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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 215

cito concedidas ao então capitão Damasio Gorjão pelo decreto de 1846.

São estas as consequencias necessarias e logicas d’aquella lei; nada menos, por certo, mas tambem nada mais: estendel-as até ao ponto de dizer que essa lei veiu tirar todo o direito de indemnisação aos officiaes que foram prejudicados por disposições illegaes, como era e não póde deixar de ser considerado o decreto de 22 de dezembro de 1846, é o que não me parece que seja logico, nem justo, nem em harmonia com os factos.

Sr. presidente, é preciso não esquecer que ha a lei de 15 de abril 1835, que ainda hoje rege e que garante os postos aos officiaes do exercito e o accesso a esses postos em conformidade com as leis. Esta lei existia quando se publicou o decreto de 22 de dezembro de 1846 e continuou a existir depois d’elle publicado; nem foi revogada pela lei de 18 de agosto de 1848.

Então o que fez ou produziu essa lei de 1848? Abriu um parenthesis na legislação do paiz para tornar legal, em attenção a certas conveniencias publicas, a situação do capitão Damasio, e relevar o governo da responsabilidade em que incorrêra; mas essa medida excepcional, e para aquelle effeito somente, não alterou nem podia alterar as leis vigentes, como não alterou, e não podia tirar ou annullar direitos de terceiro que as mesmas leis tinham garantido e continuam a garantir. Esses direitos, ao abrigo da lei, estão de tal forma constituidos que são uma verdadeira propriedade, e, sendo propriedade, como é que se podiam desprezar completamente. como é que se podiam tirar sem a legitima indemnisação? Nem isso era necessario para fazer boa e legal a situação creada ao capitão Damasio Gorjão, unico objecto que se tinha em vista, nem o reconhecimento dos direitos dos officiaes preteridos importa a annullação dos que a lei de 1848 quiz constituir em beneficio d’aquelle official, como o podia fazer pela invocada omnipotencia do poder legislativo, e por considerações, ou de serviços, ou de conveniencias publicas, aliás nem expressas nem declaradas, a que se quiz attender. Nada d’isto destroe os direitos de terceiro, segundo a lei.

Os officiaes preteridos pelo capitão Damasio foram ou não expropriados do seu direito? Então, se o foram, o que restava fazer? Indemnisal-o. Ha lei que o prohiba? Não a conheço.

Apenas invocam alguns o decreto de 10 de dezembro de 1868; mas o digno par, o sr. Fontes Pereira de Mello, que por tantos annos geriu a pasta da guerra com à sua costumada proficiencia, é o primeiro a confessar, que similhante decreto não está em vigor, como logo mostrarei. O conselho d’estado, reconhecendo o direito d’aquelles officiaes, está perfeitamente de accordo com a doutrina que tenho exposto, e termina assim a sua consulta de 7 de abril de 1878:

«Considerando, portanto, que a reclamação é procedente, que não prescreve o direito que assiste aos supplicantes de uma indemnisação, e que ao poder executivo incumbe reparar por todos os meios possiveis dentro da esphera das suas attribuições o prejuizo que os interessados estão soffrendo na escala do accesso, era vista da flagrante injustiça que atrazou a sua carreira militar, por estas considerações é de parecer que, á falta de outro meio, deve o governo desde já graduar os reclamantes no posto de coronel, fixando-lhes igualmente a sua collocação na escala da antiguidade.»

O conselho d’estado julgou, pois, que havia verdadeira preterição; julgou que aquelles officiaes deviam ser indemnisados mesmo na effectividade, graduando-os desde logo no posto que lhes competia.

Mas o decreto de 10 de setembro de 1880 não foi tão longe: procurou apenas indemnisar de algum modo do damno soffrido os officiaes preteridos, melhorando-lhes a reforma, porem não tratou de uma completa indemnisação, posto que o podesse fazer com voto tão auctorisado.

Parece-me, portanto, que a resolução tomada pelo decreto de 10 de setembro de 1880 está precisamente nas circumstancias a que alludiu o sr. Fontes Pereira de Mello, quando disse que admittia a reparação do damno; mas completa indemnisação sem verdadeira preterição não julgava que se devesse dar.

É verdade que o poder legislativo póde alterar as leis como bem quizer e causar certos prejuizos com essas alterações, sem que isso de direito a reclamações, mas este não é o nosso caso. As leis não foram alteradas, e o principio invocado pela illustre commissão de guerra quando diz que «o poder legislativo não póde causar preterição a ninguem» não é aqui applicavel, e não se póde referir senão ao direito liberrimo do poder soberano fazer leis, alteral-as e revogal-as, segundo as conveniencias publicas; e ainda assim a propria lei estatue muitas vezes disposições transitorias, attendendo aos direitos adquiridos, na vigencia das leis anteriores, Mas, repito, não é este o caso. Nem o decreto de 1846 foi lei, nem a lei de agosto de 1848 alterou as leis militares, do paiz. Fez só uma excepção a favor de um individuo; lei só para este effeito, e não para todos e quaesquer effeitos.

Creio ficar evidente que no caso sujeito não houve alteração de lei; nem, portanto, direitos de terceiro annullados, porque a lei que garante as patentes e accesso continua a subsistir da mesma fórma.

Ha, todavia, alguns precedentes a que esse principio poderia ter tido applicação, para negar indemnisações ou reparação de prejuizos, e, comtudo, o não foi.

Poderia citar numerosos exemplos, e alguns bem recentes; citarei apenas um, e é o que se deu com um official muito digno e distincto, o coronel de artilheria José Marcellino da Costa Monteiro, que por transtornos repetidos que soffrera na sua carreira militar, ainda que póde dizer-se sem ter uma verdadeira preterição, achava-se, comtudo, muito atrazado emquanto ao seu posto de coronel, em reação aos outros coroneis do exercito.

Este official ainda soffrêra um ultimo transtorno sendo grandemente prejudicado pela alteração que se deu na lei relativa ao generalato em 1868; porque, como a camara sabe, antes do decreto de 30 de outubro de 1868, que regulou o accesso ao generalato, os coroneis, qualquer que fosse a arma a que pertencessem, entravam todos n’uma escala commum, com a sua respectiva antiguidade, e eram promovidos segundo essa antiguidade, sem distincção de armas.

José Marcellino da Costa Monteiro era um dos coroneis a quem primeiro cabia ser promovido, mas em consequencia d’aquella lei ficou muito atrazado na promoção a general.

Aqui está, pois, um caso a que se podia applicar o tal principio a que a illustre commissão de guerra se refere, e, comtudo, não se applicou; aqui houve prejuizo, mas não houve verdadeira preterição, e aquelle official não podia invocar direitos alguns em face da lei.

Entretanto entendeu-se que era de justiça o ser indemnisado por esse e outros prejuizos que soffrêra, e de facto foi-lhe classificada a reforma pelo poder executivo em general de divisão em attenção a estas circumstancias, aliás muito menos favoraveis do que aquellas em que estavam os officiaes preteridos pelos decretos de 1846 e 1866.

Comtudo, ninguem nessa occasião taxou de illegal similhante acto, e os que o não condemnaram não podem agora taxar de illegal o decreto de 10 de setembro de 1880, que aliás attendeu a uma verdadeira preterição.

Em comprovação do que acabo de dizer, peço licença á camara para ler o decreto de 9 de setembro de 1872. Diz:

(Leu.)

Era esta a jurisprudencia em 1872, e creio que sobre factos da mesma natureza não póde haver duas jurisprudencias.

Como o facto que apontei, têem-se dado muitos outros.