DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 163
formas á marcha politica do gabinete, e definiremos a nossa posição de hostilidade á actual situação.
O sr. presidente do conselho sabe se eu tenho rasão para fallar, porque elle sabe que é impellido á reforma e não é motor, pois até mesmo já ouvi que a não julgava extremamente indispensavel.
Elle, ao apresentar esta reforma, vem de baraço ao pescoço. É como se traduz o seu desejo que o artigo 74.° § 7.° seja reformado, por que s. exa. tem consciencia alterando este artigo de pedir que os ministros responsaveis não tenham perdão senão por intervenção dos corpos legislativos.
S. exa. vem já penitenciar-se de antemão pela apresentação d'este projecto.
E Deus queira que elle não prepare para si a guilhotina, e repito, Deus o queira, por que aquelles que lhe succedorera já receberão em herança um legado de grandes difficuldades, o tratado do Zaire, como em outra epocha o de Lourenço Marques foi objecto de graves embaraços.
Sr. presidente, nós sabemos e a todos é bem presente o que se passou n'esta camara em 1880.
A assembléa recorda-se, que em consequencia de uma moção politica fundada na exaltação da opinião por causa das medidas de fazenda, moção da indicação do sr. Fontes, o ministerio progressista era deposto por esta camara.
Eu não faço historia retrospectiva com o fim de apreciar ou commentar os factos que então se deram, mas unicamente tenho em vista relembrar um acontecimento historico que está registado nos annaes parlamentares.
E depois o que succedeu?
Aconteceu que por indicação do sr. presidente do conselho se formaram tres situações ministeriaes successivamente, em cada sessão legislativa que se seguiu.
Entrou na primeira um vulto conhecido pelas suas idéas liberaes e esclarecidas, vulto sympathico, cuja memoria todos nós respeitámos, e cuja falta deplorâmos, o sr. Antonio Rodrigues Sampaio, e para a pasta da fazenda era escolhido o sr. Lopo Vaz, que representava as aspirações d'aquelles que tinham desejado que s. exa. fosse aos conselhos da corôa para resolver a questão financeira, e representava tambem a reparação de uma injustiça anterior.
E, sr. presidente, o que vimos nós depois?
Sabia-se mais que o sr. Lopo Vaz tinha grandes planos, grandes ambições para poder realisar as reformas politicas no seu paiz; comtudo o sr. Sampaio, illustre chefe d'aquelle gabinete, declarou em pleno parlamento que o ministerio não pensava em fazer discutir as reformas politicas e tratava só de ver se resolvia a questão de fazenda, que era a mais importante, e que os costumes e não a carta é que careciam de reforma.
E, sr. presidente, n'essa occasião, quando se organisou aquelle primeiro ministerio, todos estarão lembrados que as opposições que combateram o ministerio progressista, presidido pelo sr. Braamcamp, eram formadas pelos elementos regenerador e constituinte, e que portanto se esperava que o ministerio que devia succeder ao progressista fosse organisado com aquelles dois elementos.
Todos sabem, porem, a rasão porque õ partido constituinte não formou então gabinete com o partido regenerarador, porque o partido constituinte queria as reformas politicas, e o sr. Sampaio, não as considerava opportunas, nem necessarias.
As idéas que então vogavam, era que em primeiro logar se devia resolver a questão de fazenda, as questões economicas e coloniaes, porque estas eram as mais urgentes e ninguem desejava nem pedia que se tratassem assumptos politicos, mas sómente d'aquelles que eram de interesse principal e real para o paiz.
Infelizmente, sr. presidente, nós sabemos que por circumstancias alheias á vontade de cada um, esse ministerio desappareceu sem que essas magnas questões fossem resolvidas.
Succedeu-lhe a relha guarda regeneradora, e, dil-o-hei sem querer melindrar as susceptibilidades de ninguem, que todos confiavam e concebiam mais esperanças d'aquelles homens experimentados, do que nos noviços que apenas tinham ganho as suas esporas de oiro nos primeiros recontros.
E mais se fortificava principalmente aquella fé porque o ministro que sobraçava a pasta da fazenda era estadista de grande saber e de muita experiencia em assumptos financeiros, e o ministro da marinha e ultramar, o sr. conselheiro Bocage, tambem pelos seus importantes estudos especiaes sobre ultramar dava garantias de resolver satisfatoriamente a questão colonial.
A fatalidade, porém, persegue os nossos homens publicos.
Assim, pois, sr. presidente, não obstante todas as probabilidades em contrario, a questão de fazenda não se resolveu e a colonial ficou talvez em estado mais desgraçado do que então já se achava.
Ora, não se tendo resolvido nenhuma d'estas importantes questões e estando-se novamente em vesperas da abertura do parlamento e sem ter trabalhos parlamentares de valia, é claro que ou tinha que se demittir o ministerio ou teria de lançar mão de algum meio para distrahir as attenções.
D'aqui a origem- das reformas politicas, d'aqui nasceu o procurarem-se as allianças constituintes, e d'aqui o conseguir-se o deslocar a questão de fazenda e a questão colonial.
N'aquelle ministerio, um homem tinha immortalisado o seu nome pelo grande numero de melhoramentos com que dotára o seu paiz, porém a febre de melhoramentos era tão intensa que taes factos já iam sobreexcitando a attenção publica e levantando-se até duvidas se, não obstante por certo as boas intenções, de um homem tão considerado como era o nobre ministro das obras publicas, as finanças publicas se desequilibrariam muito mais, e as forças do thesouro poderiam arcar com tantos encargos, subindo esta corrente de idéas de tal modo, que por fim s. exa. chegou mesmo a ser alcunhado de perdulario. Organisou-se o novo ministerio e o sr. Fontes, lançando mão do sr. ministro das obras publicas e entregando-lhe a pasta da fazenda, veiu evidenciar estes factos, pois todos presumem que s. exa. lhe disse: "procurae agora, que tendes na vossa mão a direcção das finanças, o meio de occorrer ao pagamento dos onerosos encargos com que acarretastes tantas difficuldades ao thesouro, e pelos quaes tive de luctar até este momento, não tendo forças para mais, e foi pois assim que o sr. ministro das obras publicas se encarregou da questão financeira.
Mais se deu um outro phenomeno que vem corroborar este. O sr. Bocage, que era ministro da marinha e que tinha tenção de fazer alguns melhoramentos tendentes a reformar a administração colonial, e a quem por certo estava tão bem confiada aquella pasta, o que fez? Conhecendo que os redditos da nação se dispendiam todos em emprehendimentos da metropole, e nada sobrava para auxilio das colonias, vendo-se desarmado, passou para a pasta dos negocios estrangeiros entregando a da marinha e ultramar a outro cavalheiro! Sr. presidente, aquelle ministerio era composto de homens de illustração e talento, a quem estavam perfeitamente distribuidas as pastas, e de quem tanto havia a esperar; mas, hoje o que vemos? O actual gabinete tem homens de talento e illustração como tinha o antecedente, como o seu antecessor, mas actualmente estão trocadas as aptidões.
A questão colonial que estava entregue a tão boas mitos, já mudou para outras; a questão de fazenda que estava igualmente tão bem entregue a