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400 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

actos do governo, embora tenham desejo de protestar contra elles.

Não posso dar mais provas de condescendencia á camara e ao governo.

Sr. presidente, a argumentação do governo é perfeitamente especiosa quando quer sustentar que a concordata de 1886 sendo uma consequencia da concordata de 1857, é apenas um acto de execução.

Eu sinto que não esteja presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros mas s. exa. não póde estar em toda a parte, está representado pelo sr. presidente do conselho, e muito sentindo a ausencia do seu collega tambem muito estimo que o sr. presidente do conselho esteja presente.

O nobre presidente do conselho é um jurisconsulto distincto, tem compulsado as leis e os codigos, e portanto, póde apreciar e ver bem como eu fundamento a minha argumentação, principalmente nos principios do direito.

O governo teve necessidade, dizem os seus amigos politicos, e eu sou echo dos seus seus amigos nesta occasião, "teve necessidade, repito, de acceitar as ultimas imposições de Roma, que consistiam em que dentro de tres mezes fosse approvada a concordata e ractificada.

O governo devia n'essa occasião convocar as côrtes, e não entro nas rasões por que o não fez, mas o que sei é que as camarás, convocadas para janeiro, furam adiadas, depois dissolvidas e fez-se um novo parlamento.

Haviam passado os tres mezes improrogaveis pela Santa Sé, e o governo para não perder este beneficio, tão apregoado pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, usou de poderes que não tinha, approvando a concordata. Não averiguo agora se approvou porque não tinha côrtes ou se não quiz ter côrtes para poder approvar, furtando-se á sua fiscalisação.

Do que ninguem certamente duvida é de que eu sou amigo do sr. Mártens Ferrão como se póde ser amigo de um dos homens mais importantes deste paiz; todos sabem que conheço a sua alta capacidade e as suas eminentes qualidades; todos sabem e eu já aqui o disse, que elle alcançou tudo quanto podia alcançar ou antes que salvou quanto podia salvar-se do padroado portuguez na India, quando negociou a concordata. Faço esta declaração previa para que, ao expor opiniões em que não estou de accordo com o sr. Mártens Ferrão, não me attribuam a idéa de que pretendi melindrar sequer o eminente jurisconsulto e homem de estado, que tem a sua assignatura n'este documento. Não podia nunca ser essa a minha intenção.

Tambem não posso censurar o governo, porque acceitou a concordata que s. exa. negociou e que, como muito bem disse nos seus despachos, tem a responsabilidade de duas situações, responsabilidade que eu não regateio nem nego na parte que me pertence.

Nós não assignámos a concordata, é verdade, mas levámos longe a negociação. E a proposito podia já responder a umas advertencias feitas hontem pelo sr. Barros e Sá, que sinto não ver presente e sinto tanto mais quanto é provavel que incommodos de saude o privem de comparecer. Podia responder que a responsabilidade é de quem assigna, pois tem na sua mão rejeitar todas as negociações anteriores; mas não rejeito responsabilidades, acceito-as.

V. exa. vê perfeitamente que estou numa situação excepcional, politicamente fallando.

O partido regenerador não tem voz n'esta casa por ora, e, portanto, não posso fallar em nome d'esse partido. Fallo individualmente e só.

O partido regenerador não tem voz aqui por ninguem ter ousado ainda levantar a gloriosa espada que caiu ao pé do leito de morte do nosso chorado chefe.

Isto não quer dizer que não haja summidades no partido a que tenho a honra de pertencer, quer dizer que a consciencia de cada um se acanha de addir aquella herança, onde vêem grandes honras com grandissimas responsabilidades.

Por consequencia, a minha voz apparece isolada, sem os coros dos meus amigos, sem o applauso dos meus correligionario s3 e tambem sem a sua approvação.

N'estas circumstancias, que politica posso eu fazer?

O meu voto, ainda que fosse muito qualificado, será só um voto e esse nem espero nem desejo que seja n'esta questão molesto ao governo.

N'estes termos, posso estar divergente das opiniões do sr. Mártens Ferrão, sem suspeição de malquerença.

Refiro-me ás opiniões juridicas de s. exa., unico ponto em que estou discorde do illustre jurisconsulto.

A questão é esta: fez-se uma concordata e nos seus preliminares, e durante a negociação e finda ella, todos os documentos que o Livro branco nos apresenta dizem que era uma nova concordata que se estava negociando; dil-o o bom senso tambem; e eu pergunto aos meus collegas se aqui, nesta de 1886, não ha uma refundição completa, uma alteração essencial da de 1857? Ninguem ousará negal-o.

Agora ouça-me o sr. presidente do conselho:

Como pretende o governo justificar o modo por que procedeu approvando e ratificando a concordata sem attender a que approvar é acto exclusivo do poder legislativo?

Á falta absoluta de boas rasões entendeu que uma rasão má sempre é um argumento; e procurou a má rasão.

É passima, porém, e é de sentir que não achasse melhor. Vejamos:

Nós temos aqui uma concordata que nos tira em favor da propaganda a maior parte da grande area onde, pelas bulias dos Santos Padres, e ainda pela concordata de 1857, podiamos exercer o direito de padroado, com exclusão absoluta de quem quer que fosse. É verdade que para tornar effectivo esse direito havia difficuldades.

Dizia em 1857 o sr. Ferrer:

"Em vista d'este mappa (o do Indostão) teremos de organisar, pelo menos, quinze dioceses alem das que ficam designadas na concordata." (Que eram seis.)

Calculava, pois, e pelo menos, o sr. Ferrer, que a vastidão do territorio onde nos ficava direito, já então cerceado, de exercer padroado, dava para vinte e uma dioceses! Esta concordata de 1886 deixa-nos quatro, ou cinco se contarmos a de Macau, e todo o resto fica para os padres da propaganda!

Ora pergunto eu: a- concordata de 1857, que nos reservava todo aquelle territorio no oriente, é a mesma que nos deixa territorio para quatro dioceses no Indostão?

Será a mesma cousa esta concordata, que nos tolhe toda a expansão de futuro, que essa outra em que se nos reconhecia direito ao exercicio do padroado n'um territorio immenso, qual antes o hauriamos, apenas com excepção de Hong-Kong, Quamsi e Paulo -Penany?

Mas não temos agora só estas excepções, temos outras onde cabem trinta dioceses.

E será isto a mesma cousa?!

Não.

O proprio sr. Mártens Ferrão tinha disto a consciencia quando dizia ao governo que esta concordata cabia bem dentro da outra de 1857. Se cabia! E ficava ainda panno para mangas. (Riso.)

Se cabia e cabe dentro d'ella é porque é mais pequena, e muito mais pequena. (Apoiados.}

Depois d'isto, como vir eu pretender sustentar que a presente concordata não é mais do que a execução da de 1857?!

Realmente este argumento não é facil de subsistir n'um logar onde ha tantos jurisconsultos como ha na camara dos dignos pares da nação portugueza! A rasão da sua persistencia e successivas reproducções é homenagem prestada ao illustre negociador, que a suggeriu, e a cuja auctoridade se acoita sempre e invariavelmente o governo.

O Santo Padre fez muito mal em nos impor já em 1857