DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 219
suspendeu os decretos referendados pelo sr. João Chrysostomo, e o outro, que mandou cessar a suspensão; mas, nem para um nem para outro d’estes decretos se propoz bill de indemnidade.
A. explicação da saida do sr. João Chrysostomo do ministerio é justamente o entenderem os seus collegas que não deviam tomar a responsabilidade dos seus decretos.
Portanto, quanto a esses decretos é para o governo indifferente que se de ou não o bill.
Mas, dir-se-ha que o governo, desde que primeiramente suspendeu, e depois mandou pôr em execução os decretos do sr; João Chrysostomo, assumiu por esse facto a responsabilidade d’elles. Ora, a isto tenho ainda a observar, que uma cousa é tomar desde o principio a responsabilidade d’aquelles decretos, outra cousa é tomar a responsabilidade da sua execução depois de se ter ordenado a sua suspensão para consultar a procuradoria geral da corôa sobre os seus effeitos legaes, e possibilidade de os annullar, e depois de se haver reconhecido que com a sua inexecução se iriam infringir direitos adquiridos.
Portanto, o governo actual está perfeitamente ao abrigo de qualquer responsabilidade pelos referidos decretos, porque expressamente a declinou, e debaixo deste ponto de vista é lhe completamente indifferente que esta camara approve ou não approve o bill.
Mas diz-se ainda: «Se vós tinheis assumido a responsabilidade dos decretos, publicados muito antes da saida do ministro; como é que agora a declinaes?»
Sr. presidente, que nós declinamos essa responsabilidade é um facto que se não póde contestar.
A saida do nosso collega significa que houve uma discordancia entre s. exa. e os outros membros do gabinete, e; portanto, não me parece que se possa, com justo fundamento, pôr em duvida a existencia d’esse facto.
Vejamos se o governo procedeu bem ou mal.
A doutrina constitucional applicavel a este assumpto, exarada em muitos documentos parlamentares, é que os ministros só têem responsabilidade pelos actos deliberados em conselho.
Se fosse preciso citar opiniões auctorisadas para mostrar que esta é a verdadeira doutrina, bastar-me-ia a opinião do proprio sr. Fontes, que por mais de uma vez a tem manifestado no parlamento.
Como a camara sabe, temos lei que regula e define o que é solidariedade ministerial.
A lei de 23 de junho de 1855 declara que o presidente do conselho é solidario como todos os ministros, e explica os casos em que tem logar a solidariedade.
Vou ler o que a, este respeito disse o sr. Fontes, em sessão de 5 de fevereiro de 1865, na camara dos senhores deputados.
(Leu.)
Não se póde expor mais claramente a theoria da solidariedade ministerial.
Se a camara m’o permitte, lerei tambem a minha humilde opinião exposta n’essa sessão, e ver se-ha que eu pensava já do mesmo modo que penso hoje.
(Leu.)
Sr. presidente, seguindo ainda na exposição das doutrinas dos nossos mais notaveis homens d’estado, a respeito do ponto que estamos discutindo, permitia-se-me que cite a opinião do sempre chorado duque de Loulé.
Na sessão de 20 de maio de 1865, referindo-se á saida do ministerio, do sr. general José Gerardo Ferreira Passos, dizia s. exa. na outra casa do parlamento.
(Leu.)
Já vê a camara que esta doutrina que estou defendendo, longe de ser uma heresia constitucional, tem tido sempre proclamada pelos homens mais eminentes.
N’essa mesma sessão o sr. deputado Antonio de Serpa, hoje membro d’esta camara, insistia para que o sr. duque de Loulé dissesse claramente quaes os actos dos seus collegas de que tomava a responsabilidade, e determinadamente os do sr. ministro da guerra, e o sr. duque de Loulé disse.
(Leu.)
Aqui está como o sr. duque de Loulé, fiel aos seus principios, que ha pouco acabei de apresentar, declarou que tomava, a responsabilidade dos actos dos seus collegas approvados em conselho de ministros, mas que declinava a dos outros. É esta a doutrina seguida pelo governo actual.
Sr. presidente, se os decretos tivessem sido aprovados em conselho de ministros, não podiamos declinar a sua responsabilidade; mas no caso sujeito a responsabilidade é apenas individual. Pertence ao ministro que os referendou.
Sr. presidente, mas se me é indifferente a approvação ou rejeição do bill sobre o ponto de vista da responsabilidade ministerial, não o é sob o ponto de vista da regularidade e boa ordem da administração. Por isso o governo entra n’este debate manifestando francamente a sua opinião, e desassombrado de quaesquer considerações politicas. .
Agora permitta-me v. exa. que eu, antes de responder ás perguntas dirigidas ao governo pelo digno par e meu antigo amigo, o sr. Barros e Sá, a quem espero dar uma satisfactoria resposta, exponha a minha opinião ácerca da questão previa, levantada n’esta camara. Eu declaro que entro com bastante hesitação e perplexidade no debate, porque não sou membro d’esta assembléa, pelo receio que tenho que no correr da minha oração possa sair-me da boca alguma palavra menos conveniente, ou mal soante aos ouvidos de alguns dos dignos pares: mas como membro do governo hei de expor desassombradamente a minha opinião, sem querer por modo algum amesquinhar prerogativas e attribuições d’esta camara. Desejo manifestar apenas o meu voto.
Creio, sr; presidente, que a questão previa é mais grave do que a principio se afigurava, por isso que, assim como esta camara póde por um acto seu interpretar quaesquer artigos da carta constitucional ampliando as suas prerogativas como o entender, assim tambem a camara dos senhores deputados, arrogando-se o mesmo direito, póde alargar as suas attribuições, e recusar-se a tomar conhecimento d’este projecto, por entender que a proposição do bill de indemnidade é de sua competencia. E eu declaro que estabelecendo-se este conflicto, não sei como seria resolvido, porque recusando-se a camara dos deputados a tomar conhecimento do projecto approvado pelados dignos pares, não era esse o caso de nomeação de commissão mixta. Assim o projecto aqui votado não poderia ter seguimento. E esta camara não ficaria em boa situação.
Eu não trago aqui estes argumentos com a idéa de ameaçar ou fazer pressão, mas simplesmente com o proposito de chamar a attenção da camara para uma eventualidade que póde dar-se, e que deve persuadil-a a ser muito prudente e cautelosa; porque assim como esta camara julga ter o direito de interpretar em seu favor certos artigos da carta constitucional, do mesmo modo, e com igual direito, póde á camara dos deputados julgar offendida a sua prerogativa de propor a accusação dos ministros, e os bills de indemnidade pela resolução d’esta camara, e negar-se por isso a conhecer do projecto por ella approvado.! E na verdade, se á camara dos deputados pertence a iniciativa na accusação dos ministros, como á camara dos dignos pares pertence o seu julgamento, é evidente que só cabe o direito de renunciar á accusação, que outra cousa não é o bill, a quem tem o direito de a propor, isto é, á camara dos deputados.
Pois não é incontestavel que se a camara dos dignos pares votar um bill para sanar qualquer illegalidade, fica desde logo absolvido o ministro ou o governo que tiver praticado essa illegalidade? Não cessa immediatamente o direito de propor a accusação? Onde estaria o tribunal para a julgar se, porventura, fosse promovida?