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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sessão de 20 de junho de 1868

PRESIDENCIA DO EX.mo SR. CONDE DE CASTRO

VICE-PRESIDENTE

Secretarios os dignos pares Marquez de Sabugosa.

Visconde de Soares Franco.

(Assistem os srs. Presidente do Conselho, e Ministros da Justiça e da Fazenda.)

Pelas duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 20 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. Secretario (Marquez de Sabugosa): — Mencionou o seguinte:

Officio da presidencia da camara dos senhores deputados remettendo, para ser presente á camara dos dignos pares, a proposição sobre ser auctorisado o governo para a cobrança dos impostos e mais rendimentos publicos, relativos ao exercicio de 1868-1869, e sua applicação legal. À commissão de fazenda.

O sr. Marquez de Sá da Bandeira: — Sr. presidente, pedi a palavra para renovar a iniciativa de um projecto de lei, que tem sido já apresentado em legislaturas anteriores. È sobre a abolição da escravidão nas provincias ultramarinas. Não lerei o preambulo, e unicamente os artigos do ultimo projecto que apresentei, e que tem a data de 21 de janeiro de 1867 (leu).

Sr. presidente, nós não podemos persistir no estado em que nos achamos. Sobre isto fallei já ao sr. ministro da marinha e ultramar, e s. ex.tt prometteu que, logo que a commissão respectiva lhe indicasse o dia em que devia comparecer no seu seio, s. ex." immediatamente satisfaria os desejos da commissão, a fim de que este negocio tenha o melhor andamento possivel, e com a urgencia que reclama a sua importancia.

Sr. presidente, é preciso que nos lembremos de que Portugal não pôde por mais tempo conservar o estado de escravidão nas suas colonias, porque todos os paizes que têem colonias ou aboliram, ou estão em caminho de abolir a escravidão. Até ultimamente no Brazil se têem apresentado nas camaras varios projectos sobre este assumpto; e á vista d'este movimento, havemos nós de conservar o estado de escravidão nas nossas colonias? Não o devemos fazer, nem podemos, porque não podemos deixar de mandar observar ali o codigo civil, e este não reconhece escravos. Eu desejarei que as camaras approvem unanimemente o parecer que a commissão der a este respeito, deixando de existir esta condição ignominiosa de uma vez para sempre. Peço pois a attenção da respectiva commissão sobre este assumpto, e que apresente o seu parecer com a possivel brevidade, para que entremos quanto antes na discussão d'elle.

Mando para a mesa a minha proposta.

O sr. Presidente: — Vae á commissão de marinha e ultramar. Tem a palavra o digno par, o sr. duque de Loulé.

O sr. Duque de Loulé: — Creio que o sr. visconde de Fonte Arcada tinha pedido primeiro a palavra.

O sr. Presidente: — O sr. visconde de Fonte Arcada pediu a palavra depois de V; ex.ª, e por isso é V. ex.ª o primeiro a usar d'ella.

O sr. Duque de Loulé: — Sr. presidente, tendo recebido esta manhã pelo correio uma proclamação impressa, em que se chama o paiz á revolta e se expõem doutrinas inteiramente subversivas, sabendo que outras pessoas a receberam, devendo naturalmente ser publicada e distribuida com profusão; e como n'esta proclamação se faz menção do meu nome, e parece contar-se com a minha annuencia e apoio, julgo dever declarar que sou inteiramente alheio a similhante facto, que o reprovo e repillo com toda a força e energia.

Para que a camara possa fazer idéa d'este documento lerei as suas ultimas phrases (leu).

Não sei que haja dictadura constitucional.

Estas declarações que acabo de fazer, escuso de o dizer, não são para a camara, estou certissimo que ella me faz a devida justiça (apoiados); mas faço-as, porque póde haver alguns incautos, que se deixem illudir.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, pedi a palavra para apresentar um requerimento á camara; mas em vista do que ouvi ao sr. duque de Loulé, eu terei tambem que dizer alguma cousa sobre a proclamação a que s. ex.ª se referiu. Occuparei pois mais algum tempo á camara do que esperava antes de se suscitar este incidente.

Em primeiro logar remetto para a mesa um requerimento do sr. Francisco José Antunes, que pede se lhe mande pagar uma conta, que ainda se lhe está devendo, relativa ás obras d'esta casa.

Quanto á proclamação a que s. ex.ª, o sr. duque de Loulé, se referiu, e de que leu unia parte, direi que tambem recebi um papel igual áquelle, de que não tencionava occupar-me, mas como s. ex.ª julgou dever referir-se a elle, não posso deixar de dizer algumas palavras a similhante respeito.

O que elle revela é que ha pessoas que pretendem explorar a inquietação e desassocego em que o paiz se acha, e para isto é que chamo a attenção da camara e dos srs. ministros.

Sr. presidente, é fóra de toda a duvida que o paiz está agitado, e que tudo isto que se está vendo são symptomas da agitação.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Peço a palavra.

O Orador: — E certo que se não têem tomado as medidas que são necessarias para acabar com a agitação; o paiz está em espectativa ha muito tempo; a administração passada seguiu uma politica, que nos arrastou ao estado em que estamos.

O governo que está agora na gerencia dos negocios publicos não conheceu, quando tomou conta da administração, nem a sua situação nem a do paiz; se a tivesse conhecido, alem da revogação das tres leis mais impopulares do ministerio transacto, deveria ter apresentado um systema de administração, que evitasse as causas que conduziram o paiz; ao estado em que se acha, para que assim socegasse e tivesse confiança em a nova situação politica; mas não o fez.

Apresentou depois de muito tempo alguns projectos na camara dos senhores deputados, cuja utilidade é muito duvidosa e cuja realisação ha de ser extremamente perigosa e difficil.

Ora, sr. presidente, quando na camara dos senhores deputados se tratava de revêr o orçamento, que tinha sido remettido á respectiva commissão, para que ella desse o seu parecer e visse quaes as despezas que se podiam cortar, é

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quando a commissão, fazendo mais demorada a discussão do orçamento, demittiu de si aquelle dever e remetteu-o outra vez para a camara, para que ella lhe fizesse as alterações que julgasse necessarias, para depois serem remettidas á commissão, invertendo assim as respectivas attribuições, tornando-se a commissão em camara e a camara em commissão.

Vozes: — Não pôde referir-se ao que fez a outra camara.

O Orador: — Perdoem-me vv. ex.ªs, porém é necessario que me refira a este facto, porque pretendo fazer uma pergunta aos srs. ministros, e depois me dirão se estou ou não fóra da ordem e se a podia fazer sem alludir á outra casa.

Pergunto aos srs. ministros se, á vista do artigo 46.ª da carta constitucional, que diz o seguinte:

«O poder executivo exerce por qualquer dos ministros d'estado a proposição que lhe compete na formação das leis, e só depois de examinada por uma commissão da camara dos deputados, aonde deve ter principio, poderá ser convertida em projecto de lei.»

Pergunto, repito, se entendem que um só ramo do poder legislativo pôde interpretar um artigo da carta sem intervenção do outro e sem a sancção do rei? E a isto que eu quero que os srs. ministros me respondam. «

O sr. Conde de Thomar: — Eu peço a V. ex.ª que me conceda a palavra sobre a ordem.

O Orador: — Pergunto agora aos dignos pares se estou fóra da ordem, e se entendem que a camara dos senhores deputados pôde tomar uma resolução, como a que tomou, interpretando um artigo da carta constitucional sem a intervenção d'esta camara e do rei?

O que é verdade é que aquella determinação da outra casa demora a discussão do orçamento, de que depende a final organisação da fazenda, que os srs. ministros dizem que hão de apresentar para janeiro, ou talvez para as kalendas gregas!

Sr. presidente, é preciso que se reconheça que o paiz não pôde ser governado assim; é preciso que se saiba que a nação portugueza tem direito a que façam justiça aos seus clamores, porque elles são justos e datam de ha muito tempo. Eu não quero dizer que os srs. ministros actuaes são responsaveis por este estado de cousas, o mal é muito antigo, e por isso maior é a necessidade de que os srs. Ministros actuaes apresentem a organisação definitiva da fazenda, para que ha de concorrer muito a discussão do orçamento.

Eu não tinha agora tenção de fallar sobre este assumpto, mas fui levado a isto pela leitura que o sr. duque de Loulé fez da proclamação, e só tencionava pedir a palavra para explicar o meu voto sobre o projecto em discussão.

O sr. Presidente: — O requerimento que diz respeito ao negocio do sr. Antunes, vae ser remettido á commissão administrativa da camara. Agora está inscripto sobre a ordem 0 digno par, o sr. conde de Thomar, mas tem primeiro a palavra o sr. presidente do conselho, que a pediu por parte do governo.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Conde d'Avila): — Ninguém faz mais justiça do que eu ás rectas intenções do digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, mas na verdade parece que s. ex.ª quer provar que é o auctor d'esta proclamação a que o sr. duque de Loulé acaba de referir-se, porque o nobre visconde queria tambem uma dictadura rasgada. Eu não a quero, e declaro francamente que sou inimigo das dictaduras. Dictadura constitucional, como a quer a proclamação, não sei o que seja; dictadura illustrada pôde ser, porque já a tivemos.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Peço a palavra para uma explicação.

O Orador: — Eu já disse que ninguem faz mais justiça ás rectas intenções do digno par do que eu.

A censura de s. ex.ª a este ministerio reduz-se a que elle não assumiu a dictadura em larga escala. É verdade. O ministerio usou da dictadura unicamente n'aquillo que julgou que era indispensavel para dar satisfação ás necessidades do paiz, e sobre as quaes o paiz se tinha pronunciado, e entregou o resto ao corpo legislativo. Agora diz o digno par «o paiz está geralmente agitado». Respondo não façamos nós a agitação, porque o paiz não está agitado, e tanto não está que não fez effeito algum essa proclamação. O sr. duque de Loulé julgou conveniente repellir a responsabilidade que lhe podia provir d'esse papel; mas responsabilidade que ninguem lhe pediu, porque ninguem acreditaria que s. ex.ª podia ter aconselhado tal publicação, ou cooperado para ella; mas como o nome do sr. duque figura n'este papel, s. ex.ª entendeu dever chamar a attenção da camara, o fez muito bem, para protestar contra toda e qualquer cumplicidade que lhe quizessem attribuir n'este documento, mas ninguem acreditou em tal, e basta ver que todos olharam para este papel com a desconsideração que elle merece; todavia o sr. duque de Loulé fez o que devia.

A proclamação diz:

«O nobre duque de Loulé acaba de declarar-se abertamente em plena opposição ao governo do conde d'Avila.» E mais abaixo:

«Só uma dictadura illustrada pôde salvar o paiz. Aceite o duque de Loulé esse principio, e verá em torno de si toda a nação.»

A proclamação acaba assim:

«Que o grito da revolução rebente por toda a parte, que haja uma só vontade, que ella se resuma n'este grito de guerra:

«Abaixo o ministerio!

«Abaixo o parlamento! " «Viva a dictadura constitucional e illustrada! »

O sr. duque de Loulé fez pois muito bem em vir declarar que, não só não aceita estas doutrinas, mas que está perfeitamente em opposição com ellas. Foi isto o que me

pareceu ter ouvido ao nobre duque. (O sr. Duque de Loulé: — Apoiado.)

Por consequencia s. ex.ª fez um excellente serviço, proprio dos principios, liberaes que tem seguido toda a sua vida, porque agora fica-se conhecendo, não digo na camara, porque não é preciso, mas fóra d'ella, onde pôde haver gente que julgasse o contrario, que o sr. duque de Loulé repelliu a complicidade n'um tal papel, que não podia ser redigido senão por inimigos de s. ex.ª

Quanto á agitação, de que fallou o sr. visconde de Fonte Arcada, repito, que o paiz está tranquillo e que o não agitemos nós com alguma palavra mal pensada. Eu tenho obrigação de ter informações mais cabaes do que o digno par, e posso asseverar a s. ex.ª que o paiz está tranquillo e que as leis são cumpridas.

O motivo principal que o digno par tem para não estar contente comnosco é porque nós não usámos largamente da dictadura! Esta circumstancia, quanto a mim, só prova a favor da actual administração.

S. ex.ª acrescentou que o governo só passado muito tempo é que se apresentou ás camaras com um complexo de medidas, que o digno par teve a bondade de discutir já, em logar de esperar que ellas viessem da outra camara. Não é exacto o que s. ex.ª disse. O governo apresentou na outra camara, logo que ella se constituiu, essas medidas. Queria o digno par que o governo apresentasse na camara projectos, quando ella não podia funccionar, porque estava occupada na verificação dos poderes dos seus membros? Logo que a camara se constituiu apresentámos ali os projectos, que podemos confeccionar no pouco tempo que tivemos, e pedimos acamara que, se julgasse bons esses projectos, os votasse, e declarámos que preparávamos outros para submetter ao seu voto.

Dissemos mais que, se as camaras entendessem que deviam fazer qualquer modificação nos mesmos projectos, nós a aceitaríamos quando não sacrificasse o seu pensamento, e pelo contrario o melhorasse.

Com relação a economias fazemos o aceitamos todas as que não desorganisem os serviços publicos, porque economias que desorganisem esses serviços só produzem augmento de despeza.

O digno par, alludindo ao methodo adoptado ultimamente na outra camara para a discussão do orçamento, que s. ex.ª declarou contrario ao artigo 46.° da carta, perguntou ao governo se estava de accordo com esse procedimento. Ainda que entendo que esta camara não tem direito para discutir e censurar o que se passa na outra camara, comtudo parece-me que me deve ser permittido repellir a censura explicando um acto que, quanto a mim, só merece louvores.

O que demonstra a experiencia da discussão do orçamento na camara electiva? Demonstra constantemente o seguinte — a commissão do orçamento, depois de muito tempo empregado em preparar os respectivos pareceres, apresenta-os á discussão, durante a qual são mandados para a mesa muitos additamentos e emendas, que de ordinario contrariam os trabalhos da mesma commissão. Esses additamentos e emendas são mandados á commissão, a qual dá um parecer definitivo, que é submettido á camara. Ha pois rigorosamente dois pareceres. Pelo methodo ultimamente adoptado supprime-se o primeiro aceitando como parecer da commissão o proprio orçamento: poupa-se assim muito tempo, porque cada sr. deputado manda para a mesa as propostas, modificações e additamentos que julga convenientes, os quaes vão á commissão. No entretanto a propria commissão continua no seu exame, e no fim dá um parecer sobre todas essas propostas, ajuntando as que lhe foram suggeridas já pela discussão, já pelo estudo que ella mesma fez sobre o assumpto. Não ha pois d'esta maneira a menor violação das disposições do artigo 46.° da carta constitucional, a que se soccorreu o digno par.

Mas se porventura o digno par julga que estas considerações não são exactas, formule uma proposta por escripto, que será remettida a uma commissão, e esta dará um parecer que discutiremos plácidamente, sem que para isso seja necessario empregar expressões que possam ferir o melindre da outra casa do parlamento, taes como, por exemplo, que a camara tinha sido convertida em commissão e a commissão em camara; perdôe-me o digno par que lhe diga que foi muito inexacto n'esta apreciação.

Disse tambem o sr. visconde de Fonte Arcada, que a nação tem direito a que se faça justiça aos seus clamores; de certo; mas eu perguntarei ao digno par se a nação não usou das suas prerogativas elegendo livremente os seus representantes? Quer o digno par vir aqui contestar a legitimidade das ultimas eleições? Não o quer de certo; portanto se a nação está representada pelos deputados que elegeu, deixemos a estes usar das suas attribuições, e não digamos ao paiz que está mal representado, ou que recorra a outros meios para satisfazer os seus desejos, porque esta linguagem é que pôde produzir a agitação de que fallou o digno par.

Não concorramos pois nós para que essa agitação exista, ou levantando no parlamento questões irritantes, ou pronunciando palavras cujo alcance não tenhamos bem medido, e que produzam os inconvenientes que queremos evitar.

O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, não pedi a palavra sobre o assumpto de que se occupou o sr. duque de Loulé, porque a proclamação é uma segunda phase da machina infernal de outros tempos. Pedi-a sobre a ordem, porque me pareceu inconveniente e illegal a accusação que um digno par acaba de fazer á camara dos senhores deputados por uma decisão que ella tomou.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Peço a palavra. O Orador: — Não temos direito para tal. A camara dos senhores deputados pôde resolver sobre os negocios que lhe são affectos como melhor o julgar, assim como nós, quando a questão vier a esta camara, podemos tomar uma decisão inteiramente contraria (apoiados), isto é que é regular. E permitta-me o sr. presidente do conselho ponderar-lhe que tambem se me figurou inconveniente a defeza, e tanto assim que, se me achasse no logar do sr. presidente quando s. ex.ª alludiu á camara dos senhores deputados, te-lo-ía chamado á ordem, para que a discussão não progredisse.

Não esqueçamos, sr. presidente, os verdadeiros principios constitucionaes. Assim como não podemos querer que a camara dos senhores deputados discuta os nossos actos, porque não tem direito para faze-lo, tambem nós não devemos discutir os actos da outra casa do parlamento pela mesma rasão. Guardemos as conveniencias e as distancias que a carta estabelece entre um e outro ramo do poder legislativo, e não vamos invadir alheias attribuições.

Limito a isto, sr. presidente, as minhas considerações, pedindo a V. ex.ª que todas as vezes que uma questão d'esta ordem e natureza aqui for apresentada procure impedir que ella progrida.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, julgando ter direito a dar algumas explicações sobre o que a meu respeito se disse, por isso pedi a palavra.

Começarei por declarar ao sr. presidente do conselho, que me accusou de adherir á ultima parte da proclamação, que das minhas palavras não se podia deduzir similhante cousa. Eu o que disse foi que era necessario que os governos tomassem em consideração tudo o que se tem dito, tendo em vista o verdadeiro estado em que se acha o paiz, estado que eu não sei qualificar de outro modo senão de agitação e grande; e por isso, sr. presidente, disse que em vista do estado do paiz era necessario que os poderes publicos se persuadissem da necessidade de acabar com essa agitação, o que de certo se não poderá obter sem as maiores e mais severas economias; pedindo então, depois dellas realisadas, os meios para se poder fazer face ao deficit; mas sem que essas economias se façam continuará sem duvida n'esse estado de agitação o paiz, estado que de certo todos lamentamos.

Eu avalio o paiz pelo meu coração e pelos meus sentimentos, e creio que na apreciação que por este modo faço não estou em erro, e a prova é que quasi todas as situações que tenho combatido têem tido sempre, pouco mais ou menos, o mesmo fim que teve o ministerio que ultimamente estava á frente dos negocios publicos. Se pois isto se dá é porque eu avalio as cousas de um modo exacto, e por isso, sr. presidente, não é preciso ter muita intelligencia, basta só o conhecimento dos factos e a boa rasão para os apreciar; basta ter frequentado os' nossos parlamentos ha mais de quarenta annos.

Agora, sr. presidente, respondendo ao sr. conde de Thomar, devo dizer que eu não podia deixar de perguntar aos srs. ministros se entendiam que se podia interpretar este ¦ artigo da carta constitucional por outro modo que não fosse uma lei, e para isso não podia deixar de me referir á camara dos senhores deputados. Ella é independente; mas não se segue por esse facto que o governo approve o arbitrio que ella adoptou, e por isso eu lhe dirigi esta pergunta para saber a sua opinião.

Não me parece pois que estivesse fóra da ordem, nem que merecesse as censuras que se me fizeram.

Não pretendo avaliar a legalidade das ultimas eleições, como disse o sr. presidente do conselho; mas quantas vezes tenho eu dito n'esta camara que o parlamento está mal constituido? Immensas vezes. E cada vez estou mais persuadido d'isso, e mais convencido que é necessaria uma reforma parlamentar. Tudo o que se está passando indica a necessidade d'essa reforma, que não quero que seja feita nas praças, mas pelos poderes politicos.

Portanto, quando digo isto, é porque reconheço que o paiz não está representado como devia estar, e estou cansado de o repetir. Já porém a minha opinião tem sido apoiada n'esta casa por alguns dignos dignos pares e pelo sr. conde de Samodães; alem d'isso, fóra d'esta camara, voga esta mesma idéa, como se vê pelo programma politico assignado no Porto pela mesa de uma reunião eleitoral, de que era presidente o sr. conde de Samodães, e em Lisboa por outro documento assignado por pessoas muito respeitaveis, algumas das quaes fazem parte d'esta camara.

Eu não quero semear a desordem no paiz, pelo contrario quero evita-la, até porque não tenho tenção de medrar com ella, nem de me aproveitar dos seus resultados.

Parece-me que tenho respondido convenientemente tanto ao sr. conde de Thomar, como ao sr. presidente do conselho, e por isso não direi mais nada.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Direi apenas duas palavras á camara. Ella viu que o sr. conde de Thomar e eu estamos de accordo, a verdade porém é que o sr. visconde de Fonte Arcada tinha interpellado o governo sobre a interpretação do artigo 46.° da carta constitucional, e o silencio dos ministros a este respeito podia indicar que se achavam na absoluta impossibilidade de responder ao digno par, quando é precisamente o contrario, como acabo de demonstrar. Esta explicação da parte do governo era tanto mais necessaria quanto que se tem espalhado, e procurado fazer acreditar no paiz, que quando o governo apresentou ao parlamento a proposta de auctorisação para a cobrança dos impostos tinha a firme resolução de aconselhar o adiamento das camaras, e não promover a discussão do orçamento e das medidas que havia proposto ao parlamento. O governo tinha por isso absoluta necessidade de explicar ao sr. visconde de Fonte Arcada o acto a que s. ex.ª se referiu, e explicar como entendi e entendo ainda, e n'isto persuado-me que fui fiel interprete da resolução adoptada na outra camara, isto é, que esse acto, alem de não ferir os preceitos constitucionaes, só merece louvores.

Agora quanto a dizer o sr. visconde de Fonte Arcada que julga o paiz pelo seu coração, responderei que o cora-

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ção de s. ex.ª ê excellente, e que por consequencia a melhor cousa que podia desejar-se era que a situação do paiz fosse tal qual o coração do digno par. N'esse caso a situação do paiz seria a melhor de todas as situações. Mas o digno par o que quiz dizer foi que avaliava a opinião do paiz pelo seu modo de ver as cousas; e como s. ex.ª não está contente julga que o paiz tambem o não está. Não digo que o paiz esteja contentíssimo, mas não está por certo tão descontente como a s. ex.ª parece.

O sr. Mello e Carvalho: — Requeiro que se julgue se este incidente está terminado, para se passar á ordem do dia.

Posto á votação este requerimento, foi approvado. - O sr. Rebello da Silva: — Era para fazer um requerimento identico ao que acaba de fazer o digno par, isto é, para pedir á camara quizesse pôr termo a este incidente, que não pôde guiar a cousa alguma, para passarmos á ordem do dia.

O sr. Presidente: — Este incidente está acabado, porque ninguem mais tem a palavra. Antes da ordem do dia tem a palavra o sr. Larcher.

O sr. Larcher: — - E para declarar a V. ex.ª e á camara que por motivos graves tenho faltado ás sessões d'esta camara, e tendo que faltar ainda mais algumas espero que a Camara me relevará d'isso; na certeza de que em breve poderei acompanhar os trabalhos com regularidade.

O sr. Vaz Preto: — N'uma das sessões passadas tinha eu pedido ao sr. ministro da fazenda para me dar explicações a respeito da fabrica real da Covilhã; s. ex.ª encarregou-se de examinar este negocio; e agora pedia-lhe que me dissesse se effectivamente estava preparado para tratar d'esta questão. Se não está preparado para ella, mandarei uma nota de interpellação e pedirei documentos a este respeito.

O sr. Ministro da Fazenda (Dias Ferreira): — É para declarar ao digno par que o negocio, a que s. ex.ª se refere, está affecto ao procurador geral da fazenda, d'onde espero que venha em breve, e logo que o processo tenha entrado na secretaria da fazenda, eu darei ao digno par as explicações que pede.

O sr. Vaz Preto: — Depois das explicações do sr. ministro da fazenda, mais nada tenho a dizer.

ORDEM DO DIA

CONTINUA A DISCUSSÃO DO PARECER N.° 3 E DO ADIAMENTO PROPOSTO PELO SR. DUQUE DE LOULÉ

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, não fatigarei a camara com muitas reflexões ácerca do projecto em discussão; não abusarei da sua benevolencia para longas dissertações; apenas me limitarei a demonstrar que pela fórma por que está redigido, não se entende qual o seu sentido, nem qual o pensamento do governo, nem elle mesmo parece que o sabe. Eu tenho ouvido e lido as explicações dos srs. ministros n'esta e na outra casa do parlamento, e por ellas vejo que o pensamento do governo está em completa contradicção com o projecto. Diz o projecto:

«Artigo 1.° O governo é auctorisado a fazer crear e emittir pela junta do credito publico, até ao fim de dezembro proximo futuro, a somma em inscripções do juro de 3 por cento que for indispensavel para servir como garantia supplementar aos emprestimos e supprimentos contrahidos sobre titulos de igual natureza Ou para garantir se for necessario os que não tinham tido penhor até agora.»

A vista d'esta redacção devemos procurar o sentido, o mais obvio, a cada uma das suas palavras. As palavras garantia supplementar referem-se á divida existente, ou com penhor ou sem elle; sendo assim, concluir-se-ia que os prestamistas, na actualidade, n'estas circumstancias poderiam dispensar uma garantia que o seu proprio contrato não lhes dá nem lhes permitte: vejamos se posso ser mais claro.

Isto quer dizer que o governo pede uma auctorisação para reforçar 'os penhores d'aquelles emprestimos e supprimentos que já o têem, e para os dar aquelles que ainda o não têem. Mas V. ex.ª e a camara vêem que para estes contratos, que estão feitos até hoje com o governo, não pôde haver reforço de penhor para aquelles que o têem, nem para os que não têem essa nova concessão; pois os prestamistas forçosamente se hão de sujeitar ás condições com que contrataram, porquanto não lhes assiste o direito de allegar garantias que não têem: sendo isto assim, hão de conservar-se os penhores taes quaes estão; como quer pois o governo pedir auctorisação para reforçar o que não carece de reforço? Desde o momento que os prestamistas apresentem as suas letras vencidas, e o governo as reformar, faz um contrato novo, e então este artigo devia referir-se a novação do contrato e não aos emprestimos existentes, e o governo pedir auctorisação para emittir as inscripções necessarias para satisfazer aos seus novos contratos. Por estas simples e singelas observações vê a camara que a fórma por que está redigida esta proposta não satisfaz ao pensamento do ' governo, expresso aqui e na outra casa do parlamento pelos srs. ministros do reino e da fazenda. N'este caso a auctorisação, como pôde ser interpretada por diversas formas e modos, pôde ter a extensão que essas interpretações lhe quizerem dar; portanto veja a camara o que vae votar, e se está resolvida a dar uma auctorisação sem limites. Emquanto á redacção, não ha duvida que a sua obscuridade e confusão não dá a mais pequena garantia; consideremos pois a proposta tambem emquanto ao praso. Pedindo o governo auctorisação até 31 de dezembro, nós devemos considerar duas epochas bem distinctas n'este espaço; a primeira, até ao fim do anno economico, que é 30 de junho; e a segunda, desde 1 de julho até ao fim de dezembro, isto é, os primeiros seis mezes do anno economico futuro. Quanto á primeira epocha, esta auctorisação parece-me desnecessaria, não só pelas declarações do sr: ministro da fazenda, que diz ter auctorisação para proceder ácerca do deficit e divida fluctuante, mas porque seus antecessores alguma cousa deviam ter feito a este respeito, e portanto o governo não pôde nem deve pedir auctorisação que já tem, sem dar conta d'essa que lhe foi concedida para aquellas operações até ao fim do anno economico. O governo tinha auctorisação e meios para occorrer ao deficit que existe no actual anno economico. Qual foi o uso que o governo fez d'essa auctorisação, como e de que modo se serviu d'ella? Perguntarei tambem aos srs. ministros para que serviu então o emprestimo de 5.000:000 libras, se não foi para attenuar aquelle deficit? Até ao fim de junho se o governo não soube ou não pôde attenuar todos os effeitos do deficit e divida fluctuante, comprehende-se que elle o fizesse por expedientes, por meios de rotina, por meios que não estão sujeitos a systema algum: mas findo este anno economico devia começar uma era nova em harmonia com as idéas emittidas por ss. ex.ªs, e em accordo com o conjuncto de medidas do sr. Dias Ferreira e seu programma.

Se comtudo o governo entendesse que, apesar dos seus esforços, não podia ainda inaugurar essa era nova, e que carecia de uma auctorisação d'esta natureza, viesse pedi-la muito embora, mas em termos precisos e claros só emquanto á divida fluctuante, pois emquanto ao deficit, como elle se verifica só e se reconhece no fim do anno, n'esse caso o systema financeiro do sr. ministro da fazenda, se alguma cousa vale, tinha bom ensejo para mostrar o seu valor e bondade.

Esta auctorisação porém devia apenas conceder os penhores para as dividas que se contrahissem de novo, ou para aquellas em que houvesse novação do contrato, mas isto só em relação á divida fluctuante, porque pelo que diz respeito ao deficit devia seguir-se outro caminho, e não este systema rotineiro de appellar sempre para o credito, aggravando cada vez mais o nosso estado deploravel.

Desde o momento em que s. ex.ª apresentou um conjuncto de medidas na outra camara, não devia vir aqui pedir uma auctorisação, seguindo assim o systema dos seus antecessores, que tanto tem condemnado; e suppondo mesmo que essas medidas não podessem dar um resultado efficaz na extincção completa do deficit, como não dão, s. ex.ª n'esse caso devia recorrer a outro expediente para satisfazer aos encargos do thesouro, applicando o seu systema, e dando pleno vôo ás suas faculdades financeiras.

Sr. presidente, o que eu vejo em toda esta discussão, até mesmo as proprias declarações do sr. ministro da fazenda m'o confirmam, é uma realidade triste e muito triste. Essa realidade é que as medidas a que o sr. ministro da fazenda tem dado tanta importancia, má impressão produziram no publico, e não indicaram, como era natural se ellas tivessem grande alcance, o augmento de confiança no governo pela subida dos fundos.

Se os fundos até hoje não têem baixado, pelo menos conservam-se estacionados, o que não aconteceria de certo se o paiz tivesse confiança n'essas medidas, porque a camara sabe perfeitamente, pelo que está provado ha muito tempo, que os fundos sobem logo que o credito do governo não é questionado, como aconteceu ha pouco na Hespanha, quando o governo apresentou ás côrtes propostas, nas quaes se iam fazer grandes economias.

Os fundos, que até então se achavam muito baixos, começaram a subir o chegaram a grande altura, ainda mesmo antes do parlamento ter sanccionado as medidas economicas que lhe haviam sido submettidas.

Este facto demonstra que aquelle paiz acreditou na utilidade e efficacia das medidas apresentadas pelo governo, o que não succedeu aqui, porque os fundos, como já disse, conservaram-se na mesma altura.

Estas medidas pois, repito, não têem o alcance que o governo lhes quer dar. Não farei dellas apreciação n'este momento, porque me reservo para quando se discutirem n'esta camara.

Sr. presidente, isto que eu acabo de dizer é uma perfeita antithese aos argumentos apresentados pelos srs. presidente do conselho e ministro da fazenda na outra casa do parlamento, porque ss. ex.ªs declararam que esta auctorisação era para reforçar os penhores, pois se se não desse esse reforço, poderiam vir os prestamistas pedir augmento de juro com premio, pelo risco que corriam os seus capitães.

Na verdade, não me admirava se qualquer pessoa estranha ao governo viesse fazer uma declaração d'esta ordem; mas os proprios srs. ministros, admira e surprehende-me!

Isto mostra a consciencia que o governo tem do seu pouco credito; isto indica o conhecimento que elle tem da desconfiança que merece ao publico.

Se é governo deixasse de pagar as letras ou titulos sem penhores, ficariam em melhor situação aquelles que os tivessem e possuissem, não ficaria do mesmo modo abalado o seu credito?

Se o governo não tivesse de satisfazer aos seus compromissos de dignidade, tanto a respeito das letras com penhores, como sem elles, o resultado seria uma bancarota. Era inevitavel este estado, porque desde que um governo não pôde satisfazer ás suas condições de vida ordinaria, e deixa perder o credito a sua arteria principal de vitalidade não ha forças que lhe empeçam o cataclysmo.

Portanto, sr. presidente, a grande segurança é o credito do governo, e existindo elle os penhores são desnecessarios, porque todas as dividas, ou com penhor ou sem elle, têem a mesma segurança e garantia.

Isto significa nada mais nem nada menos do que evidenciar que o credito e confiança no actual gabinete não dá garantias bastantes, para que se possam fazer estas transacções com facilidade e sem grandes encargos para o thesouro.

Sr. presidente, o governo não tendo outras rasões para justificar o seu pedido, diz que esta auctorisação está no mesmo caso, tem as mesmas rasões justificativas que as pedidas em 1859 e 1866. Não é exacto; são differentes as circumstancias que se davam em relação á auctorisação concedida em 1859 e 1866, pois que n'aquellas epochas tinham-se dados crises taes, que as esperanças e supposições eram todas que baixassem os fundos. A isto responde o sr. ministro da fazenda, que então era supposição, e agora realidade. E justamente essa realidade que eu lamento. Essa realidade é que é o protesto mais solemne e vivo contra o systema e medidas de s. ex.ª Essa realidade é que infelizmente indica no publico graves apprehensões, pela fórma e modo que os negocios publicos são dirigidos. Se não fosse esta triste realidade, se as medidas de s. ex.ª houvessem sido bem recebidas, e tivessem o alcance que s. ex.ª deseja e eu e todos nós igualmente, e se o publico confiasse n'ellas, resultaria não só o melhoramento do credito em relação á nossa divida fluctuante e sua consolidação mesmo, como era até de esperar que se operasse uma importante attenuação do deficit, se não fosse possivel a sua extincção completa.

Sr. presidente, quem comprehendeu bem a situação difficil em que o governo se achava foi o sr. duque de Loulé, e julgando que todos deviamos por obrigação concorrer para a resolução d'este problema importante, indicou-lhe um novo caminho. E seria melhor que o governo não tivesse caprichos e aceitasse de bom grado todos os alvitres, venham d'onde vier, logo que elles dêem resultados salutares. Aquella proposta significa que se quer effectivamente seguir um caminho todo novo, e dá garantias taes que o governo não pôde assim abusar da auctorisação.

O governo, sr. presidente, declarou na outra camara que estava prompto a aceitar quaesquer propostas ou modificações, como garantia de que o governo nunca abusaria d'esta auctorisação. Pois então se ss. ex.ªs na camara electiva estavam tão benignos, que faziam todas estas concessões, não ha rasão alguma para que não as façam aqui na camara dos pares, que em igualdade de circumstancias tem os mesmos direitos, e n'estes assumptos devem-se-lhe dar as mesmas garantias e seguranças, e deve ser considerada pela mesma fórma que o outro ramo do poder legislativo.

Sr. presidente," quando o sr. duque de Loulé declarou que não considerava esta questão como aggressão ao governo, nem como questão politica, mas só como acto que tende a concorrer para o melhoramento das finanças e andamento dos negocios publicos, parece-me que devia tirar ao governo todos os escrupulos que tivesse em aceitar a moção do sr. duque de Loulé, cujo fim era a boa direcção dos negocios, e um passo de progresso no assumpto financeiro; esta moção era inevitavel pela obscuridade e confusão da doutrina do projecto, porque effectivamente o projecto, como está elaborado, não se comprehende bem, e o proprio sr. presidente do conselho mostrou reconhecer isto em todas as suas explicações,

É em face de tudo quanto acabo de expor, e que a camara tem observado, que eu considero muito concludente a proposta que o sr. duque de Loulé mandou para a mesa; bem assim acho necessarias e judiciosas as perguntas que por essa occasião s. ex.ª fez, e os esclarecimentos que pediu.

Fallando-se de emprestimos e supprimentos, era natural perguntar, e justo querer saber-se qual é a natureza d'estes emprestimos e supprimentos, isto é, se são unicamente em relação á divida fluctuante, ou tambem ao deficit; porque, se são só em relação á divida fluctuante até fim de junho, ha um systema a seguir, como já disse, e esta auctorisação é desnecessaria; e, se é de julho até dezembro, o systema é outro, porque se deve acabar com a rotina seguida até aqui.

A segunda pergunta do sr. duque de Loulé tambem é muito bem feita, quando s. ex.ª quer saber «á ordem de quem estão estas inscripções no banco». Eu tambem pergunto e desejo(saber se estão á ordem do governo ou dos prestamistas? E necessario que haja a explicação que suppra esta lacuna. A camara entende que a auctorisação, que damos, é só para emittir inscripções, quando ha necessidade de dar penhor. N'este caso logo que sejam emittidas as inscripções é porque são penhores. Portanto á ordem de quem ficam, e quem pôde dispor dellas? Se estão á ordem do governo, não são penhores, e n'essa hypothese elle excedeu a auctorisação.

Se estão ás ordens dos prestamistas, e elles não as podem tirar do banco, é o mesmo que se não tivessem penhor. Portanto pergunto ainda quando é que os prestamistas podem dispor do penhor e tira-lo do banco? O projecto nada diz a este respeito.

Pergunto tambem, como o sr. duque de Loulé, quaes são os fundos que o governo tem para dotar a junta? Pois se nós não temos meios, ha um deficit, onde vae o governo buscar com que satisfazer a esta despeza? No orçamento não se pôde votar uma verba de receita com este intento, porque se refere a uma despeza que ainda não existe, e que não se sabe o que é, nem o que venha a ser. Portanto quaes são os fundos de que o governo dispõe para dotar a junta do credito publico?

Conseguintemente este projecto não está clara e simplesmente elaborado para que se possa bem comprehender, e é sobre este ponto que eu espero que ss. ex.ªs nos dêem esclarecimentos, para se poder conscienciosamente votar; bem assim que o sr. presidente de ministros, que tão franco foi em declarar que aceitaria toda a segurança e garantia que a camara dos senhores deputados lhe quizesse impor, não tenha agora duvida de aceitar á camara dos pares as mesmas garantias e segurança que ella peça, sem empecer a marcha governativa.

Concluo, reservando-me para pedir a palavra novamente depois dos srs. ministros se manifestarem I e exporem categoricamente as suas idéas e pensamentos

O sr. Conde de Thomar: - Eu começo por declarar que

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não fazia tenção de tomar a palavra na discussão d'este projecto. A camara sabe que na minha já longa carreira parlamentar nunca tive por costume tomar parte activa nas discussões de medidas chamadas de fazenda. N'outras epochas, e na qualidade de ministro da corôa, tinha bastantes negocios, e muito graves, que occupavam a minha attenção, e alem d'isso confiava inteiramente nos meus collegas que geriam a pasta da fazenda, de modo que era estranho, ordinariamente, aos seus actos n'este ramo; e por mais de uma vez declarei no parlamento que, tomando a responsabilidade legal que me competia como ministro solidario, deixava a gloria a quem ella pertencia do direito; confiava tudo, torno a repeti-lo, na intelligencia e na probidade das pessoas que tinham a seu cargo esta importantissima provincia da administração. E effectivamente se n'esse ponto alguma cousa se fez de bom, no tempo em que tive a honra de me assentar n'aquellas cadeiras, pertence em grande parte o louvor ao actual sr. presidente do conselho, por isso mesmo que foi s. ex.ª aquelle que quasi sempre geriu a pasta da fazenda.

Resolvi-me porém a pedir a palavra quando ouvi o sr. relator da commissão vir em reforço ao illustre presidente do conselho para sustentar este projecto, e para combater as considerações apresentadas pelo nobre nobre duque de Loulé, tendentes ao adiamento d'este projecto até se obterem respostas categoricas sobre os pontos que se acham descriptos na proposta que s. ex.ª mandou para a mesa. Direi mais tarde quaes foram as impressões que em mim produziram os termos em que foi apresentada' a defeza do nobre relator. Levanto-me pois, não para fazer opposição nem ao projecto nem ao governo, por que eu na minha posição politica, sem pretensões algumas, estou n'esta cadeira disposto apenas a dar força e apoio a todo e qualquer governo que tratar seriamente dos negocios do meu paiz, mas ao mesmo tempo tambem resolvido a não approvar aquillo que me pareça nocivo aos interesses do mesmo.

Examinando este projecto um pouco mais detidamente, em consequencia das considerações apresentadas pelo sr. duque de Loulé, figura-se-me que o parlamento tem até agora andado menos solicito no exame de propostas iguaes a estas, e que as tem votado sem verdadeiramente considerar a materia. Haja vista o artigo 1.° Emquanto não der o governo respostas categoricas, diga-se o que se. disser, este projecto não é outra cousa mais do que um voto de confiança que se lhe dá para contrahir emprestimos sem limite, e para emittir inscripções tambem sem limite; e se 1 assim não é, se este projecto diz relação unicamente á divida fluctuante, responda o governo categoricamente ás perguntas que já lhe foram feitas, e que eu repito agora, isto é, esta auctorisação que se pede é só relativa á divida fluctuante? Sim? ou não?... Não ha outra resposta.

Quanto é a divida fluctuante? 12.500:000$000 réis, diz O sr. ministro da fazenda no seu relatorio.

Quantas inscripções estão já servindo de penhor e hypotheca a esta grande somma? Quantas precisa o governo para reforçar estes penhores?

O caminho franco e leal é responder categoricamente a estas perguntas, declarando quanto é a divida fluctuante, quantas são as inscripções que já estão servindo de hypotheca, quaes são as sommas de que carece para reformar os penhores; e eu, que não milito nas fileiras ministeriaes, não tenho a menor duvida em votar ao governo todas as sommas de que elle precise para reformar os penhores d'essa divida fluctuante. Mas então a redacção do artigo tem de ser alterada para corresponder a esta idéa; é preciso que se diga = para reforçar os penhores da divida fluctuante até á data d'esta lei =, e não até 31 de dezembro; aliás essa divida que, segundo o relatorio do sr. ministro da fazenda, é de 12.500:000$000 réis na data do mesmo, pôde subir até dezembro futuro ao dobro, ao triplo ou ao quadrupulo; póde-se, com esta auctorisação dada pelo parlamento, fazer subir esta divida a muitos milhares de contos de réis, o que o parlamento não pôde querer.

Aquelles, que dizem que se pretende unicamente reforçar os penhores da divida fluctuante, perguntarei qual é a somma que se precisa para esse fim; mas emquanto o não disserem, não se pôde votar uma auctorisação em termos tão genericos para levantar dinheiro sem se fixar nenhum limite, e crear inscripções nas mesmas circumstancias. Esta auctorisação não se pôde conceder, nem o parlamento a deve dar.

Perguntou o sr. duque de Loulé se estas inscripções que se pretendem crear podiam tambem preencher o deficit; a resposta que se deu não foi clara, e s. ex.ª não ficou satisfeito, nem podia ficar, ' porque, diga-se o que se disser, o modo pelo qual o artigo está redigido e a fórma que o governo empregou na sua resposta, mostram que a applicação principal das inscripções que se crearem não pôde ser senão esta. Ainda n'este caso eu estou disposto a não negar os meios ao governo se elle disser francamente é tanto para a divida fluctuante, e tanto para preencher uma parte do deficit; porque eu sou antes de tudo um homem governamental, não quero por fórma alguma negar ao governo do meu paiz os meios de poder manter a fé dos contratos, de ser fiel aos compromissos que contrahiu; o contrario d'isto tem-nos saído sempre demasiadamente caro. Mas podemos nós ter a certeza de que o governo ha de ficar fiel a esses compromissos?

Sr. presidente, eu, sem querer de modo algum offender a qualquer dos srs. ministros, vejo unicamente n'aquellas cadeiras, pelo que diz respeito a negocios de fazenda, um homem em que podesse dizer que tenho confiança, porque no tempo em que tive a honra de ser seu collega nunca faltou aos seus compromissos; mas a pasta da fazenda está hoje commettida a um joven muito talentoso, é verdade, que promette muito para o futuro, mas que não tem, permitta-me s. ex.ª que lh'o diga, precedentes financeiros, não nos offerece garantias de que na gerencia d'aquella pasta ha de satisfazer ás necessidades do paiz. Depois, ainda ha outra consideração: como esta auctorisação é illimitada, ainda que o sr. ministro da fazenda, ou o actual governo, nos merecesse a todos uma grande confiança, devemos não esquecer que esta auctorisação não é dada só ao governo actual, mas a qualquer outro que lhe succeder; e quem nos diz que esses homens, que ainda não conhecemos, não hajam de abusar d'essa auctorisação?

Eu tambem sei que o sr. presidente do conselho apresentou um argumento, que fez á primeira vista bastante impressão na assembléa, e ate sei que fóra d'ella, e é o seguinte: «Pois têem duvida em dar esta auctorisação a um governo que até hoje não emittiu nem vendeu uma unica inscripção? Pois o comportamento passado não é uma garantia do futuro? Que difficuldade podeis ter de dar ao governo esta auctorisação?» Mas, agora pergunto eu: deixou o governo de emittir inscripções por ser esse o seu systema, por ser o caminho que pretendia seguir? Eu hesitei quando ouvi produzir este argumento, e dirigi-me ao sr. ministro da fazenda, e disse-lhe — v. ex.ª ha de explicar-me este negocio, porque ninguem é mais competente para isso. (Quando digo ao sr. ministro, digo ao seu relatorio apresentado no parlamento.) E que me disse s. ex.ª? «Não emitti inscripções, porque me foi impossivel emitti-las, attento o estado do mercado, porque emittindo-as eu me sujeitava a um prejuizo que o thesouro não podia supportar.» Então disse eu — não ha merecimento algum no ministerio em não ter emittido inscripções; então é isso filho da necessidade, ou da impossibilidade de o fazer; não é uma virtude que possa invocar em seu abono. E s. ex.ª acrescentou mais, e disse: «O mercado era desfavoravel, e não as pude emittir, porque os creditos começaram a retirar-se na somma de mil e tantos contos de réis, não obstante eu ter augmentado meio por cento de juro». Isto não prova muito a favor do credito do governo (O sr. Presidente do Conselho: — Peço a palavra.), porque a situação era tanto mais difficil quanto que o estado do mercado o impossibilitava de levantar capitães pela emissão de titulos de divida interna e externa, e alem d'isso... (leu).

Mais abaixo diz o seguinte (leu).

Aqui está a rasão por que o argumento á primeira vista fazia impressão, e não podia deixar de a fazer, mesmo em mim, porque eu reconheço a necessidade de recorrer a este meio de emittir inscripções, mas desejo que se emitta o menor numero possivel; e quando visse um ministerio dizer — não emitti inscripções, porque tinha outros meios mais economicos e efficazes, eu não podia deixar de o apoiar. Mas vejo que, se os srs. ministros não as emittiram e tiveram difficuldade em emitti-las, é porque não quizeram sujeitar-se a maior prejuizo, e por isso diz s. ex.ª n'este relatorio que foi obrigado a recorrer a outras operações dentro e fóra do paiz.

O que levo dito, sr. presidente, são duvidas que exponho. Eu comecei logo por declarar que não me julgo competente para tratar questões d'esta natureza, mas sou competente para pedir ao governo explicações muito claras e categoricas para socegar a minha consciencia, e votar como entender de rasão.

E necessario tambem que o governo responda franca e formalmente se as inscripções, que forem creadas por virtude d'esta auctorisação, são ou não destinadas para cobrir o deficit do orçamento? E indispensavel que se responda a esta pergunta.

Agora, sr. presidente, porque não quero cansar mais a camara com estas observações, direi qual foi o motivo por que me resolvi a pedir a palavra. O sr. relator da commissão entendeu que devia servir de reforço ao sr. presidente do conselho sobre as explicações pedidas pelo sr. duque de Loulé, e viu-se embaraçado para destruir o argumento apresentado pelo nobre duque sobre o proveniencia da dotação para as inscripções que se podessem crear, visto que, se houver de saír da receita do estado, parece-lhe impraticavel isso, por ser o deficit grande e a receita insufficiente para as despezas.

Disse o illustre relator da commissão e meu amigo, a quem respeito muito por todos os titulos, que é innegavel que no orçamento do estado não pôde o governo achar esses meios, porque o deficit effectivamente excede as despezas que ha a fazer, mas que o governo apresentou já na outra casa do parlamento propostas de lei para novas receitas e suppressão de despezas =. Mas este argumento, sr. presidente, não me parece aceitavel, porque estas propostas podem não ser votadas, podem ser rejeitadas, pôde a camara ser adiada sem tratar d'este objecto, e iriamos crear desde já a despeza sem sabermos qual ha de ser a receita que lhe deve fazer face.

O sr. -Costa Lobo: — A despeza foi creada pelo ministerio que V. ex.ª apoiou.

O Orador: — O digno par sabe muito bem que nós não estamos aqui a discutir ministerios nem despezas passadas; sabe que nós estamos a discutir um projecto de lei, sobre o qual temos que dar a nossa decisão. (O sr. Costa Lobo: — Peço a palavra.) Pois s. ex.ª que, segundo me consta, tambem concorreu para os movimentos que trouxeram a presente situação, a qual prometteu uma era nova, e que os abusos passados haviam de desapparecer, quer que se continue no mesmo systema que combateu? Pois porque esta lei foi votada a esses homens havemos tambem vota-la agora a estes? Então se era para isso escusavam de fazer uma revolução. Eu julguei que, depois das promessas feitas de que vinha felicitar este paiz a epocha dourada de Astréa, se haviam de envidar todos os esforços para se cumprir a promessa, mas em vez d'isso vejo que se nos diz — votae este projecto, porque já foi votado ao ministerio passado!!

Eu não queria descer a esta particularidade, mas fui a; isso levado por um áparte do digno par. Voltando ao meu nobre amigo, que sabe como estas questões se tratam, e que eu não a trato como fazendo opposição, porque logo no principio declarei que, quando o governo me tirasse todas as duvidas que tinha a respeito do projecto, e me mostrasse que elle era necessario, tinha certo o meu voto; e quando um membro d'esta camara faz esta declaração, não merece estar a ser interrompido por ápartes que, tenham a significação que tiverem, não me fazem impressão alguma, porque tenho coragem bastante para ouvir ápartes, e já ha vinte annos os tenho ouvido das maiores notabilidades parlamentares com quem me bati bastantes vezes, sem nunca me fazerem recuar.

O digno par, a quem respeito, é um joven de talento, mas lembre-se que começou ha pouco a sua vida parlamentar, e que, é um conselho dos sabios, respeitar um pouco a senectude, porque ao menos tem a experiencia.

(Interrupção do sr. Costa Lobo, que se não ouviu.)

Digo então que se é verdade que a dotação tem de saír das leis, que hão de ser votadas na outra casa do parlamento, o mais logico seria esperar que essas leis fossem votadas para caminhar com plena segurança; e assim parece-me que a pessoa, que mais fortemente sustentou o adiamento, foi o sr. relator da commissão.

Já hoje ouvi fallar n'esta casa do emprestimo de réis 5.500:000 libras que foi contratado no estrangeiro, e sobre este ponto eu pedia aos srs. ministros que, se lhes fosse possivel, informassem devidamente o parlamento do estado em que acharam este negocio, pois que pelos homens e pela imprensa do actual governo se diz que, quando ss. ex.ªs entraram para o poder, não acharam d'estes cinco milhões e tantas mil libras um real.

Eu declaro que, não obstante ter acompanhado esse ministerio, se isto for verdade, nunca mais lhe darei o meu apoio, qualquer que seja a situação futura dos homens que o formavam; mas se isto não é verdade, então é necessario que os homens publicos se respeitem devidamente uns aos outros, e que se não lancem insinuações malevolas sobre o caracter de individuos, que têem prestado e podem vir a prestar ainda muitos serviços ao seu paiz (apoiados).

Mas eu, sr. presidente, poderia desde já dizer que tudo quanto se tem escripto a este respeito, com relação aos homens que largaram aquellas cadeiras em janeiro, é inexacto; e tenho um meio de poder demonstrar desde já que isso é uma falsidade; assim o diz o sr. ministro da fazenda, e di-lo officialmente, visto que no seu relatorio leio o seguinte (leu).

Logo recebeu s. ex.ª alguma cousa d'aquelle emprestimo, e julgo que as minhas informações não são inexactas quando me dizem que aquelle emprestimo não estava então ainda cotado, e que só o foi uma parte d'elle depois da entrada de s. ex.ª para o ministerio, e que d'aquella quantia apenas o ministerio passado retirou cerca de 700:000 libras para despezas que era necessario pagar dentro do paiz.

Eu não sei se estas indicações são exactas, não as dou por taes, apresento-as unicamente para dar logar a que o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da fazenda possam explicar devidamente ao parlamento e ao paiz o verdadeiro estado da questão, para que seja feita justiça aos homens que anteriormente a ss. ex.ªs occuparam aquellas cadeiras (o orador aponta para as cadeiras do ministerio), a fim de que a mesma justiça se faça a elles quando deixarem esses logares (apoiados).

É na verdade um mau systema aquelle que só tratar de deprimir todo o passado, quando muitas vezes se aproveitam dos mesmos meios e das mesmas medidas e pensamentos que os outros tiveram para gerir os negocios do paiz. Este facto infelizmente não é novo no nosso paiz. Têem-se feito muitas revoluções para destruir certas medidas, e quando os homens d'essas revoluções vão ao poder adoptam essas mesmas medidas, convertendo-as em leis do estado; e no entanto soffreu o paiz, correu o sangue e morreram milhares de pessoas!

Não seria já tempo de acabar este systema? Não seria já tempo de fazermos justiça uns aos outros? De certo que sim (apoiados). E lembrem-se que quem dá este conselho é um homem que já não tem pretensões ao poder, e que ainda mesmo que lhe offerecessem todas as pastas, todas ellas recusaria.

Que quer dizer estar-se constantemente a accusar todos os homens publicos, fazendo-se-lhes malevolas insinuações? (Apoiados.)

Sr. presidente, escusado será tornar a repetir aos srs. ministros que estas minhas observações não têem por fim fazer opposição a ss. ex.ªs; o que lhes peço tão sómente é que, se tomaram nota das minhas palavras, me respondam a ellas franca e lealmente; na certeza de que se me responderem satisfactoriamente eu não terei duvida nenhuma em votar a ss. ex.ªs a auctorisação que pedem, para que possam satisfazer ás urgencias do serviço publico.

(O orador não reviu os seus discursos.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Sr. presidente, do que o digno par acaba de dizer concluo, que este projecto ha de obter o voto do digno par, porque espero explicar, como já o tenho feito, cabalmente o seu pensamento. A allusão que fez o digno par, de que se procurava deprimir todos os homens que deixam o poder, fazendo-se-lhes insinuações aleivosas e malevolas...

O sr. Conde de Thomar: — Eu não me referi ao ministerio actual.

O Orador: — Bem, eu aceito e estimo muito a declaração do digno par; mas a verdade é que eu ouvi estas palavras, que pareciam dirigidas ao gabinete ou á Imprensa ministerial. Ora, sr. presidente, este governo não tem um

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unico jornal; como se póde pois fallar aqui de imprensa ministerial?

O digno par interpretou muito inexactamente o que disse o sr. ministro da fazenda, sustentando que á pergunta, que fizera, para indagar o motivo por que o governo não tinha emittido nem vendido nenhuma inscripção, lhe fóra respondido pelo sr. ministro da fazenda nos documentos officiaes, que se o não tinha feito fóra por que o não tinha podido fazer!

Contra esta proposição protesto eu, sr. presidente. O sr. ministro da fazenda não podia dizer similhante cousa, porque se lhe opporia a verdade dos factos.

Logo que esta administração se organisou, uma pessoa, cujo nome escuso de pronunciar, mas que é muito conhecida na praça de Lisboa, veiu procurar me para me propor uma venda de 500:000$000 réis em inscripções a 39 por cento, operação mais vantajosa do que a do ultimo emprestimo; e eu não a aceitei, e pedi ao sr. ministro da fazenda que não annuisse a ella. Outras propostas foram feitas em condições analogas. Se o governo não vendeu pois inscripções não foi por não as poder vender, foi pelo desejo vehemente de não fazer operações desvantajosas, e de recorrer a todos os meios que podessem dar em resultado ir melhorando todos os dias a situação da fazenda publica. Repito, que d'estas propostas não nos faltaram. Ainda ha poucos dias recebi uma proposta de uma casa de París, para um emprestimo de dez milhões em condições muito mais vantajosas do que as do ultimo emprestimo, e não as aceitei. Peço ao digno par, que tome bem nota d'isto, e esta declaração ha de fazer tanta impressão no digno par, o sr. conde de Thomar, como fez no publico, segundo disse s. ex.ª, a declaração que fiz, e que repito, de que esta administração não fez crear e emittir uma só inscripção desde que tomou a direcção dos negocios publicos.

Ora eu, sr. presidente, tenho sido victima constantemente do systema a que se referiu o sr. conde de Thomar. A verdade é que o digno par aproveitou habilmente a occasião para ajustar contas, não com este ministerio, mas com outras pessoas que n'outro tempo dirigiram accusações injustas contra o digno par.

S. ex.ª sabe que me encontrou sempre ao seu lado para repellir essas accusações. O digno par aproveitou habilmente, repito, a sua posição actual para repellir essas accusações. Nós servimos de pretexto, mas effectivamente o seu fim não era atacar-nos.

Eu tenho sido victima tambem, e é rara a occasião em que eu saia do ministerio, que me não veja obrigado no dia seguinte a entrar em polemica com os jornaes que me attribuem os embaraços da situação nova. Ainda não ha muito que eu saí do ministerio, e se disse que o ministerio que succedeu ao de que eu fizera parte estava lutando com as difficuldades que lhe tinham creado os dois Avilas. Querem saber quaes eram essas difficuldades? Tínhamos creado titulos, com os quaes tinhamos pago os caminhos de ferro, que nós não tinhamos contratado, e attribuiu-se a nós o estar o governo vergando sob as difficuldades que tinham creado os dois Avilas, quando nós é que tinhamos vergado com as difficuldades dos contratos que encontrámos, e cujos encargos fomos obrigados a satisfazer. Esta accusação era tanto mais injusta, quanto que o cavalheiro a quem, alem de mim, ella comprehendia, fez operações que muito honram a sua gerencia, porque os emprestimos que contrahiu foram effectuados em condições muito vantajosas.

Eu estou costumado a ouvir d'essas accusações, e não seria eu que iria lançar a menor suspeita sobre a administração passada, de cujos membros eu sou amigo, do que dei a maior prova que podia dar, fazendo o grande sacrificio, como reconhecem todos os homens que encaram a sangue frio o que eu fiz, aceitando uma missão de confiança d'esse ministerio fóra do reino. Portanto estimo que o digno par, o sr. conde de Thomar, declarasse que não foi a nós que se referiu quando fallou em insinuações malevolas, e no desejo de deprimir sempre as administrações passadas.

A verdade é que o sr. ministro da fazenda, no seu relatorio, dá conta d'aquillo que podia referir, quanto ao ultimo emprestimo, e das sommas que elle tinha deixado' a descoberto na praça de Londres. Esta narração não teve porém por objecto fazer a menor censura ao cavalheiro que dirigiu a pasta da fazenda antes de s. ex.ª (O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.), mas constatar os factos, e fazer conhecer qual era a situação da fazenda quando entrou em funcções o actual ministerio.

S. ex.ª achou a descoberto, nos encargos de Londres, comparando os recursos do emprestimo com aquelles encargos, uma divida approximadamente de 400:000 libras, quer dizer, de 1.800:000$000 réis, e é essa divida que nos tem collocado constantemente em graves embaraços, porque nos vemos obrigados, quando se vencem as letras, a pedir a reforma dellas.

Eu trago esta circumstancia para se ver que o projecto que se discute não tem sido devidamente apreciado pelos dignos pares que o têem combatido.

Sr. presidente, na occasião em que aceitámos a difficil missão, que ainda pésa sobre nós, achámos intacta uma grande parte do emprestimo de 5.500:000 libras, contrahido em Londres, e a prova é que ainda ha uma prestação a receber, mas havia tambem encargos a solver n'aquella praça muito superiores á quantia que ainda havia a receber.

As difficuldades com que lutámos levam de quando em quando os possuidores dos titulos a virem dizer ao governo — pague-nos as nossas dividas, ou reforce-nos os penhores, ou então augmente-nos o juro. E para que se não verifique esta ultima hypothese, que traria um grande gravame ao thesouro, é que julgámos melhor augmentar-se o penhor, porque d'ahi não vem inconveniente algum á causa publica, não vindo esses titulos ao mercado, e recebendo o governo os seus juros.

Portanto o que se tem dito, para demonstrar que a creação d'esses titulos augmenta a despeza publica, não é exacto. Dá-se precisamente o contrario, obstando ao augmento dos encargos dos supprimentos do thesouro.

Se o governo viesse dizer que queria crear 4.000:000$000 réis para construir uma ponte, para fazer uma estrada, ou um melhoramento qualquer, embora d'esse melhoramento podesse resultar vantagem para o paiz, augmentando a receita publica, então é que essas inscripções, vindo para o mercado, teriam uma dotação, e esta dotação augmentava a despeza.

Mas este caso não se dá agora com estas. Não se augmenta a despeza, e só ella seria augmentada se o projecto fosse rejeitado (apoiados), repito, porque o governo poderia ser obrigado ou a pagar 6.000:000$000 réis, a totalidade da divida fluctuante, ou a conceder aos possuidores dos titulos, que a representam, um juro descommunal, o que daria em resultado um grande augmento da despeza publica.

O sr. conde de Thomar disse, e admira-me isto, que = tinha sido sempre estranho ás questões de fazenda = =. Admirou-me esta declaração, não porque eu o não julgue com grande capacidade para entrar n'essas questões, mas por ter s. ex.ª esperado esta occasião para se occupar d'estes assumptos.

O digno par não tem medo da responsabilidade que ha de pesar sobre elle, se levar, pela sua eloquencia, a camara a rejeitar um projecto, de cuja rejeição só resultam grandes inconvenientes?

Disse tambem o digno par: « Pois se na outra camara estão propostas de creação de receita, porque se não ha de esperar a approvação d'essas propostas?» Muito bem. Mas se ámanhã vier um possuidor de uma letra de 800:000$000 réis, e disser ao governo que lhe pague, ou que lhe reforce o penhor, não tendo o governo os meios para isso, pede-lhe o juro de 12 por cento. Quererá o digno par que se lhe diga que espere pela approvação das propostas que estão na outra camara? Pois s. ex.ª quererá a responsabilidade d'este gravame da despeza publica sem motivo que o justifique?

Os dignos pares estão tambem a fallar em deficit e em divida fluctuante, como se esta não fosse a representação d'aquelle. Examinem os dignos pares a origem da divida fluctuante, e acharão que esta é geralmente devida ao desequilibrio entre a receita e a despeza. Mas dizem os dignos pares = a questão do deficit não é para aqui =. Vou responder tambem a este argumento..

Até 1 de julho proximo não ha tempo de votar o orçamento, e ha de vir a esta camara, se cá não está já, uma proposta que foi votada na outra casado parlamento, e pela qual o governo é auctorisado a cobrar as receitas publicas de 1 de julho proximo em diante, e a applica-las ás despezas correntes. Entremos no mez de julho: o sr. ministro da fazenda tem de fazer frente a varios encargos, tem obrigação de pagar letras ou de as reformar com os respectivos juros, que são pagos adiantados. Vem uma letra de 1:000$000 réis, e reforça-se, com o respectivo juro, em 1:035$000 réis, por exemplo, e logo os dignos pares dizem = o penhor é só para 1:000$000 réis, e os 35$000 réis vão para o deficit, entram em regras especiaes =. Quaes são essas regras? E não estará porventura o governo auctorisado a realisar a receita e a levantar os meios necessarios para fazer face ás despezas publicas? Se tiver penhor ha de levantar esses meios com encargos muito menores do que os ha de levantar sem penhor...

(Interrupção do sr. conde de Thomar, que se não ouviu.)

O digno par dá uma interpretação diversa ao que disse o sr. ministro da fazenda da que se lhe deve dar. Se se tratasse de uma questão de jurisprudencia tenha o digno par a certeza de que eu não havia discutir com s. ex.ª, havia de respeitar a competencia de s. ex.ª n'essas questões.

Sr. presidente, a questão é esta: nós em julho não temos receita para toda a despeza, e para aquella ser cobrada é preciso estarmos auctorisados pelo corpo legislativo; e eu espero que esta camara approvará a proposta que foi votada na outra camara e aqui ha de vir, para cobrar as receitas, proposta que é um mero expediente indispensavel nas circumstancias em que estamos. Nós em julho carecemos de levantar a receita precisa para fazer frente á despeza d'esse mez. Se nós tivermos um penhor para o levantamento que tivermos de realisar havemos de effectuar esse levantamento em condições muito mais vantajosas do que as que havemos de obter sem esse penhor. A rejeição d'este projecto importa pois um grande gravame para o thesouro, gravame para que contribuem, sem querer, os dignos pares. Os dignos pares, debaixo do pretexto de economias, estão levando esta camara a votar a medida menos economica que se poderia votar nas circumstancias actuaes.

E os dignos pares dizem que não é para fazer guerra ao ministerio, que procuram que este projecto não seja approvado?

Se este projecto não for approvado por esta camara, qual será a consequencia? Pergunto ao sr. duque de Loulé se s. ex.ª imagina que se esta camara tendo-se pronunciado contra o governo n'esta questão, e tendo-se posto em conflicto com a camara electiva, que votou unanimemente este projecto, não colloca logo esta questão no campo politico, e não daria logar a um de tres resultados demissão do ministerio, modificação na maioria d'esta camara, dissolução da outra casa do parlamento? E não é questão politica uma questão que produz estas consequencias? (Apoiados.) Somos velhos n'esta camara, e sabemos bem o que são estas cousas. Digam que não tem confiança no ministerio, que querem provocar uma crise para nos derribar do poder.

(Interrupção do sr. Ferrer, que se não ouviu.)

É melhor que fallem com franqueza. Não temos tanto amor a estas cadeiras, que não desejemos que nos dêem pretexto para saír. E então eu queria ver os cavalheiros que vieram hoje pedir que se rejeitasse esta medida, ámanhã virem pedir a mesma medida, ou fazerem cousa peior, adopta-la em dictadura, na tal dictadura constitucional illustrada que se offerece ao sr. duque de Loulé.

Falla-se tanto nas perguntas do sr. duque de Loulé, e eu espero que s. ex.ª ha de retirar a maior parte dellas, porque estão satisfeitas, como vou provar com documentos na mão.

Os dignos pares estão a firmar-se n'estas perguntas, porque não as leram, ou se as leram não se deram ao trabalho de consultar os documentos officiaes. Pois não se pôde fallar sobre estas questões, sem consultar esses documentos, que já são muito numerosos. Permittam-me que lhes diga, que se não improvisa n'estas materias. Vejamos o que são estas perguntas: «Proponho que a proposta, que está em discussão, seja adiada até que o governo satisfaça ás seguintes indicações:

«1.ª Publicar quanto antes na folha official o estado da divida fluctuante no dia 31 de dezembro de 1867, e as alterações que tenha successivamente experimentado em cada um dos mezes decorridos desde então até ao actual...»

O digno par, o sr. duque de Loulé, manda pois por este paragrapho adiar o projecto até ao mez de julho, porque só então é que se poderá conhecer quaes são as alterações e modificações da divida fluctuante no mez actual.

O sr. Duque de Loulé: — É necessario que se dê á minha proposta um sentido obvio.

O Orador: — Pois o digno par diz até ao mez actual, e não será preciso esperar o fim d'elle para se conhecerem essas alterações? Ha porém mais do que isto, e o digno par verá que a redacção da sua proposta carece tambem de ser adiada por obscura.

O sr. Duque de Loulé: — Mas não tanto como o projecto que se discute, que é a cousa mais obscura que tenho visto.

O Orador: — Bem sei; mas ha cousas que são muito obscuras para certos olhos, que são muito claras para outros. Continua a proposta do digno par:

«Continuando para o futuro a fazer publicar mensalmente essas alterações».

Quer dizer que o projecto ficava adiado eternamente, porque, segundo o que se pôde deprehender da redacção da proposta do digno par, o sr. duque de Loulé quer que o projecto fique adiado até que se publiquem todos os mezes as alterações da divida fluctuante. Chegava-se pois a um mez, ao mez de agosto seguinte, por exemplo, e dizia-se: não se pôde votar ainda o projecto, porque queremos ver se o governo publica as alterações da divida fluctuante n'este mez.

O sr. Duque de Loulé: — O nobre ministro não interpreta bem a minha proposta; não é esse o meu pensamento.

O Orador: — Então já o digno par reconhece que ha alguma cousa de obscuro na sua proposta, e n'esse caso s. ex.ª ha de ser um pouco indulgente para com o projecto do governo, e deve interpreta-lo como elle é interpretado pelo ministerio, como foi interpretado pelo proprio digno par nas duas occasiões em que s. ex.ª o votou, sem lhe encontrar obscuridade alguma. Só agora é que s. ex.ª descobre que elle é obscuro!

O sr. Duque de Loulé: — E possivel que essa parto da minha proposta não esteja perfeitamente redigida, mas não está obscura.

O Orador: — Pôde ser, mas este projecto do governo é a copia fiel de dois outros que o digno par já votou e a que não fez objecção alguma.

O sr. Duque de Loulé: — -É a expiação do crime que então commetti.

O Orador: — Pois se o digno par ámanhã se vier sentar n'estas cadeiras, o que é a consequencia da attitude que está tomando, ha de necessariamente trazer este ou outro projecto similhante á camara, e talvez até faça peior, como eu já disse, pôde ser que decrete dictatorialmente o que hoje o governo vem propor ao corpo legislativo. Continuo na leitura da sua proposta:

«2.ª Dar conta ás côrtes do uso que fez de identicas auctorisações pedidas e concedidas na sessão legislativa do anno proximo passado.»

O digno par devia saber que não houve auctorisação alguma na legislatura passada a este respeito, havia uma do anno 1866, apresentada ás côrtes pelo sr. Fontes Pereira de Mello, e de que s. ex.ª deu conta no seu relatorio de 1867.

O sr. Duque de Loulé: — O sr. ministro da fazenda é que nos disse que era a copia servil da medida que se tinha apresentado no anno passado.

O Orador: — Ora o digno par, que estudou a questão a fundo, devia conhecer que havia lapso n'essa asserção, porque a referencia era ao anno anterior e não ao anno passado. Por consequencia esta parte deve ser eliminada por inutil.

«3.ª Declarar o valor nominal das inscripções, cuja creação e emissão é auctorisada pela proposta, a fim de ser declarado e exarado na mesma proposta.»

Eu já disse qual era o motivo por que não julgavamos conveniente esta declaração. Este motivo é que é muito possivel que o governo se não veja obrigado a fazer uso d'esta auctorisação, como aconteceu com o sr. Casal Ribeiro em 1859, e n'este caso era inutil fazer crer ao publico que se ía fazer uma grande emissão de inscripções, quando essa emissão talvez não tivesse logar.

Continuo na leitura da proposta do sr. duque de Loulé:

«4.ª Que as auctorisações, de que trata a proposta, sejam sómente relativas aos encargos contrahidos até ao fim do mez actual, e para representar uma parte da receita do

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futuro anno economico, e nunca para attenuar o deficit d'esse anno. Para esse fim devem tomar-se outras providencias.»

Peço licença para notar que eu já respondi a esta proposição; e tanto o digno par comprehendeu bem o pensamento da proposta que está em discussão, que limitava já o praso a 30 de junho sem se importar com a questão do deficit e da divida fluctuante, pois que até 30 de junho não tem duvida que se criem inscripções para servir de penhor já ao deficit, visto que o ha, já á divida fluctuante. Todas as suas objecções se applicam ao intervallo que decorrer de 1 de julho a 31 de dezembro d'este anno!

Diz o sr. conde de Thomar que = com esta auctorisação pôde o governo crear as inscripções que quizer, e fazer emprestimos illimitados =. Como pôde o digno par tirar esta consequencia da proposta que se discute? Pois não se vê que o governo não pôde crear estas inscripções, a que se allude, senão para servirem de reforço aos penhores, ou para o deficit d'aquelle semestre? E esse deficit não é o resultado da comparação da receita legal com a despeza legal? Onde está pois aqui o arbitrio? Como se pôde dizer que se pede uma auctorisação sem limites?

Agora o digno par, o sr. Vaz Preto Geraldes, tambem nos pergunta para que é que serviu o emprestimo dos 5.500:000 sterlinos? A resposta encontra-a o digno par nos documentos apresentados n'esta camara, e que parece serem completamente inuteis para s. ex.ª O que isto me prova é que foi mal empregado o dinheiro que se gastou com a preparação e impressão dos documentos officiaes, e que se não perderia nada, antes se faria uma importante economia, se se supprimissem esses documentos.

E diz ainda o digno par que = é necessario que se responda ás perguntas dirigidas pelo nobre duque de Loulé =. Pois eu confesso que julgava que não se insistiria mais a este respeito, porque por mais de uma vez tenho respondido (apoiados). Mas se, não obstante isto, ainda me forem exigidas formalmente outras explicações, novamente usarei da palavra para repetir explicações que já estão dadas.

O sr. Ferrão: — Uma grande parte do que tinha a dizer considero-a prejudicada depois do discurso do illustre presidente do conselho; todavia, como membro da commissão de fazenda, e tendo pedido a palavra, direi alguma cousa, mas tanto quanto julgue sufficiente para demonstrar a circumspecção e a facilidade com que a commissão de fazenda entendeu poder dar o seu parecer sobre este objecto, não antevendo por modo algum que se levantassem as duvidas que se têem levantado.

Actualmente, o estado da questão é o adiamento do projecto de envolta com a materia d'elle.

A este proposito lembro-me das palavras de um nosso antiquissimo escriptor de ha dois seculos, Antonio de Macedo, o qual, no seu tratado intitulado Harmonia politica, examinava a seguinte questão:

«Se é melhor votarem-se as resoluções de repente, ou havendo-se cuidado alguns dias?»

E elle respondo nos seguintes termos:

«Procede a questão nas materias graves e difficultosas; que nas communs, qualquer dilação offenderia o credito do juizo e o expediente do despacho.»

A commissão de fazenda não viu difficuldades nem gravidades; o que viu, como diz no seu parecer, foi a urgencia do expediente reclamado pelo governo; considerou-se a questão muito simples, e eu ainda assim a considero, porque poucos minutos pareceram necessarios para formular este parecer; considerou-se isto apenas, repito, como questão de urgencia, e sobre materia juridica nada difficil de resolver. (O sr. Ferrer: — Apoiado.) É ao mesmo tempo pois uma questão juridica, e uma questão de justiça, que tem o caracter de urgente. Temos pois propriamente uma questão de principio de direito, que todo o homem com uma certa illustração conhece perfeitamente. (O sr. Ferrer: — Apoiado.) Acamara pois não pôde deixar de reconhecer todo o alcance da materia, ou do objecto, do projecto em discussão, assim como a natureza dos principios juridicos, em que se funda, que são conhecidos e exercidos, entre credores e devedores, em taes circumstancias, e hoje em larga escala em todas as cidades, villas e aldeias do reino.

Trata-se de saber o que são emprestimos sobre penhor? Que direitos resultam ao credor pignoraticio, e dos quaes se deriva a necessidade e urgencia do projecto?

Na hypothese que o projecto contempla, esses direitos estão definidos, e eu tenho defronte de mim um mestre de direito, que não deixará de me apontar qualquer inexactidão que possa haver no que digo.

Effectivamente os principios de direito são, que o credor pignoraticio que está devidamente apossado do penhor ou que o tem depositado em poder de um terceiro por convenção com o seu devedor, tem o direito, no caso de se lhe faltar, ao pagamento no praso convencionado, de fazer vender o mesmo penhor, e isto sem processo ou formalidade alguma mais que a da intervenção da auctoridade judicial no acto da arrematação, e até mesmo sem esta como acontece em certos estabelecimentos de credito e monte pios, creados á sombra de leis ou decretos especiaes, e que se regem a este respeito pelos seus estatutos devidamente approvados.

E bem assim é direito de taes credores pedir reforço do penhor, mesmo antes do vencimento da obrigação, quando a garantia prestada venha a diminuir de valor, por causas imprevistas e sem culpa do credor.

Se n'estes principios de direito houvesse duvida, ella cessaria completamente por estarem consignados no codigo civil, que é hoje uma lei do estado.

Appliquemos pois estes principios á questão de que se trata.

Precisa ou não o governo de ser auctorisado para satisfazer ás exigencias dos credores da divida fluctuante garantida com penhor, se estas -forem a do reforço do mesmo penhor? (Logo fallarei tambem d'aquelles que o não têem.) Se não satisfizer e de prompto a essas exigencias, quaes serão ou quaes poderão ser as consequencias?

Isto ainda se não ponderou, mas vou eu dize-lo.

Uma das consequencias seria expor o governo a ver reclamar, por parte dos respectivos credores, do banco de Portugal as inscripções ali depositadas, a fim de as fazer vender no mercado, ou adjudica-las a si mesmo, fosse qual fosse o preço que ellas produzissem ou podessem produzir. Têem elles este direito, e muito mais, e eu logo o farei ver na presença do proprio texto d'estes contratos.

Ë que mais se seguiria d'aqui? A conversão de um emprestimo com penhor em venda ou adjudicação do penhor em pagamento.

Em relação ao pagamento do credor mudava o contrato de natureza pela expropriação.

O penhor, comquanto esteja captivo durante o praso do emprestimo, é de seu dono, mas este dominio desapparece pela venda forçada ou pela adjudicação a que se arriscaria o governo por virtude da lei e do contrato que estabelecem em favor do credor uma clausula ou condição resolutoria e que é potestativa, porque depende unicamente da parte do credor levar o penhor ao mercado ou apropria-lo.

Queremos nós isto no estado em que actualmente se acha o mercado, quando as inscripções desceram, e se tem conservado esta descida desde janeiro ultimo por causas que ninguem ignora, cujo fermento existe ou se figura que existe?

Esta descida é de tal consideração, que se sustenta mesmo na presença de um proximo dividendo, e só se viram as inscripções em preço tão baixo durante a guerra da França e da Italia contra a Austria.

Em taes circumstancias a camara não pôde querer que algum credor venha trazer ao mercado uma porção qualquer de inscripções, ainda que minima; pois que na pobreza do nosso mercado, em vista do descredito que d'ahi resultaria, teriamos logo uma aggravação de baixa de 2 ou 3 por cento, ou mais.

Se a camara não pôde querer senão que o governo evite este grande mal, é preciso que lhe proporcione os meios necessarios, e unicos, como até aqui se tem praticado. É preciso que o habilite para tratar amigavelmente com os portadores dos escriptos de obrigação para a reforma. Sem esta habilitação o menor mal que pôde acontecer é sujeitar o governo a reformar, perdendo o estado não só no praso da moratoria, mas na elevação do juro, em consequencia do risco que os credores correm pela depreciação do penhor.

E não devemos amesquinhar a emissão para tal fim, por isso que, se o governo poder reforçar os penhores, é possivel que assim se diminua o juro que se paga actualmente (O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Apoiado.), porque é por esta operação que o sr. presidente do conselho e outros ministros, que o têem precedido na pasta da fazenda, têem conseguido reduzir o juro; e se os actuaes credores o não querem reduzir, é facil conseguir-se a subrogação por outros, de quem se obtém meios para o distracte, o que raras vezes acontece, porque os primeiros não querem então deixar fugir o seu proprio interesse, e contentam-se por isso com menor juro.

Quer a camara agora ver o documento de obrigação em que o governo, em nome do paiz, se acha ligado para com taes credores, e em que se reconhece e consigna o direito a que cumpre attender?

Ei-lo:

«No caso de falta de pagamento do escripto entregue ao mutuante para embolso d'este emprestimo no dia do seu vencimento, ou da renovação por mutuo accordo, poderá o mutuante, sem dependencia de formalidade alguma, receber do banco de Portugal os referidos titulos, ficando responsavel pela differença conforme o preço do mercado.

«Se este preço no dia do vencimento do dito escripto for inferior ao necessario para o mutuante se embolsar da importancia do emprestimo, o governo obriga-se a indemnisa-lo da differença.»

De maneira que o credor pignoraticio do thesouro fica com o direito de adjudicar a si mesmo o penhor, pagando-se por elle pelo preço do mercado; e na presença da baixa dos titulos pôde convir-lhe faze-lo assim, encontrando-o na quantia do seu emprestimo, para depois ainda vir exigir do governo a indemnisação da differença, computada sobre o dito preço do mercado!

Justificada portanto a urgencia e a justiça da medida, não viu a commissão de fazenda difficuldade alguma nem na adopção, nem na redacção do projecto.

Foi dito que a redacção do projecto envolvia uma auctorisação sem limites. Mas assim não é.

Aqui, sr. presidente, ha sim uma auctorisação para emissão não fixada, mas não illimitada. Não se declara precisamente o quanto da emissão, por isso que era impossivel de antemão fixar o que depende essencialmente das oscilações do mercado, do estado do credito publico e do accordo do governo com os respectivos credores.

Todavia não é uma auctorisação illimitada a que se pede, por isso que tem o seu limite na importancia da mesma divida.

Não era possivel fixar o maximo d'estas emissões supplementares, mas pôde calcular-se approximadamente em uns tantos por cento sobre a totalidade da divida fluctuante, porque já lá tem ella um certo numero de inscripções que servem de penhor.

Também está claro que a emissão de que se trata não tem por fim levantar novos recursos com relação ao deficit do orçamento, mas só para fazer face aos emprestimos contrahidos, que, ou já têem penhores, ou que os não têem; mas é conveniente que os tenham, como estes têem o mesmo direito quanto a vir pedir o seu pagamento na occasião do vencimento da obrigação; é melhor que o governo os possa igualar aos credores com penhores, do que deixa-los ficar em uma situação excepcional, em que tem de levantar fundos no estado actual do mercado, com maior sacrificio do que o do penhor, que sempre é uma garantia, que faz com que os respectivos credores se sujeitem a condições mais favoraveis para o thesouro, e d'elles se obtenha a menor juro a reforma das respectivas obrigações, o que importa não aggravar o deficit e manter o credito.

As palavras do projecto garantia supplementar aos emprestimos e supprimentos contrahidos sobre titulos, ou para garantir, se for necessario, os que não tenham tido penhor até agora, são, quanto a mim, muito claras e evidentes, porque se referem unicamente aos supprimentos existentes até á data da promulgação da lei.

Nada direi sobre a questão politica, porque não quero nem sei entrar em questões politicas, taes como de ordinario são qualificadas.

E tanto mais que é minha convicção que esta questão não é uma questão politica; é uma questão de expediente; é uma questão de necessidade; é uma questão urgente, que nada tem com a lei de meios, nem com as receitas ou economias que hão de vir das medidas que estão pendentes na outra casa do parlamento.

O que n'este momento cumpre attender é se temos presente uma providencia de expediente e de necessidade relativa ao serviço regular das operações do thesouro publico sobre divida fluctuante, que é exigível, e a que o governo não pôde faltar, por isso que os respectivos credores tem no seu direito os meios de causar gravissimos transtornos e inconvenientes, que devem ser prevenidos quanto antes.

Por consequencia é claro que esta medida de expediente não é a lei de meios, mas quem quizer considera-la no sentido da politica, não da politica absoluta que é a verdade, a justiça e a consciencia de bem governar os homens, mas no sentido da politica relativa ou partidaria, em que se costuma dizer quem não ê por mim é contra mim, pôde então votar contra o projecto, e toda a discussão será baldada. Não seguirei porém este caminho, porque direi não sou por ti nem contra ti, sou pela justiça, pelo bem do paiz e pela verdade, e não por outras considerações; ainda que se diga e seja certo que as seitas politicas são como as religiosas, em que não ha salvação fóra do seu credo, como eu não tenho hoje aspirações a ser mais do que sou, nem pertenço a nenhum partido politico ou militante, hei de votar como entender em minha consciencia com abstracção de conveniencias partidarias.

Todavia não sendo esta questão politica em si mesma, O será nos seus resultados negativos, para quem d'ella quizer lançar mão para esse fim; pois que privando o governo d'esta medida de expediente, a opposição que escolheu este campo tem conseguido a victoria, porque estou certo de que o governo não podia continuar a gerir os negocios do estado desde o momento que não obtivesse a auctorisação que solicita (apoiados). Esta é a minha opinião, ainda que acredito que haja alguem que, involuntariamente ou sem sinistras intenções, vote contra este projecto por entender que não está bastante claro, mas o resultado seria sempre o que acabei de indicar.

De maneira que então esta questão é, em logar de politica, uma questão ministerial, pois que tende a privar os srs. ministros de continuarem a sentar-se n'aquellas cadeiras. Portanto, sr. presidente, em justificação do meu voto julgo desnecessario dizer mais do que tenho dito, mormente em vista das explicações dadas pelo governo..

Vozes: — Votos, votos.

O sr. Costa Lobo: — Eu pedi a palavra sobre a materia. Vozes: — Votos, votos.

O sr. Presidente: — Têem ainda a palavra os dignos pares visconde de Fonte Arcada, Costa Lobo e Ferrer, mas a camara pede votos.

Vozes: — Votos, votos.

O sr. Conde de Thomar: — Emquanto houver oradores inscriptos não se pôde fechar o debate sem -que haja uma resolução da camara que o determine (apoiados).

O sr. Presidente: — Tem o sr. visconde de Fonte Arcada a palavra.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Eu direi mui poucas palavras, e sómente para explicar o meu voto.

O sr. Conde de Fornos: — Peço a palavra para um requerimento.

O Orador: — Sr. presidente, o parecer da commissão, no seu relatorio, diz o seguinte, que reconhece a necessidade de não se emittirem inscripções sem crear conjunctamente novos meios para satisfazer os encargos resultantes da emissão de taes titulos =. Acho que a commissão diz n'isto uma grande verdade, e que não se devem crear novos titulos de divida sem crear logo os meios de receita para lhe fazer face. Isto mesmo deve acontecer a respeito de todas as novas despezas do estado, pois o contrario é inconvenientissimo, e parece-me que já era tempo de acabar com o mau j systema que se tem seguido até agora; crear novos meios para novas despezas é um grande embaraço para que se façam despezas extraordinarias que não forem indispensaveis com o receio de impor novos tributos. Por esta lei, como está, vae-se seguindo o systema antigo.

O sr. presidente do conselho, para defender o projecto do governo, disse que esta auctorisação já se tinha concedido por mais de uma vez; mas por isso mesmo que isto se tem feito, é que é necessario acabar com esse systema. Agora é preciso emittir novos titulos de divida para servirem de garantia e penhor aos emprestimos, visto que os titulos têem descido no mercado; mas se se tivesse já feito ou promettido uma reforma geral das nossas despezas, as inscripções não desceriam de valor, e assim não era neces-

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sario crear novos titulos de divida para reforçar os penhoras. Era muito mais, conveniente que se tivesse tratado da diminuição da despeza publica e da reforma geral d'essa despeza, o que daria mais credito ás inscripções, e o seu valor augmentaria na proporção da diminuição d'esta despeza, e o paiz se collocaria em circumstancias de pagar as suas obrigações, sem ser necessario emittir novos titulos, com os encargos correspondentes. Mas diz-se que o projecto em discussão é essencialmente necessario.

Ora, sr. presidente, o ministerio que está ha tanto tempo á testa dos negocias devia ter, pela reforma das despezas publicas, evitado que os titulos de divida descessem, e que fosse necessario crear novos titulos, e não vir dizer que o que pede agora já tem sido feito por mais de uma vez. Pelas rasões que tenho dito eu não posso approvar o projecto, mas tambem não posso approvar a proposta do sr. duque de Loulé, porque, apesar de limitar muito a emissão de novos titulos, comtudo no § 5.° diz o seguinte: «Tomar o governo o compromisso de fazer uma proposta ás côrtes, ainda n'esta sessão legislativa, para crear a receita necessaria para fazer face aos encargos que resultarem da auctorisação concedida por esta lei». Porém, como esta proposta não indica diminuição alguma de despeza, segue-se que se iriam crear impostos sem que a despeza diminuísse, e portanto, posto que mais limitada, importa o mesmo que o projecto em discussão; e por isso a rejeito do mesmo modo, porque estou resolvido a não votar imposto algum sem que veja seguir-se um systema geral de diminuição de despeza, fazendo-se todas as economias que se poderem fazer. O que até agora tenho ouvido não me faz mudar da opinião em que estou, e por isso me vejo obrigado a votar contra o projecto em discussão e contra a proposta do sr. duque de Loulé.

O sr. Conde de Fornos: — Requeiro a V. ex.ª que consulte a camara sobre se julga a materia suficientemente discutida.

Posto á votação o requerimento, foi approvado. O sr. Mello e Carvalho: — Requeiro votação nominal. O sr. Presidente: — - A votação nominal que V. ex.ª requer é sobre o adiamento ou sobre o projecto? O sr. Mello e Carvalho: — E sobre o adiamento. Posto á votação o requerimento, foi approvado. O sr. Presidente: — Vae pôr-se á votação o adiamento; os dignos pares que o approvam dizem approvo, e os que o rejeitam dizem rejeito.

Disseram approvo os dignos pares:

Duque de Loulé.

Duque de Palmella.

Marquez de Ficalho.

Marquez de Fronteira.

Marquez de Sabugosa.

Marquez de Sousa Holstein.

Conde das Alcaçovas.

Conde de Fonte Nova.

Conde de Linhares.

Conde de Paraty.

Conde do Sobral.

Conde de Thomar.

Visconde de Ovar.

Luiz Augusto Rebello da Silva.

Manuel Vaz Preto Geraldes.

Vicente Ferrer Neto Paiva.

Disseram rejeito os dignos pares:

Conde de Castro.

Marquez de Alvito.

Marquez de Niza.

Marquez de Sá da Bandeira.

Marquez de Vianna.

Conde de Alva.

Conde d'Avila.

Conde de Avillez.

Conde da Azinhaga.

Conde de Cabral.

Conde de Fornos de Algodres.

Conde da Ponte.

Conde de Rio Maior.

Visconde de Almeidinha.

Visconde de Benagazil.

Visconde de Condeixa.

Visconde de Fonte Arcada.

Visconde de Monforte.

Visconde de Seabra.

Visconde de Soares Franco.

Barão de Villa Nova de Foscoa.

Alberto Antonio de Moraes Carvalho.

Antonio de Azevedo Coutinho Mello e Carvalho.

D. Antonio José de Mello e Saldanha.

Antonio de Sousa Silva Costa Lobo.

Custodio Rebello de Carvalho.

Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto.

Felix Pereira de Magalhães.

Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.

Francisco Simões Margiochi.

Jayme Larcher.

José Augusto Braamcamp.

José da Costa Sousa Pinto Bastos.

José Joaquim dos Reis e Vasconcellos.

José Maria Baldy.

Luiz de Castro Guimarães.

Rodrigo de Castro Menezes Pita.

Roque Joaquim Fernandes Thomás.

Ficou rejeitado o adiamento por 38 votos contra 16.

O sr. Presidente: — Vae votar-se o projecto na sua generalidade; os dignos pares que o approvam tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Passa-se á especialidade, e vae ler-se o artigo 1.°

O sr. Secretario leu.

O sr. Ferrer: — Peço a palavra sobre o artigo 1.°

O sr. Costa Lobo: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Ferrer.

O sr. Ferrer: — Eu cuidava, sr. presidente, que com os meus modestos estudos sobre economia politica me achava habilitado para estudar qualquer questão de finanças, e dar sobre ella o meu voto com conhecimento de causa, apesar de não ter o titulo de financeiro.

Fiquei porém aterrado quando ouvi dizer ao sr. presidente do conselho que este projecto não tinha sido entendido, porque para o entender era necessario manejar com mão diurna e nocturna muitos papeis, até me parece que disse infinitos papeis, por muitos annos. Olhei porém casualmente para o sr. ministro da fazenda e animei-me um pouco, porque disse para mim - se realmente, para entrar n'esta questão de fazenda e dar sobre ella um voto consciencioso, é preciso o decurso de muitos annos a manejar papeis na secretaria da fazenda, como é que s. ex.ª o sr. presidente do conselho foi chamar para o seu lado o actual sr. ministro da fazenda, de cujo talento aliás dou testemunho, e folgo de o dar, que de certo não tinha tido ainda tempo para estudar o cahos dos papeis das nossas finanças? É joven e a sua idade não dava para tanto.

Pois, sr. presidente, animou-me esta consideração e disse para mim — tambem eu, estudando a questão, poderei dizer alguma cousa sobre ella. O sr. ministro da fazenda tem de estudar muitas questões, eu sómente algumas. Estou com menos talentos de melhor partido.

Sr. presidente, senti que em uma questão d'esta monta, e estando ainda alguns pares inscriptos, contra o costume louvavel d'esta camara, se desse a materia por discutida (apoiados).

Os habitos d'esta casa não são estes; aqui não se costumam pôr peias á discussão, porque d'ella é que sáe a luz da verdade (apoiados); mas os que fizeram agora o contrario não se lembraram que se poderia sobre o artigo 1.° dizer tudo quanto se desejasse dizer na generalidade do projecto.

Sr. presidente, o artigo 1.° diz que = o governo fica auctorisado a crear inscripções de 3 por cento até ao fim de dezembro, para servirem de garantia supplementar aos emprestimos e supprimentos que já tiverem penhor, ou para servirem de garantia nova aquelles que a não tiverem =. Emquanto ao facto do ficar o governo auctorisado a crear as inscripções até ao fim de dezembro, é claro; mas ha grande duvida sobre a intelligencia das palavras emprestimos e supprimentos contrahidos! Contrahidos! Até quando? Esta é que é a grande questão, do perímetro da qual eu prometto a V. ex.ª e á camara não pôr o pé fóra. E para isso vou empregar todos os meios para que os srs. ministros me respondam categoricamente ás perguntas que hei de mandar para a mesa.

O digno par, que propoz o adiamento d'esta questão, entre as considerações que apresentou fez sentir a necessidade de se declarar se estes emprestimos são só para a divida fluctuante ou tambem para o deficit.

Sobre este ponto, a resposta dada pelo sr. presidente do conselho foi tão nebulosa o obscura, e tão cheia de tergiversações e rodeios, que d'ella nada se pôde deduzir claro e definido. Disse serem inseparaveis divida fluctuante e o deficit, e pareceu entender que os emprestimos e supprimentos são para a divida fluctuante e para supprir o deficit. Se consultámos a opinião do sr. ministro da fazenda, peior ficaremos, porque o sr. presidente do conselho falla por um lado e o sr. ministro da fazenda por outro. Um diz: «Os emprestimos são relativos á divida fluctuante, e n'este projecto trata-se só dos contrahidos até ao fim do mez». O outro diz: «Não confundam as questões, porque a divida e o deficit não se podem separar.» Dá isto em resultado uma contradicção manifesta, de modo que o sr. presidente do conselho entende, ao que parece, que não só se comprehendem no artigo os emprestimos contrahidos até 30 d'este mez, mas todos os que se contrahirem depois até ao fim de dezembro. Por outro lado, o sr. ministro da fazenda parece não dar a mesma latitude ao artigo. Ora, é certo que importa muito, em vista da gravidade do assumpto, que se fique sabendo bem claramente o que quer dizer o artigo 1.°, porque a interpretação authentica dada pelos srs. ministros, em logar de nos esclarecer, serve sómente para mais obscurecer o artigo. E não sabemos se havemos admittir a explicação clara do sr. ministro da fazenda, se a abstrusa do sr. presidente do conselho.

Eu vou mandar para a mesa duas perguntas sobre o artigo 1.°, que está em discussão. Vão formuladas com clareza e precisão. Se algum dos srs. ministros quizer ter a bondade de responder a ellas desde já, pedia-lhe que o faça com a mesma clareza e precisão com que ellas estão formuladas, e como o negocio exige (leu).

Faço estas duas perguntas por estes termos clarissimos, porque vi que o sr. duque de Loulé não pôde obter uma resposta satisfactoria quando perguntou se as inscripções que se mandam crear são para a divida fluctuante ou para o deficit. As minhas perguntas contêem na sua essencia o mesmo que a pergunta do sr. duque; são porém mais detalhadas e explicitas. Se o governo responder a ellas, V. ex.ª me continuará o uso da palavra para eu ou approvar o artigo, ficando convencido, ou mandar para a mesa um additamento que o torne mais claro. Se algum dos srs. ministros tiver a bondade de me responder já, abreviar-se-ha muito o debate, porque pôde ser que eu approve o artigo sem mais discussão, e que a questão acabe pela minha parte; mas se s. ex.ª collocar a questão n'um terreno que não esteja em harmonia com a intelligencia que se deve dar ao artigo na minha opinião, tratarei de combater sómente o artigo do projecto debaixo do aspecto que lhe der o governo, o no terreno a que me chamar o sr. ministro, e a discussão abrevia-se.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a nota das perguntas do sr. Ferrer.

O sr. Secretario leu.

Perguntas sobre o artigo 1.º

1. ª Os emprestimos e supprimentos comprehendem sómente as dividas do thesouro contrahidas até ao fim d'este mez, ou comprehendem tambem dividas que o governo haja de contrahir, depois do fim d'este mez, até ao fim de dezembro?

2. ª No segundo caso, os emprestimos e supprimentos comprehendem sómente as dividas que, depois de embolsados os credores, e depois de entregarem as letras e titulos, o governo passa a novos credores com a garantia das mesmas inscripções, substituidos sómente os nomes dos novos credores aos antigos nas letras e titulos, ou comprehendem tambem dividas novas que não são substituidas ás antigas?

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. presidente, o digno par, o sr. Costa Lobo, pediu a palavra sobre o artigo 1.° Se o digno par deseja fallar agora...

O sr. Costa Lobo: — Eu não tenho pressa alguma.

O Orador: — -Eu desejo saber se o digno par, o sr. Ferrer, continua com o seu discurso, ou se espera a minha resposta. Se espera, peço ao digno par que tenha a bondade de acabar o seu discurso, e eu lhe responderei no fim; entretanto como se continua a insistir que o governo não respondeu, declaro que ha de responder, repetindo o que disse ha um instante, e hei de provar com toda a clareza mathematica que eu respondi já categoricamente a essas perguntas, mas hei de faze-lo, quando o digno par acabar.

Peço a V. ex.ª, sr. presidente, que me queira mandar a nota das perguntas do sr. Ferrer.

O sr. Ferrer: — Sr. presidente, eu peço á camara que note que eu, para maior esclarecimento da questão e para evitar ser extenso no meu discurso, convidei os srs. ministros a responder ás perguntas, que eu mandei para a mesa. Se o sr. presidente do conselho tivesse respondido claramente, como eu entendo que devia responder, ás perguntas que lhes fizeram os dignos pares, que me precederam e nomeadamente o sr. Duque de Loulé, teriam sido escusadas as minhas perguntas. S. ex.ª, o sr. presidente do conselho, entendeu que não devia descer da sua alta categoria para responder desde já ás minhas perguntas, ou quiz usar das suas costumadas estrategias parlamentares. Eu bem sei que a minha humilde pessoa pouco vale diante do sr. presidente do conselho; mas, visto o logar que occupo n'esta casa, estou no direito de fazer perguntas aos srs. ministros, e ss. ex.ªs têem a obrigação de me responderem (apoiados). Constitucionalmente fallando importa manter as boas relações entre o poder legislativo e o poder executivo (apoiados). Então como se vem aqui responder com subterfugios e com rodeios? Responde-se de prompto e com lealdade, dando explicações claras, que illustrem a assembléa, para que ella possa dar o seu voto com conhecimento de causa (apoiados). Que quer dizer, feitas estas perguntas, das quaes dependia a direcção da discussão, e depois da declaração que fiz de que estava disposto" a votar o artigo se as respostas de ss. ex.ªs me satisfizessem, porque de outro modo só combateria no terreno, em que s. ex.ª se collocasse, levantar-se o sr. presidente do conselho a declarar que me responderá no fim do meu discurso? A camara avaliará esta resposta de s. ex.ª como ella merece. Eu aparto-a de mim e entrego-a á camara, de que tenho a honra de ser membro.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Declarar que respondia no fim do seu discurso não é dizer que não posso responder, tanto mais que já respondi cabalmente, como disse, e provarei quando tiver a palavra.

O Orador: — Quem deve dirigir e abreviar a discussão sou eu ou os auctores do projecto?

No fim do meu discurso, diz s. ex.ª! Sim no fim do meu discurso, e levantar-se-ha um digno par para pedir que se dê a discussão por terminada, e eu ficarei como ainda agora aconteceu, sem poder responder (apoiados).

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu hei de responder quando quizer, hei de faze-lo no fim do discurso.

O Orador: — Eu sei muito bem d'estas estrategias (apoiados). Sou velho parlamentar.

Sr. presidente confesso que não esperava que o sr. ministro da fazenda, cheio de lealdade e talento, não respondesse de prompto. Esperava isto da agudeza do seu engenho e das estreitas relações antigas que temos ha muitos annos. E ainda acredito que o faria se não fosse... Omitto a rasão.

Nunca tive n'esta casa um triumpho tão grande como hoje. As minhas perguntas são taes, que o sr. presidente do conselho de ministros entendeu que lhe não convinha responder sem meditar primeiro, apesar de financeiro consummado, que tem gastado muitos annos a ler papeis da fazenda!

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Já disse que responderia no fim do seu discurso. Acabe o digno par, que eu lhe darei a resposta.

O Orador: — Bem sei que ha de responder, porque já ha de ter manejado as cousas de maneira tal, que eu não possa replicar. A rasão é esta, ou, se a não é, é outra peor (apoiados).

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — O que está o digno par a dizer?

O Orador: — O sr. ministro incommoda-se? Sinto-o muito, mas esta é a verdade; ainda agora aconteceu o que acabo de dizer.

Sr. presidente, como os srs. ministros na presença das minhas perguntas ficaram mudos, não posso progredir no

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meu discurso senão figurando todas as especies de emprestimos e supprimentos, que podem ser feitos pelo governo até ao fim de dezembro, e tomar em consideração as respostas diversas e até contrarias do sr. presidente do conselho e do sr. ministro da fazenda, dadas n'esta e na outra casa do parlamento e que constam do Diario de Lisboa.

Repugna-me, sr. presidente, estar a açoitar os ares e gastar tempo em combater diversas intelligencias, que se podem dar ao artigo, e que o governo não quererá dar-lhe. As minhas perguntas respondidas limitavam a area da discussão. Sem ellas não sei se hei de approvar o artigo, se o hei de combater.

Vozes: — Deu a hora.

O Orador: — Peço a V. ex.ª me reserve a palavra para a seguinte sessão, visto que deu a hora; e tambem pelo estado da camara, impressionada pelo lastimoso acontecimento que n'este momento acaba de occorrer n'esta casa.

(O orador refere-se a ter caído pelas escadas da presidencia abaixo, e de um modo, á primeira vista, assustador, o conselheiro official maior da secretaria.)

O sr. Presidente: — A seguinte sessão será na proxima terça feira, e continua a mesma ordem do dia.

Está levantada a sessão. Eram cinco horas e um quarto da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 20 de junho de 1868

Os ex.mos srs.: Conde de Castro; Duques, de Loulé, de Palmella; Marquezes, de Alvito, de Ficalho, de Fronteira, de Niza de Sá da Bandeira, de Sabugosa, de Sousa, de Vianna; Condes, das Alcaçovas, de Alva, de Avila, de Avillez, da Azinhaga, de Cabral, de Fonte Nova, de Fornos, de Linhares, de Paraty, da Ponte, de Rio Maior, do Sobral, de Thomar; Viscondes, de Benagazil, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Monforte, de Ovar, de Seabra, de Soares Franco; Barão de Villa Nova de Foscôa; Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, D. Antonio José de Mello, Costa Lobo, Rebello de Carvalho, Sequeira Pinto, Pereira de Magalhães, Silva Ferrão, Margiochi, Larcher, Moraes Pessanha, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Baldy, Rebello da Silva, Castro Guimarães, Preto Geraldes, Menezes Pita, Fernandes Thomás e Ferrer.

Depois de principiar a sessão entrou o sr. Visconde de Almeidinha.

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