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N.º 27

Presidencia do exmo. sr. Buque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Eduardo Montufar Barreiros
Francisco Simões Margiochi

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - Dá-se á correspondencia o devido destino. - O sr. presidente da camara declara que recebera uma carta do corpo commercial de Coimbra, [...] representação, na qual se pedia o adiamento
[...] de ferro da Pampilhosa á Figueira da Foz. Entende que essa [...] publicas. - Considerações dos dignos pares Quaresma, Franzini, Vaz [...] Referimento do digno par Barros e Sá.- O sr. Vaz Preto pergunta ao sr. ministro das obras publicas em que estado se achava o negocio relativo á acquisição das aguas de Bellas. - Resposta do sr. ministro das obras publicas (Saraiva de Carvalho). - Ordem do dia: Discussão do parecer n.º 30 da commissão de fazenda, sobre os additamentos propostos pelos srs. Visconde de Chancelleiros, ministro de fazenda (Barros Gomes), Antonio de Serpa, Mello e Gouveia e bispo de Bragança.-O sr. visconde do Bivar requer votação nominal sobre o parecer que se acaba de discutir.- Approvação do parecer por 43 vetos contra 35. - Requerimento do sr. visconde da Silva Carvalho. - Approvação, sem discussão, dos seguintes projectos: auctorisando no fim de cada trimestre a revisão da tabella dos valores medios, pelos quaes são cobrados os direitos ad valorem sobre os generos de exportação: concedendo á junta geral do districto de Santarem o antigo edificio denominado de S. João de Alporão para n'elle conservar o museu districtal.- Discussão do parecer n.° 28 sobre o projecto de lei n.° 7, que tem por fim approvar o contrato provisorio celebrado em 3 de setembro de 1879 entre o governo e a companhia do caminho de ferro da Beira Alta para a construcção de um caminho de ferro da Pampilhosa á villa da Figueira da Foz. - Ponderações dos srs. Vaz Preto, presidente da camara, Franzini, Quaresma de Vasconcellos e ministro das obras publicas (Saraiva de Carvalho).

Ás duas horas e um quarto da tarde, estando presentes 40 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

(Estiveram presentes os srs. presidente do conselho e ministro da fazenda, obras publica, marinha e guerra.)

O sr. Presidente: - Devo declarar á camara que recebi uma carta do corpo commercial de Coimbra, acompanhando uma representação igual á que foi mandada impressa, segundo creio, a todos os dignos pares. N'essa representação pede aquelle corpo commercial o adiamento do projecto que está dado para ordem do dia de hoje ácerca do contrato para a construcção do caminho de ferro da Pampilhosa á Figueira da Foz. N'estas circumstancias, parecia-me que o mais regular era mandar, com urgencia, esta representação ás commissões de fazenda e obras publicas, a fim de poderem dar o seu parecer sobre o assumpto a que a mesma representação se refere; e como estão dados para ordem do dia outros pareceres, poderiamos começar pela discussão d'elles, até que as commissões reunidas viessem declarar á camara se julgavam ou não conveniente que se adiasse a discussão do parecer, a que a representação diz respeito.

O sr. Quaresma de Vasconcellos: - Peço a palavra sobre este incidente.

O sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao sr. Quaresma devo dizer novamente que, tendo-me sido remettida uma representação do corpo commercial de Coimbra,
representação que creio ter sido igualmente mandada, impressa, a todos os dignos pares, pedindo que seja adiada a discussão do projecto que diz respeito ao contrato para a construcção do caminho de ferro de Pampilhosa á Figueira, e que está dado para ordem do dia de hoje, como não era a a mim que pertencia resolver este pedido, entendi que devia propor á camara se julgava conveniente que esta representação fosse mandada com urgencia ás commissões de fazenda e obras publicas, para que ellas, depois de a examinarem, viessem pedir á camara o adiamento do projecto, se entendessem que isso era necessario.

Isto é o que me parece que se deve fazer, mas não consultarei a camara a este respeito sem dar a palavra ao sr. Quaresma, que me parece querer fallar sobre este assumpto.

Tem, portanto, s. exa. a palavra.

O sr. Quaresma de Vasconcellos: - Sr. presidente, eu tambem recebi uma representação da associação commercial de Coimbra, mas não vejo que n'essa representação se peça o adiamento do projecto a que v. exa. se referiu .

O que a associação commercial de Coimbra pretende é, que n'esse projecto se insira uma disposição nova pela qual o governo não fique inhibido de poder mandar construir um ramal de caminho de ferro, de Coimbra para a Figueira.

O sr. Presidente: - A carta que me foi dirigida diz o seguinte:

«Representação do corpo commercial de Coimbra, pedindo algumas modificações no projecto de lei n.° 7, sobre o caminho de ferro da Figueira á Pampilhosa.»

Qualquer, pois, que seja a natureza do pedido do corpo commercial de Coimbra, o que é certo é que o projecto deve entrar hoje em discussão se a camara não resolver o contrario.

Portanto, repito, o que me parecia mais regular era mandar a representação ás duas commissões para ellas a examinarem e apresentarem depois o seu parecer.

O sr. Franzini: - Peço a palavra por parte das commissões reunidas.

O sr. Quaresma de Vasconcellos: - Eu creio que associação commercial de Coimbra não pede o adiamento do projecto. O que pede é o que dia a representação n'estes dois paragraphos que vou ler.

(Leu.)

Já se vê que o que se pretende não é o adiamento, mas sim que no projecto se insira a declaração de que o governo não fica privado de poder fazer construir uma linha ferrea de Coimbra á Figueira, pelo facto de estar a menos de 40 kilometros, visto que no artigo 28.° do contrato feito com a companhia do caminho de ferro da Beira, ha a clausula de não se poder construir nenhuma linha ferrea parallela na distancia de 40 kilometros.

Eu não me opponho a que a representação vá ás commissões mas a verdade é que n'ellas se não pede o adiamento do projecto, pede-se que no projecto se insira aquella disposição, para que o governo não fique inhibido de poder fazer depois a linha ferrea de Coimbra á Figueira.

O sr. Presidente: - Nada se póde fazer sem que as

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commissões examinem a representação, e por isso proponho que ella lhe seja remettida, sem prejuizo da ordem do dia já dada. (Apoiados.)

O sr. Franzini: - Sr. presidente, eu apenas tenho a declarar que me parece perfeitamente dispensavel que esta representação vá ás commissões.

Do que se trata nesta representação? Trata-se de pedir que no contrato provisorio a que o projecto se refere se insira uma nova condição. Ora isto póde ter inconvenientes, porque as camaras não podem introduzir alteração alguma sem que haja novo accordo com a companhia, como succede em todos os contratos synallagmaticos.

No artigo 23.° do contrato feito com a companhia do caminho de ferro da Beira, garante-se o que está estabelecido para os caminhos de ferro de primeira ordem, isto é, que á distancia de 40 kilometros não se possa estabelecer outra linha ferrea parallela. O que se pede n'esta representação é que esta disposição seja alterada; e isto é exactamente o que se não póde fazer sem se proceder a novo accordo entre as duas partes contratantes.

Se nós pretendessemos aqui alterar o contrato, introduzindo-lhe qualquer disposição, a companhia estava no sen direito de dizer:

Pois eu agora não o acceito n'essas condições. Esse contrato é inteiramente novo.»

Aqui está o que eu tinha a declarar. A camara resolverá como entender; na certeza de que as commissões não podem alterar de, modo algum o contrato realisado sem que haja mutuo accordo.

O sr. Presidente: - Preciso dar á camara uma explicação relativamente á idéa de adiamento que enunciei. Eu estava certo de a ter visto expressa de alguma fórma no officio ou na representação. Vejâmos o que diz o officio.

(Leu.)

Foram estas as palavras que eu interpretei como referindo-se a adiamento da discussão do projecto,

A camara acaba de ouvir o sr. Franzirá sustentar que não ha necessidade nenhuma de ser esta representação enviada ás commissões.

O sr. Vás Freto: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem a palavra.

O sr. Vaz Preto: - O adiamento proposto por v. exa., mandando á commissão e distribuindo pela camara a representação do corpo commercial de Coimbra, é rasoavel e o mais racional possivel; rasoavel e racional, porque só a camara poderá avaliar e discutir a representação que não conhece ainda. De outra fórma fal-o-ia sem o necessario estudo e exame que deve ter dos negocios. Alem d'isso deve haver toda a circumspecção em discutir contratos como este, e por isso eu pedi alguns documentos, e agora vou pedir outros importantes.

Um que eu considero importantissimo, e que já requeri pelo ministerio das obras publicas, é a proposta que fez o sr. Burnay para a construcção do caminho do ferro da Pampilhosa á Figueira. O sr. ministro ainda não m'o remetteu.

Alem d'este documento, que desejo ver, com toda a urgencia, antes de se entrar na discussão d'este projecto, peço tambem que sejam presentes á camara as consultas da junta consultiva de obras publicas e o parecer do procurador geral da corôa ácerca do caminho de ferro da Pampilhosa á Figueira.

A d'estes documentos espero que o sr. ministro não fará o mesmo que tem feito relativamente a outros que lhe têem sido pedidos; espero que não deixará d'esta vez de os mandar á camara; aliás, s. exa. não deverá admirar-se que eu n'esse caso proponha o adiamento do projecto de que se trata.

Aproveito a occasião para apresentar outro requerimento.

(Leu.)

Depois de terminado este incidente, peco a v. exa. que me conceda outra vez a palavra.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Saraiva de Carvalho): - Creio que o corpo commercial de Coimbra não póde o adiamento, e uma vez que não o pede, creio tambem que a camara não precisa votal-o.

A representação póde ser apreciada pelas com missões, sem que, repito, haja necessidade do adiar a discussão do projecto.

Quanto á falla de documentos, a que alludiu o sr. Vaz Preto, direi a s. exa. que assignei já o respectivo officio de remessa para esta camara.

Assignei o officio da remessa para esta camara, dos documentos a que s. exa. se referiu, e que consistem n'uma caria e copia de um telegramma enviados ao sr. ministro das obras publicas pelo sr. Henrique Burnay.

Não sei se estuo já na mesa esses, documentos; mas, torno a dizer, o officio de remessa foi já assignado por mim.

Agora quanto á representação da associação commercial de Coimbra, creio que n'esse documento não se pede que seja adiada a discussão do projecto relativo ao caminho de ferro do Pampilhosa á Figueira, o senão assim, não ha necessidade do votar o adiamento, e de só ter em attenção uma cousa que se não pede, pois aquella corporação pede só que esta camara tome conhecimento da sua representação.

Se nós descermos ao fundo da questão, veremos que a representação não prejudica a discussão do projecto. Os desejos da cidade de Coimbra não são incompativeis com essa discussão, nem o governo nem a camara se oppõem a que elles sejam considerados, e por consequencia a discussão e votação do mesmo projecto não lhes póde trazer prejuizo de modo algum.

O sr. Presidente: - Creio que não vem mal algum do facto de ser mandada á commissão a representação da associação commercial de Coimbra, como eu havia, indicado que fosse, porque quando chegar a occasião da discussão do projecto de que se trata, a qual terá logar depois de discutidos os outros projectos dados para ordem do dia, e que dizem respeito aos aditamentos ao projecto relativo ao real de agua e a outros assumpto, então os dignos pares proporão o que entenderem relativamente a ser ou não adiada aquella discussão. (Apoiados.)

Portanto vou consultar a camara sobre o modo de seguirmos nos nossos trabalhos pela fórma que indico, a qual me parece não prejudica em cousa alguma o seu andamento regular.

Os dignos pares que são do voto que se mande a representação da associação commercial da Coimbra ás commissões reunidas de fazenda e obras publicas, sem prejuizo da ordem do dia dada para hoje, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae dar-se destino aos requerimentos do digno par o s. Vaz Preto.

Leram-se na mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, sejam remettidas a esta camara copias das consultas da junta consultiva das obras publicas ácerca do caminho de ferro da Figueira, e bem assim o parecer do procurador da corôa ácerca do mesmo assumpto. = Vaz Preto.

Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja mandada a esta camara uma nota dos empregados que foram demittidos, e dos que foram nomeados depois do decreto de 30 de julho de 1879.= Vaz Preto.

Mandaram-se expedir.

Passou-se á leitura da

Correspondencia

Um officio da presidencia da camara dos senhores depu-

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tados, remettendo a proposição de lei que tem por fim auctorisar o governo contribuir com o bronze necessario para erigir um monumento era memoria do marquez de Sá da Bandeira.

Á commissão de fazenda.

Outro do ministerio das obras publicas, remettendo copia de duas propostas de Henrique Burnay, datada uma de Lisboa em 21 de agosto de 1879, e outra de Paris em 31 do mesmo mez (recebida em 6 de setembro) para construcção de uma linha ferrea da Figueira da Foz a um ponto da linha do norte, satisfazendo assim aos requerimentos feitos pelos dignos pares conde de Valbom e Manuel Vaz Preto Geraldes.

Para a secretaria.

O sr. Pereira Coutinho: - O sr. Luiz de Campos encarregou-me de participar a v. exa. e á camara que, por ter fallecido sua mãe, não póde comparecer á sessão de hoje.

O sr. Rodrigues Sampaio: - Mando para a mesa uma representação da associação commercial de Aveiro, pedindo a esta camara que não approve as propostas de fazenda.

Leu-se na mesa, e foi mandada á commissão de fazenda.

O sr. Sarros e Sá: - Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo.

Leu-se na mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que pelo ministerio da justiça, seja remettido a esta camara um mappa indicativo:

1.° De qual o numero das causas eiveis, criminaes, commerciaes e orphanologicas que têem sido distribuidas em cada uma das differentes comarcas do reino e ilhas em cada anno, desde a ultima divisão judicial;

2.° Qual a importancia dos emolumentos que, em cada anno, foram contados e percebidos pelos respectivos juizes de direito, delegados do procurador regio, escrivães e officiaes de diligencias. = Sarros e Sá.

Mandou-se expedir.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Tinha pedido a palavra antes da ordem do dia, para emittir a minha opinião sobre o incidente que se havia levantado; porém, como está terminado, cedo da palavra.

O sr. Vaz Preto: - Ha, talvez, mais de um mez, pedi a v. exa. que me concedesse a palavra, quando se achasse presente o sr. ministro das obras publicas; não tenho tido, porém, o gosto de ver aqui s. exa. antes da ordem do dia. Aproveito, pois, esta occasião para dirigir ao sr. ministro uma pergunta sobre um negocio que reputo importante e de interesso publico.

A camara ha de estar lembrada que o anno passado, antes de se encerrar a sessão legislativa, fia ver ao governo a necessidade absoluta de chegar-se-a um accordo com a companhia das aguas, com relação á introducção em Lisboa das aguas de Bellas. Desde então até hojo parece que nada se adiantou a tal respeito, pois a companhia continua a oppor-se, quando lhe convem, a que as referidas aguas sejam introduzidas nos seus encanamentos, e distribuidas de fórma que satisfaçam algumas necessidades do municipio o as dos habitantes da capital. Desejava, portanto, saber quaes as providencias que o sr. ministro das obras publicas tomou, e o estado em que se acha este negocio, que é grave, e que s. exa. não devia ter posto de parte.

É necessario que s. exa. diga á camara se chegou a algum accordo com a companhia, e se está resolvida a indemnisar o estado.

Este accordo, para o governo, devia ser um acto de coherencia, pois a camara deve estar lembrada de que os membros do actual governo, quando eram opposição, fizeram desta questão das aguas de Bellas uma arma do combate contra os seus antecessores, considerando como desperdicio a despeza de cerca de 500:000$000 réis feita com as obras de exploração e encanamento d'aquellas aguas, que aliás tinham sido effectuadas para acudir á falta produzida pela estiagem, falta que se não daria se a companhia das aguas houvesse cumprido com as condições do contrato.

Assim, pois, entendo que o sr. ministro das obras publicas eleve dar á camara os precisos esclarecimentos a este respeito; se, porém, s. exa. não está habilitado a fazel-o desde já, o que não creio, então annunciarei uma interpellação nos devidos termos, pois é indispensavel, ou que neste momento, ou em outra sessão, que esses esclarecimentos sejam apresentados, e o publico saiba as raspes por que se não tem obrigado a companhia das aguas a cumprir com as disposições do contrato feito com o estado, e por que rasão o governo tem deixado de providenciar como devia.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Saraiva de Carvalho:- O digno par, o sr. Vaz Preto, acaba de se referir ao procedimento do governo para com a companhia das aguas, dizendo que ella não tinha cumprido com o seu contrato, e desejando saber quaes as rasões por que o governo não havia providenciado a este respeito.

Não sei quaes os pontos do contrato, a que s. exa. alludiu, que deixaram de ser cumpridos por parte da companhia. O digno par não precisou bem esses pontos. S. exa. referiu-se tambem a um dispendio de 500:000$000 réis, que se não devia ter feito.

Estes 500:000$000 réis julgo eu que mão foram despendidos pela companhia das aguas, mas sim pelo governo, para a conducção das aguas de Bellas para Lisboa, e se me não engano é d'isto que o digno par quer que o informe.

Eu creio que a camara deve estar certa que, antes do encerramento da sessão passada, vim ao parlamento pedir uma auctorisação para despender uma certa verba na conservação d'aquellas obras; todos sabem o que são as obras de Bellas, e que foram feitas para introduzir na capital uma porção de aguas muito importante, gastando-se n'ellas uma somma approximadade 500:000$000reis; e repito, que eu o que fiz foi pedir uma verba para a conservação d'essas obras, e se o não tivesse feito teria concorrido para uma grande perda do dinheiros do estado, porque aquellas obras, que são subterraneas, estão sujeitas a graves prejuizos, se não houver cuidado em as conservar.

Ora a companhia das aguas pelo seu contrato, é obrigada a apresentar em Lisboa, n'um praso certo e determinado as aguas do rio Alviella.

A companhia trata activamente das obras precisas para conseguir isso, e tem varias vezes representado ao governo para que lhe seja concedido o encanamento obrigatorio, e o governo pela sua parte tambem se tem occupado do assumpto; esta condição está no contrato da companhia, e posso dizer que, pelas informações que tenho, o Alviella deve estar em Lisboa em agosto.

Quanto ás aguas de Bellas, a companhia sustenta que não exigiu que se fizessem aquellas obras, e que não foi por sua conta que as obras se fizeram; mas sim por parte do governo, e por isso a companhia não acceita aquelle encargo, que lhe é pesadissimo, e constantemente appella para o seu contrato. O governo, no emtanto, que não tem desprezado esta questão, tem de tomar uma resolução, e como não estou n'este momento munido de documentos, nada mais posso informar o digno par; mas estou prompto a dar a s. exa. todas as informações que a tal respeito possam ser-lhe dadas, pelos documentos officiaes, ou ainda a responder a qualquer interpellação que s. exa. entenda dever-me fazer a este respeito, e n'essa occasião, munido dos dados indispensaveis, poderei dar mais amplas informações que n'este momento me não é possivel.

(O orador não reviu o seu discurso.)

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O sr. Vaz Preto: - Ouvi com a maior attenção as explicações que acaba de fornecer á camara o sr. ministro das obras publicas, e confesso que, não só me não satisfizeram, como até me admirou muito que s. exa. não tenha dado um unico passo a este respeito, deixando assim de vigiar pelos interesses do paiz ácerca de um assumpto de tamanha importancia!

E digo que me admirou e me admira ainda que s. exa. tenha procedido por tal fórma, porquanto o sr. ministro deve estar lembrado que nos annos anteriores a opposição parlamentar, a que s. exa. pertencia na outra casa do parlamento, censurou o governo transacto por ter gasto aquellas sommas na pesquiza e exploração das aguas de Dellas, sem ter exigido á companhia das aguas uma indemnisação por aquellas obras.

Eu julguei tão serio e grave este facto, que no anno passado antes d'este governo subir ao poder já ou tinha verificado uma interpellação ao governo transacto, pedindo-lhe contas por não ter obrigado a companhia a indemnisar o estado. N'esta conjunctura, não tendo o actual sr. ministre das obras publicas adiantado cousa alguma a favor do estado, admiro-me porque entendo que este governo devia sustentar por coherencia, ao menos, as mesmas idéas que tinha sustentado na opposição. Entendo que este governo tinha o dever de procurar chegar a um accordo com a companhia das aguas, com relação a este assumpto, que é de grande importancia; porque é indispensavel que o governo, tendo introduzido as aguas em Lisboa, tira para o publico as dadas vantagens, e não seja a companhia, que, sem ter despendido cousa alguma, esteja dispondo d'ellas a seu bel-prazer.

A companhia, se quer dispor das aguas, que indemnise o estado por isso que, não tendo a companhia cumprido o seu contrato, o governo transacto se viu forro do a introduzir essas aguas em Lisboa, para acudir ás necessidades da sua população.

Portanto, o que lamento é que os srs. ministro, que na opposição sustentavam certos principios, os esquecessem apenas se viram no poder, para se tornarem complacentes com a companhia.

Sr. presidente, é necessario que este negocio se decida quanto antes, mantendo o governo o seu direito, e obrigando a companhia a cumprir o seu contrato, e a indemnisar o estado das despezas que foram feitas, o que não teriam sido se ella tivesse cumprido aquillo a que BC compromettêra.

O sr. ministro das obras publicas não pede dizer que não conhece esta questão, porque ella foi trataria o anno passado, no parlamento, e no anno anterior, e eu cheguei até a pedir-lhe que tomasse providencias a este respeito, a que s. exa. se comprometteu; e per isso tanto mais me admira, que até hoje nada tenha feito.

Estes srs. progressistas são assim, antes de se collocarem no poder não fallam senão em moralidade, em economias, em respeito á lei, e depois quando se sentara n'aquelles bancos já respiram outra atmosphera, o para elles a se doutrina e os bons principios são apenas palavras ocas e sonoras.

O sr. Presidente: - Vão ler-se dois officios que 30 receberam agora na mesa.

O sr. primeiro secretario leu o seguinte:

Dois officios do ministerio da fazenda, declarando que as gratificações e ajudas de custo dadas pelo ministerio da fazenda desde o 1.° de julho de 1878 até 30 de junho de 1879, sem haver lei que as auctorisasse, importaram em 117:018$411 réis, e que para similhantes despezas no actual anno economico foi fixada, conforme, portaria de 30 de julho de 1879, a quantia de 46:072$000 reis, que não será excedida, tendo-se despendido por conta d'ella somma até hoje 21:348$028 réis, não incluindo a que foi arbitrada pela portaria de 25 de novembro ultimo para trabalhos extraordinarios do tribunal de contas; satisfazendo per este modo aos requerimentos do digno par Vaz Preto, apresentados em sessão de 17 de janeiro e 21 do fevereiro do anno corrente.

Para a secretaria,

O sr. Costa Lobo: - Estou encarregado de pedir á camara, em nome da commissão de instrucção publica, que permitta que os dignos pares bispo eleito de Algarve, Thomás de Carvalho e Mendonça Cortez, sejam aggregados á mesma commissão.

Consultada a camara, sobre este pedido, resolveu affirmativamente.

O sr. Ministro das Coras Publicas (Saraiva de Carvalho): - Poucas e ligeiras considerações farei sobre o que acaba de dizer o digno par, o sr. Vaz Preto.

Asseverou s. exa. que a companhia das agua? tinha exigido do governo a introducção das aguas de Bellas em Lisboa...

O sr. Vaz Preto: - Eu disse que a companhia tinha exigido que o governo mandasse suspender a introducção das aguas.

O Orador: - Tinha percebido precisam ente o contrario, por consequencia nada mais direi sobre este ponto.

Quanto ao que disse o digno par sobre a opposição ter censurado em tempo o dinheiro despendido com a acquisição das aguas de Bellas o as obras que se emprehenderam para as trazer á capital, cumpre-me dizer que, desde o momento em que se tratava de um facto consummado, a obrigação do governo era conservar as obras feitas, que eram importantes.

Partindo d'este principio, pedimos ao parlamento os meios necessarios para as conservar.

Se essas obras foram bem ou mal feitas, e questão que não competia ao governo tratar, e que lhe competia era...

O sr. Vaz Freto: - Eu tenho sustentado que as aguas de Bellas introduzidas em Lisboa são uma excepção ao contrato; o que a companhia não quer reconhecer.

N'esta conjunctura é absolutamente indispensavel que sobre este ponto seja forçada a companhia a vir a um accordo. Se for por meios amigaveis tanto melhor; não podendo ser, o governo não deve hesitar em se servir d'aquelles que as leis lhe dão.

É necessario definir bem o direito da companhia e o direito do estado, e saber- se se a companhia póde dispor das aguas de Bellas, sem entregar ao governa o que se gastou com ellas; ou se o governo póde dispor d'essas aguas como excepção ao contrato.

Mais claro ainda, pelas condições 10.ª e 13.ª o contrato só a companhia póde introduzir aguas em Lisboa e distribuil-as.

Eu digo, porém, que nas condições do contrato não estão as aguas de Bellas, porque foram introduzidas com consentimento da companhia, e por ella ter faltado ao contrato, e que n'este caso, ou a companhia ha de indemnisar o governo, ou o governo póde dispor das aguas independentes da vontade da companhia.

O Orador: - Creio que o sr. Vaz Preto precisou bem a questão ácerca das aguas de Bellas, que foram introduzidas em Lisboa.

Ou a companhia quer acceitar essas aguas, e; portanto, indemnisar o governo, ou não as quer acceitar, e o governo póde dispor d'ellas como lhe convier.

Sobre este ponto tem havido varias conferencias cem a companhia, a qual insiste em declarar que ter cumprido o seu contrato, e que o governo é que não tem cumprido aquillo a que se obrigou.

Como se vê, não tem havido falta de diligencias por parte do governo, pois que por mais de uma vez me tenho dirigido áquella companhia para conferenciar com ella sobre este assumpto. A companhia, porém, defende-se affirmando que não deixou de cumprir nenhuma das clausulas do seu contrato e que o governo é que tem deixado de cumprir algumas.

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A companhia não incorro em nenhuma responsabilidade por ter o governo introduzido as aguas de Bellas em Lisboa; quanto aos seus direitos, se não se poder chegar a um accordo, terá necessariamente de se recorrer ao tribunal arbitral.

Aqui ha dois pontos: ou o governo reconhece o direito allegado pela companhia, ou não o reconhece. Se o reconhece, a questão cessa; se o não reconhece, então tem de só recorrer ao tribunal arbitral.

Para que esta questão seja resolvida convenientemente, tenho-me aconselhado com pessoas competentes, que me podem esclarecer sobre a materia. Portanto, a accusação feita ao governo, de que elle não tem procurado zelar os interesses publicos, é infundada, como posso demonstrar com documentos, que remetterei á camara, quando ella assim o exija.

O governo tem conferenciado com a companhia, tem ouvido as suas allegações, e tem tido sempre em vista, como lhe cumpre, os interesses do paiz para obter uma solução favoravel n'esta questão, que é de grande importancia.

O sr. Vaz Preto: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Já ha muito que se devia ter entrado na ordem do dia. Se a camara quer póde continuar n'esta discussão, mas parecia-me mais conveniente que passassemos a tratar dos assumptos que foram dados para ordem do dia.

O sr. Vaz Preto: - Direi muito pouco, sr. presidente. Eu ouvi o sr. ministro das obras publicas que agora precisou bem a questão. S. exa. acaba de declarar que o governo se tem occupado d'este negocio e que elle ha de ser. resolvido de um modo conveniente.

Poderá o governo, ou o sr. ministro das obras publicas ter-se occupado d'este negocio, o que eu vejo é que o tempo passa e a companhia continua da mesma fórma e o sr. ministro das obras publicas nada tem feito. Tanta contemplação com a companhia e tão pouca com o estado! Até o sr. Saraiva de Carvalho parece que já acha força ás allegações da companhia.

Diz s. exa. que a companhia allega, e com rasão, que se não introduziu as aguas do Alviella em Lisboa, tem sido porque o governo faltara ao contrato, não fazendo os encanamentos dentro de Lisboa.

O que me admira é que o sr. ministro de peso a esta allegação e a repita! Pois a companhia emquanto não tivesse introduzido o Alviella em Lisboa podia allegar que o governo faltava ás condições do contrato? Tinham decorrido quatro annos, praso em que o Alviella devia entrar em Lisboa, e não havia a quarta parte das obras feitas por parte da companhia, e não obstante é a companhia que accusa o governo de não ter cumprido o contrato! Isto é original!

Eu não sei o que lamente, se a fraqueza se a complacencia do governo.

O que sei é que deploro, que o paiz seja assim ludibriado, e que esses homens que se dizem os seus salvadores, sejam ainda aquelles que, renegando as suas idéas e os seus principies, concorram mais para a sua perda. Se o o governo cumprisse com o seu dever, o caso seria outro.

A companhia tem estado fóra da lei, pelo que respeita ao cumprimento do contrato. N'este caso o sr. ministro das obras publicas tinha obrigação de aproveitar o ensejo para obrigar a companhia a condemnar o estado pela introducção das aguas de Bellas.

Porque o não tem feito, e porque o não faz? A questão é muito simples, e se não está resolvida, é porque o sr. ministro tão escrupuloso na opposição, no governo é indulgente á custa da nação. A questão é muito simples, como já disse, e se o governo a quer resolver, basta fazer o seguinte:

Chame os representantes da companhia, proponha ceder-lhe as aguas de Bellas mediante as despezas feitas, e se a companhia acceita ou não. No primeiro caso fica tudo resolvido.

No segundo caso o governo, ou intenta acção ou remette o negocio ao tribunal arbitral; e é isso que se devia decidir, e immediatamente obrigar a companhia a cumprir o seu contrato, sem ter com ella a mais leve consideração.

Eis-aqui o modo facil do resolver esta pendencia.

O sr. Fontes Pereira de Mello: - É para informar a v. exa. e á camara, que acabo de receber n'este momento uma carta do sr. conde de Valbom, pedindo-me para participar que s. exa. não póde comparecer á sessão por incommodo de saude.

O sr. Presidente: - O digno paro sr. Costa Lobo pede, por parte da commissão de instrucção publica, que sejam aggregados á mesma commissão os dignos pares os srs. bispo eleito do Algarve, Thomás de Carvalho e Mendonça Cortez; eu vou consultar a camara ácerca d'este pedido.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: - Vamos entrar na

ORDEM DO DIA

Discussão do parecer n.° 30

O sr. Presidente: - Eu chamo a attenção da camara. A discussão vae versar sobre o parecer n.° 30, que se refere aos additamentos propostos pelos dignos pares os srs. visconde de Chancelleiros e bispo de Bragança, aos artigos 1.° e 3.° do parecer n.° 23, artigos que já foram approvados.

Diz o artigo 1.° que, como disse; já foi approvado, o seguinte:

"Artigo 1.° É auctorisado o governo a cobrar por arrematação o imposto do real de agua."

O additamento do sr. visconde de Chancelleiros é o seguinte:

"Additamento ao artigo 1.º:

"É auctorisado o governo a cobrar por arrematação o imposto do real de agua nos concelhos onde o rendimento. desse imposto for proporcionalmente inferior ao realisado pela cobrança municipal sobre o imposto correspondente.

"Sala da camara dos dignos pares, 8 de março de 1880.= Visconde de Chancelleiros."

Os additamentos do sr. bispo de Bragança são os seguintes:

"Proponho a seguinte addição no projecto de lei n.° 5:

"Artigo 3.°:

"§ 1.° São considerados incompativeis para concorrer como licitantes ás arrematações, ou sublocações de que trata este artigo, os empregados publicos e pessoas de estado ecclesiastico.

"§ 2.° São considerados inelegiveis para deputados, ou para cargos municipaes, os arrematantes ou sublocatarios, a que o mesmo artigo se refere, durante todo o tempo de arrematações ou sublocações.

"Sala das sessões da camara dos dignos pares, 6 de março de 1880. = Bispo de Bragança e Miranda."

São estes tres additamentos que estão em discussão conjunctamente com o parecer da commissão.

Tinha a palavra o sr. Serpa Pimentel, mas eu peço a s. exa. que me permitta que a conceda antes ao sr. visconde de Chancelleiros, que a pediu sobre a ordem, e depois a darei ao digno par.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, pedi a palavra sobre a ordem, e farei uso d'ella sem mandar para a mesa nenhuma moção.

Como v. exa. sabe e a camara, quando propuz o additamento ao projecto pedi ao sr. ministro da fazenda que declarasse se acceitava ou não esse additamento. S. exa. não me respondeu; mas pediu a palavra n'essa occasião e respondeu-me nó seu logar o sr. relator da commissão. En-

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tendi, pois, que a declaração do s. exa. era feita de accordo com o governo, e que tinha sido por uma mera questão de deferencia que me havia respondido o sr. relator. Tinha, porém, s. exa. declarado que acceitava o meu additamento e agora, no parecer que se discute, declara a mesma commissão que o não acceita, sem comtudo se referir á assistencia do sr. ministro á reunião dá commissão.

Desejava, pois, saber se o sr. ministro compareceu ali e se declarou que não acceitava o additamento proposto; e, como este não era mais do que o transumpto da idéa claramente definida no parecer que precede o projecto que se discute; como o meu additamento não dizia nem mais nem menos do que as palavras que a commissão põe na bôca do sr. ministro, desejo tambem que s. exa. declare se faz ou deixa de fazer sua aquella declaração.

A commissão diz no parecer que o governo declarara que é seu proposito não usar d'esta auctorisação senão nos casos e nos logares em que o defeito da acção fiscal do estado se mostre persistente, accusado por uma pressão notavel d'este rendimento comparado com ás cobranças municipaes da mesma natureza; e o meu additamento diz: "é auctorisado o governo a cobrar por arrematação o imposto do real de agua nos concelhos onde o rendimento d'esse imposto for proporcionalmente inferior ao realisado pela cobrança municipal sobre o imposto correspondente".

Já v. exa. vê, sr. presidente, que, de duas, uma; ou o governo approva o meu additamento, confirmando a declaração que fez no seio da commissão, ou o rejeita, negando assim as palavras que proferiu, ou a affirmativa de que as houvera proferido.

Desejo mais que o sr. ministro me declare,, uma vez que pela rejeição do adiamento que propuz se prova que o governo vae fazer immediatamente uso da auctorisação que pede, desejo, digo, sr. presidente, que s. exa. me declare em que concelho ou concelhos s. exa. vae immediatamente dar por arrematação a cobrança do real de agua, e que factos ou rasão de preferencia determinarão n'este caso a resolução do governo.

São estas as perguntas que eu desejava dirigir a s. exa.; e como já ha inscripção aberta sobre o parecer em discussão, peço a v. exa. que me inscreva tambem porque desejo confrontar as declarações do sr. ministro com as rasões da commissão.

Sr. presidente, suppuz esta questão uma questão finda. E devia tel-o sido. Não o quiz, porém, assim o governo, e ahi temos ainda uma vez a questão do real de agua. Esta Phenix do imposto renasce das suas proprias cinzas. Logo diremos por que rasão, e porque.

O sr. Ministro, da Fazenda (Barros Gomes): - Declaro ao digno par que assisti a sessão da commissão de fazenda d'esta camara em que foi elaborado esse parecer, que conclue pela rejeição dos differentes additamentos apresentados durante a discussão do projecto relativo ao novo systema de cobrança do imposto do real de agua.

Parece que o digno par estranhou que o governo não se tivesse pronunciado desde logo no sentido de rejeitar esses additamentos.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Eu não estranhei.

O Orador: - Parecia-me que s. exa. tinha julgado ver uma certa antinomia entre o facto de serem os differentes additamentos enviados á commissão de fazenda, até certo ponto com annuencia do governo, porque o illustre relator usou da delicadeza de o ouvir antes de se pronunciar sobre a questão; parecia-me, repito, que o sr. visconde de Chancelleiros julgara ver uma certa antinomia entre aquelle procedimento e o facto posterior da rejeição dos mesmos additamentos.

Eu declaro que, prestando a minha annuencia para que essas propostas fossem submettidas ao exame da commissão de fazenda, quiz demonstrar, por parte do governo, a minha profunda deferencia para com as opiniões da dignos pares que as haviam apresentado, porque desejava que, se houvesse motivo para as rejeitar, essa rejeição fosse meditada, discutida, e só depois de maduramente pensada nos pronunciassemos por ella.

Emquanto ás duvidas que s. exa. vê na applicação d'esta lei para a cobrança do real de agua, parece-me que não ha motivo para existirem.

Já o declarei n'esta camara mais de uma vez e tambem mais de uma vez o tenho dito na outra casa do parlamento: esta lei não é para o governo senão um meio excepcional de verificar a elasticidade natural do imposto do real de agua, e n'estas condições não me parece que seja conveniente limitar a, applicação d'ella a determinados concelhos onde já existe o real de agua como contribuição municipal. Em todo o caso a applicação é excepcional, mas, como excepção, póde convir ao governo ensaiar a cobrança por arrematação n'alguns concelhos, por exemplo, do Alemtejo, onde não existe o real de agua como contribuição municipal.

O considerando da commissão, a que s. exa. alludiu, tem duas partes.

(Leu.)

Esta é que é a segunda limitação, a de obter uma receita maior para o estado, o que não presuppõe necessariamente a coexistencia de um imposto municipal similhante para termo de comparação.

O governo não usa da auctorisação, pelo prazer de arrematar o imposto; ha de usal-a com o fim de ver se, directa e indirectamente, alcança augmento de receita proveniente d'este tributo do real de agua.

O governo declarou que se conforma com os considerandos do parecer da commissão; isto mesmo declara agora, e não acceitando as emendas, não acceitando additamento do digno par, como o não acceitou a commissão, não julga por isso auctorisar a opinião de que deseja tirar outro partido da auctorisação pedida, diverso do que tinha em mente quando apresentou o seu projecto.

São estas as explicações que se me offerecem dar ao digno par, e se porventura s. exa. desejar quaesquer outras, tomarei novamente a palavra para acquiescer aos seus desejos.

O sr. Serpa Pimentel: - Sr. presidente, não pedi a palavra para discutir, porque nem eu menino tenho que discutir, por isso que a questão que eu levantei quando fallei n'esta camara na ultima sessão, está morta por uma resolução da camara, que eu tenho que respeitar. A minha opinião era contraria á arrematação do real de agua, a camara resolveu em contrario, nada tenho que acrescentar; mas o motivo por que eu pedi a palavra foi para declarar que não assignei o parecer da commissão de fazenda que se discute, por não me achar presente na commissão, quando este negocio foi apresentado; mas se estivesse presente tel-o-ia assignado vencido, porque é clarissimo que, sendo eu contra a arrematação do real de agua, approvava o additamento do sr. visconde de Chancelleiros.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Duas palavras, sr. presidente. Sabe v. exa. é a camara, que, votada, a questão da generalidade do projecto de arrematação do real de agua, está vencido o principio que eu combatia, e, como desde logo affirmei, não me cabia senão o dever de acatar a resolução da camara, e procurar concorrer, para que o projecto que combati, na especialidade das suas disposições, fosse quanto possivel harmonico no seu pensamento, e claro e correcto na fórma por que esse pensamento se significasse.

Para mim, sr. presidente, esta questão não é, nunca foi, nem podia ser uma questão politica. Deixei bem accentuada essa declaração, e commigo a fizeram tambem alguns dos meus collegas n'esta casa.

Não dei a esta questão os fóros de questão politica, não associei a este acto de iniciativa do sr. ministro da fazenda a responsabilidade dos seus collegas e mal comprehendo

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ainda que, havendo ha poucos dias o sr. presidente do conselho pedido o concurso dos homens de todos os partidos para resolver a questão de fazenda, em nina questão que nem propriamente e questão de fazenda, porque nem essa importancia infelizmente ella tem, venham imprudentemente levantar uma questão de confiança, e rejeitar um additamento, que não é meu, que vala no espirito e na letra a propria declaração do sr. ministro, e isto com a singularissima rasão de que a declaração do governo consignada no parecer da commissão é bastante para assegurar a execução da lei em conformidade com esse pensamento!

Singular theoria, peregrina rasão essa! Rasão e theoria que só a commissão comprehendeu, no dia seguinte áquelle em que pela bôca do sr. relator havia declarado acceitar esse additamento, e em que a camara havia votado n'esse sentido.

Como se explica isto? Que causa determinou este reviramento de opinião? Que significa rejeitar hoje o que hontem se approvou? Rejeitar no additamento a doutrina que se applaudiu e que se defendeu no parecer! Basta a declaração do governo! Mas o governo já havia, declarado, quando acceitaram o meu additamento, que valia textualmente essa mesma declaração!

Vamos, pois. Saiba-se, conheça-se a rasão d'este facto. A commissão rejeitou o additamento. Foi ou não de accordo com o governo? Por que rasões? Não acceito, não posso acceitar as que a commissão dá, e que tão singulares me parecem, que por deferencia pessoal para com o sr. relator as não discuto.

E não vale esta deferencia aquella que o illustre ministro assegura que houve para commigo. Eu não discuto as rasões da commissão porque são insustentaveis. Vae n'isso de facto uma deferencia para com o sr. relator da commissão; a commissão votou o meu additamento, para o rejeitar depois, sem o poder combater, o que não creio que seja nem deferencia para commigo, nem para com a logica, nem para com o bom senso, nem para com esta camara.

Sr. presidente, perguntei ha pouco se o sr. ministro da fazenda tinha assistido aos trabalhos da commissão. S. exa. respondeu-me que sim, mas com relação á occasião em que se discutiu o parecer sobre o projecto de arrematação. Não era isso o que eu perguntava. O que eu queria saber é se s. exa. concorreu com a commissão na redacção do parecer que se discute, e se acceitava os argumentos que n'elle se produzem.

Era isto o que eu queria saber, e que o illustre ministro não disse.

Ia interrompei-o no fim do seu discurso para formular de novo o meu pedido. Não o fiz, porém, porque me pareceu ver, em um gesto de v. exa., sr. presidente, uma advertencia salutar para que eu não interrompesse o orador, e como eu já declarei que obedecia á menor advertencia da mesa, fosse ella feita por gesto ou por palavra, obedeci, calei-me, e não interrompi o orador.

Fiz mal talvez, melhor fôra ter insistido pela declaração do sr. ministro.

Era curioso o saber se s. exa. assistiu á ultima reunião da commissão, e se perante ella acceitára a peregrina rasão de que, sonda o additamento o texto litteral da sua declaração, se não devia significar como preceito na lei, porque bastava a palavra do ministro que vale para a commissão tanto como esse preceito. Valia a pena sabor se s. exa. tinha acceitado esta rasão, peregrina com effeito, seductoramente peregrina, porque por ella se estabelece a questão de confiança, onde ella não devia caber, e se attrahe o espirito da maioria e a leva a votar o que ella não devia votar, e n'isso está a seducção.

Pois anda mal aconselhado o governo. As maiorias convencem se, mas não se seduzem. Apoiam-se os governos na sua força; mas não a experimentam por estes ensaios. Não se levantam questões de capricho, de susceptibilidade pequenina e meticulosa, para se armarem com ellas esta especie de forças caudinas e dizerem ás maiorias: passem por baixo d'ellas.

Sr. presidente, esta questão era uma questão finda. Onde está o interesse que leva, ou levou o governo a querer que ainda hoje se faltasse d'ella? Pois não estão já fartos do real de agua? "Mandámos á commissão o additamento por deferencia pessoal!"

Pois não a tivessem. As questões politicas não se decidem por deferencias pessoaes. E que singular prova de deferencia esta! Se eu tivesse tirado alguma rasão de orgulho do haverem acceitado um additamento, que aliás não era meu, que decepção me não estava reservada! Como não estaria melindrada a minha susceptibilidade! Pois não o está. Não está? Perdão, está, sim senhor; está ferida a minha susceptibilidade de homem publico.

Pois vem-nos pedir o concurso desinteressado do nosso voto e da nossa opinião, pretendem resolver a questão de fazenda, acceitando esse concurso, aliás pedido com tanta insistencia pelo sr. presidente do conselho, que assevera e protesta que a questão de fazenda não é uma questão politica, e quando definimos precisamente em uma disposição de lei o pensamento claramente significado pelo proprio governo, quando pedimos que a lei diga o que elle confessou e acceitou na commissão, votam comnosco por deferencia, e votam depois contra nós por complacencia; por complacencia, sim senhor, escusa o sr. Barros e Sá de tirar apontamentos para me responder; por complacencia obrigada para com os homens que acompanham o governo, mais zelosos em defender, julgam, elles, a dignidade do governo do que o proprio governo?

Porque, diga-se a verdade, a questão foi esta. Era racional acrescentar ao artigo l.° da lei as palavras do additamento. O artigo diz que o governo fica auctorisado a cobrar por arrematação o imposto do real de agua; o additamento de definia as condições em que o governo exerceria essa auctorisação.

Essas condições eram aquellas que o proprio ministro tinha acceitado. Bem. Por ellas restringia-se o arbitrio da auctorisação, como já tive occasião de dizer, mas não se limitava o pensamento d'ella. Melhor ainda. Legislavamos não só para este governo, mas para qualquer outro governo.

A declaração do ministro obriga moralmente este ministro, o preceito da lei obriga virtualmente todos os governos.

Todos entendera isto. Isto é claro, isto é racional, isto é logico. Como tal o acceitou commissão e maioria, e assim se votou o additamento.

Vieram, porém, depois as suspeitas, as interpretações de facto, as indicações da procedencia da moção de ordem; em uma palavra, veiu depois a questão politica, julgou-se ferida tambem a susceptibilidade da situação, porque as situações politicas têem tambem, a sua susceptibilidade, e as situações fortes, essas então muito maior, muito mais nervosa, e sob a influencia de certos melindres feridos e offendidos, disse-se: Vamos a provar que temos força para rejeitar o que approvámos, e rejeitou-se o que se havia approvado.

Não se hesitou una momento, e fizeram bem. As situações fortes são assim; não hesitam. Hesitar é duvidar da propria energia, e não ter consciencia da propria força.

Ora este governo sabe bem com eme força conta, o de que força dispõe. Pois não venceu a generalidade por oito votos? Por oito, não, porque o voto do sr. bispo de Bragança na questão da generalidade, foi um voto condicional. Votava a generalidade, se lhe fosse acceite o additamento que tambem propoz, e que lhe foi rejeitado.

Venceu pois o governo por sete votos. Ora com sete votos de maioria vale a pena ensaiar e experimentar de novo a sua força em questões d'esta ordem.

Vamos pois ter nova votação. Congregue-se a maioria. Vale a pena, É uma questão politica. Basta ver e conhe-

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cer a procedencia do additamento. Veiu da minha iniciativa, e quem ha que não supponha que eu não estou, que não vim aqui senão para levantar questões politicas! É o meu officio de homem de partido, convença-se d'isso a maioria, e tão longe levo a minha exageração de espirito partidario, que faço minhas as idéas do governo e as palavras do governo, sempre com o fim sinistro de levantar questões politicas. E peço ao sr. Barro s e Sá, que eu vejo continuar a tomar apontamentos, que tome nota tambem d'esta minha declaração.

Basta de palavras, e são já mais do que as que prometti dizer, e a questão não é de palavras, é de votos. Vote pois a maioria, e se vota com repugnancia, tanto peior para ella, e tanto melhor para mim, que por medo ás questões politicas, me não submetti nunca á disciplina de nenhum partido.

Sr. presidente, não desço, repito, á analyse das rasões com que o sr. relator combate o meu additamento, e o motivo por que assim procedo não é outro senão a deferencia que s. exa. me merece.

Quando um homem da capacidade do sr. relator da commissão sustenta com argumentos tão peregrinos a rejeição de uma proposta, o que ha de mais generoso no meu espirito é não os apreciar.

O sr. Mello Gouveia: - Eu agradeço ao digno par a benignidade de dar-me tão pouco que fazer na resposta que reclamam as suas observações sobre o parecer em discussão, que só fixou a sua attenção pelas rasões que s. exa. chama peregrinas, com que a commissão justificou a denegação de approvação ao seu additamento.

Se eu mostrar a s. exa. que as rasões da commissão, longe de serem peregrinas, são de uma vulgar interpretação e conformes ao pensamento do seu primeiro parecer, e ás doutrinas por ella expendidas no decurso da discussão, espero que convencerei o digno par e a camara da coherencia e clareza das affirmações do parecer que agora se discute.

A idéa que predominou sempre na commissão com referencia á execução d'esta lei foi de que ella não seria nunca applicada senão nos casos e nos logares em que o rendimento do real de agua andasse tão abatido, que a sua comparação com as receitas municipaes da mesma natureza accusasse uma differença para menos de 100, 200 ou mais unidades por cento, como de facto acontece em alguns concelhos.

Alguns dos membros da commissão que não acceitam o arrendamento dos impostos como regra de administração fiscal, não deram o seu assentimento a este projecto senão para o fim de apurar estas cobranças, deprimidas aonde o fisco se tivesse mostrado impotente para as restaurar e os preços da licitação cobrissem as differenças accusadas entre os rendimentos do estado e os dos concelhos procedentes da mesma origem.

Estes cavalheiros declararam formalmente que não querem esta innovação no systema das arrecadações publicas senão por excepção transitoria que de este resultado pratico de avultado melhoramento da receita. Para um beneficio qualquer insignificante no producto do imposto não sancciona a commissão o uso da auctorisação. E appello para todos os meus illustres collegas da commissão que me ouvem, e poderão confirmar o que deixo dito.

É pois evidente que no conceito da commissão o uso da auctorisação fica adstricto a tres condições essenciaes: primeira, rendimento notavelmente deprimido, comparado com receitas municipaes da mesma origem; segunda, insufficiencia da acção fiscal para restaurar esta cobrança; terceira, preço de arrendamento que cubra estas differenças.

Vejamos se o additamento do digno par satisfaz a estas condições.

O additamento de s. exa. diz o seguinte:

"É auctorisado o governo a cobrar por arrematação o imposto do real de agua nos concelhos onde o rendimento d'esse imposto for proporcionalmente inferior ao realisado pela cobrança municipal sobre o imposto correspondente."

Ora v. exa. bem vê, bem vê a camara, que este additamento, que melhor lhe chamariamos uma substituição do artigo 1.°, resgata completamente o governo da sujeição áquellas condições.

Só este additamento fosse introduzido no texto da lei, o governo poderia arrematar o real de agua em toda a parte onde o seu producto fosse apenas inferior por qualquer algarismo (uma deze0na de mil réis, ou ainda menos) á cobrança municipal; e que todo o lanço, que não fosse menor do que a cobrança effectuada, poderia ser acceite.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Tinha o artigo 4.° para attender esses inconvenientes em nova redacção, que se harmonisasse com o additamento.

O Orador: - Logo direi ao digno par que o artigo 4.° não podia ser alterado, porque contem disposições especiaes necessarias n'este projecto.

A commissão não podia acceitar o additamento proposto, para o converter em disposição preceptiva do projecto, porque inverteria completamente o seu ponto de vista da applicação da lei. Uma disposição n'estes termos acabava com a obrigação moral do governo de cingir-se ás indicações feitas no parecer, obrigação reconhecida pelo sr. ministro da fazenda no seio da commissão, entendendo esta que é preferivel deixar-lhe intacta essa obrigação, reforçada pelo seu proprio compromisso e pelas declarações que ficam registadas n'este debate, a libertal-o d'ella por um preceito, que poria nas suas mãos uma faculdade que ella lhe não quiz dar.

A commissão confia no governo, acredita que elle entende como ella que os interesses fiscaes prescrevem este modo de applicação da lei e nem se quer imagina que elle pense em afastar-se do compromisso que tomou. Se d'elle só quizesse afastar abraçava com anciedade o additamento proposto pelo digno par, porque effectivamente não podia encontrar disposição que mais largueza lhe d'esse para proceder como entendesse na arrematação do imposto do real de agua.

Sr. presidente, o artigo 4.° foi recommendado á revisão da commissão para o harmonisar com as alterações que porventura se introduzissem no texto do projecto procedentes dos additamentos apresentados na discussão. Não houve alteração alguma, e portanto cessou a rasão da recommendada revisão.

Mas ainda que a houvesse, sr. presidente, não seria na redacção d'este artigo que ella viria reflectir-se, porque este artigo tinha de ficar na lei com o seu proprio texto, que comprehende duas faculdades essencialissimas para a sua proficua execução; uma, é a da opportunidade da applicação da lei, que o governo deve determinar. E não podia ser de outro modo.

Pois se o projecto contem uma auctorisação que, pelas declarações do governo e da commissão, fica condicional e adstricta, no seu uso, a casos excepcionaes, é indispensavel que o governo verifique a existencia d'esses casos, que devem ser varios em tempo e logar, e por elles regule, e ainda por outras circumstancias ponderosas, a opportunidade da arrematação do imposto.

A outra faculdade é a de recusar os lanços.

Logo que o governo não a tivesse, ficava desarmado para destruir os conluios, e veria arrebatarem-lhe o rendimento do imposto por preços inferiores a toda a espectativa.

O digno par não se referiu a outros pontos do parecer, e porque não é prudente provocar as aggressões, termino aqui as minhas reflexões.

O sr. Costa Lobo: - Peço a palavra para um negocio urgente.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Com toda a repugnancia uso segunda vez da palavra.

Accusa-me o sr. relator da commissão de não haver re-

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futado es argumentos com que a commissão justificara o seu parecer.

Sob essa insistencia pedi a palavra, e começo por declarar que o não comprehendo, ou que me não fiz comprehender. Pois não declarei eu mais de uma vez que me não referia de caso pensado a nenhum d'esses argumentos por deferencia pessoal para com s. exa.?

Apreciemol-os, porém, agora, já que assim o querem, e comecemos por notar que a questão está infelizmente collocada em terreno tão escorregadio, que quem a defende não se sustenta de pé; cáe e não se levanta.

O sr. relator combate o meu additamento, e defende: a declaração do ministro. São, já se vê, diversos os argumentos; mas, como a questão é a mesma, porque additamento e declaração fundam-se na mesma idéa, no mesmo pensamento, significado até pela mesma fórma, segue-se que o argumento que combate o additamento combate a declaração; o que a defende, defende o additamento, porque additamento e declaração são uma e a mesma cousa.

Que diz a declaração? Torno a repetil-o á camara.

(Leu.)

Que diz o meu additamento?

(Leu.)

É inutil insistir mais n'este ponto. Seria abusar da paciencia da camara.

É o mesmo o pensamento, é a mesma a redacção. Só a commissão approva um e rejeita o outro, é porque considera o auctor do additamento diverso do auctor da declaração: primeira rasão - differença de pessoa -; é porque considera o texto da lei diverso do texto do parecer: segunda rasão - differença de logar.

Estas as rasões. Agora vejamos os argumentos, que continuarei a classificar de peregrinos.

O parecer sobre a minha proposta diz:

"Reflectindo (a commissão) que o additamento do sr. visconde de Chancelleiros, querendo definir os casos da applicação da lei, alarga a faculdade da arrematação do imposto do real de agua a toda a parte aonde o seu producto for simplesmente inferior ao rendimento municipal da mesma natureza.

Isto é a cousa mais curiosa de que tenho memoria. O artigo 1.° do projecto dá a faculdade ao governo vaga, indefinida, indeterminada de cobrar por arrematação o imposto do real de agua; o meu additamento, como já disse, restringe o arbitrio, mas não o pensamento da lei, e diz: quando, como, e aonde se poderá cobrar por arrematação o imposto do real de agua. Pois bem, a commissão inverte ainda o sentido das palavras e confunde restringir com alargar.

O sr. Antonio de Serpa, que me está apoiando, nas poucas palavras que dirigiu á camara declarou tambem que votava o meu additamento porque restringia a auctorisação concedida no artigo 1.° do projecto.

Já v. exa. vê, sr. presidente, que argumentos d'estes não se refutam; cáem de si mesmos, ainda que os queira amparar a inteligencia e a boa vontade do sr. relator da commissão. Por isso perguntei ao sr. ministro se s. exa. os acceitava. Queria que mais alguem os amparasse, e que a responsabilidade de os defender não fosse lançada apenas á conta do sr. relator.

O sr. ministro, porém, não a quiz assumir e andou n'isso prudentemente: acceita a conclusão do parecer, mas não os argumentos com que a defenderão. S. exa., creio, até não esteve presente quando a commissão se reuniu. Este argumento, pois, por certo não foi inspirado pelo illustre ministro, como o outro argumento a que me vou referir não podia tambem, nem ser inspirado, nem tão pouco ser acceito por s. exa., se assistisse aos trabalhos da commissão, ou a commissão o tivesse consultado a tal respeito.

Affirma a commissão, como já tive occasião de ler á camara, "que a declaração do governo consignada no seu parecer é bastante para assegurar a execução da lei em conformidade com esse pensamento", e acrescenta: "tanto mais que, sendo o espirito do legislador um elemento preponderante na interpretação das leis, nunca poderá ser desconhecida a vossa intenção na approvação d'este projecto, quando assim fica claro e expresso nos documentos parlamentares ".

Hão de confessar que é singular, que é especioso este argumento. O pensamento do sr. ministro não cabe já na disposição da lei, inculca-o a commissão em um parecer, e ahi fica elemento preponderante para a interpretação da mesma lei. A auctorisação ampla cabe no preceito legislativo, o pensamento que a restringe, a declaração que a modifica, insere-se nó parecer e fica depois clara e expressa, não na lei mas no documento parlamentar. Isto é claro e muito bem feito, e tudo isto se faz por uma simples rasão, ou antes por uma forte rasão, porque o contrario seria dizer que a commissão não confia no ministro!

Sr. presidente, tudo isto é triste, tristissimo. Principiou e acabou mal a questão do real de agua. O que, porém, ainda é mais triste, é saber-se, conhecer-se que tudo isto é um fogo fatuo. Pois pensam que todo este empenho em justificar uma auctorisação, de que o governo não ha de usar nunca, vale mais do que um fogo de vistas? O governo não usa, não póde usar nunca d'esta auctorisação, repito, não tem força para isso, nem lhe convem, nem o póde fazer. E senão veremos.

Depois, repare a camara; esta auctorisação briga com o regulamento que foi já publicado no exercicio de uma outra auctorisação, o que o governo esqueceu, ou parece ter esquecido.

Pois o governo ia porventura cobrar o imposto por arrematação, sem saber e ver primeiro o que dá e póde dar a fiscalisação e a cobrança por conta do estado, executado o regulamento? Não, de certo.

Fallaram-lhe em arrematação como ensaio; esqueceu que o novo regulamento já de si era um ensaio, aproveitou a idéa, quiz insistir por ella, notou e notaram-lhe os inconvenientes, e resolveu fazer passar o projecto para salvar a questão politica; sem idéa nem desejo de o executar convertido em lei. D'ahi, e com rasão, resultou o facto de se não julgar necessario o meu additamento.

Hão de, e podem dizer-me, porém: mas se isso é assim, para que é tanta pressa, porque é este afan, porque é esta insistencia? E eu direi: porque é uma questão de teima, uma questão de orgulho, uma questão de vaidade.

O governo, com este projecto, não fez mais do que irritar e ferir a susceptibilidade do contribuinte, como já tive occasião de dizer; apesar d'isso, não se contentou com a discussão que tivemos; quiz mais, preparou esta. Parece que o seu unico intuito é tirar a prova real da constancia e da adhesão da sua maioria. Fel-a votar outro dia indifferente, fal-a votar hoje contrariada. Exigiu-lhe primeiro a prova da agua, exige-lhe agora a prova de fogo. Pois muito bem, já José Accurcio das Neves disse em outro tempo, que vá e longe: Sic itur ad astra. As maiorias, porém, não querem, nem devem querer, quem as guie e leve até ás estrellas, basta-lhes que tenham quem as guie e conduza á terra da promissão. Para a terra, srs. ministros, para a terra e não para os astros.

Sr. presidente, faz pena o ver perder-se o tempo com questões d'estas, e gastar-se com ellas a acção e a força do governo. Pois, fallando verdade, não é tanta a força, que se possa malbaratar assim. Lembrem-se que tiveram outro dia oito votos de maioria, e nem oito se, como já disse, descontarmos o do illustre prelado de Bragança, que votou, com a clausula do additamento que propoz, e que a commissão tambem rejeitou. Lembrem-se que n'aquella votação se deram as circumstancias a que já me referi, e que não lembrarei de novo, para que v. exa. me não chame de novo á ordem.

Tudo isto era facil, e parlamentarmente se podia ter resolvido sem estes incidentes. Não queriam o additamento,

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rejeitassem-n'o in limine. Faziam mal, na minha opinião, mas era logico e serio. O que o não e, é admittil-o por deferencia pessoal, e rejeital-o depois invocando a rasão de confiança politica. Uma rasão destroe a outra, porque a deferencia só se admitte e explica pelo facto do se haver acreditado que o meu intuito unico era tornar claro na lei e pensamento do governo, e salvaguardar assim a sua responsabilidade, ou a de qualquer outro governo que se lhe succeda.

E este é que foi o meu intuito sincero e unico. Se eu quizesse levantar questão politica, dizia-o e tomava a responsabilidade d'ella. Não o fiz, declarei que o não fazia, e não dou direito a ninguem para duvidar cio que assevero sob a minha palavra.

Eu sei que se disse que o meu additamento, como se havia dito já do additamento que propuz, envolvia a idéa de uma questão politica. Até se affirmou que eu o havia proposto de accordo com o sr. Fontes e sob a inspiração de s. exa. Não foi assim, e a camara deve saber que eu não recebo inspirações senão da minha consciencia; que a ella só obedeço, e a v. exa., sr. presidente, pela auctoridade de que está investido, pela imparcialidade com que [...] os debates, e pelo tom de paternal affeição com que sempre me faz a honra de se dirigir a mim.

O sr. Bispo de Bragança: - Sr. presidente, a commissão de fazenda, no seu parecer ácerca das propostas apresentadas separadamente pelo sr. visconde de Chancelleiros, e por mim, com relação ao projecto de lei que está sendo discutido, e pelo qual será concedida ao governo auctorisação para dar do arrematação ás camaras municipaes ou a pessoas particulares, a cobrança do imposto do real de agua, concluo pela rejeição de cada uma d'essas propostas.

Como a camara sabe, eu dei o meu voto affirmativo quando foi proposta a votação sobre a generalidade; mas porque eu já havia enviado para a mesa a minha proposta, entendi que o voto, que eu ia dar, comprehendia quanto a mim o projecto como eu o julgava connexo com a doutrina que a minha proposta n'elle introduzia; e certamente assim pareço logico. Não foi voto condicional, que a camara, contra as praxes parlamentares, e só por uma benevola condescendencia, me admittisse; foi sim um voto absoluto, precedido da sua explicação: julgo por este modo referir-me devidamente á observação, aliás muito delicada e obsequiosa, do digno par, sr. visconde de Chancelleiros, mas que não devo nem posso acceitar. Votei como membro d'esta camara, e dentro das prescripções devidas, um projecto, sobre o qual eu ouvira aqui opiniões encontradas: julguei não dever negar meu voto quando se tratava de meios para gerir a fazenda publica, e do materia meramente facultativa; e para obviar abusos ou inconveniencias, que me pareceu deverem ser previstas, addicionei-lhe a minha proposta: foi assim que, estabelecida a materia, eu sobre ella votei absolutamente e não condicionalmente.

A proposta de additamento, a que me estou referindo, da qual me cabe a honra de ser o proponente, e sobre a qual está aberta discussão, foi, quando eu aqui a motivei, acolhida com extrema benevolencia, e o proponente d'ella tratado com a maior cortezia pelo digno par relator da commissão: e cabe-me aqui protestar a s. exa. o mais respeitoso reconhecimento.

Por essa occasião expuz eu a somma das ratões que me levou a provocar uma resolução da camara sobre os pontos de incompatibilidades de funcções dos empregados publicos e das pessoas ecclesiasticas, com as condições em que se collocariam sendo arrematantes ou sublocatarios do real de agua; e procurei fundamentar minhas asserções, conforme sube em minha limitação.

A illustre commissão, no seu respeitavel parecer que está sendo discutido, entendeu que as propostas de additamentos aos artigos 1.° e 3.° não podem ser approvadas, e assim rejeitada se acha a proposta de que me occupo; e pelo extremamente urbano e sobremaneira honroso, com que a minha proposta foi apreciada no referido parecer, cumpre-me protestar o mais agradecido e respeitoso reconhecimento a todos es dignos pares signatarios do parecer.

A materia da proposta, sr. presidente, ficou inconcussa, acha-se de pé; e a mais está qualificada pelo parecer da illustre commissão, como procedente do principio da moralidade e de rectidão, principios venerandos; para satisfação do proponente é mais que bastante; embora depois d'esta qualificação a proposta não tenha sido approvada.

Eu não insistirei; á illustre commissão pareceu que n'outras peças legislativas caberia melhor logar á materia da minha proposta, do que no projecto de que se está tratando; seu juizo é o mais auctorisado. Respeito devidamente a illustre commissão, pelo que ella em si propria é e representa n'esta camara, e tributo á illustração de cada um de seus exmos. vogaes a consideração mais subida.

Pelo que diz respeito á parte que na minha proposta me incumbia mais especialmente zelar, a da incompatibilidade que eu desejava ficasse consignada no projecto, para que ás pessoas do estado ecclesiastico não haja de ser legalmente admissivel tomar arrematações ou sublocações do imposto do real de agua, appello para a digna circumspecção da mesma classe; e ella se encarregará de tornar desnecessaria a cautela que eu desejava consignada ficasse na lei: quero bem ter por certo, que não haverá ministro algum da igreja, que ponha de lado o Evangelho, para se ir sentar no Telonio! (Apoiados.)

Quanto ás outras incompatibilidades, consideradas ellas como a commissão as considerou, tomando como garantia as leis existentes, ou outras que hajam de ser propostas, competencia é do governo, como nucleo do poder publico, regular a economia da legislação: quando mesmo eu quizesse ainda insistir, pouco me ocorreria para acrescentar ás ponderações do moralidade e de conveniencia, e ás confrontações da correlativa materia legislativa, já allegadas, quando procurei fundamentar a minha proposta; pareceram-me então claras, e agora ainda me parecem bastantes.

Sr. presidente, eu tenho contraindo o habito de avaliar sob um principio de unidade todas as diversas peças que devem formar o grande todo chamado administração publica, e muitas vezes sou victima d'esta minha insistencia. Lembro-me agora da sentença de um sabio: Cui omnia, unum sunt, et omnia ad unum trahit, et omnia in uno videt: potest soabilis corde esse: estabilidade e segurança de consciencia captivam-me.

Esta unidade que eu quero ver em todas as cousas é a conveniencia da moralidade publica. (Apoiados.) Sem ella, ou separadas d'este centro, são inertes todas as diligencias, a idéa do progredir é vã, os esforços da economia não podem dar prosperidade ás nações.

Esta visão suprema, que se apresenta constantemente a meus olhos, obriga me a desejar seguil-a com fidelidade o persistencia, embora eu me torne pesado ou impertinente, e por vezes só tenha colhido achar-me contristado.

Sr. presidente, não devo abusar por mais tempo da benevolencia com que a camara me está ouvindo; disse eu que não insistiria: assim o cumpro. Não deverá, porém, ser-me estranhado que eu não subscreva com o meu voto a rejeição da proposta do additamento, tendo eu sido e proponente, e achando-se ella qualificada pela illustre commissão como procedente do sentimento de moralidade e as rectidão; creio que assim é para mis logico e decente.

O orador foi comprimentado por varios dignes paras.)

O sr. Presidenta: - Está extincta a inscripção. Vae-se votar o parecer.

O sr. Visconde de Bivar: - Requeiro que a votação seja nominal.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam que a votação sobre o parecer n.° 30 seja nominal, con-

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forme acaba de requerer o sr. visconde de Bivar, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

Procedeu-se á chamada.

Disseram approvo os dignos pares: Duques, d'Avila e de Bolama, e de Palmella; Marquez de Sabugosa; Arcebispo do Evora; Condes, de Bertiandos, de Castro, de Linhares, de Paraty, e de Rio Maior; Viscondes, de Borges de Castro, de S. Januario, de Ovar, de Portocarrero, e do Villa Maior; Ayres de Gouveia, Egypcio Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, Mello e Saldanha, Costa Lobo, Vasconcelos, Pereira Cominho, Xavier da Silva, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Mendonça Cortez, J. Augusto Braamcamp, José Joaquim de Castro, Lourenço da Luz, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Baião Mattoso, Daun e Lorena, Luiz de Castro Guimarães, Seixas, Franzini, Mathias de Carvalho, Miguel do Canto, Miguel Osorio, Abreu, Calheiros, e Menezes, Thomás de Carvalho, e Ceiça de Almeida.

Disseram rejeito os dignos pares: Marqueses, de Ficalho, de Fronteira, Vallada, e de Vianna; Condes, de Avilez, do Bomfim, de Cabral, do Farrobo, de Fonte Nova, de Gouveia, da Ribeira Grande, da Torre; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, da Borralha, de Chancelleiros, de Paiva, de Seisal, e da Silva Carvalho; Barão de Ancede; Agostinho de Ornellas, Mello e Carvalho, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Sampaio, Serpa Pimentel, Barjona de Freitas, Xavier Palmeirim, Montufar Barreiros, Simões Margiochi, Corvo, Martel, Camara Leme, Vaz Preto, Ferreira de Novaes.

O sr. Presidente: - Está approvado o parecer, segundo informam os srs. secretarios, por 42 votos contra 34.

Continua a ordem do dia.

O sr. Visconde da Silva Carvalho: - Mando para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.)

Leu-se na mesa e é ao teor seguinte:

Requeiro que, pelos ministerios da guerra e da marinha, sejam remettidas a esta camara:

1.° Uma nota do numero de officiaes e praças de pret actualmente empregados na escola de torpedos;

2.° Nota dos vencimentos dos officiaes e praças de pret, incluindo ajudas de custo e gratificações;

3.° Qual o serviço que esta escola tem prestado;

4.° Se está completo o seu material. = Visconde da Silva Carvalho.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam se expeça ao governo o requerimento do sr. visconde da Silva Carvalho, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler se o parecer n.° 27 sobre o projecto de lei n.° 12.

É do teor seguinte:

Parecer n.° 27

Senhores.- A vossa commissão de fazenda examinou detidamente o projecto de lei n.° 12, enviado da camara dos senhores deputados, e que tem por fim limitar a tres mezes o praso para a revisão da tabella dos valores medios, pelos quaes são cobrados os direitos ad valorem sobre os generos de exportação, e bem assim designar quaes os elementos de apreciação, que devem servir de base á organisação da referida tabella; e a vossa commissão:

Considerando que a lei de 11 de abril de 1878 estabeceu que a revisão d'esses valores fosse tão sómente effectuada no fim de cada semestre;

Considerando que a natural oscillação dos valores nos diversos mercados do reino aconselha que essa revisão se faça com menor intervallo do tempo;

Considerando que a consulta do conselho geral das alfandegas, que serviu de fundamento á lei de 1878, já havia indicado o praso de tres mezes, adoptado n'este projecto;

Considerando que a estes motivos acresce o de que uma immediata revisão da tabella tem sido repetidas vezes reclama J a pela classe exportadora; e

Considerando, finalmente, que este projecto, determinando quaes os meios do informação, esclarecimento e exame, sobre que o conselho geral das alfandegas deve assentar o seu trabalho de revisão, não só completa o pensamento da lei de 1878, como igualmente, assegura, harmonisando-os, os interesses do commercio e da fazenda publica:

É a vossa commissão, por todas as rasões expostas, de parecer que este projecto seja approvado, para o fim de ser submettido á real sancção.

Sala da commissão, em 11 de março de 1880.= Carlos Bento da Silva = Antonio de Serpa Pimentel = José de Mello Gouveia = Conde de Samodães = Barros e Sá = Conde de Castro, relator.

Projecto de lei n.º 12

Artigo 1.° A tabella a que se refere o § unico da carta de lei de 11 de abril de 1878 será revista pelo conselho geral das alfandegas n.º fim de cada trimestre, para manter os valores dos generos de exportação, em harmonia com o estado dos mercados, devendo as alterações feitas ser approvadas pelo governo.

§ l.°- As alfandegas do continente e ilhas adjacentes enviarão ao mesmo conselho, até aos dias 15 dos mezes de março, junho, setembro e dezembro de cada anno, informações sobre a modificação que julgarem indispensavel introduzir nos valores estabelecidos.

§ 2.° O conselho solicitará para os mesmos effeitos, até áquellas datas, os convenientes esclarecimentos que lhe possam ser fornecidos pelo director geral do commercio e industria do ministerio das obras publicas e pelas associações commerciaes de Lisboa e Porto, e examinará quaesquer reclamações que pelos commerciantes ou industriaes lhe sejam dirigidas por escripto.:

Art. 2.° Fica revogada, a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 5 de março de 1880.= José Joaquim Fernandes Vaz presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.

Proposta de lei n.º 89-E

Senhores. - A carta de lei de 11 de abril de 1878 deferiu em parte a representação que em consulta de 29 de novembro de 1877 dirigiu ao governo o conselho geral das alfandegas, para ser devidamente organisada e revista de tres em tres mezes uma tabella de valores, peia qual se effectuasse o despacho dos principaes generos de exportação.

São bem conhecidas as rasões que levaram os meus illustres antecessores a propor uma providencia, da qual, sem detrimento para os legitimos interesses do commercio, resultava um importante augmento do receita, que logo foi avaliado e descripto no orçamento do estado. Não cansarei, pois, a vossa attenção enumerando essas vantagens.

Não se julgando, porém, necessario adoptar o praso de tres mezes indicado por aquella corporação, na proposta de lei ampliou-se a quatro mezes, e depois nas côrtes foi elevado a seis. A tabella ficou portanto com sancção legislativa durante esse periodo, e quaesquer inexactidões que offerecesse a pratica d'este novo e difficil methodo de imposto só podiam ser corrigidas na seguinte revisão ordenada pela lei.

A obviar taes inconvenientes que apparecem em trabalhos d'esta natureza, principalmente entre nós, que sentimos tão grande falta de dados certos e positivos no assumpto, tende a proposta que tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame. Nas disposições que ella encerra ficam, tanto quanto possivel, attendidos os interesses

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do commercio e os do fisco, aquelles, nas reclamações periodicas que podem ser apresentadas perante o conselho geral das alfandegas, estes nas informações officiaes que serão em determinados prasos enviadas á mesma corporação.

Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro, em 14 de fevereiro de 1880.= Henrique Barros Gomes.

Proposta de lei:

Artigo. l.° A tabella a que se refere o § unico da carta de lei de 11 de abril de 1878 será revista pelo conselho geral das alfandegas no fim de cada trimestre para manter os valores dos generos de exportação, em harmonia com o estado dos mercados, devendo as alterações feitas ser approvadas pelo governo.

§ 1.° As alfandegas do continente e ilhas adjacentes enviarão ao mesmo conselho até aos dias 15 dos mezes de março, junho, setembro e dezembro de cada anno, informações, sobre a modificação que julgarem indispensavel introduzir nos valores estabelecidos.

§ 2.° O conselho solicitará para os mesmos effeitos, até áquellas datas, os convenientes esclarecimentos que lhe possam ser fornecidos pelo director geral do commercio e industria do ministerio das obras publicas, e pelas associações commerciaes de Lisboa e Porto, e examinará quaesquer reclamações que pelos commerciantes ou industriaes lhe sejam dirigidas por escripto.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro, em 14 de fevereiro de 1880.= Henrique de Sarros Gomes.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e na especialidade, por conter um só artigo.

Não havendo quem pedisse a palavra, foi posto á votação e approvado

O sr. Presidente: - Passâmos á discussão do parecer n.° 29 sobre o projecto de lei n.° 10.

Leu-se na mesa e é o seguinte:

Parecer, n.º 29

Senhores. - A vossa commissão de fazenda examinou o projecto de lei vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim conceder, á junta geral do districto de Santarem o antigo edificio denominado de S. João do Alporão, para n'elle se conservar o museu districtal; e

Considerando que o edificio não tem valor venal, mas merecimento, como monumento archeologico, que convem conservar como exemplar das mais antigas construcções do paiz; que a junta geral do districto tem tomado conta, d'elle, com auctorisação do governo, despendendo nas suas reparações quantias valiosas, que o conservam em estado de ser visitado pelos amadores da arte e de ali expor o museu do districto, que no mesmo edificio se acha estabelecido;

Considerando que a concessão é condicional, subordinada ao uso determinado na lei, voltando o edificio á posse da fazenda quando cesse de ter essa applicação:

E de parecer que o projecto pode ser approvado para subir por esta camara á sancção real.

Sala da commissão, em 11 de março de 1880. = Carlos Bento da Silva = Barros e Sá = Conde de Samodães = Antonio de Serpa Pimentel = Conde de Castro = José de Mello Gouveia.

Projecto da lei n.º 10

Artigo 1.° É concedido á junta geral do districto de Santarem o antigo edificio denominado de S. João do Alporão, para n'elle se conservar o museu districtal, voltando, porém, á posse da fazenda nacional quando deixe de ter a applicação fixada n'esta lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 2 de março de 1880.= José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.

Proposta de lei n.° 89-B

Senhores.- No vetusto edificio denominado de S. João do Alporão, na cidade de Santarem, foi estabelecido o museu por posse interina que o governador civil do districto deu á respectiva junta geral, com auctorisação do governo. O edificio, que quasi nenhum valor venal tem, é um respeitavel monumento que convem salvar da ruina a que parecia estar condemnado; e n'estes termos, e para legalisar esta posse interina, temos a honra de vos apresentar o seguinte:

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É confirmada a posse á junta geral do districto de Santarem do edificio denominado S. João do Alporão, para n'elle continuar a existir o museu do districto.

Art. 2.° O governo tomará conta d'aquelle edificio logo que deixe de ter a applicação para que é concedido.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Lisboa, 14 de fevereiro de 1880.= Izidro dos Reis.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e na especialidade por conter um só artigo.

Como nenhum digno par tivesse pedido a palavra, foi o parecer submettido a votação e approvado.

sr. Presidente: -- Segue-se a discussão do parecer n.° 31, sobre o projecto de lei n.° 11.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Parecer n.º 31

Senhores. - A vossa. commissão de fazenda viu o projecto, de lei vindo da camara dos senhores deputados que tem por objecto conceder á junta geral do districto de Santarem o edificio em ruinas da igreja do extincto convento do Carmo d'aquella cidade, para n'elle estabelecer as suas repartições; e

Considerando que as ruinas de que se trata são contiguas á parte restaurada do mencionado convento, aonde só acham estabelecidas as repartições do governo civil e fazenda do districto, sem as devidas accommodações para o regular desempenho do serviço, estando ainda dispersas por casas alugadas na cidade outras repartições da dependencia da junta geral;

Considerando que essas ruinas não só deturpam a cidade, mas nada valem para a fazenda publica, que melhora muito as suas condições de dominio deixando-as reconstruir por edificações adequadas aos serviços publicos do districto, para que são pedidas, com reversão para a fazenda quando cessar esta applicação;

É de parecer que o projecto podo ser approvado para subir por esta camara á sancção real.

Sala das sessões da commissão, em 11 de março de 1880. = Carlos Bento da Silvam Barros e Sá = Conde de Samodães = Antonio de Serpa Pimentel = Conde de Castro = José de Mello Gouveia.

Projecto de lei n.° 11

Artigo. 1.° É concedido á junta geral do districto de Santarem o edificio em ruinas da igreja do extincto convenio do Carmo d'aquella cidade, para n'elle estabelecer as suas repartições;

º§ unico. O edificio reverterá para a fazenda nacional logo que deixe de ter a applicação fixada n'esta lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 2 de março de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.

Proposta de lei n.º 89-C

Senhores. - Tendo representado a junta geral do districto de Santarem, que lhe fosse concedido o edificio em ruinas da igreja do Carmo na cidade de Santarem, para

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alojamento das suas repartições, e sendo de toda a conveniencia publica que a junta geral execute o projecto de reunir as suas repartições ao edificio do governo civil, que se acha, situado no extincto convento do Carmo, ao mesmo tampo que vae fazer desapparecer mais uma ruina, que não era conveniente vender-se para uso particular; n'estes termos tenho a honra de vos apresentar o seguinte:

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É concedido á junta geral do districto de Santarem o edificio em ruinas da igreja do extincto convento do Carmo d'aquella cidade, para n'elle estabelecer as suas repartições.

Art. 2.° O estado tomará conta do edificio quando deixe de ter a applicação para que é concedido.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Lisboa, 13 de fevereiro de 1880.= Izidro dos Reis.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e na especialidade por conter um só artigo.

Não estando inscripto nenhum digno par, foi o parecer posto a votos.

A camara approvou-o.

O sr. Presidente: - Peço a attenção dos dignos pares.

Vae entrar em discussão o parecer n.° 28 sobre o contrato para a construcção da via ferrea da Pampilhosa á Figueira.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Parecer n.° 28

Senhores. - As commissões reunidas de obras publicas e fazenda examinaram attentamente o projecto de lei n.° 7, da camara dos senhores deputados, o qual tem por fim a approvação do contrato provisorio, celebrado entre o governo e a companhia dos caminhos de ferro da Beira Alta, para a construcção de uma via ferrea que ligue a Pampilhosa com o porto da Figueira da Foz.

Não é necessario entrar em largas considerações para demonstrar a importancia de tal obra, a qual vem satisfazer uma necessidade do ordem superior, qual é a de abrir communicação maritima a uma vasta região, onde em solo fertilissimo e abundante, em variados productos, vive uma população numerosa e dotada de grande energia, actividade e amor ao trabalho.

Se nas condições actuaes, o porto da Figueira não póde prestar-se á navegação transoceanica, tem comtudo os elementos necessarios que, convenientemente aproveitados, principalmente na enseada de Buarcos, o collocarão em estado de satisfazer ás necessidades do commercio e navegação de longo curso, e, com certeza o governo não descurará este complemento da via ferrea, que a força das circumstancias e o desenvolvimento que necessariamente, terá o movimento maritimo d'aquelle porto, tornarão em breve praso uma urgente necessidade. O porto da Figueira, logo que esteja ligado com o caminho do ferro de Salamanca, terá ainda a vantagem de sor um dos portos do embarque mais proximo entre a Europa e parte da America, pelo que é do esperar grande concurso de passageiros, alem de um movimento commercial importantissimo, tambem alimentado pelas provincias limitrophes de Hespanha.

O traçado a que se refere o contraio provisorio é o que melhor satisfaz ás condições technicas e economicas, porque estabelece o mais curto trajecto entro a Pampilhosa e a Figueira, e portanto, apesar da muita consideração que merece aos poderes publicos a representação da cidade de Coimbra, solicitando que o caminho de ferro da Beira Alta seguisse de Luso em direcção a Coimbra, e em seguida á Figueira, pela margem direita do Mondego, não é possivel satisfazer ás indicações mui respeitaveis e filhas do entranhado amor dos filhos de Coimbra, á nobre terra do seu berço.

O traçado nas condições referidas alongaria o trajecto em perto de 11 kilometros, encarecendo os transportes, sem que Coimbra houvesse de lucrar com este desvio artificial, por isso que os viajantes e mercadorias que se dirigissem á Figueira, de certo não interromperiam a viagem com qualquer demora em Coimara, acrescendo mais que, n'estas circumstancias, é certo que o estado teria de subvencionar a empreza, attendendo ás difficuldades technicas e muito maior extensão da linha.

Para a companhia da Beira Alta é tambem de grande importancia a construcção da projectada linha; torna-se assim independente da companhia do norte e leste, e vae estabelecer o seu terminus natural em um porto maritimo.

N'essa conjunctura os interesses da nação acham-se, felizmente, em completa harmonia com os da empreza; os da nação porque assim vê engrandecer no seu litoral um emporio de relações commerciaes; os da companhia porque antevê grande acrescimo no seu movimento, firmando o seu credito em novas bases, e attrahindo em proveito do para a concorrencia dos capitaes estrangeiros em busca de seguro o proficuo emprego. N'estas circumstancias não podia o contrato deixar de ser feito em condições vantajosas, e por isso a companhia da Beira Alta obriga-se a levar a cabo tão importante obra, sem subsidio algum do estado.

Pelas considerações expostas e pelas que occorrem á vossa sabedoria e illustração, são as commissões reunidas de obras publicas e fazenda de parecer que o projecto do lei n.° 7 deve ser approvado, para subir á regia sanção.

Sala das commissões, 12 de março de 1880 = Marquez da Ficalho = Sebastião Lopes do Calheiros e Menezes - Placido de Abreu = Conde de Castro = Conde de Samodães (com declaração) - J. J. de Mendonça, Cortez = Sarros e Sá Marino João Franzini, relator.

Projecto de lei n.° 1

Artigo 1.° É approvado, na parte que depende da sancção legislativa, o contrato provisorio celebrado em 3 de setembro de 1879 entre o governo e a companhia do caminho de ferro da Beira Alta para a construcção de um caminho de ferro da Pampilhosa á villa da Figueira da Foz; o qual contrato vae junto á presente lei e d'ella faz parte.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrte, em 24 de fevereiro de 1880.= José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.

Contrato a que se refere a lei d'esta data

No dia 3 de setembro de 1879, no ministerio das obras publicas, commercio e industria, e gabinete de s. exa. o ministro, aonde vim eu Viriato Luiz fogueira, secretario do ministerio, ahi se achavam presentes: de uma parte o Illmo. e exmo. sr. conselheiro Augusto Saraiva de Carvalha, ministro e secretario d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, primeiro outorgante, em nome do governo, e da outra parte o sr. commendador Edmond Bartissol, segundo outorgante, como director, procurador e representante, que mostrou ser, da companhia dos caminhos de ferro portuguezes da Beira Alta, como consta de documento que fica archivado na repartição a meu cargo; assistindo a este acto o procurador geral da corôa e fazenda, o exmo. conselheiro d'estado João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; e por elle exmo. ministro, primeiro outorgante, foi dito na minha presença e na das testemunhas abaixo declaradas, que, tendo o governo do Sua Magestade resolvido acceitar uma proposta que por parta da mesma companhia lhe fôra feito, para a construcção e exploração do caminho de ferro da Pampilhosa á Figueira da Foz, sem subvenção alguma e com as condições que pelo governo haviam sido propostas, tinha elle exmo. ministro deliberado fazer a concessão provisoria d'este caminho de ferro á dita companhia sem subvenção alguma pecuniaria, e com as mesmas clausulas e condições do contrato celebrado em 3 de agosto do 1878 para a con-

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strucção e exploração do caminho do ferro da Pampilhosa á fronteira de Hespanha, em tudo quanto essas clausulas é condições não tivessem de ser modificadas em relação ao caminho de ferro de cuja concessão ora se trate.

E por elle sr. commendador Edmond Bartissol, segundo outorgante, foi dito que acceitava este contrato com as ditas condições por parte da companhia dos caminhos de ferro portuguezes da Beira Alta, cujo procurador e representante é; declarando ambos os outorgantes que se obrigavam ao fiel cumprimento de taes condições em seu nome e no das entidades que representavam, e n'esta conformidade acceitavam e subscreviam a doutrina e redacção dos artigos seguintes:

Artigo 1.° A companhia dos caminhos de ferro portuguezes da Beira Alta effectuará á sua custa, e por sua conta e risco, nos termos do artigo seguinte, a construcção do caminho de ferro da Pampilhosa á Figueira da Foz, tocando em Cantanhede e Montemor, ou approximando-se quanto possivel d'estas povoações, e terminando na villa da Figueira ou no ponto que o governo designar entre esta villa e a de Buarcos; devendo este caminho ter, alem das estações de entroncamento e intermedias, uma estacão terminus de l.ª classe na villa da Figueira da Foz, ou no ponto que o governo fixar entre esta villa e a de Buarcos, com todos os accessorios, caes seccos e molhados e ponte de embarque, se o governo a julgar necessaria.

Art. 2.º O caminho de ferro de que trata o artigo precedente será construido e explorado com todas as clausulas e condições que foram estipuladas para o caminho de ferro dá Pampilhosa á fronteira de Hespanha, no contrato celebrado em 3 de agosto de 1878, nos termos da carta do lei de28 de março do mesmo anno; clausulas e condições que ficam fazendo parte deste contrato e que subsistem e vigoram para esta concessão, como se no presente termo fossem inseridas; exceptuadas tão sómente as que são modificadas pelo presente contrato..

§ l.º Os estudos e todos os trabalhos technicos do traçado e de todas as obras d'este caminho de ferro, serão feitos pela companhia concessionaria, deixando por isso de ser applicavel a este caminho o disposto no artigo 1.° § 3.° do referido contrato do 3 de agosto de 1878. Estes estudos e trabalhos technicos serão submettidos á approvação do governo no praso de tres mezes, contados da data d'este contrato.

§ 2.° O governo não concede subsidio pecuniario para, o caminho de ferro da Pampilhosa á Figueira, nem para o seu prolongamento até o ponto a que tenha de ser continuado alem d'aquella villa; ficando por isso sem applicação a esta concessão o disposto nos artigos 2õ.° e 26.° do citado contrato de 3 de agosto de 1878.

§ 3.° São formalmente prohibidos os contratos particulares e as avenças, que tenham por effeito conceder a um ou mais expedidores uma reducção nos preços das tarifas approvadas pelo governo. Exceptuam-se d'esta disposição tão sómente os transportes que digam respeito aos serviços do estado, e as concessões feitas a indigentes.

Nenhuma alteração de tarifas, com augmento ou reducção de preços, nenhuma modificação de horarios ou alteração das condições de serviço poderá ser annunciada ao publico, pela imprensa ou nas estações ou por outra qualquer fórma, antes do ter sido obtida para esse fim a approvação do governo.

§ 4.° O caminho de ferro da Pampilhosa á Figueira da Foz com todo o material fixo e circulante, edificios accessorios e dependencias designadas, no artigo 1.° e outros do referido contrato de 3 de agosto de 1878, deve estar concluido para se poder entregar ao transito publico no praso de um anno, contado dá approvação dos estudos e trabalhos technicos; deixando assim esta linha, de estar comprehendida no praso fixado no artigo 56.° do mesmo contrato de 3 de agosto de 1878.

§ 5.° O praso para a exploração do caminho de ferro da Pampilhosa á Figueira da Foz terminará no mesmo dia em que ha de findar o praso concedido pelo artigo 21.° do contrato de 3 agosto de 1878 para a exploração da linha ferrea da Pampilhosa á fronteira de Hespanha.

Art. 3.° A companhia obriga-se a depositar na caixa geral de depositos á ordem do governo, em dinheiro ou em titulos de divida publica portugueza de 3 por cento, pelo seu valor no mercado, a quantia de 67:500$000 réis ou 15:000 libras esterlinas, no praso de trinta dias, contados do da assignatura d'este contrato.

Para o computo d'este deposito levar-se-ha em conta a parte do deposito de 270:000$000 réis, realisado na conformidade do artigo 53.° do contrato de 3 de agosto de 1878, que a companhia tenha direito a levantar nos termos do artigo 54.° daquelle contrato, e que ella deixe de receber, a fim de lhe dar a applicação designada n'este artigo.

§ 1.° Se o deposito for feito em titulos, a empreza tem o direito de receber os seus juros, emquanto durar o mesmo deposito.

§ 2.º A companhia poderá levantar o deposito, a que este artigo se refere, quando o engenheiro fiscal do governo declarar, por um attestado, que ha obras executadas pela companhia em termos de serem approvadas, expropriações, ou material empregado, na importancia de 22:500 libras; ficando todas as obras feitas servindo de caução ao cumprimento das obrigações da mesma companhia contrahidas por este contrato.

Art. 4.° Se for instaurado o tribunal arbitrai requerido pela companhia real dos caminhos de ferro portuguezes para decidir as reclamações apresentadas pela mesma companhia, allegando ser o caminho de ferro da Pampilhosa á Figueira um ramal da linha ferrea do norte, comprehendido na disposição do artigo 33.° do seu contrato, o uma linha parallela a esse mesmo caminho de ferro do norte, dentro da zona de 40 kilometros reservados no artigo 34.º do mesmo contrato; e se pela sentença d'aquelle tribunal for reconhecido direito á companhia, ficará será effeito algum a concessão provisoria de que trata o presente contrato.

Art. 5.º Este contrato fica dependente da approvação das côrtes.

Art. 6.º Se o presente contrato não poder ter execução, ou seja pelo facto previsto no artigo 3.°, ou por falta de confirmação do poder legislativo, o governo adquirirá es estudos e trabalhos technicos que a companhia dos caminhos de ferro portuguezes da Beira Alta tenha chegado a effectuar, por virtude do disposto no § 1.° do artigo 2.° deste contrato, pagando-os pelo valor em que forem computados por louvados nomeados por ambas as partes. No caso de empate será escolhido por accordo entre aquelles arbitros um terceiro para desempatar, e faltando este accordo será o terceiro arbitro tirado á sorte dentre dois nomes indicados, um por cada arbitro.

E com as condições constantes dos referidos artigos deram os outorgantes por feito e concluido o presente termo de contrato, ao qual assistiram, como testemunhas presentes, o segundo official chefe de secção Gaspar Candido da Graça Correia Fino, e o amanuense, servindo de chefe de secção n'esta secretaria d'estado, Francisco José Guedes Vilhegas Quinhones.

E eu, Viriato Luiz Nogueira, secretario do ministerio das obras publicas, commercio e industria, em firmeza de tudo e para constar onde convier, fiz escrever, rubricar e vou subscrever o presente termo de contrato, que vão assignar commigo os outorgantes e mais pessoas já nomeadas, depois de lhes ter sido por mim lido. = Augusto Saraiva de Carvalho = Edmond Bartissol = Fui presente, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Gaspar Candido da Graça Correia Fino = Francisco José Guedes Vilhegas de Quinhones == Viriato Luiz Nogueira.-

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Acha-se inutilisada por esta ultima assignatura uma estampilha de sêllo do valor de 400 réis.

Está conforme. - Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 3 de setembro de 1879.= Viriato Luiz Nogueira.

Proposta de lei n.° 69-B

Senhores. - A provincia da Beira Alta, uma das mais populosas e productivas do paiz, achava-se, por falta de viação accelerada, em circumstancias pouco favoraveis ao aproveitamento dos seus naturaes e valiosissimos recursos.

As condições economicas da provincia e a necessidade de encurtar a distancia que nos separa da Europa central, determinaram os poderes publicos a decretar a construcção de um caminho de ferro, que, atravessando aquella região desde a fronteira, viesse entroncar na linha do norte, junto á povoação da Pampilhosa.

Este melhoramento, embora importante, ficaria incompleto, e o paiz não auferiria d'elle todo o proveito de que é susceptivel, nem as vantagens correspondentes ao sacrificio feito, se a linha decretada e já em construcção não communicasse directamente com o porto de mar que lhe fica mais proximo.

O seu prolongamento até á villa da Figueira da Foz, sendo aconselhado pelo interesse publico, era impreterivel dever dos que têem a seu cargo a direcção e gerencia dos negocios do estado.

Completada por esta fórma a linha ferrea da Beira Alta, ficará sendo uma das primeiras, se não a mais consideravel arteria da nossa viação accelerada.

Atravessando uma região extensa, populosa e fertil, porá os seus productos em communicação com o mar, e, portanto, com os principaes mercados do mundo; e facilitando a exportação, especialmente a dos vinhos, dará á villa da Figueira a importancia que merece e lhe compete pela sua posição geographica, ligando o seu porto com a rede dos caminhos de ferro do norte do paiz.

Por estas rasões, e attendendo a varias circumstancias favoraveis, julgou o governo, que não devia desprezar a opportunidade de concluir, sem grande sacrificio da fazenda publica, uma linha ferrea tão auspiciosa, e que tão alto serviço póde prestar ao commercio e industrias nacionaes.

Para realisar o seu intento, foram convidadas a companhia real dos caminhos de ferro portugueses e a da Beira Alta a apresentar propostas para a construcção e exploração da linha ferrea da Pampilhosa á Figueira, offerecendo-se a de leste e norte a construil-a nas condições do programma official, mediante a subvenção kilometrica de réis 8:000$000, e a da Beira Alta com a de 4:999$000 réis.

Comquanto esta proposta podesse reputar-se vantajosa, procurou todavia o governo obter condições mais vantajosas ainda, conseguindo por ultimo que a companhia da Beira Alta se obrigasse a construir a linha ferrea da Figueira sem subvenção alguma. Nestes termos celebrou com ella um contrato provisorio para sanccionar o qual tem a honra de submetter á vossa approvação a seguinte

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° É approvado, na parte que depende da sancção legislativa, o contrato provisorio celebrado em o de setembro de 1879, entre o governo e a companhia do caminho de ferro da Beira Alta, para a construcção de um caminho de ferro da Pampilhosa á villa da Figueira da Foz, o qual contrato vae junto á presente lei e d'ella faz parte.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 19 de janeiro de 1880.= Augusto Saraiva de Carvalho.

O sr. Vaz Preto: - Eu suppunha que a discussão deste parecer n.° 28 estava adiada até que a respectiva commissão d'esse a sua opinião ácerca da representação do corpo commercial de Coimbra. V. exa. assim o declarou, e disse que á commissão era enviada a representação, e que seria distribuida pela camara.

Parece-me, por conseguinte, que sem essa com missa o se pronunciar de alguma forma a tal respeito não devemos discutir o parecer que foi agora lido na mesa.

Alem d'isso, eu requeri documentos importantissimos, que considero indispensaveis para o exame da questão. Persuado-me que o sr. ministro das obras publicas não se negará a envial-os para esta camara.

N'estas circumstancias, e visto achar-se a hora tão adiantada, julgo que o mais regular é que fique a discussão para outro dia.

Então já a commissão terá dado o seu parecer sobre a representação, e n'esse intervallo podem e devem chegar á mesa todos os documentos por mim requeridos.

Agora mesmo me foi entregue um, que é a proposta do sr. Burnay, e que não tive ainda tempo de ler.

Negocio de tanta gravidade não póde ser tratado sem meditação.

Não ha muito que discutir; portanto não vejo inconveniente em que se demore por mais dois ou tres dias a discussão do projecto.

O sr. Presidente: - Effectivamente a camara não tomou nem eu provoquei resolução alguma ácerca da representação do corpo commercial de Coimbra. No momento em que a apresentei, adquiriu a discussão taes proporções, que a camara julgou melhor reservar para quando se tratasse do respectivo projecto decidir se conviria ou não adiai-o.

Portanto, tem o digno par a liberdade de propor o adiamento do projecto, visto que por ora não ha resolução alguma da camara n'esse sentido, nem a póde haver emquanto o adiamento não for proposto.

O sr. Franzini: - Pedi a palavra para dar algumas explicações ao digno par, que espero devem satisfazer a s. exa.

O que se pede nesta representação, dirigida pela associação commercial de Coimbra, é que seja inserida no contrato para a construcção do caminho de ferro da Pampilhosa á Figueira uma disposição, pela qual a companhia do caminho de ferro do norte nunca possa ser prejudicada na construcção de um ramal directo entre a cidade de Coimbra e o porto da Figueira.

Ora, parece-me desnecessaria esta disposição ou alteração no contrato, porque a companhia do norte constituida anteriormente a qualquer outra companhia, tem um direito garantido no seu contrato para a construcção dos ramaes; a companhia da Beira Alta, constituida posteriormente, apesar de ter as mesmas garantias, não póde prejudicar os direitos da antiga companhia do caminho de ferro do norte. De sorte que a esta companhia fica subsistindo o mesmo direito: e quando ella julgue conveniente, de accordo com o governo, póde construir o ramal da cidade de Coimbra ao porto da Figueira, ficando por ultimo livre ao governo contratar a sua construcção, se a companhia desistir do direito de preferencia. Portanto, é desnecessario inserir esta clausula no contrato.

O sr. Vaz Preto: - Vou mandar para a mesa a minha proposta de adiamento; mas antes d'isso devo dizer que ouvi com a attenção devida o illustre relator da commissão, e confesso francamente que não .me parece que s. exa. tenha rasão nas considerações que apresentou.

O digno par póde estar habilitado para discutir o projecto, mas desde que a v. exa., sr. presidente, foi enviada uma representação da terceira cidade do reino pedindo justiça, e fazendo reclamações ácerca do projecto para ser distribuida pelos membros d'esta casa a maior parte dos quaes não tem ainda conhecimento d'ella, e eu sou um d'estes, parece-me, que não têem rasão de ser as ponderações do sr. relator, porque, não se póde discutir o assumpto de que trata essa representação, sem previamente o examinarmos.

Alem d'isso, acaba de me ser enviado um documento importante, que tambem ainda não tive tempo de examinar.

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Por todas estas rasões, creio que seria mais conveniente, não direi por attenção a mim, mas por attenção á cidade do Coimbra e ao corpo commercial que representa, e que encarregou v. exa. de dar conhecimento á camara da representação que lhe dirigiu, que este projecto fosse adiado até que sejam estudados todos esses importantes documentos, a fim de que o assumpto possa ser discutido e votado com verdadeiro conhecimento de causa, maduro exame e toda a imparcialidade.

Ainda hoje eu pedi mais documentos, pelo ministerio das obras publicas, que considero de grande importancia, pois são as consultas da junta consultiva de obras publicas com relação ao caminho de ferro da Pampilhosa á Figueira, e o parecer do procurador geral da corôa. Estes documentos são essencialissimos para esclarecer a questão, e portanto vou mandar para a mesa a minha proposta de adiamento, que é a seguinte.

(Leu.)

Em negocio tão importante, estou convencido que o governo não ha de deixar de mandar estes documentos, que tão necessarios são para que o assumpto do que se trata seja convenientemente esclarecido.

Não é n'este momento, quando a hora está á dar, e depois do digno par, o sr. Costa Lobo, ter pedido a palavra para, um negocio urgente, que se deva discutir este projecto. Portanto, não me parece que haja inconveniente em acceitar a minha proposta, tanto mais que a duração do adiamento depende unicamente da vontade do sr. ministro, pois na sua mão está o mandar com a maior brevidade os documentos pedidos. Vindo os documentos a discussão póde começar logo.

Leu se na mesa a proposta de adiamento, que é do teor seguinte:

Proposta

Proponho que o projecto em discussão seja adiado até que o sr. ministro das obras publicas mande a esta camara os documentos que hoje pedi ácerca da linha ferrea da Figueira = Vaz Preto.

O sr. Presidente: - O projecto está em discussão na generalidade e o digno par propõe o adiamento. A pratica seguida pela camara é admittir as propostas de adiamento para serem discutidas conjunctamente com a materia principal; (Apoiados.) portanto, vou consultar a camara sobre se admitte a proposta de adiamento, e admittida ella ficará em discussão com a generalidade do projecto.

Consultada a camara, admittiu á discussão a proposta de adiamento.

O sr. V az Preto: - A minha proposta de adiamento é especial, porque o limita até á apresentação de documentos, que são necessarios para a discussão, do projecto, e per consequencia parece-me que deve ser discutida e votada separadamente;

O sr. Presidente: = Quem disse ao digno par que a sua proposta não havia de ser votada separadamente?

A generalidade do projecto só póde ser votada se for rejeitado o adiamento.

O Orador: - Bem sei que a generalidade dos projectos sé vota depois das propostas do adiamento, mas eu e que não posso discutir a generalidade d'este projecto sem que tenha examinado os documentos que requeri, e foi por isso que eu propuz o adiamento.

O sr. Presidente: - Se o digno, par me attendesse veria que eram satisfeitos os seus desejos.

Não se vota a generalidade senão depois de votado o adiamento. Se a camara ficar convencida, pela discussão, de que devo adiar o projecto, approva o adiamento, e não se vota a generalidade.

O Orador: - Mas para que peço eu os documentos? Peço-os para discutir o projecto na sua generalidade e especialidade; ora, se elles não estão presentes, como quer v. exa. que eu discuta?

O sr. Presidente: - A maneira por que vou consultar a camara, dá o mesmo resultado que o digno par deseja.

Eu vou consultar a camara sobre se quer admittir á discussão o adiamento.

Os dignos pares que admittem á discussão a proposta de adiamento tenham a bondade de levantar-se.

Foi admittida.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Quaresma de Vasconcellos que supponho tel-a pedido sobre a proposta de adiamento.

O sr. Quaresma do Vasconcellos: - Pedi a palavra, porque desejo dizer á camara o que penso a respeito das representações, que teem vindo de Coimbra a proposito da questão do caminho de forro do, Beira, do termo d'esta linha na Pampilhos, e da continuação da mesma linha para a Figueira.

Quando o governo tratava de contratar o caminho de ferro da Beira, e quando não estava designado ainda o terminus d'esta linha, foi dirigida ao governo de então uma representação de alguns commerciantes de Coimbra, para que o termo da linha ferrea da Beira fosse n'aquella cidade e não na Pampilhosa.

Não sei a instancias do quem, que sei é que foi solicitado peio governador civil d'aquella epocha, e pelos mais acerrimos partidarios do governo transacto uma contra representação, de onde resultou sor desprezada a primeira representação, o attendida a contra representação, ficando marcado definitivamente o terminus da linha na Pampilhosa. É claro que n'esta occasião podia o governo regenerador, se quizesse, attender á justissima pretensão da cidade de Coimbra. Não o fez, e Coimbra não se revoltou contra esta determinação.

Mais tarde, e quando o actual sr. ministro das obras publicas contratou com a companhia do caminho de ferro da Beira a ligação, por meio de um ramal, ds Pampilhosa com a Figueira, é que aquelles mesmos que haviam anteriormente pedido para que aquelle caminho tivesse o termo na Pampilhosa, foram os proprios que vieram reclamar que se alterasse o que já era inalteravel, e que o termo da linha se mudasse da Pampilhosa para Coimbra, isto é, pediam ao governo que fizesse uma cousa que só não podia realisar sem annuencia das duas partes contratantes.

Como póde explicar-se similhante procedimento? Explica-se pelas conveniencias partidarias. Representou-se a primeira vez pedindo-se uma cousa, e representou-se segunda vez pedindo-se outra opposta, tudo por inspirações politicas, tudo para abusar da credulidade publica, tudo para illudir o povo e indispol-o contra o governo, porque citava proxima a eleição de deputados, e todos viam que o principal instigador desejava inclinar a opinião para uma certa e determinada direcção. Pela segunda representação podia-se que a continuação da linha partisse de Coimbra para a Figueira quando, como disse já, o governo não podia alterar por si só o contrato; procurou-se um pretexto para fazer acreditar aos habitantes d'aquella cidade que o governo actual se recusava a satisfazer aos seus desejos, quando é certo que não podia fazel-o pela rasão já exposta.

Foi por isto que eu não quiz nem muitas outras pessoas adherir a similhante representação. Não quiz concorrer para que se illudisse o povo, nem eu jamais poderia subscrever a um acto tendente a alimentar intrigas politicas e a indispor o povo d'aquella cidade com o actual governo, porque não foi outro o fim que se teve em vista com similhantes exigencias.

Esta é que é a verdade pura, nem mais nem menos.

Agora apparece outra questão, porque o artigo 28.° do contrato diz o seguinte:

(Leu.)

Pela minha parte entendo que a questão actual deve resolver-se nos seguintes termos:

Póde o governo sem prejuizo do artigo 28.° do contrato

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mandar construir sem dependencia da companhia um ramal de Coimbra á Figueira, não obstante ser só de 16 kilometros a distancia da Pampilhosa a Coimbra? Póde sem prejuizo do contrato feito com a companhia do caminho de ferro da Beira satisfazer aos desfies da cidade de Coimbra?

Se o governo póde fazel-o. eu serei o primeiro a pedir ao sr. ministro das obras publicas que conceda a Coimbra o beneficio do um ramal que ligue aquella cidade directamente com a Figueira; porque Coimbra merece consideração, e se não a tem tido é porque não sabe ser Coimbra.

O mal todo d'esta cidade é ter muitos doutores e poucos negociantes, e esses mesmos divididos em varios grupos. D'esta divisão resulta a fraqueza, e portanto a pouca importancia que se lhe tem dado. Eu sou, sr. presidente, e v. exa. tambem, do tempo em que esteve unido o commercio de Coimbra.

N'esse tempo conseguiu sempre tudo quanto pretendia. N'esse tempo eram os doutores que procuravam os commerciantes, agora pão estes que procuram, o são dominados por aquelles; e eu não sou suspeito porque pertenço á classe dos doutores. E desengane-se o commercio, que em quanto não voltar ao primeiro caminho nada ha de alcançar.

Parece-me mais rasoavel considerar a questão debaixo do ponto do vista que indiquei, porque fóra d'isso não se poderá caminhar.

O governo está animado dos mais favoraveis desejos de fazer tudo quanto possa para dotar Coimbra de um melhoramento tão util como seria a construcção de um ramal que a ligasse do algum modo com a Figueira, como me consta promettêra já na outra camara, e que havia de fazer n'este sentido tudo quanto podesse, independentemente dos compromissos do contrato que ella não póde revogar; portanto não vejo rasão para que se levantem difficuldades a uma obra utilissima, como é o ramal da Pampilhosa á Figueira, porque a Figueira é tambem uma villa importantissima, e não merece que se lhe ponham estorvos ao seu progresso e melhoramentos.

Creio mesmo que, construido o ramal de Pampilhosa á Figueira, o governo podo satisfazer ás aspirações dos habitantes do Coimbra, ligando esta cidade com aquella localidade, por outro ramal.

São estas as observações que tinha a fazer.

Voto contra o adiamento da discussão do projecto de que nos occupâmos, porque entendo que é de grande vantagem a construcção da linha a que elle se refere, e porque a discussão immediata raio impede de que no logar competente se façam as modificações que se julgarem convenientes.

O que peco ao sr. ministro das obras publicas é que veja se póde fazer com que Coimbra communique directamente com a Figueira.

Creio que s. exa. póde fazel-o sem complicação alguma com as condições do contrato feito com a companhia do caminho de ferro da Beira.

Faço esta declaração, porque desejo que Coimbra melhore, e que seja o que deve ser; mas que se não especule com ella, assim como não mo agrada que Coimbra especule com os governos. Coimbra, porém, nem sempre tem seguido o melhor caminho; emende-se, pois, trabalhe desafrontadamente em beneficio da seus legitimos interesses, porque se desenganará então de que ha de achar ao seu lado os que amam o justo e desprezam as tricas politicas.

Nada mais por agora.

O sr. Presidente: - Em vista da declaração que acaba de me fazer o sr. secretario Margiochi, tenho a dizer a camara que o parecer n.° 30 não foi approvado por 42 votos contra 34, como por equivoco eu declarei, mas sim por 43 votos contra 35.

O resultado é o mesmo, mas em todo o caso pareceu-me conveniente fazer esta declaração á camara.

O sr. Costa Lobo: - A minha memoria fez-me ha pouco commetter uma grave falta.

Quando eu pedi que fossem aggregados á commissão de instrucção publica mais alguns membros, esqueceu-me de citar os nomes dos dignos pares, srs. Quaresma e Pereira Cardoso.

Pedindo desculpa á camara d'esta minha falta, peço igualmente a v. exa. que a consulte sobre se permitte que áquella commissão sejam aggregados mais os dois dignos pares que citei, ficando assim cumpridas as ordens que recebi da commissão.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Vaz Preto: - V. exa. entende que, apesar das minhas observações deve fazer discutir conjuntamente o meu adiamento com a generalidade do projecto.

Sujeito-me por deferencia, e não convencido, á vontade de v. exa., que dignamente dirige os trabalhos da camara; v. exa. entende que o adiamento deve ser discutido conjuntamente com a generalidade do projecto, seja pois assim, embora seja absurdo; resignar-me-hei com a decisão de v. exa. e da camara. Comtudo, preciso deixar bem manifestas as minhas intenções e os meus desejos.

Eu quero e preciso provocar uma votação da camara para saber se ella quer discutir um projecto tão importante sem ter os documentos necessarios e alguns que julgo indispensaveis.

Pela minha parte careço, para poder discutir o projecto na generalidade, das consultas da junta consultiva de obras publica? e do procurador geral da corôa.

Obrigar-me a discutir o projecto sem estes importantes documentos, faz com que a minha argumentação n'este combate seja muito, differente do que será tendo examinado esses documentos.

Quem sabe se esses documentos me farão mudar de opinião?

É um caso novo, querer obrigar a discutir mu par sem os dados precisos.

N'este caso dirijo-me ao sr. ministro das obras publicas e peço-lhe que diga se póde mandar-me esses documentos ámanhã a minha casa, para eu os ler.

São documentos importantes, de que não posso prescindir para entrar na discussão do projecto de que se trata.

Pergunto, pois, a s. exa. se poderá assim satisfazer ao meu requerimento?

Pergunto tambem ás commissões se tiveram conhecimento d'estes documentos, e se assim foi, que me digam e á camara qual é o seu conteudo, e porque fórma presentes á commissão e não á camara?

Parece que a commissão de obras publicas devia ter conhecimento d'estes importantes documentos, aliás não se recusaria a dar parecer ácerca da representação do corpo commercial de Coimbra!

Sr. presidente, para se reconhecer a importancia d'estes documentos basta lembrar á camara que está sujeita ao juizo arbitral uma questão levantada entre o governo e a companhia do caminho de ferro do norte, á fim de se resolver se o projectado caminho de ferro de Pampilhosa á Figueira é linha ou ramal.

Convem, portanto, definir todas estas cousas, é necessario que tudo se documente; não basta uma simples declaração do sr. ministro..

Em presença do que se está passando, perguntarei: quaes são os documentos que a commissão teve para declarar que é linha ferrea, e não é ramal, o caminho a que se refere o projecto?

Quaes são os esclarecimentos que o governo lhe mandou?

Pois a commissão decidiu o negocio sem ver documentos?

Não o creio; e n'esse caso não me parece justo que

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queira impedir-me de os consultar para poder discutir.

Rogo, pois, a v. exa. consulte a camara sobre se deve ser satisfeito o meu requerimento.

Já me dirigi [...] ou tres vezes ao sr. ministro a perguntar-lhe se mandava ámanhã, ou á minha casa ou á camara, os referidos documentos, e s. exa. respondeu-me com o silencio. Parece que o sr. ministro os não quer enviar. Torna-se necessario que o governo se explique a este respeite ou que a camara declare se o meu pedido não tem rasão de ser. Eu exijo uma decisão clara e precisa. N'este caso, acatarei a resolução, quardarei silencio, e não discutirei o projecto sem os documentos que julguei precisos.

Já v. exa. vê que, sobre este ponto, careço de uma resolução, ou da camara, ou do sr. ministro, ou de v. exa., adiando a discussão do projecto para d'aqui a dois ou tres dias.

Qualquer d'estas resoluções convem que seja tomada promptamente. É o que fico esperando para saber o que hei de fazer.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Saraiva de Carvalho): - Os documentos que dizem respeito ao projecto em discussão foram presentes ao sr. relator, teve d'elles conhecimento a commissão. Eu não posso tomar o compromisso de os enviar com a promptidão que s. exa. quer, porque ignoro e tempo que poderá levar a copia d'elles; mas estou prompto a mandal-os.

Um documento posso eu entregar desde já ao digno par: é o parecer da junta consultiva de obras publicas sobre se deve considerar-se ramal ou linha o caminho de ferro que vae ligar a Pampilhosa com a Figueira.

Mais nenhuma explicação tenho a dar n'este momento.

O sr. Presidente: - Lembro uma resolução, que me parece poderá satisfazer a todos: é ficar esta discussão adiada até sexta feira.

O sr. Vaz Preto: - Para que a camara toda tenha conhecimento dos documentos que eu peço, achava conveniente que, se o sr. ministro os mandasse a tempo, fossem publicados no Diario do governo.

O sr. Presidente: - No caso de vir ámanhã ou na quinta feira a copia dos documentos, darei ordem para serem com urgencia publicados no Diario do governo.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Saraiva de Carvalho): - Alem da consulta da junta consultiva de obras publicas, de que acabo de entregar uma copia ao sr. Vaz Preto, ha outro documento, é o parecer do procurador geral da corôa.

Eu posso pôr á disposição da mesa os originaes, se porventura não houver tempo sufficiente para tirar as respectivas copias, e não terei até duvida em os mandar directamente para a imprensa, a fim de saírem no Diario do governo.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre se entende que a discussão do projecto continue na proxima sexta feira.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para sexta feira, 19, é a continuação da discussão do parecer n.º 28.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 16 de março de 1880

Exmos. srs.: Duques, d'Avila e de Bolama, de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sabugosa, do Vallada, de Vianna; Arcebispo de Evora; Condes, de Avilez, de Bertiandos, do Bomfim, de Cabral, de Castro, do Farrobo, da Fonte Nova, de Gouveia, do Linhares, de Paraty da Ribeira Grande, de Rio Maior, da Torre; Bispos, de Bragança, eleito do Algarve; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, de Borges de Castro, da Borralha, de Chancelleiros, de S. Januario, de Ovar, de Portocarrero, da Praia, do Seisal, da Silva Carvalho, de Villa Maior; Barão de Ancede; Ornellas, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Coutinho de Macedo, Barjona de Freitas, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar, Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Martel, Braamcamp, Castro, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Baião, Mattoso, Camara Leme, Daun e Lorena, Castro Guimarães, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Canto e Castro, Miguel Osorio, Placido da Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira de Novaes, Seiça e Almeida.

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