168 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Impugnou a necessidade das reformas politicas, não obstante as considerações com que a pretendera justificar o sr. relator da commissão, se bem n'elle folgára de ver a franqueza com que emittira a sua opinião ácerca do modo como a camara dos pares actualmente se achava constituida, por isso que s. exa. se não limitara a emittir a sua propria, senão que ainda a opinião dos governos.
O orador passou em seguida a ler e mandar para a mesa uma moção de ordem.
E, proseguindo, affirmou que desde já e principalmente, levantaria uma questão importante pela sua gravidade, qual a de suspeição contra o governo, que apresentára o projecto d'essas reformas, e contra a camara, que lhe dera a sua approvação.
Quanto ao sr. presidente do conselho, a despeito da sua qualidade de chefe de partido, comtudo não lhe reconhecia competencia para, na actual conjunctura. propor similhantes reformas, nem a teria nunca qualquer outro partido ou homem, que dois annos anteriormente viesse declarar em pleno parlamento que, tendo percorrido o paiz, do norte a sul, jamais lhe pedira alguem reformas politicas. Essa mesma incompetencia devera inhibir a outra camara de prestar agora a sua approvação áquella mesma reforma que antecedentemente rejeitara, quando apresentada pelo sr. Dias Ferreira.
O sr. Presidente: - Peço a v. exa. que não faça allusões ás deliberações tomadas pela camara dos senhores deputados.
O Orador: - Redarguiu que não punha em duvida qualquer direito que assistisse á camara dos senhores deputados nas suas deliberações, mas que tambem s. exa., o sr. presidente, de certo lhe não queria tolher a faculdade de poder alludir a um facto que era já do dominio publico.
E, a um apoiado do sr. visconde de Moreira de Rey, o orador juntou mais que nunca poderia manifestar com inteira liberdade o seu pensamento toda a vez que ali lhe fosse vedado referir-se a actos publicos do publicos poderes, posto que ainda por si tivesse o dessafogo de envergar a penna, e, tão bem como o illustre relator do parecer, defender por escripto as suas opiniões.
O sr. Presidente: - O digno par póde fallar e referir-se á camara dos senhores deputados, sem melindrar aquella casa do parlamento; a intelligencia e delicadeza do digno par, de certo lhe permittirão expender as suas idéas sem melindre para ninguem.
O Orador: - Justificou-se ainda, allegando que fallaria, sem melindrar as susceptibilidades, aliás menos nervosas, da camara dos senhores deputados. E, insistindo no que já dissera, repetiu que não achava multo consentaneo com o espirito da constituição, a circumstancia de uma camara eleita por quatro annos, deixar passar dois, sem admittir á discussão o mesmo em que actualmente consentia, só pelo facto de lho haver apresentado o sr. presidente do conselho, o qual mais desfigurava este caso infando, com a aggravante de haver dito não remota e publicamente, que as reformas politicas não eram uma impreterivel necessidade. N'este ponto confirmou a asserção que attribuia ao sr. presidente do conselho com documentos que leu, e onde ella parecia de manifesto, interrompendo a sua leitura com reflexões ora ironicas ora vehementes, e concluindo por não ser aquella a maneira de conquistar a opinião publica. Sobre isto leu ainda parte de um relatorio, de quando o sobredito sr. presidente, era ministro da fazenda, de onde inferiu que, tendo s. exa. vinculado a sua existencia politica á extincção do déficit, comtudo tão vivo estava s. exa. como o defini subsistia, sendo por estes e outros factos b principal collaborador da moção que mandara para a mesa, o mesmo sr. presidente. Que não obstante os esforços de s. exa. para exterminar esse phantasma horrivel, o deficit, succedia que ultimamente se habituara a viver com elle e com tamanha satisfação, que apenas para entreter os ocios da sua vida ministerial, tomava a iniciativa das reformas politicas. (Riso.) Que, portanto, a este asserto - fica garantida a divida, publica, - com mais verdade se devera substituir est'outro - fica garantido o deficit da divida publica - por ser este justamente o facto de que o têem recapacitado todos os ministros desde a outorga da carta. (Riso)
Mas, como era que urgindo tanto a questão de fazenda, pelos males que resultavam do seu estado lastimoso, a preteriam pela questão das reformas? Poder-lhe-iam responder que uma não tem influencia directa na outra. Tal resposta fôra mal cabida, pois que ambas directamente se influiam. E dizendo-se falto de auctoridade, a fim de o comprovar, recorreu ao relatorio feito ultimamente pelo sr. ministro da fazenda, e leu d'elle o que julgou sufficiente a fundamentar o que avançára, arguindo novamente o sr. presidente do conselho, porque assim como para guiar a tantos no perigoso caminho das reformas politicas lhe sobravam forças, de todo o desampararam ellas para os congregar no justo e utilissimo empenho de reorganisar a fazenda publica.
Reportando-se ao dito do sr. conde do Bomfim, sobre o povo querer pão o vinho, o orador protestou que necessitar de pito já era muito, e a este proposito leu uma nota da importação de cereaes, da qual resultava ter ella avultado á excessiva somma de 1.554:000$000 réis, capitulando por isso de inopportunas as reformas em questão. (Apoiados.)
Depois leu tambem um documento, em que o sr. Lapa indicava aos poderes publicos a necessidade imprescriptivel de se attender em especial á nossa agricultura, cujos adubos igualmente soffriam um deficit, sendo que nós tinhamos um ministerio de obras publicas, commercio e industria, mas nenhum do agricultura. Senão, que lhe dissessem onde estava elle?
Que, pelo exposto, se via, pois, na necessidade de enfadar talvez a camara, e que mesmo da India ou China viera para discutir as reformas politicas, visto como o poderia transportar qualquer paquete directamente á metropole.
O orador dirigiu se então ao sr. Francisco Costa, declarando que fallava perante uma auctoridade, competente, e reiterando que directamente poderá ter vindo do ultramar, se o governo houvesse acceitado uma proposta, que lhe dirigira uma companhia ingleza, sobre totalmente facilitar-lhe as relações entre Macau e a metropole, mediante um subsidio de 27:000$000 réis. E ácerca da vantagem que d'aqui derivara, invocou o testemunho do sr. Queiroz, ex-governador de Macau. Porém, que em vez de tão util subvenção, se acudira com outra de 37:000$000 réis ao theatro de S. Carlos.
De novo o digno par se referiu á questão da agricultura, demonstrando que em todo o paiz havia por desbravar 4:314 hectares, cujo cômputo, em que evidentemente havia lapso, lhe fui logo corrigido por uma voz desconhecida, e assim: 4 milhões de hectares! ao que tambem o orador, accorrendo immediatamente em sua defeza, pediu a quem quer que lhe fizera essa advertencia, o não quizesse equivocar com o sr. ministro da fazenda, o qual, em assumpto de algarismos, confundia sempre a casa dos mil com a dos milhões; sendo, pois, claro que, quando elle proprio dissesse 4 mil hectares, toda a gente devia saber que se referia a 4 milhões. (Riso.)
Que da falta de braços tambem procedia a incultura agricola no nosso paiz; e já um grande pensador e honestissimo caracter, o sr. Oliveira Martins, affirmára com verdade ser o homem a materia prima do trabalho. Mas que os registos officiaes denunciavam uma emigração de 14:000 almas annualmente. Se com estes males se sommassem ainda outros, quaes os provindos da falta de hygiene, dos arrozaes principalmente, a que o digno presidente d'aquella camara quizera obviar com a lei de 1867, redundaria tudo em muitos deficits dignos de tambem serem attendidos pelos poderes publicos. Ainda outros havia no emtanto; e