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N.º 27
SESSÃO DE 12 DE MARÇO DE 1884
Presidencia do exmo. sr. João de Andrade Corvo
Secretarios - os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - Ordem do dia: Discussão do parecer n.º 239. - Usam da palavra os dignos pares conde fio Bomfim, Thomás Ribeiro (relator) e visconde do Chancelleiros, que fica com a palavra reservada para a sessão seguinte. - Os dignos pares Agostinho Ornellas e Telles de Vasconcellos mandam para a mesa pareceres de commissões.
Ás duas horas e um quarto da tarde, estando presentes 27 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Mencionou-se a seguinte
Correspondencia
Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim confirmar a concessão do templo de Santo Agostinho da cidade de Macau, feita á confraria do Senhor Bom Jesus dos Passos da mesma cidade, em portaria do governo provincial do 28 do janeiro de 1863.
Ás commissões de marinha e fazenda.
Outro, auctorisando a camara municipal de Paredes de Coura a aproveitar do fundo especial, de viação um saldo do exercicio de 1882, para Decorrer ás despezas necessarias com a instrucção primaria e outros melhoramentos de reconhecida urgencia do municipio.
As commiisões de administração e obras publicas.
(Estavam presentes os srs. presidente, do conselho e ministro das obras publicas.)
ORDEM DO DIA
Leu-se o parecer n.° 239 que é do teor seguinte:
PARECER R.° 239
Senhores. - A commissão especial nomeada pela camara dos dignos pares para dar parecer sobre o projecto das reformas politicas, vem desempenhar-se "da sua missão.
Com data de 30 de janeiro de 1883, o governo, reconhecendo a necessidade de que se reformassem os artigos 12.°, 17.° e 21.° na parte em que refere á verificação dos poderes dos membros das (luas camaras e ainda os artigos 26.°, 39.°, 54.°, 74.° §§ 1.°, 4.° e 7.º; artigo 75.°, § 14.°; 77.° e 145.9 § 28.° da carta constitucional; e cumprindo o disposto no artigo 140.° da mesma carta, ha na camara dos senhores deputados a respectiva proposta.
Observadas as prescripções do artigo 141.° da lei fundamental e com parecer de uma commissão especial, parecer que tem a data de 14 de junho de 1883, foi apresentado o projecto, com pequenas modificações.
Essas modificações vem compendiadas n'este periodo do relatorio:
"Em resumo, a vossa commissão, de accordo com o governo, tem a honra de propor-vos que seja approvada a proposta de lei eliminando-se do artigo 1.° os artigos 12.° e 54.° da carta constitucional e acrescentando-se ao mesmo artigo. 1.° os artigos 27.° e i40.° da, mencionada carta."
E assim, e com a eliminação do artigo 21.°, de entro os propostos para revisão, foi approvado: porém, a camara dos senhores deputados, de accordo com o governo, introduziu mais uma importante modificação ou addição no projecto, modificação que deve desde já ficar mencionada.
O artigo 2.°, que fôra transcripto da proposta do governo, dizia:
"A camara dos deputados que se seguir immediatamente depois da presente legislatura será eleita com poderes especiaes para a reforma de que trata o artigo antecedente."
Diz agora um § unico ao. artigo 1.° no projecto approvado pelos senhores deputados:
"§ unico. A camara dos deputados que se seguir immediatamente depois da presente legislatura, será eleita com poderes especiaes para a reforma de que trata o artigo antecedente, a qual será decretada pelas côrtes e sanccionada pelo Rei, nos termos ordinarios fixados pela carta para a promulgação das leis."
Taes são as alterações feitas á proposta do governo pela commissão especial e pela camara dos senhores deputados.
Com o projecto approvado vem junto outro projecto da iniciativa do sr. José Luciano de Castro, que a vossa commissão tambem examinou com a attenção devida ás qualidades do illustre estadista, mas sobre o qual não tinha que pronunciar-se.
Quasi sempre, senhores, as sensatas previsões das leis fundamentaes e a sabedoria das suas providencias sobre o modo por que deve proceder-se á respectiva revisão, têem sido illudidas; quasi sempre commoções sociaes mais ou menos violentas têem antecedido os prasos legaes, preterido os methodos legitimos e, forçando as revisões, têem antecipado a reforma, quando não têem chegado a total revogação ou substituição da lei fundamental.
E porque tambem as leis fundamentaes das modernas monarchias nasceram, na sua quasi totalidade, das revoluções.
Assim, não póde causar espanto á critica sensata que, após periodos revoltos, a agitação se desvie, se prolongue, ou se reproduza.
Onde se termina a lucta, onde ha vencidos e vencedores, ficam germens de futuros conflictos, que, só uma demorada paz logra destruir.
A omnipotencia da força aniquila de momento os meios de acção, mas revigora as convicções, glorifica as aspirações e estimula os resentimentos.
Os legisladores de constituições, nascidos quasi sempre da revolução, duas cousas principaes têem pretendido: estatuir o principio inicial que os elegeu e inspirou, e pôr termo, com preceitos cordatos e previdentes, ao estado anormal da sociedade. Isto explica porque a maior parte das constituições, quasi todas, marcam um periodo de experiencia para as suas disposições e fazem depender de uma execução diuturna os fundamentos da sua revisão. Isto explica tambem porque n'aquellas onde se não estatuo este periodo experimental se cuida, pelo maior numero do votos exigidos, pelas successivas votações declarando a necessidade da revisão, pelo reforçamento ou acrescentamento do corpo
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legislativo, pelas diversas instancias a que tem de recorrer-se, de assegurar um julgamento reflectido e prudente ás reformas pretendidas.
Ou a esclarecida critica dos factos, ou a sensatez da judicatura.
De muito é reconhecido que os costumes, as tradições, a indole, as necessidades e os interesses peculiares de cada povo são os melhores mestres do seu direito publico. Os povos, porque são grandes, movem-se circumspectamente no seu estado normal, e quando se lhes imprime um movimento precipitado, ou se despenham, ou voltam atraz, como se quizessem ver detidamente o caminho que, desattentos, percorreram, ficando para muitos, por largo tempo, o receio do declive.
Os partidos liberaes vão já comprimindo as suas impaciencias e tomando lição de um facto que nunca se desmente.
E não é só desde as modernas datas liberaes que este facto se manifesta. Precipitar ou exagerar uma medida politica, por exultante que seja, é arriscar-se a perdel-a, ou, quando menos, a prejudical-a.
Antes da revolução franceza, muitos imperantes e réis quizeram raalisar reformas liberaes, algumas das quaes foram malogradas pela opposição tenaz dos povos a quem favoreciam. Era a inopportunidade do intento. Ao fructo da cogitação dos governos faltava a maturação, que só lhe dá a consciencia dos povos.
Ser liberal especulativo é ser vidente, percursor, iniciador, apostolo; ser liberal pratico é ser firme na convicção, insistente no proposito e no trabalho, prudente na decretação. Arriscar á perda ou a largos adiamentos um beneficio social é sacrificar proveito e honra. As nações castigam quasi sempre essa philanthropia como se fosse uma vaidade.
Uma phrase, já hoje popular, explica este conceito: - o optimo é inimigo do bom.
Ha cincoenta e oito annos que o legitimo herdeiro da corôa de Portugal, e já Rei pelo fallecimento de seu pae, reconhecia á nação o direito de ser livre e outorgava a carta constitucional, que tem a data de 29 de abril de 1826. Descontando o tempo que decorre de 1828 a 1834, seis annos, no começo dos quaes umas chamadas côrtes dos tres estados outorgaram ao regente o titulo de Rei, com poder absoluto, e descontando igualmente o periodo de quasi seis annos que decorre de 10 de setembro de 1836 até 10 de fevereiro de 1842, periodo em que se votou e em que vigorou a constituição de 1838, ficam quarenta e seis annos de experiencia para a carta que marcara de quatro annos apenas o seu periodo experimental.
Durante os cincoenta e oito annos que desde a sua data vão decorridos, é certo que varia tem sido a sua fortuna, ora servindo de pretexto a movimentos revolucionarios, ora fornecendo thema a propostas de revisão mais ou menos intensas e extensas.
Em todos os partidos fundamentaes ha divergencias que, se deixam de manifestar-se quando esses partidos são apenas espectantes, é difficil encobrir quando entram em acção e impossivel quando são dominadores. O dia da victoria precede apenas, se precede, o das dissidencias; e d'ahi a providencial formação dos partidos dentro do grande partido.
A outorga da carta fôra precedida de uma victoriosa e generosa tentativa liberal e patriotica, preparada e levada a effeito com as bençãos da nação e a esperança de quantos faziam votos pela regeneração de Portugal. A revolução do Porto, de 24 de agosto de 1820, unica talvez que tenha sido em todo o seu decurso immaculada e incruenta, apoiada em Lisboa pelo movimento de 15 de setembro seguinte, pediu á nação os seus representantes com poderes especiaes e fez a constituição que tem a data de 23 de setembro de 1822. A nação chama-lhe sempre - a constituição de 20, - porventura para nobilital-a com a tradi-[...]da sua origem.
Esta constituição teve os defeitos proprios da primeira tentativa de uma inexperiencia, aliás generosa, illustrada e patriotica; teve tambem os da ausencia do Rei que desde 1808 residia no Brazil e d'ali delegava jurisdicções incompletas, dava instrucções tardias aos governadores do reino, ou cumulava de poderes quem, pela sua origem, vexava e estimulava os brios de Portugal. Os regeneradores de 20 nem todos eram tão liberaes, ou tão radicaes, como foi a maioria do congresso constituinte; patriotas, eram todos, até uma certa epocha, pelo menos.
Diga-se, por incidente, que nunca em Portugal, em periodo libera], os collegios eleitoraes concederam amplissimos poderes aos seus representantes, pois estes mesmos, conferidos em 1820, e que foram os mais, latitudinarios, eram restrictos. A monarchia, a dynastia e a religião não foram postas em discussão. As proclamações da revolução não esqueceram, nenhuma d'ellas, este lemma, em volta do qual se reunia toda a nação:
"É em nome e conservado o nosso augusto soberano o senhor D. João VI que ha de governar-se. A nossa santa religião será guardada."
Nos poderes conferidos aos deputados lia-se: "... poderes amplos para... procederem á organisação da constituição politica da monarchia portugueza mantida a religião catholica apostolica romana e a dynastia dá serenissima casa de Bragança".
Eram as tradições, os desejos, os interesses, as necessidades da nação que assim se respeitavam.
O congresso, camara unica dos eleitos da nação, conferiu-se os titulos de - augusto e soberano -. D'esses titulos com que antes só se decoravam os monarchas, é possivel que proviessem tambem alguns defeitos da sua obra aliás a muitos respeitos sabia e notavel.
É certo que a constituição fraccionando o partido que lhe deu o ser, fanatisou, como radicalmente liberaes, quasi todos os que lhe ficaram adeptos, e tambem como reaccionarios muitos dos seus dissidentes. D'ahi, dos primeiros, advieram as primeiras rivalidades que encontrou no partido liberal a carta de 1826, constituição outorgada sem revoluções, sem pressões, sem exigencias; que se algumas se manifestaram foi contra a sua outorga, por parte de muitas influencias nacionaes e de quasi todas as côrtes estrangeiras.
Mas não foram as rivalidades liberaes o mais temivel adversario da carta; os inimigos implacaveis da liberdade vencidos em 1820, vencedores em 1823, surprehendidos em 1826, quando a santa alliança parecia assegurar-lhes quieta dominação em toda a Europa, vingaram-se em 1828 e retomaram o mando absoluto, que sustentaram em lucta aberta até 1834.
Prostrados estes, entraram na arena, armadas, as dissidencias do partido liberal, iniciadas já na emigração mas contidas nos acampamentos. A constituição de 1822 vinha defrontar-se com a carta e servir de bandeira a um dos partidos.
Victoriosa a revolução de 10 de setembro de 1836, proclamava e decretava n'esse mesmo dia a constituição de 1822, com as alterações que se lhe fizessem.
Determinou-se em dictadura o delineamento da nova lei fundamental da monarchia, revendo-se, derogando-se ou alterando-se quaesquer artigos da constituição de 1822. (Thoma unico para a revisão). Isto se decretava em 8 do mez de outubro.
Mas como o scisma liberal se ateasse e a prudencia aconselhasse, ao governo, já então, accordos e transacções, que agrupassem o maior numero de vontades em volta da revolução e do congresso, um novo decreto era publicado com data de 6 de novembro e n'elle se liam os seguintes periodos:
"Tendo eu por decreto de 8 de outubro... convocado as côrtes geraes extraordinarias e constituintes... e sendo o mais ardente desejo de meu real coração ver em volta
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do meu throno constitucional retinidos os portuguezEs que professem o amor da liberdade legal e que sustentem ao mesmo tempo as prerogativas da minha corôa constitucional em harmonia com os principios adoptados nas outras, monarckias constitucionais da Europa;
"Considerando que todos elles ainda que discordes quanto aos meios, etc.;
"Hei por bem decretar o seguinte:
"... que os eleitores... outorguem, outrosim, poderes especiaes para fazerem na constituição de 1822 e na carta constitucional de 1826 as alterações necessarias a fim de se estabelecer uma lei fundamental que assegure a liberdade legal da monarchia, as prerogativas do throno constitucional e que esteja em harmonia com as monarchias constitucionaes da Europa."
O projecto de onde saiu a constituição de 1838, dando ao poder legislativo duas camaras, uma das quaes vitalicia, do nomeação regia, sem numero fixo, declarando o Rei e as côrtes representantes da nação, concedendo ao chefe do poder executivo a livre sancção das leis, mesmo a que approva e declara a necessidade da revisão da constituição, não repudiava muitos dos principios essenciaes da carta.
O congresso desviou-se do projecto e até dos desejos do governo manifestados no decreto de 6 de novembro de 1836.
Malogrado por isso o accordo, surgiram as desintelligencias e logo em 1842, a 10 de fevereiro, a carta constitucional prevalecia sobre a constituição de 1838. Annunciou-se a reforma da carta, mandando-se reunir côrtes com poderes especiaes. Depois adiou-se a reunião das côrtes por decreto de 5 de março: posteriormente ainda de facto se retiraram das procurações dos deputados os poderes especiaes para a revisão.
Novo movimento revolucionario em 1846 e nova promessa de revisão no decreto do 27 de julho, contrariada pelo movimento de 6 de outubro.
Seguiu-se a revolução d" 1851 e a 25 de maio decretava-se a necessidade da reformação da carta. D'esta novissima tentativa resultou emfim o acto addicional que tem a data de 5 de julho de 1802.
Até aqui as occorrencias revolucionarias e as irregulares tentativas que levaram ao decretamento dictatorial da necessidade de revisão da carta, desattendidos os seus preceitos constitucionaes e regulamentares.
Mencionemos agora doze projectos de lei para revisão de artigos da lei fundamental, sendo um em 1845, dois em 1848, um em 1854, um em 1871, tres em 1872, um em 1881 e outro em 1882.
Em 1883 foi presente á camara dos senhores deputados este de que nos occupâmos, e o projecto do sr. José Luciano, a que já alludimos; quatorze ao todo, se contarmos os que era 1836 e 1852 chegaram a ser realisados em lei.
É a primeira vez, no decurso de cincoenta o oito annos, que as disposições dos artigos 140.°, 141.° e. 142.° podem ser respeitadas. Trinta e dois annos de paz, depois da revisão de 1852, o accordo dos partidos monarchicos, que em 1872 não foi possivel conseguir, e as declarações, por parte do partido progressista, no seio da commissão, nos mesmos termos em que se fizeram na camara dos senhores deputados, são favoraveis circumstancias para o emprehendimento da revisão e presagio feliz para a sua realisação.
Os projectos de lei que ficam mencionados são de todos os partidos; a sua convicção sobre a necessidade da reforma está pois, ipso facto, demonstrada.
É uma unanimidade que deve registar-se.
A carta teve a primeira revisão depois de vinte e seis annos contados da sua outorga; não mencionamos como revisão, nem podemos, a constituição de 1838; são passados trinta e dois depois d'essa revisão, e estes trinta e dois annos, de experiencia ininterrompida e pacifica; é justo, é conveniente que attentemos n'ella, confrontando-a com o projecto que se nos apresenta com a votação da camara dos senhores deputados e com as constituições das outras nações monarchicas.
Que intenta o projecto, e qual é, a respeito de cada antigo que se pretende reformar, a opinião e a intenção do governo?
A modificação dos artigos:
14.° Com o fim de se estatuir expressamente a prohibição de mandato imperativo e para se declarar que os deputados e os pares são representantes de toda a nação qualquer que seja a origem da sua investidura.
É reduzir a lei um principio de direito publico, geralmente acceito, principio que se encontra no artigo 94.° da constituição de 1822, em muitas constituições das actuaes monarchias constitucionaes e até das antigas constituições francezas. Comquanto á commissão pareça que mais póde corrigir a deficiencia do artigo, (se deficiencia ha, porque elle se completa pela disposição do artigo 12.°), uma reforma eleitoral, libertando os eleitos da estreiteza exigente dos circulos uninominaes, não julga inutil a proposta, visto que reconhece o principio.
No artigo 17.° pretende-se que a legislatura ordinaria dure tres annos em vez de quatro.
É justo ir de accordo com o espirito da epocha manifestado em muitas constituições modernas; e como a camara dos deputados deve traduzir as variações da opinião, no conceito dos publicistas, justo é indagar com a devida frequencia essas variações.
26.º e 27.° Estes artigos da carta estatuem o modo por que devam ser garantidas as funcções politicas dos pares e deputados; é o principio moderador attribuido por Almeida Garrett a cada um dos poderes politicos para manutenção do respeito proprio.
O que na modificação se pretende é que se redijam de modo estas disposições que nem falte garantia de inviolabilidade aos membros dos corpos legislativos, nem essa garantia se transforme por qualquer modo em privilegio de impunidade. É de justiça.
28.° Parece tambem justa á commissão a reforma d'este artigo, cuja disposição assenta n'uma desconfiança iniqua e imprudente.
Perder um deputado o seu logar só porque o Rei o nomeia ministro não tem facil justificação, e se confrontarmos este procedimento com a permanencia do par na sua camara, é odiosa a excepção.
A confiança do Rei recaindo em eleitos do povo, n'um systema politico em que o Rei e a nação estão intimamente ligados, honra o eleito e o eleitor.
Ainda mesmo que o artigo não fosse reformado n'este sentido, era essencial entregal-o á revisão para a harmonisar com outros textos da carta, visto que se intenta reformar a camara dos pares entrando n'ella membros electivos, que podem tambem ser chamados ao ministerio, e aos quaes deve estender-se o principio que se adoptar.
75.°, § 14.° - A intenção da proposta é assegurar as prerogativas da corôa portugueza, tornando obrigatorio o benaplacito expresso para serem reconhecidos pelo poder executivo os decretos dos concilios, letras apostolicas e quaesquer outras constituições ecclesiasticas na fórma do citado artigo. Tambem á commissão parece conveniente assegurar, dentro de limites legaes, as prerogativas da corôa e resguardal-as contra invasões estranhas.
Na revisão do artigo 77.° pretende-se deixar ao Rei a faculdade de sair do reino sem licença das côrtes.
O artigo 125.° II da constituição de 1822, declarando, que o Rei não podia sem licença das côrtes sair do reino de Portugal e Algarves, diz na propria redacção o motivo da sua disposição: - a longa permanencia do Rei no Brazil.
A carta reconheceu e respeitou a justa susceptibilidade da nação, susceptibilidade ou desconfiança que já hoje não tem rasão de ser.
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No artigo 140.° pretende-se regular melhor o periodo experimenial dos artigos constitucionaes da carta; querem-se os mesmos quatro annos, mas que sejam bem mantidos, de reforma a reforma, como praso minimo, o que agora não é bem claro na carta. Explicar é aperfeiçoar, quando realmente ha duvidas.
Tambem no artigo 145.° § 28.° se pretende incluir o direito de reunião, visto como no titulo respectivo se trata das garantias dos direitos civis e politicos dos cidadãos portugueses.
Este direito que a constituição de 1822 não estatuiu expressamente, pois que os seus artigos 16.° e 17.° foram fielmente transcriptos no § 28.° do artigo 145.° da carta, foi reconhecido no artigo 14.° § 1.° da constituição de 1888. Sob o regimen da carta já o decreto dictatorial da 15 de junho de 1870 o reconheceu, fundando-se em que no direito de petição ou representação está implicitamente incluido o de reunião.
A este decreto deram força de Não parece, á commissão que haja duvida que prevaleça contra a sua inserção na carta. Resta fallar da materia dos artigos 39.° e 74.° §§ 1.ç, 4.° e 7.°, propostos para reforma; parte principal do projecto e que podia ser unica, visto que as outras mencionadas, com serem importantes, não poderiam, nem individualisadas nem reunidas, justificar uma revisão. Chamando aristocratica á camara dos dignos pares tem-se-lhe por vezes querido fazer d'isso motivo de accusação. Não é este, de certo, o pensamento do projecto, que, na reforma d'estes artigos da carta, o que principalmente pretende é poupar suspeitas a prerogativas do poder moderador; comtudo ainda frequentemente aquella insinuação se reproduz, com intenção pouco benevola, nada justa quanto ao passado, inexacta quanto ao presente. Portugal herdou da antiga Lusitania reliquias de todos os diversissimos povos que a dominaram e que sobre ella se, despenharam de toda a parte d'onde lhe ficavam terras, ou mares estreitos e accessiveis. O norte, o nascente e o meio dia lançaram aqui as suas hostes e com ellas os seus preconceitos, o seu genio, a sua indole individual e social, o seu espirito aventureiro ou sedentario, instituições, costumes e monumentos. Aqui luctaram e aqui permaneceram. Os povos que têem a desdita de ser invadidos e, mais ainda, aquelles de cujo para se faz arena de embates e combates, têem uma compensação providencial:! aprendem muito e depressa na experiencia das proprias e das alheias desgraças. Referindo-se ás palavras do conde de Moltke, em apoio da guerra, dizia um publicista estrangeiro: "Não é tão absurdo como julgam o pensamento do illustre general; a guerra é como as grandes descargas electricas, destroem as sementeiras mas melhoram o solo; o fogo abraza mas tem luz". Portugal, herdando nas suas tradições uma tão vasta lição de factos, de pessoas, do nações, de direito, de legislação, de artes e de politica, não era, ao constituir-se reino independente, um povo barbaro. Os primeiros monarchas, se não foram escolhidos, foram reconhecidos G acceitos livremente pela nação, o que prova o seu espirito independente e liberal; os mestres dos principes eram já distinctos em merito e classe. Se as primeiras côrtes apontadas pela historia não existiram, como é licito conceder depois que um grande historiador o affirmou, ainda assim o seu texto apocripho não é filho da phantasia, é o transumpto fiel das tradições. E depois tivemos sempre côrtes; mesmo para o mal as tivemos, infelizmente. Seriam sombra apenas os seus poderes, mais a sombra denuncia o corpo e, sombra mesmo, protege. O povo, o terceiro braço do estado, fez sempre, e realmente, parte dos seus poderes politicos, agremiado em classes, com os seus estatutos e insignias, disposto em associações de artes e officios, era respeitado, influente e respeitavel. O juiz do povo e o seu escrivão em todos os movimentos politicos são vistos da logar preeminente; encontraram-se ainda na revolução de 1820. Os municipios ou municipalidades eram instituições populares tradicionaes; mas ahi já por vezes tomava parte a aristocracia. Apesar da sua indole accentuadamente popular eram já terreno neutro onde os dois braços do estado se encontravam e fraternisavam. Com o espirito liberal herdou tambem Portugal o espirito aristocratico; esse era apanogio de todas as nações e é ainda o estimulo de muitas aptidões. A nobreza, como recompensa e reconhecimento de serviços relevantes, era sempre uma instituição politica. Mas não só confunda nunca a nobreza de Portugal com a de muitas outras nações da Europa. Não que fossem menos nobres, mas eram menos privilegiados. Os grandes privilegios de dominio e predominio de jurisdicções especiaes, de ostentosas aposentadorias, de preitos e vassallagem quasi reaes, não os houve entre nós. Algumas doações regias, alguns direitos de padroado, alguns privilegios fundados em utilidade publica, e ainda alguns officios transmissiveis; e já nem isto era só da nobreza. O mesmo direito de constituir vinculos não era d'ella exclusivo. Nobreza houve sempre. Quando em Franca se proclamava a igualdade, e com ella os direitos do homem e do cidadão, reconhecia-se na utilidade commum direito a distincções sociaes. A constituição de Cadiz, no seu artigo 171.º, reconhecia ao Rei a prerogativa de conceder honras e distincções de toda a classe, segundo as leis. A constituição de 1822. no seu artigo 123.° X, attribuia ao Rei conceder titulos, honras e distincções, e a constituição de 1838 diz muito expressamente no titulo que se inscreve dos direitos e garantias dos portugueses: Artigo 28.° A constituição tambem garante: IV. A nobreza hereditaria e suas regalias puramente honoriticas. A carta, no § 11.° do artigo 75.°, reproduziu a disposição da constituição de 22,. e no §31.° do artigo 145.°, garantiu a nobreza hereditaria e suas regalias. A aristocracia portuguesa formava nas antigas côrtes sempre um ramo especial dos tres braços do estado, ai historia das nossas navegações, descobertas e conquistas, com ella se enlaça: cura ella e com a monarchia, que punha ao serviço das grandes idéas e dos ousados emprehendimentos o seu poder, que era muito, as suas recompensas, que eram alguma cousa, e os seus principes, que eram verdadeiramente principaes. E o resto da nação onde estava? Misturada com os nobres e proxima dos Reis, a quem livre e dignamente aconselhava, e advertia. Na Lusitania era essencial o encontro e a promiscuidade de individuos e de ciasses, e nós somos lusitanos. Sempre foi assim o nosso povo, a nossa nobreza, a nossa monarchia; e não era tão infeliz ou anomalo este estado social, comparado, das epochas que atravessava, com o estado dos outros povos, que, sendo Portugal um paiz pequeno, não representasse um papel digno do maior povo do inundo. A nobreza á frente dos exercitos e das armadas, era uma auctoridade feita e reconhecida, inquestionavel, a quem ninguem se declignava do obedecer. Não é proclamar as doutrinas de H. Taine, aliás dignas de attenção; é expor um facto. Ainda uma referencia a respeito da nobreza de Portugal. Nas lactas liberaes, se muitos nobres defenderam, no absolutismo, os seus privilegios, os seus apanagios, as suas doações regias, muitos foram proclamar a liberdade, é com ella a perda irreparavel das suas preeminencias, de que se despojavam, ás vezes com a propria vida, nos campos da batalha. Os privilegiados de 1789 era França, que pertenciam ao
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corpo legislativo, foram ao seio da constituinte, n'um momento de exaltação patriotica e liberal, despojar-se dos seus privilegios; pois, este acto de abnegação, que tão exaltado tem sido nas paginas da historia liberal, aqui se realisou, se tem realisado, lentamente, progressivamente, sem applauso de chronistas nem ostentação de virtude. Os sacrificios que lá dictou uma nobre paixão dicta os aqui a rasão fria e serena que sabe que não ha sacrificio onde se cumpre o dever, e que mais deve á nação quem mais d'ella tem recebido.
Os serviços prestados á liberdade pela nobreza de Portugal nos campos de batalha, continuaram-se aqui, nesta camara; e o que se vae passar na votação d'este projecto acredita a commissão, que não desmentirá as suas antigas tradições.
Podiamos inserir n'este parecer as propostas liberaes do iniciativa dos pares, podia-se referir o que se tem passado em muitas discussões e as emendas em sentido liberal com que tem modificado muitos dos projectos vindos da camara dos senhores deputados; mas não cabe á commissão fazer o elogio da camara a que pertence, camara que nem mesmo aristocratica hoje só póde chamar.
As successivas nomeações têem-se inspirado no espirito das epochas que vão passando. Póde a malevolencia insinuar suspeitas sobre a prerogativa regia, menos quanto a preoccupar-se, para as nomeações de pares, com distincções do nascimento.
Que se pretende, pois, reformar na camara? A parte do artigo que se refere a hereditariedade e a que concede ao Rei a faculdade de nomear pares sem numero fixo. Feitas estas limitações pretende-se introduzir na camara o elemento electivo.
Não basta, diz o relatorio que precede a proposta do governo, não basta porém supprimir a hereditariedade, e expungir o preceito que torna illimitado o numero dos pares, é necessario editar o principio electivo á prerogativa real, dar ao suffragio popular um quinhão do que até agora pertencia integralmente ao monarcha.
Ligar em intimo consorcio o elemento real e o elemento popular fazendo-os cooperar em rasoavel proporção na organisação da camara alta} constitue por si só uma reforma de tal magnitude, que seria mais do que sufficiente para justificar a convocação dos collegios eleitoraes no exercido ao seu poder constituinte. A eleição renovará periodicamente a camara dós pares, introduzindo-lhe um elemento novo oriundo do suffragio; saído do seio do povo, sentindo o que elle sente., pensando o que elle pensa, interpretando as suas justas aspirações, defendendo os seus legitimos interesses.
Ao lado dos escolhidos pelo Rei terão assento igual os eleitos da nação. Aos governos nascentes será a urna e, não a nomeação real quem indicará se têem ou não o apoio do paiz. A prerogativa monarchica, alliviada do pesado encargo de dar maioria aos governos, ficará mais robusta e terá mais auctoridade no exercido das suas elevadas attribuições. A camara dos pares receberá no seu seio pela renovação periodica, consequencia necessaria da eleição, um elemento dynamico, em cuja mobilidade se traduzirão certamente as variações da opinião publica.
Ahi fica bem claramente expresso o pensamento politico do governo; e bastava a consideração de alliviar o poder moderador do indefinido de uma prerogativa que só póde cercal-o de desconfianças e de ciumes, sem que se possa provar nem presumir que esse indefinido e necessario á marcha regular dos poderes politicos, para dever esta camara adoptar a proposta.
Não é justo nem prudente desarmar o poder interventor, o que tem de equilibrar os outros poderes do estado, porém outros meios lhe restam mais proficuos e menos perigosos.
Isto pelo lado da conveniencia. Tambem pelo lado dos principios não pareço justo que na lei, e numa lei fundamental, se deixo a um arbitrio, embora esclarecido, irregulamentado, a escolha e o numero de legisladores de uma das camaras.
A lei de 3 de maio de 1878, prevendo os perigos da facilidade, a quiz já regular, estabelecendo as categorias dentro das quaes devia recair a escolha e prescrevendo serias exigencias á hereditariedade. Modificar de outro modo a prerogativa constitucional não o podia fazer uma lei ordinaria. Essa lei, se os partidos lograssem haver respeitado o pensamento que a dictou, podia não ter sido, como é, o prólogo d'esta reforma.
Tambem não repugna á commissão, antes lhe parece conveniente ensaiar a introducção do elemento electivo e amovivel na camara. Outras nações o ensaiaram e ensaiam; a França, a Hespanha, e até a propria Inglaterra tem nos seus senados e camara alta membros electivos funccionando com os inamoviveis. E justo que n'uma e n'outra camara os partidos recebam do suffragio a medida da sua força.
Restava saber qual era o desejo do governo na reformação proposta; não o seu pensamento fundamental; esse estava manifestado; mas os pormenores da reforma. Sabia-se já que pretendia introduzir na camara o elemento electivo em numero determinado, funccionando com pares vitalicios de nomeação regia, e em numero fixo tambem.
Qual porém seria, respectivamente, o numero de uns e de outros? Qual o systema de eleição; a duração de mandato; se durante a transição ficava suspensa a prerogativa regia.
A commissão sabia que o governo não podia responder por actos do poder legislativo, mas podia responder pelas idéas fundamentaes da sua iniciativa e ligar a ellas a sua existencia ministerial. O governo achou justo que a camara dos pares antes de dar o seu voto na questão que vae ser submettida ao seu exame soubesse o que tinha a esperar da sua proposta futura, e não teve duvida em declarar que indicará e sustentará que seja electiva uma terça parte da camara dos pares; cincoenta, por exemplo, sendo de cento e cincoenta o numero total, como lhe parece mais conveniente; que n'este numero se não contém os pares por direito proprio, principes, arcebispos e bispos; que os pares de nomeação regia sejam vitalicios, e temporarios os electivos, durando sempre mais que as dos deputados as suas funcções legislativas, mas podendo ser dissolvidos quando assim o pedir o bem do estado; que a sua eleição seja feita pelo methodo indirecto assentando sobre categorias previamente fixadas e que devem ser approximadamente as da lei de 1878; que os pares actuaes sejam, conservados, embora ultrapassem a numero que se fixar.
Emquanto á prerogativa regia, que não devia ficar suspensa, durante o periodo da transição, mas modificada; preenchendo uma vaga por cada tres que se dessem.
Taes foram as explicações do governo.
Resta fallar das disposições contidas no § unico do artigo 1.° do projecto.
Levantaram-se na discussão duvidas sobre a intelligencia que devia dar-se ao artigo 143.° da carta.
Confrontando a sua redacção com a do artigo 142. °, quis alguem deduzir que, para effectuar a reforma, cuja necessidade a carta manda reconhecer n'uma lei ordinaria votada por ambas as camaras e sanccionada pelo Rei, era só competente a camara electiva, até sem necessidade de sancção do Rei, visto que o artigo 143.°, logo após as cautelas do artigo 142.° para a lei preparatoria da reforma, diz apenas: Na seguinte legislatura e na primeira sessão será a materia proposta e discutida, E o QUE SE VENCER prevalecerá para a mudança ou addição á lei fundamental, e, juntando-se á constituição, será solemnemente promulgada. As duvidas resultam de n'este artigo se não fallar em camara, de pares, e mencionando-se a promulgação se não tornar obrigatoria a sancção,
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Estas duvidas eram reforçadas pelas disposições da constituição de Cadiz de 1812, pelas das constituições portuguezas de 1822 e 1838, e pelo exemplo do Brazil, quando em 1832 mandava rever a sua constituição.
Estes exemplos eram ainda apoiados pelo principio de que só quem tenha poderes especiaes póde interpretar artigos constitucionaes.
Se para destruir esta argumentação não basta ponderar que, no systema da carta, negar ao Rei e á camara dos pares direito de intervir nas revisões da constituição é negar os principios fundamentaes da propria constituição, é fazer um poder legislativo inteiramente novo e anomalo, é destruir a harmonia dos poderes, é negar a legislação, o direito publico e a pratica de todas as monarchias liberaes, se não basta mostrar que o artigo 143.° de nenhum modo na sua interpretação litteral póde negar a um dos corpos legisladores a sua intervenção, na revisão da lei das leis, n'um regimen constitucional; que as palavras na seguinte legislatura e na primeira sessão não podem referir-se a uma só das camaras; que é essencial approximar as disposições do artigo 143.° das do artigo 12.°, que diz que o Rei e as côrtes geraes são os representantes da nação; das do artigo 13.,°, que diz a quem compete o poder legislativo; das do artigo 14.°, que diz de quantas camaras se compõem as côrtes; das do artigo 17.°, que marca os periodos de cada legislatura e de cada sessão animal; é das dos artigos 43.º e 44.°, que determinam que as sessões das duas camaras comecem e acabem simultaneamente; se não basta ponderar que as excepções na lei só expressas se podem reconhecer e nunca podem subentender-se, e que a constituição de Cadiz, a de 1822 e a de 1838 eram expressas quanto a prescindir da sancção do Rei, assim como a segunda era expressa em reconhecer competencia ao senado; se não basta mostrar que o exemplo do Brazil não faz auctoridade, não só pelo estado de perturbação do imperio, que tinha em revolta aberta algumas das suas maiores provincias, mas porque sendo o senado vitalicio e electivo não tinha quem por parte de um dos seus committentes lhe outorgasse poderes especiaes; entendeu bem na sua alta sabedoria a camara dos senhores deputados que, para evitar questões que podiam reproduzir-se no futuro, convinha fazer a interpretação authentica da lei; e d'ahi nasceu a disposição do § unico ao artigo 1.° do projecto.
Porém d'ahi tambem novas objecções se levantam. Os partidarios da reforma por uma só camara, ou antes os que desejando que na reforma cooperem a camara dos pares e o Rei, julgam comtudo ver disposição contraria e clara na Letra do artigo 143.°, accusam, no § unico, uma usurpação de faculdades, pois negam a uma legislatura ordinaria o direito de interpretar artigos constitucionaes da carta.
Onde nos levaria, senhores, esta hermeneutica estreita e fanaticamente escrupulosa, se ella podesse vingar! Negada que fosse a validade, a legitimidade, a authenticidade d'esta interpretação a quem se reconhece competencia de interpretar? A legislatura cujos deputados trazem poderes especiaes? Mas quem lhes dá esse poder se não for mencionada expressamente a necessidade d'essa interpretação na lei a que se refere o artigo 142.°, lei que marca os pontos especiaes sobre que ha de recair a revisão, não podendo dar-se ou pedir-se para qualquer outro objecto poderes especiaes?
Demos, porém, que mencionavamos n'esta lei a necessidade da interpretação authentica do artigo 143.°; quem fazia essa interpretação? A camara dos deputados com a dos pares? A camara dos deputados unicamente? Quem decidia o pleito, se era justamente essa a questão, e se os proprios juizes eram os pleiteantes? Seria dar por interpretado, em qualquer dos casos o que estava para interpretar-se.
Se a camara dos deputados entendesse de um modo a disposição do artigo e a camara dos pares de outro modo, que opinião prevalecia? Levantar-se-ia um scisma constitucional de bem difficil resolução.
A lei que é votada na conformidade do que dispõem os artigos 140.°, 141.° e 142.° da carta, já o dissemos, é preparatoria e reguladora da revisão dos artigos da carta e portanto dos poderes especiaes que hão de ser conferidos aos deputados; podem os eleitores sair dos limites e condições d'essa lei? Podem os eleitos deixar de respeitar os limites das suas procurações, conferidas em virtude d'essa mesma lei?
Se fosse licito ultrapassar esses limites seria esta lei que se está discutindo votada pelas côrtes?
Os poderes especiaes dos novos eleitos não são descricionarios, são restrictos; sai d'elles é pôr se em estado de revolta.
Mas será ainda certo que ás côrtes ordinarias não cabe o direito de interpretar a constituição? Que artigo 1h'o prohibe? Diz o artigo 12.° § 6.° que é da attribuição das côrtes fazer leis, interpretal-as, suspendel-as e revogal-as; o artigo 144.° diz-nos que as legislaturas ordinarias só não podem alterar o que é constitucional, logo podem interprelar o que é constitucional. As excepções á lei, diga-se ainda uma vez, expressam-se, não se presumem.- Interpretar é achar o verdadeiro sentido; é elucidar, esclarecer, patentear.
E que se têem interpretado authenticamente disposições da carta e disposições evidentemente constitucionaes é manifesto. E felizmente que se têem feito; aliás nenhuma constituição lograria estar, como a carta, n'este segundo periodo, trinta e dois annos, sem ser reformada.
Antes de mencionar algumas das muitas leis interpretativas da constituição, em que abundam as paginas da legislação portugueza, digamos que no Brazil a legislatura ordinaria que fez a lei de 1832, de que procedeu a reforma, interpretou a constituição sobre este mesmo ponto, e votando, como questão previa, que só a camara dos deputados devia rever a constituição, todos entenderam que era forçoso obedecer á lei preparatoria e á interpretação dos que a votaram.
Pelo que respeita a exemplos da legislação, portugueza, convem lembrar em primeiro logar dois decretos, de que já fallámos, promulgados em dictadura. Una é de 3836, e tem a data de 10 de novembro, declarando elegiveis os ministros que a constituição de, 1822, a proclamada pela revolução, a jurada pelo ministerio, declarava absolutamente inelegiveis; e concluo o decreto: "Fica assim declarado o artigo 34.° § 4.° da constituição. Pois apesar de não ser lei nem decreto das côrtes, apesar de ser um acto violento do poder executivo, o decreto foi respeitado; pelo corpo eleitoral, e os ministros foram eleitos. As côrtes depois confirmaram o decreto, ou a declaração decretada.
Em 1870 e em data de 15 de junho, publicava-se em dictadura um decreto interpretativo do artigo 145.°, o que ha de mais constitucional na carta, o reconhecia-se ò direito de reunião no paragrapho que permittia ou reconhecia o direito de petição. Esta interpretação foi depois authenticada pelas côrtes ordinarias.
A lei de 3 de setembro de 1842, exigindo proposta em lista quintupla para nomeação pelo Rei dos supplentes á presidencia da camara dos senhores deputados, é interpretação authentica, em materia constitucional, do artigo 21.° da carta.
A lei de 13 de julho de 1849, dizendo que regula os artigos 31.° e 33.° da carta, interpreta authenticamente as suas disposições. Veiu depois o acto addicional adoptar os preceitos d'esta lei.
A lei de 11 de fevereiro de 1863, mandando que em sessão publica se de conta do resultado da votação e dos nomes dos pares ou deputados que approvaram ou rejeitaram o tratado, é interpretação authentica do artigo 10.° do acto addicional.
A lei de 3 de maio de 1878, estabelecendo categorias
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dentro das quaes deve recair a nomeação dos pares, interpreta o artigo 74.° § 1.° da carta, assim como a lei de 11 de abril de 1845 tinha interpretado o mesmo artigo relativamente ás condições da hereditariedade.
A lei eleitoral de 8 de maio de 1878, concedendo aos chefes de familia e aos que souberem ler e escrever direito eleitoral, e regulando o modo de contar as contribuições para o effeito do censo, interpreta authenticamente o artigo 5.° do acto addicional.
A lei de 2 de maio de 1882, mandando que os tratados sejam discutidos em sessão publica, interpreta ainda o artigo 10.° do acto addicional.
Quantas interpretações authenticas de disposições constitucionaes, feitas pelas côrtes ordinarias, não ficam ahi mencionadas, e sem que por isso se levantassem scismas, politicas no reino. Pois algumas d'ellas podiam ter suscitado mais escrupulos do que esta que se pretende.
Demos, porém, sem conceder, que para julgar este pleito é essencial a virtude especifica dos poderes especiaes; ainda assim temos caso julgado por tribunal competente, e por isso interpretação authentica, constituindo aresto, na questão sujeita.
Na legislatura extraordinaria de 1852, legislatura que votou o acto addicional, havia uma camara de deputados com poderes especiaes para rever a carta e esses poderes eram menos restrictos do que estes que hão de pedir-se para a reforma que se pretende.
Pois em 1852 a camara dos pares tomou parte na discussão e approvação das reformas, que foram depois sanccionadas pelo Rei.
O § unico do artigo 1.° do projecto se não fosse como é uma interpretação authentica, seria uma applicação legitima do direito estabelecido.
Em presença dos nossos proprios factos não é preciso recorrer a exemplos estranhos, que todos, sem uma excepção, abonam o nosso parecer.
Fica pois evidente que a carta constitucional permitte ás côrtes geraes ordinarias interpretar artigos constitucionaes, e que as côrtes actuaes, votando o § unico do artigo 1.° do projecto, estão no seu plenissimo direito; que as praticas parlamentares das outras nações e até o seu direito escripto, estão de accordo com as nossas praticas e principios em materia de interpretação authentica, e que nem o corpo eleitoral póde conferir aos seus eleitos mais poderes do que os marcados n'esta lei, nem os eleitos lutrapassar os limites das suas procurações.
Senhores, a commissão, sentindo ter-se alongado na exposição que acaba de fazer, e na qual, comtudo, ainda ha muitas deficiencias, tem a honra de propor á vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É reconhecida a necessidade da reforma doe artigos 14.°, 17.°, 26.°, 27.°, 28.°, 39.°, 74.° §§ 1.°, 4.° e 7.°, 75.° § 14.°, 77.°, 140.° e 145.° § 28.° da carta constitucional.
§ unico. A camara dos deputados que se seguir immediatamente depois da presente legislatura, será eleita com poderes especiaes para a reforma de que trata o artigo antecedente, a qual será decretada pelas côrtes e sanccionada pelo Rei nos termos ordinarios, fixados pela carta para a promulgação das leis.
Ari. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, 7 de março de 1884. = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Marquez de Vallada = A. de Serpa Pimentel = Ayres de Gouveia (com declarações) =?= Conde de Ficalho = Henrique de Macedo (com declarações) = Barros e Sá (com declarações quanto á generalidade) = Conde do Casal Ribeiro (com declaração quanto á generalidade) = Vaz Preto = Tem voto do digno par o sr. Visconde de Seabra = Thomaz Ribeiro, relator.
Projecto de lei n.º 246
Artigo 1.° É reconhecida a necessidade da reforma dos artigos 14.°, 17.°, 26.°, 27.°, 28.°, 39.°, 74.° §§ 1.°, 4.° é 7.°, 75.9 § 14.°, 77.°, 140.° e 145.° § 2B.° da carta constitucional.
§ unico. A camara dos, deputados que se seguir immediatamente depois da presente legislatura, será eleita com poderes especiaes para a reforma de que trata o artigo antecedente, a qual será decretada pelas côrtes e sanccionada pelo Rei nos termos ordinarios fixados pela carta para a promulgação das leis.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 8 de fevereiro de 1884. = Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa, presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Francisco de Paula, Gomes Barbosa, deputado vice-secretario.
O sr. Conde do Bomfim: - Sr. presidente, antes de começar desejava que v. exa. me dissesse se este projecto tem generalidade e especialidade, e qual a sua especialidade?
O sr. Presidente: - Não tem senão um artigo.
O sr. Conde do Bomfim: - Mas qual é a especialidade do projecto?
O sr. Presidente: - O digno par deve saber que os projectos que têem um só artigo se discutem simultaneamente na generalidade e especialidade.
O sr. Conde do Bomfim: - V. exa. não me póde satisfazer completamente, respondendo ao que lhe perguntei. Diz-me apenas que ha só uma discussão na generalidade e na especialidade, e o que eu desejava é que v. exa. me disse esse qual é a a especialidade do projecto em discussão.
Preciso, para a ordem de idéas que eu tenho a seguir, dividir e apreciar a materia pela fórma que entendo a mais conveniente, concebendo uma certa generalidade, tratando depois e discutindo uma forçada especialidade d'esta reforma, que, por parte do governo, não está completamente definida, mas que eu procurarei decifrar e sujeitar a exame; modificando-a de harmonia com as minhas idéas.
É dever das côrtes velar pela constituição do estado, e se este dever tem logar no começo de todas as sessões legislativas, mais imperiosa ella se torna para o homem publico, na presente occasião em que o ministerio se allia a um dos partidos mais avançados, com o fim de fazer uma reforma politica, destinada a alterar a constituição.
Sr. presidente, a materia comtudo é vasta, a tarefa é ardua; ardua pelas difficuldades que em parte já comecei a apresentar, de não se poder conceber qual seja o problema politico que se nos offerece, pela deficiencia de luzes sobre a reforma.
Alguma cousa se tem ganho, instando com o governo nas diversas commissões e na camara, para que este defina até certo ponto a reforma.
Effectivamente tem sido esclarecida um pouco mais.
Todavia ainda hoje é incerto o methodo pratico de o levar á execução, e ainda hoje ignoramos, talvez mais do que sabemos, porque o governo está ainda aprendendo a formulal-a.
Ha alem d'isso pontos capitaes, que a discussão ha de abraçar, extremamente importantes.
A opportunidade, a natureza e alcance ou termos especiaes da reforma.
A questão que se nos offerece primeiro e que occupará de certo muito a attenção d'esta camara, é com effeito a questão da opportunidade.
Esta questão, motivada pelo sr. presidente do conselho em epocha anterior, e ressuscitada novamente pelo governo, é importantissima, porque se baseia em resoluções contradictorias; e assim todos os pareceres de commissões e o projecto se referem a ella.
A natureza da reforma, fixando-se ao elemento electivo
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amovivel que se pretende introduzir nesta casa, não é assumpto insignificante.
E podendo considerar-se especialidade a grande quantidade de artigos que cada um, por si só, constituem materia para grossos volumes, e que teem dado logar a serias questões entre differentes publicistas, por certo que a questão sujeita é mui complexa e vasta.
E, sr. presidente, questões tão vastas, problemas trio amplos, acham-se reduzidos no projecto aos estreitos limites de um só artigo, cujo § unico tem sido thema para largas discussões na outra casa do parlamento, substituindo se para assim dizer a sua doutrina ao assumpto principal!
Sr. presidente, e quando se traia d'estas questões de reformas politicas, não póde porventura apreciar-se a situação do governo, ainda não affirmaria constitncionalmente? Pôde; e por ella cada um definirá o seu campo, a sua posição respectiva?
É grave ainda e momentoso assumpto, sr. presidente, principalmente porque os auctores, ou fabricadores do actual projecto, que não é do sr. Fontes, e aquelles do projecto do partido constituinte, uns e outros, em ambos estes projectos de origem mais proxima do governo, ou de affinidades ministeriaes, imaginaram-se transportados ás epochas liberaes de 1820 e 1836, e julgaram que tinham, papel identico aos reformadores d'aquelles tempos, e d'essa illusão que os fascinou, resulta o defeito principal de seus projectos.
Besentem-se d'este peccado, porque em vez de se limitarem simplesmente a alterar a constituição, pretendem dar-nos uma nova constituição.
Uns estão no mundo theorico dos principios, bebidos recentemente nas universidades, e por isso desattendem essencialmente os preceitos praticos.
Como é sabido na reforma ou aperfeiçoamento das constituições do estado, é preciso, em primeiro logar, attender aos costumes dos povos, conservando os elementos de vitalidade, os proprios prejuizos, diga-se assim; garantindo, n'uma palavra, e auxiliando todos os interesses sociaes existentes, e procurando ao mesmo tempo os meios para que se progrida.
Assim nunca a sciencia social permitte que se invoquem principios ainda não consagrados pela experiencia, para alterar outros, cuja alteração é de resultado duvidoso e muito contestada.
Outros, cedendo ao desejo da conquista do poder, que disputam, quaes suo os auctores do projecto constituinte, procuram, por que a sua importancia politica é muito pequena, crear uma constituição nova, alterando completamente na sua essencia organica a constituição existente, porque só d'este modo podem, orçar adeptos, que não têem, o por esta rasão precisavam excluir d'este recinto todos os actuaes membros.
Sr. presidente, este projecto que está sujeito á nossa apreciação, não é do sr. Fontes, repito-o, tem origem diversa, pertence aquelles homens novos, que subiram ao poder com largas idéas de reforma!
O estylo é o homem, disse Buffon, e esta verdade bem demonstrada fica, desde o momento em que nós compararmos o actual projecto com o de 1872 do sr. presidente do conselho. Agora as idéas são outras, a linguagem e o methodo differente.
O actual projecto introduz n'esta camara um elemento electivo amovivel, facto este muito significativo; pelo de 1872 o sr. Fontes queria que o senado fosse inamovivel, o que era muito melhor, tenha nisto o sr. Fontes a sua gloria.
Sr. presidente, a reforma, a meu ver, não satisfaz, porque não é feita, nem em nome das principios, nem mesmo em nome do accordo dos partidos, menos em nome da opinião, nem segue o exemplo proficuo das nações da Europa mais constitucionaes e mais liberaes
Vem pois talvez em nome de conveniencias ou interesses partidarios.
Eu tratarei de o demonstrar.
Em nome do accordo dos partidos não vem esta reforma, porque ella não foi convenientemente estudada. Se se prescrutassem bem as verdadeiras intenções e designios dos partidos politicos, e principalmente do partido progressista, ver-se-ia que todos elles fallavam no senado vitalicio, na segunda camara do Brazil. Esta idéa vera até bem expressa no relatorio apresentado pelo sr. Luciano de Castro, que concilie dizendo s que deseja ou um senado similhante ao da França ou da Belgica, ou como o que existe no Brazil, onde figura uma camara electiva e vitalicia".
Não segue os exemplos de algumas nações, cuja imitação seria mais adequada, nem mesmo d'aquellas a que se refere o relatorio, aliás bem elaborado, do nosso digno collega o sr. Thomás Ribeiro, porquanto se despreza um factor importante que figura em quasi todas as constituições monarchicas representativas da Europa.
Sr. presidente, falla-se, é verdade, n'este projecto da aristocracia, e com favor no relatorio d'esta camara; mas falla-se n'elle talvez por referencia a um membro da commissão especial, o sr. marquez de Vallada. Foi por defeza para com elle que o sr. Thomás Ribeiro, com a penna aprimorada, dispensou algumas palavras, laureando a aristocracia.
Mas. sr. presidente, qual é a conclusão a que se chega no fim de tudo isto? Que no nosso para se obliteram serviços importantes, feitos grandiosos?
A conclusão é acabar com as tradições, não dar entrada n'esta camara á aristocracia, a essa classe que em todo o mundo civilisação representa uma illustração social.
Não fez isto a Hespanha, aonde na sua constituição figuram por direito proprio os grandes de Hespanha com 12:000$000 réis de renda approximadamente. E como senadores inamoviveis e de eleição apenas com 1:100$000 réis.
E não e tambem o que se pratica na Inglaterra, onde a aristocracia tem papel tão importante, nem na França monarchica, que depois da revolução, liberal de 1830 creou o pariato hereditario, e pela lei de 1831 não excluiu a nobreza da constituição.
Sr. presidente, não obedece aos principios este projecto, porque os principios determinam que a segunda camara tenha, ou a organisação que nós temos, ou seja vitalicia, para poder sor independente, o que mais tarde demonstrarei, quando me occupe principalmente da especialidade.
Não obedece á opinião que a não solicita, e vós vedes o seu indifferentismo e por isso basta apenas citar estas palavras do relatorio.
(Leu.)
Basta este principio aqui enunciado, de que é inconveniente quando acolhida com indifferença geral para a condemnar.
Basta ainda citar um outro periodo de um outro relatorio, o desta camara (Leu.) para, sr. presidente, pelo respeito aos tempos passados, nus não pensarmos sequer no principio amovivel para esta camara.
A lição da historia nos demonstra o inconveniente de naquella epocha de 1836 não se ter adoptado na constituição o parecer da commissão. Era exemplo de casa a aproveitar.
E, sr. presidente, se a reforma não veiu em nome dos principios, se não veiu em nome do accordo dos partidos, se não veiu em nome da opinião, posso eu concluir desde já que vem em nome das conveniencias, e assim se apresenta de facto em nome dos partidos ou em nome dos intui esses partidarios.
Vejamos, porém, se o demonstro, sr. presidente; façamos um pouco historia politica, e assim ligaremos as re-
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formas á marcha politica do gabinete, e definiremos a nossa posição de hostilidade á actual situação.
O sr. presidente do conselho sabe se eu tenho rasão para fallar, porque elle sabe que é impellido á reforma e não é motor, pois até mesmo já ouvi que a não julgava extremamente indispensavel.
Elle, ao apresentar esta reforma, vem de baraço ao pescoço. É como se traduz o seu desejo que o artigo 74.° § 7.° seja reformado, por que s. exa. tem consciencia alterando este artigo de pedir que os ministros responsaveis não tenham perdão senão por intervenção dos corpos legislativos.
S. exa. vem já penitenciar-se de antemão pela apresentação d'este projecto.
E Deus queira que elle não prepare para si a guilhotina, e repito, Deus o queira, por que aquelles que lhe succedorera já receberão em herança um legado de grandes difficuldades, o tratado do Zaire, como em outra epocha o de Lourenço Marques foi objecto de graves embaraços.
Sr. presidente, nós sabemos e a todos é bem presente o que se passou n'esta camara em 1880.
A assembléa recorda-se, que em consequencia de uma moção politica fundada na exaltação da opinião por causa das medidas de fazenda, moção da indicação do sr. Fontes, o ministerio progressista era deposto por esta camara.
Eu não faço historia retrospectiva com o fim de apreciar ou commentar os factos que então se deram, mas unicamente tenho em vista relembrar um acontecimento historico que está registado nos annaes parlamentares.
E depois o que succedeu?
Aconteceu que por indicação do sr. presidente do conselho se formaram tres situações ministeriaes successivamente, em cada sessão legislativa que se seguiu.
Entrou na primeira um vulto conhecido pelas suas idéas liberaes e esclarecidas, vulto sympathico, cuja memoria todos nós respeitámos, e cuja falta deplorâmos, o sr. Antonio Rodrigues Sampaio, e para a pasta da fazenda era escolhido o sr. Lopo Vaz, que representava as aspirações d'aquelles que tinham desejado que s. exa. fosse aos conselhos da corôa para resolver a questão financeira, e representava tambem a reparação de uma injustiça anterior.
E, sr. presidente, o que vimos nós depois?
Sabia-se mais que o sr. Lopo Vaz tinha grandes planos, grandes ambições para poder realisar as reformas politicas no seu paiz; comtudo o sr. Sampaio, illustre chefe d'aquelle gabinete, declarou em pleno parlamento que o ministerio não pensava em fazer discutir as reformas politicas e tratava só de ver se resolvia a questão de fazenda, que era a mais importante, e que os costumes e não a carta é que careciam de reforma.
E, sr. presidente, n'essa occasião, quando se organisou aquelle primeiro ministerio, todos estarão lembrados que as opposições que combateram o ministerio progressista, presidido pelo sr. Braamcamp, eram formadas pelos elementos regenerador e constituinte, e que portanto se esperava que o ministerio que devia succeder ao progressista fosse organisado com aquelles dois elementos.
Todos sabem, porem, a rasão porque õ partido constituinte não formou então gabinete com o partido regenerarador, porque o partido constituinte queria as reformas politicas, e o sr. Sampaio, não as considerava opportunas, nem necessarias.
As idéas que então vogavam, era que em primeiro logar se devia resolver a questão de fazenda, as questões economicas e coloniaes, porque estas eram as mais urgentes e ninguem desejava nem pedia que se tratassem assumptos politicos, mas sómente d'aquelles que eram de interesse principal e real para o paiz.
Infelizmente, sr. presidente, nós sabemos que por circumstancias alheias á vontade de cada um, esse ministerio desappareceu sem que essas magnas questões fossem resolvidas.
Succedeu-lhe a relha guarda regeneradora, e, dil-o-hei sem querer melindrar as susceptibilidades de ninguem, que todos confiavam e concebiam mais esperanças d'aquelles homens experimentados, do que nos noviços que apenas tinham ganho as suas esporas de oiro nos primeiros recontros.
E mais se fortificava principalmente aquella fé porque o ministro que sobraçava a pasta da fazenda era estadista de grande saber e de muita experiencia em assumptos financeiros, e o ministro da marinha e ultramar, o sr. conselheiro Bocage, tambem pelos seus importantes estudos especiaes sobre ultramar dava garantias de resolver satisfatoriamente a questão colonial.
A fatalidade, porém, persegue os nossos homens publicos.
Assim, pois, sr. presidente, não obstante todas as probabilidades em contrario, a questão de fazenda não se resolveu e a colonial ficou talvez em estado mais desgraçado do que então já se achava.
Ora, não se tendo resolvido nenhuma d'estas importantes questões e estando-se novamente em vesperas da abertura do parlamento e sem ter trabalhos parlamentares de valia, é claro que ou tinha que se demittir o ministerio ou teria de lançar mão de algum meio para distrahir as attenções.
D'aqui a origem- das reformas politicas, d'aqui nasceu o procurarem-se as allianças constituintes, e d'aqui o conseguir-se o deslocar a questão de fazenda e a questão colonial.
N'aquelle ministerio, um homem tinha immortalisado o seu nome pelo grande numero de melhoramentos com que dotára o seu paiz, porém a febre de melhoramentos era tão intensa que taes factos já iam sobreexcitando a attenção publica e levantando-se até duvidas se, não obstante por certo as boas intenções, de um homem tão considerado como era o nobre ministro das obras publicas, as finanças publicas se desequilibrariam muito mais, e as forças do thesouro poderiam arcar com tantos encargos, subindo esta corrente de idéas de tal modo, que por fim s. exa. chegou mesmo a ser alcunhado de perdulario. Organisou-se o novo ministerio e o sr. Fontes, lançando mão do sr. ministro das obras publicas e entregando-lhe a pasta da fazenda, veiu evidenciar estes factos, pois todos presumem que s. exa. lhe disse: "procurae agora, que tendes na vossa mão a direcção das finanças, o meio de occorrer ao pagamento dos onerosos encargos com que acarretastes tantas difficuldades ao thesouro, e pelos quaes tive de luctar até este momento, não tendo forças para mais, e foi pois assim que o sr. ministro das obras publicas se encarregou da questão financeira.
Mais se deu um outro phenomeno que vem corroborar este. O sr. Bocage, que era ministro da marinha e que tinha tenção de fazer alguns melhoramentos tendentes a reformar a administração colonial, e a quem por certo estava tão bem confiada aquella pasta, o que fez? Conhecendo que os redditos da nação se dispendiam todos em emprehendimentos da metropole, e nada sobrava para auxilio das colonias, vendo-se desarmado, passou para a pasta dos negocios estrangeiros entregando a da marinha e ultramar a outro cavalheiro! Sr. presidente, aquelle ministerio era composto de homens de illustração e talento, a quem estavam perfeitamente distribuidas as pastas, e de quem tanto havia a esperar; mas, hoje o que vemos? O actual gabinete tem homens de talento e illustração como tinha o antecedente, como o seu antecessor, mas actualmente estão trocadas as aptidões.
A questão colonial que estava entregue a tão boas mitos, já mudou para outras; a questão de fazenda que estava igualmente tão bem entregue a
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resolvel-a em bem da patria, está hoje entregue ao ministro que, nas obras publicas, creára tão elevadas despezas.
Hoje, pois, que as aptidões estão trocadas, que o governo segue um caminho tão differente do que promettera seguir, como poderemos nós ainda confiar do mesmo modo na sua marcha actual?
Como poderemos nós ter fé nas promessas que nos faz o sr. presidente do conselho, quando elle nos fez outras igualmente importantes, que não se realisaram?
Gomo deveremos nós confiar num gabinete que, servindo-me de uma phrase de um relatorio, é formado de pequenas dynastias de incertas successões, que podem caminhar para fins diversos?
Sr. presidente, a ligação do ministerio com o partido constituinte inspira a idéa da pouca solidariedade ministerial, porque nem estes dois partidos estão de accordo, como se vê das affirmações dos ministros constituintes n'esta camara, confirmando a autonomia do seu partido, como no campo das reformas politicas se observa a divergencia profunda entre as idéas dos chefes dos dois partidos.
E, sr. presidente, se os chefes não estão de accordo, não b estão os partidos; a combinação actual reduziu-se apenas a ir procurar dois soldados que, por muito denodados o esforçados que elles sejam, pertencem ao partido constituinte, e valem tanto como muitos outros que se encontram nas fileiras do partido regenerador.
Portanto, sr. presidente, desde o momento em que não ha união completa, porque não a ha entre os dois chefes de escolas, diametralmente tão oppostas, e desde que as reformas politicas vem á tela da discussão entre tão extremas opiniões, o ministerio nem inspira confiança, nem é solidario, porque obedece a forças oppostas.
Lança-se o governo nos braços d'esta panacea politica (permitta-se-me a expressão) mas não me parece nem que ella seja conveniente nem que o possa absolver do abandono da questão de fazenda que em epocha anterior o impedia de entrar em accordos, e hoje que mais dilatada se acha, não só os não impede, mas a reforma politica é decretada medida de salvação publica.
E, sr. presidente, não temos nós agora o direito de perguntar ao governo: Vós que não resolvestes a questão de fazenda, que não satisfizestes as vossas promessas, em nome das quaes viestes ao poder, porque vindes hoje reformar esta casa do parlamento? Como póde ser em nome dos interesses do paiz, se vós mesmos não tendes governado segundo as promessas que fizestes? Quaes são as difficuldades praticas que aqui encontrastes, que vos fizeram mudar de rumo, navegando em mar bonançoso?
Sr. presidente, a constituição politica portugueza, pedra angular do edificio social, é obra de um heroe que desprezou dois thronos para a implantar no nosso paiz; é filha dos esforços herculeos d'aquelles que tantas perseguições soffreram, e foram soldados valentes que derramaram o seu sangue nos campos de batalha, pelejando por asseguraras liberdades publicas. E um legado, um padrão glorioso dos nossos antepassados, que firmou a paz da nação.
Recebeu a sancção unanime dos tres estados, e depois de ter soffrido alguns abalos, restaurada mais posteriormente, foi não só acceite pelo paiz, mas mais tarde ella foi o idolo querido dos apostolos fervorosos da causa popular que, como José Estevão, morreram na fé cartista. Não se diga, portanto, que a carta não é obra que mereça o respeito da nação; antes em obra de tão dilatados annos de existencia qualquer alteração não é negocio de pequena monta, não é cousa que não demande a seria attenção da nação que se deva sacrificar ás paixões e aos interesses partidarios.
Importa pois saber, por isso, se o ministerio que se encarregou de similhante. empreza nos inspira confiança, se a reforma é opportuna e inadiavel para a felicidade da patria.
É preciso que o ministerio declare, formale categoricamente, qual é o alcance das reformas que se projectam, e qual o modo pratico de as effectuar.
E repito que é indispensavel que o governo defina completa e explicitamente as suas idéas a este respeito, porque pela minha parte desejo apreciar a medida, com severidade, mas com justiça.
Eu não confio na, marcha politica do gabinete, e se o sr. Fontes imaginou que juntava mais uma corôa aos seus triumphos indo alliar-se com o partido constituinte, cujas idéas são totalmente oppostas ás que s. exa. tinha geralmente professado antes da realisação d'essa alliança, eu, por mim, entendo que foi um mau passo que s. exa. deu, e contrario á boa doutrina, que os partidos fortemente organisados devem sustentar, a despeito de todas as contrariedades.
Disse que não confio na marcha politica do gabinete, e para isto sobram-me rasões, admirando-me realmente que tendo o sr. presidente do conselho declarado, não ha muito tempo, que julgava inopportunas as reformas politicas, repellindo a idéa do concurso dos reformadores, porque antes se devia tratar da questão de fazenda, venha hoje por de parte este importantissimo assumpto e affirmar que é chegado o momento proprio de serem reformados alguns artigos da nossa constituição, abraçando-se tão subitamente ás reformas e aos reformadores.
Sr. presidente, pois não será o accordar de um mau sonho ver o sr. Fontes, que estava ligado a um dos espiritos mais conservadores do nosso paiz, o sr. duque d'Avila e de Bolama, e este prestimoso estadista, cuja perda todos nós vivamente deploramos, e que tão contrario era ás reformas politicas, formar ministerio com um dos seus mais fieis correligionarios, hoje abandonar esse homem por causa das reformas, e substitiul-o por homens do partido constituinte?
Ainda mais; o sr. Fontes, dizia-nos ainda não ha muitos mezes, que tendo percorrido o paiz do norte ao sul, não encontrou quem lhe pedisse reformas politicas e simplesmente reformas administrativas e financeiras, e melhoramentos materiaes; e hoje, sem que a questão de fazenda esteja resolvida, pensa de modo diverso é exactamente como o sr. Antonio Augusto de Aguiar, que, partindo para o estrangeiro, nos dizia antes que a cultura do tabaco no Douro em caso algum se devia permittir, e ha muito poucos dias que nos affirmou exactamente o contrario.
E não serão estes reviramentos de opinião em dois homens importantes do governo muito para lastimar, levando-nos á conclusão de que o sr. presidente do conselho dá ao paiz as reformas politicas, em vez das reformas de fazenda, e o sr. Aguiar, em vez de remedios que salvem a vinha, a cultura do tabaco?
Ainda ha pouco tempo o illustre chefe do gabinete, dando um cheque ao governo progressista, entendia que esta camara era o palladium das liberdades publicas, e hoje vem dizer-nos que ella carece da ser reformada por conveniencia da rotação dos partidos no poder, parecendo assim até inverter os principios constitucionaes, e indicar que a camara deve ceder e os governos não caírem diante das maiorias parlamentares. Se a camara é util, se n'ella tinheis maioria reforçada por uma nomeação de trinta pares, porque a quereis reformar?
Ha uma opinião que me parece ter bastante applicação para o caso de que se trata.
E ella que se devem recolher os fructos da arvore que entre nós florece, antes que substituil-os por outros, embora melhores, arrancando-os.
O illustre estadista, outrora athleta robusto, devia a meu ver conservar immutaveis os seus principios e o seu credo, sem procurar allianças fora dos seus principios politicos.
A sombra de Bismark amoldava-se perfeitamente ao sr. Fontes, mas as lisonjas da nova grey fascinaram-o. A sereia com os seus encantos attrahiu-o.
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O illustre presidente do conselho vive e alimenta-se de todos os partidos, actualmente pertence a todos, é um verdadeiro parasita.
Esgotaram se-lhe as forças proprias, procura innoculações na seiva das gerações novas, nos orgãos mais importantes dos partidos adversos. S. exa. está cansado da lucta, e se ha de preferir morrer com gloria defendendo o seu credo, prefere ir vivendo de esmolas ou de accordos de todos os partidos. Sencctus est morbus.
Quando, sr. presidente, em nome dos interesses partidarios se viu um chefe conservador, quebrar jamais a sua maioria constitucional,, para se apresentar, talvez, com uma maioria ficticia, pois se o numero representa a sua maioria para um dado fim, a qualidade representa a sua inconstitucionalidade. Não vivem os governos constitucionaes de accordos dos partidos adversos, é preciso que tenham maioria que abrace os seus principios politicos.
O amor da propria conservação é natural ao homem, porém o amor da conservação do poder não se sustenta; é um verdadeiro paradoxo constitucional.
Por muito habil que seja o chefe de uma situação, por muito grande que seja o seu talento, e por muito elevada que seja a sua illustração, a vontade do executivo não impõe a lei aos parlamentos, e pelos seus erros caem os dictadores em frente das assembléas legislativas.
O governo não affirmou ainda a sua posição constitucional, e creio que não lhe será facil fazel-o. porque n'este momento, existindo n'esta camara um grande numero de dissidentes, ou individuos que se afastam do governo, tendo-lhe dado, aliás, até aqui o seu apoio; e não podendo o partido progressista dar-lhe um voto de confiança politica; não lhe será facil, repito, uma tal prova.
Sr. presidente, o governo não demonstra que as reformas são opportunas, enunciou apenas esse principio como um dogma, e eu hei de mostrar que ellas são inopportunas, incoherentes e intempestivas.
Sr. presidente, á sombra da frondosa arvore da liberdade, têem-se feito innumeras conquistas; a imprensa tem liberdade completa de discussão, cada um professa a religião que quer, as opiniões politicas são livremente expendidas, e no parlamento são sempre attendidas com grande interesse, a pena de morte foi abolida, a escravidão banida, a uma eleitoral tem uma esphera mais ampla do que na maior parte dos paizes cultos.
Portanto, sr. presidente, segundo a phrase de um distincto parlamentar, nós somos republica com liei, governo este desejado dos Ciceros e apenas concebido dos Tacitos.
D'aqui se conclue, na minha opinião, que não são as franquias populares que hoje mais prendem o interesse da nação; ella pronuncia-se, pelo contrario, pela necessidade de resolver a questão de fazenda, que é um dos assumptos palpitantes, e do qual depende immediatamente o bem estar do paiz.
A questão de fazenda é hoje, como hontem, ou ainda mais, o assumpto que mais nos assoberba, e instantemente reclamado, porque o precario estado das nossas finanças póde levar-nos a uma crise financeira, porque a perda do nosso credito influirá immediatamente nas nossas instituições fiduciarias, aonde já se tem manifestado a desconfiança, e devido a que em grande parte, nas suas reservas bancarias, figura uma grande portão de papeis de credito.
Quem não sente, sr. presidente, uma inquietação vaga vendo o espantoso crescimento de despeza, descommunalmente desproporcionado com o augmento das receitas?
Quem não se arreceia de tão successivos emprestimos?
E quem não se afflige no seu lar domestico cada vez que pensa nas innumeras contribuições que tem que pagar, e nos multiplicados modos por que se procura esgotar a bolsa do contribuinte?
Sr. presidente, se nós olhamos para o nosso exercito, o que vemos? A instituição que tantos direitos tinha para florescer, vegeta apenas; as recompensas são pouquissimas e o accesso nenhum.
Se nos voltâmos para as colonias, para as quaes desde 1880 eu tenho pedido aos governos que olhem seriamente, e lhes tenho dito que a base principal para d'ellas colhermos os resultados que deveriamos obter está na organisação das forças ultramarinas, vemos que até hoje ainda nenhuma saiu á luz publica, e ellas têem vida ephemera.
Como é que nós, sem podermos garantir a segurança individual nas colonias, sem garantias de paz e de ordem, sem affirmarmos a nossa posse effectiva, podemos lá fazel-as florescer ou manter as estações civilisadoras á Julio de Vilhena ou as colonias de Pinheiro Chagas?
Se olhâmos para as suas igrejas, não lhes vemos pastores; as missões não se desenvolvem, e morrem á mingua os seminarios que têem de instruir os missionarios.
Se observassemos cautelosos as nações estrangeiras, vel-as-iamos attentas na propaganda que estendem nos nossos dominios ultramarinos e que ellas nol-os levam, pela civilisação, o que pelo direito da força nos não arrancam.
Se nós, sr. presidente, em vez de tão rapidamente querermos progredir, nos tivessemos limitado a conservar o muito que tinhamos, quanto não teriamos progredido. Porque conservar é progresso, e progride-se muito conservando o util.
Se nós não tivessemos destruido as nossas organisações. antigas, das forças coloniaes ainda muito teriamos. E o que succede com as nossas colonias, succede com as nossos instituições militares, que se as tivessemos conservado, muito por certo teriamos, melhorado. - E succede ainda com um grande, numero de leis que temos destruido e continuando na obra da destruição, por ultimo vamos destruir a obra mais collossal que tanta duração tem tido e é ainda um monumento de sabedoria.
E digo, vamos destruil-a, porque a tanto equivale introduzir nesta casa uma parte amovivel, porque vamos destruir-lhe o que tem de mais importante, a sua condição de estabilidade. Bonaparte disse que a nau do estado devia obedecer a dois elementos oppostos, aliás teria os inconvenientes de um balão que cede só ao elemento impulsivo e não obdece á direcção que se lhe pretenda imprimir.
Quer-se reformar a organisação de uma das camaras legislativas, e não se repara que apenas se vão atear as paixões, alvorotar o pacifico espirito do nosso povo, que só reclama subsistencias, e que lhe salvem as suas vinhas.
O que o povo pede é pão e vinho, e nós damos-lhe em vez de pão, reformas politicas, em vez de vinho, tabaco!
E é similhante parto que sáe de uma montanha de tantos talentos!
As reformas que se acham na tela da discussão, são alem d'isso incoherentes, por que eu entendo que as instituições se podem aperfeiçoar, mas nunca de um modo leviano; assim desde o momento em que se pòe em evidencia o principio electivo, entendo que nós não podemos fazer agora reformas constitucionaes d'esta natureza, sem o aperfeiçoarmos completamente.
Sr. presidente, eu n'este parte sou ultra-progressista e entendo que não só as reformas complementares, para garantir a genuidade do voto são necessarias, mas desejo mais que a pratica sanccione primeiro a lei eleitoral, porque tenho conhecimento dos vicios que se dão ainda em paizes dos mais liberaes onde a eleição é muito aperfeiçoada.
Portanto, repito, não só desejo todas as garantias que o projecto progressista exige, mas ainda aquella que a pratica nos mostra convenientes para a perfeição do systema, porque depois quero a uma para a eleição dos membros d'esta camara, conservando a feição importante que deve ter, a condição de immobivilidade, e não quero a eleição por castas, que é um privilegio.
E eu acho tambem a reforma intempestiva porque desde o momento em que o governo, ainda não ha muito, introduziu n'esta camara creiu que trinta novos pares de no-
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meação regia, entendo que preferivel seria resolver a questão financeira e a questão colonial, questões muito mais vitaes e mais importantes, que n'este momento não deviam ser desprezadas, e postas de parte, e substituidas por uma solução tão desgraçada.
Assim, sr. presidente, não se governa nem se legisla, embora já dissesse alguem n'esta camara, não ha muito tempo, que é este realmente o caminho que deve seguir quem preside aos destinos do paiz.
Assim é que se governa e que se legisla em Portugal, direi eu, mas não em Inglaterra, onde se procede de fórma muito diversa, e haja vista ao que succedeu a lord Welligton, que, tendo mudado de opinião, viu-se desacompanhado de todos os seus amigos politicos que até então lhe tinham prestado o mais franco e desinteressado apoio, quando teve legar o acto da reforma eleitoral n'aquelle paiz.
O elemento electivo introduzido n'esta camara, ha de ser, na minha opinião, a origem de graves dissensoes politicas.
Nos svstemas representativos monarchicos ha dois elementos, o elemento democratico e o elemento aristocratico, e sempre que um d'elles predomine o equilibrio, social perde-se.
Ora, se o elemento democratico hoje predomina e tem já serias exigencias que se manifestam nos comicios, na imprensa e no parlamento, proclamando a necessidade tia reforma da camara dos pares, e dirigindo-lhe um certo numero de invectivas e de ultrages, por que ella é o unico obstaculo a essas demasias, é claro que logo que ellas aqui tiverem echo subirão mais alto se se fizer a reforma no sentido que o governo indica.
É esta a minha opinião e é por isto que julgo inopportuna a discussão do projecto que está em ordem do dia.
E refiro-me por emquanto á generalidade, porque para o discutir na especialidade preciso de mais esclarecimentos do governo, e são-me elles indispensaveis para entrar na sua apreciação com mais justiça e no amplo desenvolvimento da materia.
Mas, sr. presidente, eu hei de votar em todo o caso contra a reforma, porque para mim é já bem reconhecido um dos principios de que o governo lançou mão n'ella.
Hei de votar contra, e não cederei portanto a quaesquer considerações partidarias, porque voto segundo as minhas convicções.
A opinião da camara, sr. presidente, a meu ver, resistindo á reforma, não quer dizer que resista á opinião do paiz; pelo contrario, resiste aos excessos d'essa opinião.
Quanto a mim não sorve de argumento para ninguem de que, quando a consciencia nos dicta que os principios são estes que eu apresento, que a reforma deve ser repellida; não me serve de argumento que a devemos votar ao actual governo com o receio que outros a façam.
Para a causa publica, seja esta a reforma, seja a que pede dois terços da totalidade para o elemento electivo ou renovação completa d'esta camara, encarando-a pelo lado que eu a encaro, os inconvenientes são os mesmos. Um terço electivo, com a condição que elle exprime a opinião publica, é a completa annullação do voto dos inamoviveis.
Os inconvenientes da falta de estabilidade são os mesmos, quer de uma quer de outra maneira.
Emquanto aos receios que possa haver de que as differentes reformas façam sair d'esta camara os membros, actuaes, são meramente frivolos, porquanto nós temos o direito de exprimir as nossa opiniões sem attender a qualquer ameaça á independencia d'esta camara; aliás, nem eu mesmo sei se me sentiria bastante independente só com o receio da reforma, e tendo de depender da eleição no nosso paiz. Sr. presidente, esse receio não póde justificar-se por que dentro da constituição é indispensavel respeitar os direitos dos actuaes pares. Seria preciso derrubal-a para annullar os seus direitos.
Portanto, sr. presidente, o que eu tenho em vista é desde já pôr um travão ás reformas politicas e fazer convergir todas as attenções para as questões mais vitaes do nosso paiz, para as questões de fazenda e para as questões administrativos.
Nós temos muito que fazer com todas estas magnas, questões e por isso lembremos-nos que largos dias têem cem annos, e a reforma, se vier, virá então dentro dos limites rascaveis da prudencia e da opportunidade.
Unamos, pois, es nossos esforços e juntemos-nos ao grande partido da nação.
E já tempo de acabarmos com a mesquinha politica portugueza e de pedir ao indifferentismo que abandone a sua inercia. Sr. presidente, quando eu veja que ha homens que levantem o verdadeiro pendão que tenha por divisa resolver o problema financeiro, que se proponham a organisar as nossas colonias, a dar vicia ao nosso exercito votado ao ostracismo, então, sr. presidente, quando eu reconhecer que esses homens não pretendem agremiar a si escravos submissos, mas homens livres, que tenham em vista principalmente os interesses da minha patria, n'essa occasião enfileirar-me-ia n'esse grande partido. Até lá, sr. presidente, ficarei na espectativa.
Dexarei seguir o carro triumphal do governo e não acompanharei nos momentos do seu esplendor, aquelles de quem fui companheiro na desgraça.
O sr. Visconde de Chancelleiros (sobre a ordem): - Eu pedi a palavra sobre a ordem, mas em primeiro logar pediu-a o sr. relator.
Eu voto contra o projecto, e o digno par que acabou de fallar tambem fallou contra, entretanto se v. exa. me dá a palavra eu uso d'ella.
Em todo o caso eu declaro já á camara, que tenciono usar da palavra uma, duas ou tres mezes, e mais se me for permittido.
O sr. Presidente:- - Fica o digno par inscripto.
Tem a palavra o digno par, o sr. Thomás Ribeiro, relator.
O sr. Thomás Ribeiro (relator): - Sr. presidente, eu peço a v. exa. e á camara, que não reparem na minha tardança em pedir a palavra sobre o assumpto que se discute.
Era e é do meu gosto, alem de ser da minha obrigação, responder ao digno par quem tenho toda a deferencia de verdadeiro amigo.
Sr. presidente, não é sem, uma grande tristeza que eu vejo o afastamento do digno par, que me acompanhava sempre em constante camaradagem, agora nosso adversario na questão que nos occupa.
Mas não foi por motivo d'este sentimento que me demorei algum tempo em pedir a palavra para responder a s. exa., foi haver suspeitado que algum membro do gabinete desejava responder-lhe.
Sr. presidente, antes de proferir as poucas palavras que tenho a proferir em resposta ao que s. exa. expoz, começarei por apontar ainda outro sentimento que me ficou do seu discurso.
S. exa. tira de uns pretendidos malogros n'alguns empenhos do governo, agouro triste mas que lhe agrada, de que da mesma fórma serão malogradas as reformas politicas, reformas emprehendidas por iniciativa do governo, o que já furam approvadas na camara dos senhores deputados.
O digno par regosijava-se e fundava as suas esperanças em que promessas de extincção do deficit, medidas de fazenda e muitas outras administrativas e economicas, do reino, da marinha e ultramar, emfim quantos assumptos podem agitar-se no seio de um gabinete ou de um parlamento, não tinham ainda sido realisados.
Entende o digno par, que aquelles que não tiveram força bastante para chegar ainda ao fim dos seus desejos, e ao resultado dos seus principiados commettimentos, não
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terão força tambem para levar ao fim as reformas de que nos estamos occupando.
Sr. presidente, em primeiro logar devo dizer ao digno par, que é minha opinião sincera, que todos os actuaes ministros da corôa suo capazes, pelos seus conhecimentos, pela sua experiencia, pelas suas longas tradições, por todos os dotes que mesmo s. exa. lhes reconhece, de levar a cabo as suas medidas e de realisarem os seus propositos. O tempo e para todos. Muito já teem feito e muito ainda teem para fazer. Hão de realisar-se tambem, segundo espero, as reformas politicas em discussão, embora peze ao digno par. E pois que s. exa. se referiu ás reformas politicas em especial, devo restringir-me a este ponto e ao que o digno par disse a respeito d'ellas.
Não é da minha missão fallar sobre todos os assumptos a que s. exa. se referiu, nem tambem me está incumbido demonstrar ao digno par ou á camara, que a saída do sr. ministro da marinha, hoje dos negocios estrangeiros, não é rasão bastante para s. exa., acreditar que o novo ministro, meu amigo, cuja capacidade todos reconhecem, não será capaz de levar por diante medidas salvadoras que entenda dever apresentar.
S. exa. sabe que já não tem sido inutil a sua gerencia, embora curta, na pasta da marinha.
S. exa. fallou num assumpto que me parece ter sido o unico, ou polo menos o essencial do seu discurso, quanto ao projecto de lei que nos occupa, e vinha a ser a reforma da camara dos dignos pares, proposta pelo governo e approvada pela camara dos senhores deputados. Se não me engano, o digno par fallou n'uma das partes d'essa reforma e não fallou nas outras. Não fallou na hereditariedade, nem da fixação do numero dos membros d'esta camara.
S. exa. quiz apenas demonstrar que a proposta do governo, hoje projecto d'esta camara, pela introducção de elemento electivo e amovivel, nem estava de accordo compôs principios da sciencia do direito publico, nem com o que se está praticando em outras nações constitucionaes, nem com os nossos habitos, nem com as nossas tendencias.
Julgo ter sido esta a base de sua argumentação.
Sr. presidente, não me referirei ao facto de acabar por este projecto a hereditariedade, nem ao de limitar o numero de pares, porque o sr. conde do Bomfim não se referir a esses pontos.
Referir-me-hei simplesmente áquillo a que s. exa. chama um grande perigo, isto é, a introduzir-se n'esta camara o elemento electivo.
N'este ponto nem s. exa. se lembrou no seu assombro, de que o que se propõe, o que se deseja, e que um terço apenas dos membros que 11:10 de compor esta camara seja electivo, nem tambem cio que aos tinha dito com relação a não seguirmos os preceitos do outras nações, cuja constituição s. exa. dia que nos deveria servir de exemplo.
Ninguem viu, nem vê, nem verá este grande perigo no facto que se pratica ha longos annos n'uma nação que s. exa. diz deve tomar-se como norma de governação e de politica.
Refiro-mo á Inglaterra, onde na camara dos lords entra o elemento electivo.
S. exa. sabe que ha n'aquella camara legisladores por direito proprio, membros hereditarios do nomeação regia, pares electivos temporarios e pares electivos vitalicios.
Portanto, nós encontrâmos n'aquella nação modelo, e como tal sempre citada, o exemplo que queremos seguir.
Aqui tem o digno par como o projecto respeita as tradições antigas, e podia fallar-lhe da Prussia tambem.
S. exa. que nos fallou na Hespanha, devia-se ter lembrado de que no senado hespanhol ha, é verdade, pares por direito proprio, entre elles alguns membros que pertencem á alta nobreza, mas entra tambem o elemento electivo e amovivel.
Aqui tem como a proposta respeitou alem das tradições antigas o exemplo hodierno que o direito publico não engeita, antes proclamo como utilissima á governação dos estados.
E quanto ás nossas tradições são de não ficarmos atrás dos paizes liberaes, sem prejudicarmos a prudencia que deve presidir á governação publica.
E não fallo da camara franceza, onde tambem entram o elemento variavel e o elemento inamovivel, porque, como a França está hoje regida por uma fórma republicana, póde não servir este exemplo ao digno par.
Nas monarchias e em republicas muitissimo respeitaveis, os dois elementos se entendem, confraternisam e tratam como devem das cousas publicas.
Que receios, póde ter o digno par de que entre n'esta camara um grupo electivo?
Para me convencer de que eram justificados, teria de indicar-me as grandes perturbações que porventura se hajam dado n'aquellas nações onde está ensaiado este systema; e s. exa. não apontou perturbação alguma.
O receio de que está possuido o digno par, é de que falte aos membros vitalicios da camara a independencia precisa para arrostar contra as invectivas que suppõe nos hão de vir do elemento amovivel.
Eu conheço muito bem as suas qualidades, o seu animo e as suas faculdades para assegurar-lhe que o seu receio é infundado.
A respeito da opportunidade, em que tambem fallou o digno par, é certo que desde longa data nos encontrãmos a braços com esta questão das reformas, politicas.
Sr. presidente, é essencial acabar com ella.
Quando se pretende administrar, ha sempre, da parte d'aquelles que desejam oppor-se á marcha regular do governo, a idéa de que é preciso reformar a carta; e ainda dentro da reforma da carta especialmente se preoccupa a opposição com a camara dos pares, e, embora preoccupação, é preciso acabar com ella.
Allega-se que do modo por que está constituida, e com a faculdade de augmentar-se sem numero fixo, é por vezos estorvo á marcha regular da politica.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Tem a bondade de repetir.
O Orador: - Eu estou sempre disposto a condescender com os desejos de s. exa., e prompto para lhe repetir tudo quanto uma vez disser.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - É uma prova do attenção com que s. exa. me honra, e que muito lhe agradeço.
O Orador: - Não tem que agradecer. Ha muito que se suppõe que a camara dos pares, pelo facto das nomeações successivas de novos membros que todos os partidos que sobem ao poder se vêem forcados a promover, é causa de perturbações graves na marcha da administração do estado. (Apoiados.)
É o que eu ouço ha muito tempo dizer, o que não quer por fórma alguma dizer que seja opinião minha.
É porém minha opinião que não é regular um corpo legislativo cujos membros não tenham numero fixo e certo. Esta, sim, é minha opinião; e é tambem a opinião dos homens que principalmente se occupam da governação do estado, e que tem obrigação d'isso. Devemos pois afastar do nosso caminho tudo quanto possa impedir a marcha regular da governação publica ou dar pretexto ou incitamento ás paixões, mesmo porque podia acontecer que nem sempre lográssemos seguir, em paz o systema até aqui seguido.
O proprio ministerio já tinha de alguma maneira traduzido este pensamento no relatorio que precede a sua proposta de lei.
E por agora, sr. presidente, não me alargarei mais em considerações, por isso que me parece haver dito o sufficiente para responder ás observações do digno par o sr. conde do Bomfim.
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O sr. Visconde de Chancelleiros: - Impugnou a necessidade das reformas politicas, não obstante as considerações com que a pretendera justificar o sr. relator da commissão, se bem n'elle folgára de ver a franqueza com que emittira a sua opinião ácerca do modo como a camara dos pares actualmente se achava constituida, por isso que s. exa. se não limitara a emittir a sua propria, senão que ainda a opinião dos governos.
O orador passou em seguida a ler e mandar para a mesa uma moção de ordem.
E, proseguindo, affirmou que desde já e principalmente, levantaria uma questão importante pela sua gravidade, qual a de suspeição contra o governo, que apresentára o projecto d'essas reformas, e contra a camara, que lhe dera a sua approvação.
Quanto ao sr. presidente do conselho, a despeito da sua qualidade de chefe de partido, comtudo não lhe reconhecia competencia para, na actual conjunctura. propor similhantes reformas, nem a teria nunca qualquer outro partido ou homem, que dois annos anteriormente viesse declarar em pleno parlamento que, tendo percorrido o paiz, do norte a sul, jamais lhe pedira alguem reformas politicas. Essa mesma incompetencia devera inhibir a outra camara de prestar agora a sua approvação áquella mesma reforma que antecedentemente rejeitara, quando apresentada pelo sr. Dias Ferreira.
O sr. Presidente: - Peço a v. exa. que não faça allusões ás deliberações tomadas pela camara dos senhores deputados.
O Orador: - Redarguiu que não punha em duvida qualquer direito que assistisse á camara dos senhores deputados nas suas deliberações, mas que tambem s. exa., o sr. presidente, de certo lhe não queria tolher a faculdade de poder alludir a um facto que era já do dominio publico.
E, a um apoiado do sr. visconde de Moreira de Rey, o orador juntou mais que nunca poderia manifestar com inteira liberdade o seu pensamento toda a vez que ali lhe fosse vedado referir-se a actos publicos do publicos poderes, posto que ainda por si tivesse o dessafogo de envergar a penna, e, tão bem como o illustre relator do parecer, defender por escripto as suas opiniões.
O sr. Presidente: - O digno par póde fallar e referir-se á camara dos senhores deputados, sem melindrar aquella casa do parlamento; a intelligencia e delicadeza do digno par, de certo lhe permittirão expender as suas idéas sem melindre para ninguem.
O Orador: - Justificou-se ainda, allegando que fallaria, sem melindrar as susceptibilidades, aliás menos nervosas, da camara dos senhores deputados. E, insistindo no que já dissera, repetiu que não achava multo consentaneo com o espirito da constituição, a circumstancia de uma camara eleita por quatro annos, deixar passar dois, sem admittir á discussão o mesmo em que actualmente consentia, só pelo facto de lho haver apresentado o sr. presidente do conselho, o qual mais desfigurava este caso infando, com a aggravante de haver dito não remota e publicamente, que as reformas politicas não eram uma impreterivel necessidade. N'este ponto confirmou a asserção que attribuia ao sr. presidente do conselho com documentos que leu, e onde ella parecia de manifesto, interrompendo a sua leitura com reflexões ora ironicas ora vehementes, e concluindo por não ser aquella a maneira de conquistar a opinião publica. Sobre isto leu ainda parte de um relatorio, de quando o sobredito sr. presidente, era ministro da fazenda, de onde inferiu que, tendo s. exa. vinculado a sua existencia politica á extincção do déficit, comtudo tão vivo estava s. exa. como o defini subsistia, sendo por estes e outros factos b principal collaborador da moção que mandara para a mesa, o mesmo sr. presidente. Que não obstante os esforços de s. exa. para exterminar esse phantasma horrivel, o deficit, succedia que ultimamente se habituara a viver com elle e com tamanha satisfação, que apenas para entreter os ocios da sua vida ministerial, tomava a iniciativa das reformas politicas. (Riso.) Que, portanto, a este asserto - fica garantida a divida, publica, - com mais verdade se devera substituir est'outro - fica garantido o deficit da divida publica - por ser este justamente o facto de que o têem recapacitado todos os ministros desde a outorga da carta. (Riso)
Mas, como era que urgindo tanto a questão de fazenda, pelos males que resultavam do seu estado lastimoso, a preteriam pela questão das reformas? Poder-lhe-iam responder que uma não tem influencia directa na outra. Tal resposta fôra mal cabida, pois que ambas directamente se influiam. E dizendo-se falto de auctoridade, a fim de o comprovar, recorreu ao relatorio feito ultimamente pelo sr. ministro da fazenda, e leu d'elle o que julgou sufficiente a fundamentar o que avançára, arguindo novamente o sr. presidente do conselho, porque assim como para guiar a tantos no perigoso caminho das reformas politicas lhe sobravam forças, de todo o desampararam ellas para os congregar no justo e utilissimo empenho de reorganisar a fazenda publica.
Reportando-se ao dito do sr. conde do Bomfim, sobre o povo querer pão o vinho, o orador protestou que necessitar de pito já era muito, e a este proposito leu uma nota da importação de cereaes, da qual resultava ter ella avultado á excessiva somma de 1.554:000$000 réis, capitulando por isso de inopportunas as reformas em questão. (Apoiados.)
Depois leu tambem um documento, em que o sr. Lapa indicava aos poderes publicos a necessidade imprescriptivel de se attender em especial á nossa agricultura, cujos adubos igualmente soffriam um deficit, sendo que nós tinhamos um ministerio de obras publicas, commercio e industria, mas nenhum do agricultura. Senão, que lhe dissessem onde estava elle?
Que, pelo exposto, se via, pois, na necessidade de enfadar talvez a camara, e que mesmo da India ou China viera para discutir as reformas politicas, visto como o poderia transportar qualquer paquete directamente á metropole.
O orador dirigiu se então ao sr. Francisco Costa, declarando que fallava perante uma auctoridade, competente, e reiterando que directamente poderá ter vindo do ultramar, se o governo houvesse acceitado uma proposta, que lhe dirigira uma companhia ingleza, sobre totalmente facilitar-lhe as relações entre Macau e a metropole, mediante um subsidio de 27:000$000 réis. E ácerca da vantagem que d'aqui derivara, invocou o testemunho do sr. Queiroz, ex-governador de Macau. Porém, que em vez de tão util subvenção, se acudira com outra de 37:000$000 réis ao theatro de S. Carlos.
De novo o digno par se referiu á questão da agricultura, demonstrando que em todo o paiz havia por desbravar 4:314 hectares, cujo cômputo, em que evidentemente havia lapso, lhe fui logo corrigido por uma voz desconhecida, e assim: 4 milhões de hectares! ao que tambem o orador, accorrendo immediatamente em sua defeza, pediu a quem quer que lhe fizera essa advertencia, o não quizesse equivocar com o sr. ministro da fazenda, o qual, em assumpto de algarismos, confundia sempre a casa dos mil com a dos milhões; sendo, pois, claro que, quando elle proprio dissesse 4 mil hectares, toda a gente devia saber que se referia a 4 milhões. (Riso.)
Que da falta de braços tambem procedia a incultura agricola no nosso paiz; e já um grande pensador e honestissimo caracter, o sr. Oliveira Martins, affirmára com verdade ser o homem a materia prima do trabalho. Mas que os registos officiaes denunciavam uma emigração de 14:000 almas annualmente. Se com estes males se sommassem ainda outros, quaes os provindos da falta de hygiene, dos arrozaes principalmente, a que o digno presidente d'aquella camara quizera obviar com a lei de 1867, redundaria tudo em muitos deficits dignos de tambem serem attendidos pelos poderes publicos. Ainda outros havia no emtanto; e
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lendo o artigo da carta, relativo á instiucção, deduziu que tendo o paiz 3:802 freguezias, d'ellas sómente 2:534 tinham escolas, havendo conseguintemente um deficit de 1:268 escolas, e de muitos curas de almas, porque o padroeiro que ali estava, o sr. presidente do conselho, lh'os não tinha querido dar. (Riso.)
Com referencia ainda á carta constitucional, attento nem todos saberem a sua idade, nem mesmo aquelles que a defenderam, como o sr. visconde de Soares Franco, que de certo fôra mais energico na defeza d'ella que aquelles que a pretendiam reformar, e se tenha por não menos duvidoso que é mais difficil fazel-a ou cumpril-a que reformai a (Apoiados.), ficassem todos sabendo, por mercê do sr. relator, que tinha a carta cincoenta e oito annos. Porém, o que era esse lapso de tempo, comparativamente com a magna carta de Inglaterra e mesmo com a de Italia, com o seu velho estatuto do Piemonte? Tão nova era, e até mesmo para os que a queriam reformar, que o relator do projecto diz: a carta já se acha envelhecida; o que, consoante á indole da lingua portugueza, não significa estar velha pelo tempo, mas que assim se fez antes de o dever estar.
Com relação ao projecto de reforma eleitoral, o orador estranhou-o igualmente, garantindo a final que se entre nós rareavam os eleitores, sobravam de certo os portadores de listas. E passando em seguida a tratar da divida consolidada e taxando-a de um amplo deficit, sobrevem n'esta occasião o sr. visconde de Moreira de Rey, ao qual se dirigiu logo o orador, e exalçando-lhe primeiro o seu talento, rememorou-lhe em seguida e com applauso o que em tempo e com muita verdade s. exa. expozera n'um seu discurso, quanto á nossa malaventurada lei organica da propriedade. E quanto a fallarem de tantas liberdades, como é que ninguem se lembrára ainda da liberdade de testar? (Apoiados.) Tanto se fallava n'ellas e tanto se desejavam que até no projecto havia em mente permittir-se a El-Rei sair do paiz, sem a precisa licença. (Riso.) Que aliás para sair não era lastimoso pedir licença, senão antes que para entrar. (Riso.) Tambem na outra casa do parlamento havia um illustrado espirito, um genio trabalhador e consciencioso, o sr. Luciano Cordeiro, que propozera a revogação da lei de 1834. O orador leu em seguida o dispositivo d'essa lei, a qual torna a sua penalidade extensiva aos descendentes do ex-infante D. Miguel, contrapondo-lhe o preceituado na carta constitucional, que apenas a limita á pessoa do delinquente. Sobremodo então se insurgiu o orador contra o que reputou uma antinomica barbaridade e o ter sido rejeitada a proposta do sr. Luciano Cordeiro! Que a par disto permittia-se entre nós um partido tão ant-idynastico, qual o republicano, que, de certo, e embora occulto, deveria, ter algum chefe ou cabeça, vivendo com todos vida contubernal e folgada. Que sobre este ponto exigia tambem estreitas contas ao sr. presidente do conselho.
O digno par, dispondo-se então a fechar o seu discurso, mostrou receiar que alguem o increpasse de ter pedido a palavra sobre a ordem e estar fallando sobre a materia, conceituando-o por isso de menos respeitador do regimento da camara, que certamente viria ainda a ser mais velho que a carta constitucional. (Riso.) Mas que se usára da palavra, fôra por ninguem a ter pedido e com receio de que se votasse improvisamente o projecto das reformas.
E, continuando ainda a usar d'ella por um momento, reflectiu que comprehendia a rasão pela qual alguns queriam que entrasse o elemento electivo na camara dos pares; mas não alcançava o motivo, segundo o qual podesse votar contra a hereditariedade quem quer que já tivesse apoiado o approvado o parecer, sobre o projecto de 1878.
A final fez ainda alguns reparos attinentes ás reformas politicas e á lei _de 1845, avaliando-a como exagerada craveira para medir a aptidão dos successores do pariato, e tanto mais, quanto era certo que n'um dos versiculos da biblia estava: "ser dos pobres de espirito o reino dos céus", e tendo por mais difficil legislar para o céu que para a terra, concluiu d'ahi que dado o caso de algum par do reino ser um dos taes pobres, nenhum mal comtudo poderia occasionar no exercicio innocente das suas funcções.
(O discurso de s. exa., que ainda ficou com a palavra reservada, será publicado na integra, quando nol-o devolva.)
Proposta
A camara dos dignos pares, animada pela segura convicção de que intrepreta genuinamente aspirações do paiz; antepondo a todas as questões que haja de resolver com o concurso do seu voto a questão de fazenda; convencida de que, inspirados no desejo sincero e patriotico de conseguir este fim, os poderes publicos constituidos pela carta tem, no exercicio das attribuições que ella lhes confere, vasto e complexo assumpto para largas reformas, garantindo e protegendo todos os outros direitos e Interesses tanto individuaes como sociaes, sob o imperio da lei e em harmonia com o espirito e letra da constituição, resolve adiar o projecto das reformas politicas para occasião opportuna.
Sala das sessões, 12 de março de 1874. = Visconde de Chancelleiros.
O sr. Presidente: - V. exa. fica com a palavra reservada.
O sr. Telles de Vasconcellos: - Por parte da commissão de administração mando para a mesa um parecer.
Foi a imprimir.
O sr. Presidente: - A proxima sessão terá logar na sexta feira 14 do corrente.
A ordem do dia é a continuação da mesma de hoje e mais o parecer n.° 240, já distribuido.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 12 de março de 1884
Exmos. srs. João de Andrade Corvo; Marquezes de Fronteira, de Penafiel, de Sabugosa, de Vallada; Condes, de, Alte, do Bomfim, do Casal Ribeiro, de Castro, de Gouveia, de Rio Maior, de Valbom; Bispo de Vizeu, Eleito do Algarve; Viscondes, de Almeidinha, de Alves de Sá, de Arriaga, da Azarujinha, de Bivar, de Chancelleiros, da Gandarinha, de S. Januario, de Moreira de Rey, de Soares Franco, de Villa Maior; Barões, de Ancede, de Santos, Ornellas, Sousa Pinto, Barros e Sá, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Pequito de Seixas, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Palmeirim, Bazilio Cabral, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Costa e Silva, Francisco Cunha, Henrique de Macedo, Jeronymo Maldonado, Mártens Ferrão, Abreu e Sousa, Gusmão, Gomes Lages, Braamcamp, Baptista de Andrade, Castro, Fernandes Vaz, Ponte e Horta, Mello Gouveia, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Bocage, Daun e Lorena, Seixas, Vaz Preto, Canto e Castro, Placido de Abreu, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Mendonça Cortez.