DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 157
do meu throno constitucional retinidos os portuguezEs que professem o amor da liberdade legal e que sustentem ao mesmo tempo as prerogativas da minha corôa constitucional em harmonia com os principios adoptados nas outras, monarckias constitucionais da Europa;
"Considerando que todos elles ainda que discordes quanto aos meios, etc.;
"Hei por bem decretar o seguinte:
"... que os eleitores... outorguem, outrosim, poderes especiaes para fazerem na constituição de 1822 e na carta constitucional de 1826 as alterações necessarias a fim de se estabelecer uma lei fundamental que assegure a liberdade legal da monarchia, as prerogativas do throno constitucional e que esteja em harmonia com as monarchias constitucionaes da Europa."
O projecto de onde saiu a constituição de 1838, dando ao poder legislativo duas camaras, uma das quaes vitalicia, do nomeação regia, sem numero fixo, declarando o Rei e as côrtes representantes da nação, concedendo ao chefe do poder executivo a livre sancção das leis, mesmo a que approva e declara a necessidade da revisão da constituição, não repudiava muitos dos principios essenciaes da carta.
O congresso desviou-se do projecto e até dos desejos do governo manifestados no decreto de 6 de novembro de 1836.
Malogrado por isso o accordo, surgiram as desintelligencias e logo em 1842, a 10 de fevereiro, a carta constitucional prevalecia sobre a constituição de 1838. Annunciou-se a reforma da carta, mandando-se reunir côrtes com poderes especiaes. Depois adiou-se a reunião das côrtes por decreto de 5 de março: posteriormente ainda de facto se retiraram das procurações dos deputados os poderes especiaes para a revisão.
Novo movimento revolucionario em 1846 e nova promessa de revisão no decreto do 27 de julho, contrariada pelo movimento de 6 de outubro.
Seguiu-se a revolução d" 1851 e a 25 de maio decretava-se a necessidade da reformação da carta. D'esta novissima tentativa resultou emfim o acto addicional que tem a data de 5 de julho de 1802.
Até aqui as occorrencias revolucionarias e as irregulares tentativas que levaram ao decretamento dictatorial da necessidade de revisão da carta, desattendidos os seus preceitos constitucionaes e regulamentares.
Mencionemos agora doze projectos de lei para revisão de artigos da lei fundamental, sendo um em 1845, dois em 1848, um em 1854, um em 1871, tres em 1872, um em 1881 e outro em 1882.
Em 1883 foi presente á camara dos senhores deputados este de que nos occupâmos, e o projecto do sr. José Luciano, a que já alludimos; quatorze ao todo, se contarmos os que era 1836 e 1852 chegaram a ser realisados em lei.
É a primeira vez, no decurso de cincoenta o oito annos, que as disposições dos artigos 140.°, 141.° e. 142.° podem ser respeitadas. Trinta e dois annos de paz, depois da revisão de 1852, o accordo dos partidos monarchicos, que em 1872 não foi possivel conseguir, e as declarações, por parte do partido progressista, no seio da commissão, nos mesmos termos em que se fizeram na camara dos senhores deputados, são favoraveis circumstancias para o emprehendimento da revisão e presagio feliz para a sua realisação.
Os projectos de lei que ficam mencionados são de todos os partidos; a sua convicção sobre a necessidade da reforma está pois, ipso facto, demonstrada.
É uma unanimidade que deve registar-se.
A carta teve a primeira revisão depois de vinte e seis annos contados da sua outorga; não mencionamos como revisão, nem podemos, a constituição de 1838; são passados trinta e dois depois d'essa revisão, e estes trinta e dois annos, de experiencia ininterrompida e pacifica; é justo, é conveniente que attentemos n'ella, confrontando-a com o projecto que se nos apresenta com a votação da camara dos senhores deputados e com as constituições das outras nações monarchicas.
Que intenta o projecto, e qual é, a respeito de cada antigo que se pretende reformar, a opinião e a intenção do governo?
A modificação dos artigos:
14.° Com o fim de se estatuir expressamente a prohibição de mandato imperativo e para se declarar que os deputados e os pares são representantes de toda a nação qualquer que seja a origem da sua investidura.
É reduzir a lei um principio de direito publico, geralmente acceito, principio que se encontra no artigo 94.° da constituição de 1822, em muitas constituições das actuaes monarchias constitucionaes e até das antigas constituições francezas. Comquanto á commissão pareça que mais póde corrigir a deficiencia do artigo, (se deficiencia ha, porque elle se completa pela disposição do artigo 12.°), uma reforma eleitoral, libertando os eleitos da estreiteza exigente dos circulos uninominaes, não julga inutil a proposta, visto que reconhece o principio.
No artigo 17.° pretende-se que a legislatura ordinaria dure tres annos em vez de quatro.
É justo ir de accordo com o espirito da epocha manifestado em muitas constituições modernas; e como a camara dos deputados deve traduzir as variações da opinião, no conceito dos publicistas, justo é indagar com a devida frequencia essas variações.
26.º e 27.° Estes artigos da carta estatuem o modo por que devam ser garantidas as funcções politicas dos pares e deputados; é o principio moderador attribuido por Almeida Garrett a cada um dos poderes politicos para manutenção do respeito proprio.
O que na modificação se pretende é que se redijam de modo estas disposições que nem falte garantia de inviolabilidade aos membros dos corpos legislativos, nem essa garantia se transforme por qualquer modo em privilegio de impunidade. É de justiça.
28.° Parece tambem justa á commissão a reforma d'este artigo, cuja disposição assenta n'uma desconfiança iniqua e imprudente.
Perder um deputado o seu logar só porque o Rei o nomeia ministro não tem facil justificação, e se confrontarmos este procedimento com a permanencia do par na sua camara, é odiosa a excepção.
A confiança do Rei recaindo em eleitos do povo, n'um systema politico em que o Rei e a nação estão intimamente ligados, honra o eleito e o eleitor.
Ainda mesmo que o artigo não fosse reformado n'este sentido, era essencial entregal-o á revisão para a harmonisar com outros textos da carta, visto que se intenta reformar a camara dos pares entrando n'ella membros electivos, que podem tambem ser chamados ao ministerio, e aos quaes deve estender-se o principio que se adoptar.
75.°, § 14.° - A intenção da proposta é assegurar as prerogativas da corôa portugueza, tornando obrigatorio o benaplacito expresso para serem reconhecidos pelo poder executivo os decretos dos concilios, letras apostolicas e quaesquer outras constituições ecclesiasticas na fórma do citado artigo. Tambem á commissão parece conveniente assegurar, dentro de limites legaes, as prerogativas da corôa e resguardal-as contra invasões estranhas.
Na revisão do artigo 77.° pretende-se deixar ao Rei a faculdade de sair do reino sem licença das côrtes.
O artigo 125.° II da constituição de 1822, declarando, que o Rei não podia sem licença das côrtes sair do reino de Portugal e Algarves, diz na propria redacção o motivo da sua disposição: - a longa permanencia do Rei no Brazil.
A carta reconheceu e respeitou a justa susceptibilidade da nação, susceptibilidade ou desconfiança que já hoje não tem rasão de ser.