402 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
É mais: pede-se que á camara seja cumplice d'esta exautoração.
Por isso eu peço ao governo, á este e aos que vierem, que se deixem de mais concordatas com a Santa Sé, porque em nossas discussões de hoje lhe temos dado argumentos que nunca antes tivera; (Apoiados.}
A discussão da camara dos pares sobre o padroado no oriente, está que vae correndo ha de ficar, infelizmente nos archivos parlamentares, porque não posso pedir á camara, nem ella me póde conceder, que sé queimem todas ás notas tachygraphicas e todos os discursos já impressos que rezem d'este assumpto miserando.
Estes discursos vão ficar eternamente nos archivos dá curia para com elles e por causa d'elles nos continuar a perseguir com a sua guerra sem treguas, a que, a falta de rasão, não faltam nunca pretextos.
Quero a opinião de todos, é a liberdade que a reclama; aprecio o voto livre e independente dos corpos legisladores, más sinto uma dor profunda quando comparo o brio de outras nações e à unanimidade do seu protesto, na presença de uma desattenção ou de um attentado com o estoicismo dos nossos poderes publicos e do nosso povo; indifferente para as cousas maximas e só inflammavel se porventura o é, para as secundarias ou para as minimas.
Emquanto outras nações juntam os seus partidos todos; n'um só partido - o da patria - nós respondemos a quem protesta contra a invasão que nos leva os nossos dominios ou desconhece os nossos direitos, que ainda é demais o que nos fica. (Apoiados.}
Á vista do que não fazem falta nenhuma os bispos portuguezes.
Para que viriam elles? Para continuarem os seus agradecimentos ao Santo Padre? Não é preciso. O digno par a quem me refiro agradeceu por elles a generosidade de Roma, (Apoiados.} ou, antes, não lha agradeceu, mas reconheceu-lh'a, confessando-a com mágua.
Estas questões são de sentimento?
Bem hajam os poetas que ás tratam com o seu coração é com o seu enthusiasmo. (Apoiados.)
No dia em que nós tivermos de inquerir quanto nos custa e quanto nós rende cada padre no oriente em terras do nosso padroado, n'esse dia o padroado deixa de ser uma honra e o Rei de Portugal deixa de ser padroeiro. N'esse dia abdicâmos, passando de cidadãos independentes à simples mercenarios.
Desde esse instante deixemos a outrem, que não a nós, a protecção das christahdades do padroado portuguez no oriente.
Antes d'isso, não. E é bem que nó meio d'esta Babylonia alguem diga cousa que todos entendam. Não é facil, bem sei, porque nós estamos na verdadeira Babel, senão de linguas, de opiniões. Babylonia, denunciada pelo digno pai o sr. dr. Senna, que se queixou de não comprehender como em volta do partido progressista se grupavam, tanto os homens de idéas mais adiantadas, como os de intentos mais retrógrados e reaccionarios; os que desejam ordens religiosas, e os que não querem padres para cousa nenhuma, nem missões, nem padroado, nem igrejas.
Tem rasão, o digno par.
E sabe v. exa. o motivo d'esta Babel?
Dizia já o grande tribuno portuguez: - José Estevão:
- É porque o baralho politico está mal enaipado. (Apoiados.}
Já o estava no seu tempo, quanto mais agora!
Ahi tem o digno par porque ninguem se entende n'esta Babylonia.
Pois não se ouviu ainda hontem o digno par o sr. Barros e Sá dizer que a culpa dos nossos desastres com a Santa Sé era devida aos governos de Portugal? (Apoiados.)
Ora isto, será tudo, menos fazer historia, como ella deve ser feita; isto é fazer historia ad usum.. . seja de quem for ou do que for, mas não é editar a verdadeira historia.
E á proposito de historia; eu vou, desde já, n'uma confissão difficil alliviar a minha consciencia embora á custa da minha reputarão. Vou dizer á camara e a v. exa. que para mim não houve nunca um homem mais respeitavel como historiador do que Alexandre Herculano; pois bem, é d'elle a culpa principal da maior parte das historias que hoje andam em curso a respeito dos nossos feitos no oriente. Desde que elle escreveu é prólogo do Roteiro de D. João de Castro, em que dizia - que estavamos pagando em seculos de ignominia (salva á redacção), os seculos de crimes commettidos mo oriente, todos se julgam auctorisados á denegrir, á titulo de imparcialidade; os feitos dos seus maiores.
Ora n'isto não ha, nem justiça, nem verdade historica.
É verdade que os seus seguidores pregoam como um dos mais gloriosos nomes ou, antes - entre os poucos gloriosos nomes, dos capitães da India o de D. Francisco de Almeida, bem o ouvimos ao digno par o sr. Fernando Palha; pois justamente foi esse um dos soldados mais crueis, na orientação do prologo do citado Roteiro, que governaram á India.
Ninguem desconhece á sua historia, e, principalmente, à sanha feroz com que vingou o desastre de Chaul, onde ficou morto o moço D. Lourenço de Almeida, seu filho, uma das mais brilhantes figuras dás nossas epopeas orientaes.
Era tambem a necessidade politica de, pelos methodos d'aquelles tempos, e d'aquelles paizes impressionaveis, se manter, pelo prestigio do valor e do arrojo heróico, o que não podia sustentar-se pela força numerica em regiões tão afastadas.
Não é assim que se faz historia, repito, é muito menos se faz no parlamento; menos ainda n'esta camara, onde se acham porventura representadas tradições, cuja honrada memoria sempre tivemos por sagrada.
Tenha paciencia o digno par; isto prova o muito que eu estava attento ao seu discurso e quanto aggravou a mágua de o ouvir a sympathia que lhe consagro.
Pois póde dizer-se com verdade, que Affonso de Albuquerque, D. João de Castro, D. Francisco de Almeida, Duarte Pacheco, Mascarenhas, os condes da Vidigueira, de Alva, da Ega e de Alvor, e tantos outros não fizeram na India mais do que descobrir mercados de especiarias?
Oh! sr. presidente, honrados merceeiros! nobres merceeiros! na verdade! (Apoiados.) Mas é bom que se saiba por quem é preciso completar esta singular historia, que esses mercadores tiveram por commis voyageur, por caixeiro ambulante, quem, sr. presidente? Um homem, - um padre chamado Francisco Xavier! uma das maiores glorias de Portugal, - o apostolo das Indias. (Apoiados.)
- Nobilissimos commerciantes de cravo e de pimenta servidos por tão illustres caixeiros! faz honra e dá gloria pertencer á patria que foi vossa, mesmo assim amesquinhados como sois.
Sr. presidente, eu não posso ver amesquinhar as grandezas da minha terra; não descendo, creio, de nenhum d'estes homens tão grandes, mas quando a elles tenho de me referir, digo sempre com muita ufania e com verdadeiro orgulho: - "Os nossos maiores". - Que é honra ser da terra que elles illustraram tanto. (Apoiados;)
Voltemos á injustiça do digno par õ sr. Barros e Sá, donde me desviou a presença do sr. Fernando Palha.
"N'estas questões do padroado são os governos de Portugal os culpados da nossa decadencia", dizia o digno par.
É falso. A cada qual a responsabilidade que lhe compete. É falso.
"Estivemos treze mezes sem responder a uma carta de Sua Santidade o Papa Pio IX ao Rei", dizia hontem o digno par.
Pois ainda bem!
Não ha signal de maior respeito do Rei Fidelissimo ao chefe da Igreja, que não responder áquella carta; não ha