro não tivesse pedido informações á auctoridade competente. Pois todos esses documentos apresentados pelo pretendente, para provar o seu bom comportamento civil, como eram os da respectiva municipalidade, administrador do concelho e governador civil, documentos que mui propriamente juntara ao seu requerimento, bem como aquelles em que comprovava a circumstancia de ser bacharel formado em theologia e em direito, não seriam suficientes para poder exercer um emprego que muitas vezes tem sido servido, não direi por analphabetos, a que me daria direito o concilio tridentino, que já citei, mas por homens que não tinham as habilitações necessarias?

Pretendia o mesmo prelado, que sendo aquelle logar de confiança e exigindo o maior segredo, o individuo para elle nomeado fosse um ecclesiastico, que pretencendo á classe doa celibatários não tivesse familia!

Ora, eu não sei, sr. presidente, que o segredo seja um privilegio da classe clerical, e se o é, algumas vezes tem sido mal guardado, e por isso nos sagrados canones se acham as disposições necessarias contra 08 que revelam o sigilo. O segredo não é só para aquelles empregados, é para todos os empregados mesmo civis. Pois os empregados das secretarias d'estado não devem ser homens de segredo? Os escrivães que tratam dos processos civis e principalmente dos processos crimes, não devem guardar segredo? Os empregados das administrações e dos governos civis, onde o segredo é tão preciso, quando se trata de descobrir um crime, para o que é necessario tirar minuciosas informações e aceitar denuncias, em que ás vezes são compromettidas altas categorias, como succedeu no tempo em que estive á testa do governo civil de Lisboa, não deverão ser tambem homens de segredo? Se não fosse o segredo rigoroso que guardam estes empregados, quantas reputações não perigariam?! E que segredo não é preciso que guardem os tabelliães de notas? Seja-me permittido citar as palavras de um grande escriptor, mr. Villepen, que, fallando d'estes empregados, diz:

«Em todas as occasiões o segredo das pessoas e das familias é a seus olhos tão sagrado com os actos de que elle é depositário. Mas como são muito mais delicadas ainda as funcções do tabellião quando ellas consagram as ultimas vontades!»

Estes empregados, que são todos seculares, não pertencendo á classe dos celibatários, guardam segredo.

Ainda mais, sr. presidente, porque o individuo nomeado tinha tomado ordens e não proseguiu n'essa carreira, chama se lhe apóstata das ordens!

É necessario definir e explicar bem o que quer dizer apóstata das ordens, visto fazer se uma imputação ao sr. ministro da justiça, por haver nomeado para aquelle logar um apóstata. Eu vou explicar, não para a camara que não precisa d'essa explicação, mas para o publico que d'ella carecer, o que se deve entender por estas palavras.

Sr. presidente, o direito canónico reconhece tres especies de apostasias: a apostasia perfidice, a apostasia obdientice, e a apostasia regularitatis. A apostasia perfidice, é a defecção total da fé; dá-se quando o individuo abandona a religião christã, e abraça uma crença inteiramente differente; a apostasia obedientice, é a defecção do estado religioso, quando foi abraçado por meio da profissão, e a apostasia regularitatis, é a defecção do estado clerical, e reversão para o estado secular ou laical. Não é aquella attribuida ao nomeado a verdadeira apostasia, chamada perfidice, que é punida pelo codigo penal, porque então esse individuo devia estar condemnado e fóra de Portugal; não é a apostasia obedientice, porque elle não pertence a ordem alguma religiosa por meio de profissão; não é, por consequencia, senão, como o ex.mo bispo diz, a apostasia das ordens. Mas a esse respeito dizem alguns escriptores, que esta denominada apostasia, quando tem por base o passar para melhor bem, como, por exemplo, quando um individuo se não acha com uma vocação propria do estado ecclesiastico, longe de eer mal é um bem, e até te deve louvar o homem que não se achando com forças para abraçar o estado ecclesiastico o abandona (apoiados). Oxalá que muitos tivessem seguido o exemplo d'aquelles que têem abandonado a vida para que não tinham vocação, porque não teriamos de lamentar, não

digo em regra, mas como excepção, tantos clerigos indignos. —Agora quanto a ordena emanadas da secretaria da justiça, não posso deixar de notar que o proprio sr. bispo de Coimbra reconhece que as determinações enviadas d'aquella secretaria são determinações de Sua Magestade, porque elle mesmo o diz nos seus officios.

Com isto responderei ao que disse hontem s. em." quanto a não serem os prelados subordinados á secretaria da justiça. Eu notarei que os prelados, quanto ao espiritual, são superiores não só á secretaria da justiça mas a todos nós; eu rendo, e sempre rendi, a maior veneração e respeito a s. em.ª, como meu prelado e meu pastor; mas no temporal, temos outros deveres, e temos tambem a lei (apoiados). Aquelle prelado de Coimbra ao menos reconheceu que a ordem não era da secretaria mas sim do Rei. A secretaria é um intermediario; o ministro é o responsavel pelas ordens dimanadas do Rei, e ás ordens que são dimanadas do Rei, e em conformidade das leis, não podem os prelados desobedecer, dizendo: «não cumpro, porque esta ordem veiu da secretaria, e eu sou muito superior a ella». Não podem tambem dizer: «não posso cumprir as determinações de Sua Magestade, porque isso repugna á minha consciencia, e para evitar conflictos peço licença para resignar».

Eu tenho lido na sagrada escriptura um texto que era muito da affeição dos sectarios do antigo systema absoluto, é o seguinte: quid resistit potestati, dei ordinationi resistit. Ep. ad Rom. cap. 13.

Mas o sr. bispo de Coimbra não entendeu assim a sagrada escriptura, repugna á sua consciencia observar as determinações do governo, que estava no direito de fazer aquella nomeação, em virtude da lei de 1833!

Pois, sr. presidente, póde haver resistencia quando a lei é clara? S. ex.ª quando entrou para o episcopado, e quando subiu até essa cadeira e ahi prestou o juramento solemne de respeitar a constituição do estado e ser obediente ás leis do reino, não viu que a sua consciencia podia pôr-se de permeio? Porque aceitou então o episcopado e o paria-to? Porque prestou o juramento? Sr. presidente, entendamos bem, a consciencia não é attributo privativo do episcopado; a consciencia deu a Deus a todos os individuos, aos bons para sua satisfação, e aos maus para ser o seu juiz e o seu algoz. Se se consente que todo o individuo, bom ou mau, possa dizer: «eu não posso cumprir a lei, porque a minha consciencia rn'o veda», onde irá a administração publica com taes principios? Qual será a nação que se possa governar, quando os individuos que têem deveres a cumprir, poderem dizer: «não cumpro, porque a minha consciencia me não permitte».

Mas n'estas circumstancias perguntou o digno par do reino, por quem tenho toda a consideração, o sr. marquez de Vallada, querem arrastar um velho d'aquella idade aos tribunaes e encerra-lo depois n'uma masmorra? Digo que não, mil vezes não, não o desejo, nem tal ha de succeder; entretanto devo dizer a s. ex.ª que não ha nada superior á lei, e permitta me a camara que leia um documento de grande alcance, não de agora, mas do tempo em que se davam muitos privilegios ao clero, e este documento servirá de resposta a s. em.ª, sobre o direito que disse terem os bispos de rejeitar as nomeações dos apresentados.

O bispo do Porto não quiz collar o apresentado na igreja de Fandinhaes, houve no desembargo do paço accordão em que se mandou proceder contra elle na fórma da ordenação e estylos do reino; n'essa epocha ainda as temporalidades não estavam reduzidas a escripto, d'ahi nasceram duvidas entre os juizes da relação do Porto e o bispo d'aquella diocese, e providenciou se pela carta de 21 de junho de 1617 da maneira seguinte:

«Que não obedecendo os prelados ou juizes ecclesiasticos aos assentos do desembargo do paço, e dando ordem os ministros do dito tribunal que contra os prelados ou juizes ecclesiasticos se proceda na fórma do estylo; os ministros a que se der a dita ordem poderão proceder, mandando aos ditos prelados ou juizes ecclesiasticos sequestrar e embargar suas rendas patrimoniaes ou ecclesiasticas, e os moveis que se acharem fóra de suas casas... e outrosim embargar as cavalgaduras em que actualmente não forem a cavallo, e notificar aos creados seculares que os não sirvam, e continuando o serviço serão presos e castigados conforme a desobediencia. E sendo caso que precedendo todos estes meios (o que não se espera) os ditos prelados do reino e suas provincias, colleitor de Sua Santidade e juizes ecclesiasticos não obedeçam aos ditos assentos do tribunal do paço, poderão desnaturalisar os juizes ecclesiasticos. E quanto aos prelados e colleitores de Sua Santidade, embargadas as temporalidades, na fórma sobredita, pedindo o excesso da sua desobediencia maior demonstração se me dará conta.»

E que succedeu, sr. presidente? O bispo de Fossembruno, colleitor de Sua Santidade, veiu com o anathema da censura contra os desembargadores do paço, o que deu occasião a outra resolução de 28 de julho de 1620, em que se lêem estas notaveis palavras «a novidade d'este excesso se se permittisse, seria em grande prejuizo da soberania e poder real, e em grande vexação e perturbação d'este reino... e não é justo que o colleitor pretenda introduzir novidades e perturbar por este modo a soberania real. Hei por bem e mando, que em caso que elle ou algum dos seus successores procedam com censuras contra os desembargadores do paço pelo dito respeito, possam ser lançados do reino, sem para isso se esperar outra especial ordem ou mandado meu».

Não se carecia de mais ordem de El-Rei, bastava o facto da censura para o colleitor ser lançado fóra do reino.

Eis-aqui está, sr. presidente, como se procedeu então; não era no tem po constitucional, era nos tempos antigos, era mesmo no tempo de Filippe H, esse homem tão religioso que fez grandes serviços aos catholicos da Irlanda, e que pres-