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SESSÃO DE 8 DE JUNHO DE 1887 401

as restricções que nos impoz. Não o inspirou já então o Santo Espirito, na escolha do seu quinhão de territorio.

Fez mal! e parece que foi escolher a dedo uns pontos no extremo oriente, onde não mora a porção melhor, nem a mais conversivel, da humanidade.

Sua Santidade ha de arrepender-se ainda da tripulação que, n'aquellas paragens, recrutou para a sua navegação piedosa, a perfidos marinheiros confiada.

Não quero dizer com isto que a barca de S. Pedro sossobre; mas ha de ver-se em graves riscos nos mares aparcelados do oriente, onde só nós lhe podiamos dar mareantes práticos e leaes. A barca de S. Pedro metteu piratas a bordo, principalmente desde 1857; e agora entregou sem condições o leme á propaganda, lançando ao mar o padroeiro portuguez. Ha de arrepender-se.

Affirmo-o! porque Portugal, muitissimo respeitado-no oriente, mais que a propaganda, tem sido sempre tambem mais respeitoso do que ella com a Santa Sé. Affirmo-o! porque antevejo os resultados desta politica de padres, mais damnosa para a religião do que para Roma, e mais damnosa para Roma do que para nós. (Apoiados.)

Como póde o governo dizer-nos que a ultima concordata é a execução da concordata de 1857?

Demos de barato que seja assim. Então desejaria que o sr. presidente do conselho me dissesse como é que, sendo esta concordata ultima um acto de pura execução, um acto de exclusiva competencia do poder executivo, com o qual nada têem as côrtes, o quizeram revestir de formulas constitucionaes, devidas sómente aos tratados propriamente ditos com as potencias estrangeiras? Para que approvaram e ratificaram? (Apoiados.} Se era acto exclusivo de execução não carecia d'essas formalidades, e se era um tratado, tinha e tem de ser approvado pelas côrtes, antes de ser ratificado pelo poder executivo. É formal a disposição do artigo 10.° do primeiro acto addicional á carta. A argumentação do governo não é sustentavel.

E não quero referir-me á concordata propriamente dita. Espero a occasião em que ella venha ao parlamento, e então a discutirei. Antes disso não a posso discutir sem incoherencia. O que posso dizer a s. exa. é, repito o que já disse, que esta concordata marca o penultimo acto do drama heróico que se intitula o padroado portuguez no oriente. Roma quer privar-nos do padroado em tudo que não seja as nossas possssões; a guerra ha de continuar. Preferiu ir já tomando posse das suas vinte e tantas dioceses, ver reconhecido um direito que nunca o fôra, e dar este compasso de espera ou de suspensão nas suas systematiças hostilidades. Em breve se ha de ver a verdade da minha prophecia. A Santa Sé, com mais ambição que reflexão, quiz levar de assalto este longamente premeditado esbulho, e o governo, com á sua já censurada reverencia humilde, censurada pelo proprio reverenciado, obedeceu e curvou-se, sem se lembrar do que o podiam accusar de traição. Assignou, approvou, ratificou e executou a concordata, com pressa que poderia parecer suspeita, se não parecesse forcada; mas deixando n'ella germens fataes de proximas difficuldades.

Eu já tive occasião de fazer algumas perguntas ao sr. ministro dos negocios estrangeiros sobre differentes pontos da concordata, perguntas ás quaes s. exa. não respondeu satisfactoriamente. O que elle mesmo confessou.

O artigo 1.°, por exemplo, tem uma redacção que pela primeira vez se emprega, e os padres não escrevem debalde ou indifferentemente uma phrase, uma palavra, uma virgula.

Nós tinhamos dois titulos de direito, que era bom não ter esquecido, nem o foram pelo illustre negociador portuguez. Tinhamos as bulias de muitos Pontifices, que nos reconheceram o direito do padroado sem limites, no oriente. Digo reconheceram, e não digo concederam.

Depois d'isso assignámos um contrato bilateral, que foi a concordata de 1857.

Tambem n'ella se fallava de reconhecimento e não de concessões.

Roma, a Santa Sé, não quiz respeitar nenhum d'estes sagrados titulos: nem as bulias nem o tratado. Esta falta de respeito pelo direito alheio, tão legitimamente adquirido e tão firmemente documentado, será um perigo para a Santa Sé porque será uma auctorisação a que lhe falto, com ella nos faltou, á palavra dada e auctorisada com a solemne referenda dos seus plenipotenciarios. Para nós é a duvida do dia de ámanhã. A concordata de 1857 era um contrato feito e concluido com todo o rigor das prescripções legaes; approvado pela nação, não em uma só mas em duas leis; e Sua Santidade recusou-se a cumpril-o;

Que certeza temos nós de que este ha de ser respeitado; este, que vae ficar falho de todas as garantias legues?

Os seis mezes para a apresentação do bispo nomeando, apresentação que fica pertencendo ao Rei de Portugal, pelo artigo 7.° da concordata, não se sabe de quando começam a contar-se. É tambem um perigo. Chamo para isto as attenções do governo. Que elle trate, se póde ainda, de sanar o inconveniente que d'aqui resulta e outros, que já tambem apontei.

A situação de Macau, por exemplo, é excepcional. Não se diz em parte alguma que seja suffraganeo aquelle bispado, da sé primarial de Goa, como era pela concordata de 1857. Antes parece não o ser por não vir mencionado onde se menciona Damão, Cochim e S. Thomé de Meliapor.

Se podesse pedir alguma cousa ao governo e, principalmente, se podesse pedir alguma cousa do futuro, pelo qual nem eu mesmo, que tenho formada a minha convicção, poderia responder, pediria que fosse esta a nossa ultima concordata; que nos deixassemos ficar como estamos, emquanto a Roma aprouvesse; não só porque não podemos lactar com a Santa Sé, emquanto officialmente sustentarmos o catholicismo como religião do estado, mas porque vivemos já hoje num paiz onde o sentimento do patriotismo e o brio de portuguezes parece ir desfallecendo a olhos vistos; e se esta questão se não levanta, e se não sustenta pelo sentimento, pela honra, pelo pundonor, pelo calculo tambem não.

Estou vendo aqui dia a dia, com muita mágua o confesso! o contrario do que se vê nas nações que teem vitalidade e virilidade. Um desfallecimento morbido ou uma indifferença criminosa. Vejo-o com grande amargura, principalmente quando partem vozes de desalento d'aquelles que deviam estar mais firmes no seu Togar e mais acrisolados no seu amor de portuguezes.

Quando uma guerra devastadora, ha pouco ainda invadiu a França, tambem do seu parlamento partiram grandes vozes de desalento. O resultado foi a aniquilação das suas forças. Vencida e esmagada, porém, quando os inimigos lhe lançaram uma enorme contribuição de guerra e, peior ainda, lhe tomaram uma porção do seu territorio, ninguem houve n'esse paiz que não protestasse entre as lagrimas e o sangue: "Havemos de reivindicar o que é nosso; custe o que custar". E pagaram de prompto, briosamente e generosamente todas as pesadissimas contribuições da guerra.

Mas a promessa de desforra ficou; existe, germina e não se desdiz.

É esse o perigo que ameaça hoje e sempre a França; é a reivindicação das suas provincias. Nobilissimo perigo motivado por esta heróica imprudencia de patriotismo!

Não estamos nós, desgraçadamente, sujeitos a perigos similhantes.

Quando perdemos alguma parte do nosso territorio, quando nos affrontam o nosso incontestavel direito, quando nos confiscam os brazões que os nossos maiores ganharam á custa das mais heroicas fadigas, não só se contesta que o exercicio do direito do padroado seja um monumento nosso de gloria, mas tem-se pena de que d'elle nos ficasse ainda algum resto fóra dos nossos dominios.