DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 160
Estas duvidas eram reforçadas pelas disposições da constituição de Cadiz de 1812, pelas das constituições portuguezas de 1822 e 1838, e pelo exemplo do Brazil, quando em 1832 mandava rever a sua constituição.
Estes exemplos eram ainda apoiados pelo principio de que só quem tenha poderes especiaes póde interpretar artigos constitucionaes.
Se para destruir esta argumentação não basta ponderar que, no systema da carta, negar ao Rei e á camara dos pares direito de intervir nas revisões da constituição é negar os principios fundamentaes da propria constituição, é fazer um poder legislativo inteiramente novo e anomalo, é destruir a harmonia dos poderes, é negar a legislação, o direito publico e a pratica de todas as monarchias liberaes, se não basta mostrar que o artigo 143.° de nenhum modo na sua interpretação litteral póde negar a um dos corpos legisladores a sua intervenção, na revisão da lei das leis, n'um regimen constitucional; que as palavras na seguinte legislatura e na primeira sessão não podem referir-se a uma só das camaras; que é essencial approximar as disposições do artigo 143.° das do artigo 12.°, que diz que o Rei e as côrtes geraes são os representantes da nação; das do artigo 13.,°, que diz a quem compete o poder legislativo; das do artigo 14.°, que diz de quantas camaras se compõem as côrtes; das do artigo 17.°, que marca os periodos de cada legislatura e de cada sessão animal; é das dos artigos 43.º e 44.°, que determinam que as sessões das duas camaras comecem e acabem simultaneamente; se não basta ponderar que as excepções na lei só expressas se podem reconhecer e nunca podem subentender-se, e que a constituição de Cadiz, a de 1822 e a de 1838 eram expressas quanto a prescindir da sancção do Rei, assim como a segunda era expressa em reconhecer competencia ao senado; se não basta mostrar que o exemplo do Brazil não faz auctoridade, não só pelo estado de perturbação do imperio, que tinha em revolta aberta algumas das suas maiores provincias, mas porque sendo o senado vitalicio e electivo não tinha quem por parte de um dos seus committentes lhe outorgasse poderes especiaes; entendeu bem na sua alta sabedoria a camara dos senhores deputados que, para evitar questões que podiam reproduzir-se no futuro, convinha fazer a interpretação authentica da lei; e d'ahi nasceu a disposição do § unico ao artigo 1.° do projecto.
Porém d'ahi tambem novas objecções se levantam. Os partidarios da reforma por uma só camara, ou antes os que desejando que na reforma cooperem a camara dos pares e o Rei, julgam comtudo ver disposição contraria e clara na Letra do artigo 143.°, accusam, no § unico, uma usurpação de faculdades, pois negam a uma legislatura ordinaria o direito de interpretar artigos constitucionaes da carta.
Onde nos levaria, senhores, esta hermeneutica estreita e fanaticamente escrupulosa, se ella podesse vingar! Negada que fosse a validade, a legitimidade, a authenticidade d'esta interpretação a quem se reconhece competencia de interpretar? A legislatura cujos deputados trazem poderes especiaes? Mas quem lhes dá esse poder se não for mencionada expressamente a necessidade d'essa interpretação na lei a que se refere o artigo 142.°, lei que marca os pontos especiaes sobre que ha de recair a revisão, não podendo dar-se ou pedir-se para qualquer outro objecto poderes especiaes?
Demos, porém, que mencionavamos n'esta lei a necessidade da interpretação authentica do artigo 143.°; quem fazia essa interpretação? A camara dos deputados com a dos pares? A camara dos deputados unicamente? Quem decidia o pleito, se era justamente essa a questão, e se os proprios juizes eram os pleiteantes? Seria dar por interpretado, em qualquer dos casos o que estava para interpretar-se.
Se a camara dos deputados entendesse de um modo a disposição do artigo e a camara dos pares de outro modo, que opinião prevalecia? Levantar-se-ia um scisma constitucional de bem difficil resolução.
A lei que é votada na conformidade do que dispõem os artigos 140.°, 141.° e 142.° da carta, já o dissemos, é preparatoria e reguladora da revisão dos artigos da carta e portanto dos poderes especiaes que hão de ser conferidos aos deputados; podem os eleitores sair dos limites e condições d'essa lei? Podem os eleitos deixar de respeitar os limites das suas procurações, conferidas em virtude d'essa mesma lei?
Se fosse licito ultrapassar esses limites seria esta lei que se está discutindo votada pelas côrtes?
Os poderes especiaes dos novos eleitos não são descricionarios, são restrictos; sai d'elles é pôr se em estado de revolta.
Mas será ainda certo que ás côrtes ordinarias não cabe o direito de interpretar a constituição? Que artigo 1h'o prohibe? Diz o artigo 12.° § 6.° que é da attribuição das côrtes fazer leis, interpretal-as, suspendel-as e revogal-as; o artigo 144.° diz-nos que as legislaturas ordinarias só não podem alterar o que é constitucional, logo podem interprelar o que é constitucional. As excepções á lei, diga-se ainda uma vez, expressam-se, não se presumem.- Interpretar é achar o verdadeiro sentido; é elucidar, esclarecer, patentear.
E que se têem interpretado authenticamente disposições da carta e disposições evidentemente constitucionaes é manifesto. E felizmente que se têem feito; aliás nenhuma constituição lograria estar, como a carta, n'este segundo periodo, trinta e dois annos, sem ser reformada.
Antes de mencionar algumas das muitas leis interpretativas da constituição, em que abundam as paginas da legislação portugueza, digamos que no Brazil a legislatura ordinaria que fez a lei de 1832, de que procedeu a reforma, interpretou a constituição sobre este mesmo ponto, e votando, como questão previa, que só a camara dos deputados devia rever a constituição, todos entenderam que era forçoso obedecer á lei preparatoria e á interpretação dos que a votaram.
Pelo que respeita a exemplos da legislação, portugueza, convem lembrar em primeiro logar dois decretos, de que já fallámos, promulgados em dictadura. Una é de 3836, e tem a data de 10 de novembro, declarando elegiveis os ministros que a constituição de, 1822, a proclamada pela revolução, a jurada pelo ministerio, declarava absolutamente inelegiveis; e concluo o decreto: "Fica assim declarado o artigo 34.° § 4.° da constituição. Pois apesar de não ser lei nem decreto das côrtes, apesar de ser um acto violento do poder executivo, o decreto foi respeitado; pelo corpo eleitoral, e os ministros foram eleitos. As côrtes depois confirmaram o decreto, ou a declaração decretada.
Em 1870 e em data de 15 de junho, publicava-se em dictadura um decreto interpretativo do artigo 145.°, o que ha de mais constitucional na carta, o reconhecia-se ò direito de reunião no paragrapho que permittia ou reconhecia o direito de petição. Esta interpretação foi depois authenticada pelas côrtes ordinarias.
A lei de 3 de setembro de 1842, exigindo proposta em lista quintupla para nomeação pelo Rei dos supplentes á presidencia da camara dos senhores deputados, é interpretação authentica, em materia constitucional, do artigo 21.° da carta.
A lei de 13 de julho de 1849, dizendo que regula os artigos 31.° e 33.° da carta, interpreta authenticamente as suas disposições. Veiu depois o acto addicional adoptar os preceitos d'esta lei.
A lei de 11 de fevereiro de 1863, mandando que em sessão publica se de conta do resultado da votação e dos nomes dos pares ou deputados que approvaram ou rejeitaram o tratado, é interpretação authentica do artigo 10.° do acto addicional.
A lei de 3 de maio de 1878, estabelecendo categorias