SESSÃO DE 8 DE JUNHO DE 1887 403
signal de maior respeito para com o Summo Pontifice, dó que deixar sem resposta aquella carta.
A resposta, se fosse immediata, podia ser cruel.
Uma carta em que se ousa vir dizer-nos que, sé quizer-mos alguma cousa de Roma, havemos de despojar-nos de todos os fructos da nossa gloriosa revolução liberal, renegar todos os principies, rasgar todas as leis que na liberdade se inspiravam!
Pois isto diz-se a um paiz que se preza dás suas tradições, da sua nobreza do seu espirito patriotico, e das suas conquistas liberaes?
Isto hão se diz 5 e quando ousa propor se, é signal de respeito não responder.
A culpa é dos governos de Portugal? vamos ver.
A Santa Sé quer ser discutida. Eu sinto o pelo respeito que lhe é devido e sempre se lhe tributou. Porém, como nos faz um peccado da nossa reverencia humilde e como nos diz que tudo d'ella dimana e nada da propaganda!!! proseguiremos constrangidos mas obedientes á sua indicação.
Comtudo, podia provar com os documentos que tenho aqui e os que estão no Livro branco, que tudo ou quasi tudo quanto se adduz ou se faz contra os nossos padres, contra as nossas christandades e contra os nossos direitos, é quasi exclusivamente da propaganda.
Aquelle memorandum, mesmo onde eramos arguidos de reverencia humilde com que tratavamos o Santo Padre, e dá propaganda; e hão é já original, é cópia. Tudo aquillo ou quasi tudo se encontra n'um jornal da propaganda, intitulado: Resegna italiana, e tem a assignatura bem conhecida de Eduard Soverini.
Aquelle memorandum é uma reproducção dos artigos d'aquelle propagandista; mas a Santa Sé mostra-se ciosa de não ser directamente discutida e põe a thiara na cabeça da propaganda; não ha senão dirigirmo-nos a ella. Eu fal-o-hei sempre com respeita; seguindo a velha usança, não já dos nossos governos liberaes, mas dos nossos Reis, no tempo em que elles regiam é governavam, como logo mostrarei, com respeito mas com dignidade.
Pois então os governos de Portugal têem a culpa de todos, os malogrei com a Santa Sé?
Será para se lisongear o Papa que se diz isto, ou para fazer historia ad usum... propagandae ?
O que é com certeza é um symptoma de decadencia, bater nos nossos para lisonjear estranhos.
Ha um facto historico, que vem aqui muito a proposito.
Quando Napoleão I teve varias conferencias em Bayona com Carlos IV, estava este monarcha velho, tropego e dementado.
A sua augusta consorte era Uma senhora, decaída tambem, um pouco pela idade e muito pelos habitos pouco ré guiares da sua vida de soberana, meio beata, meio mundana.
Tinha-se dado a celebre revolta de Madrid em maio de 1808, na qual os soldados francezes haviam sido maltratados; porque a usurpação napolionica, em projecto, do throno dos Reis Catholicos foi tolerada pelos Reis, mas nunca pelo nobre povo hespanhol. Queixava-se da revolta em termos acres o grande Imperador,
imputando-a aos velhos Reis desthronados, que o ouviam trementes.
Assustados d'aquella ira, mais simulada que real, do vencedor dos Reis, chamaram á sua presença o seu filho, que era e tornou a ser depois Fernando VII, e na presença de Napoleão, a quem chamavam seu amigo, seu patrono e seu generoso vencedor, attribuiram a revolta ao filho, chegando o pae a erguer sobre elle a bengala, que lhe servia de encosto, e assim a mão, que rara vez o abençoára.
Isto no meio de convicios e affrontas nada proprios de tão altas categorias.
Napoleão, refere Thiers, retirou-se enjoado d'esta scena e monologando: "Que pae! Que mãe! Que filho!"
Os dignos pares, que accusam exclusivamente os governos de Portugal da perda do padroado no oriente, fazem como Carlos IV e sua augusta esposa: levantam a mão é o açoite sobre os seus ministros, degradando-os e degradando se, para lisonjearem o Pontifice, que aliás se mostra enjoado da reverencia humilde com que o tratam.
Este caminho não é o meu.
Não lisonjeio ninguem, mas não consinto que, injustamente, os poderes publicos do meu paiz, que officialmente o representam, sejam, em homenagem a estranhos, enxovalhados pelos seus. Isso não!
É preciso fazer historia como ella deve ser feita, e não ad usum. É preciso contar os factos conforme elles se passaram e não a sabor de ingratas phantasias.
Sr. presidente, de quando data esta lacta entre Portugal em favor dos seus direitos e a côrte de Roma, os seus commissarios, os seus padres, os seus frades, os seus vigarios apostolicos, os seus cardeaes, e os seus bispos in partibus contra nós e contra o nosso padroado?
Desde quando? É de hoje? Não. É de 1834? Não. É da concordata de Í857? Não; e quem o disser, ou desconhece ou escurece a historia.
Se nos lisonjearam e exaltaram muito emquanto eramos os unicos a ter a força, o prestigio e a auctoridade n'aquelles paizes longiquos do oriente, essa reverencia durou pouco. Os navios aventureiros dos nossos navegadores e conquistadores deixavam atraz de si uma longa esteira luminosa, e, seguindo a, todos podiam aprender o caminho para a India.
Roma teve conhecimento pelos seus padres e pelos nossos presentes das riquezas d'aquelle mundo, e dos vendilhões do templo se fez a sacra companhia das Indias, hoje conhecida pelo nome de propaganda. Desde então começou a milicia romana uma guerra sem treguas contra nós; guerra desigual, guerra fatalissima para nós e mais ainda para a religião, e para elles.
O tempo me justificará.
Vem de muito longe a guerra, nem sequer disfarçada na sua preceituada mansidão evangélica, nas fórmas, ao menos, e nas palavras. Nem isso.
O excepto do memorandum que citei e se lê no Livro branco é nada, em relação a outros documentos.
De longa data os Papas, mesmo referindo com reverencia tambem os nossos serviços á Igreja, nos teem dirigido injustas e pouco paternaes palavras; mesmo quando estamos em boas relações officiaes.
Um exemplo basta para se ver a benevolencia que á Santa Sé devemos j nós, ruim catholico, mais do que obediente, - evangelisador.
Alexandre VII, o Papa Alexandre VII, creára varios vicariatos apostolicos na India. Portugal protestara e Roma respondia ao protesto:
"Póde dizer-se que ainda que fosse concedido aos portuguezes o padroado das Indias (esta duvida honra a Santa Sé) não teria agora comtudo nem vigor nem rasão de ser... porque sendo esta a maior servidão que possa acceitar a Igreja de Deus, não concede a conservação dos referidos padroados senão em attenção á summa protecção que póde esperar dos padroeiros (onde ficaram as bulias que nos concediam a perpetuidade incondicional do padroado?. ..) Ora assim como esta suprema protecção da parte dos Reis de Portugal se achava "no seu vigor ao tempo em que se diz ter-lhe sido concedido o indulto" (Isto é defeito do traductor) "acima mencionado, por Leão X, sendo então os portuguezes poderosissimos nas Indias, amados e respeitados por todos, CONDIÇÕES QUE HOJE LHES FALTAM ABSOLUTAMENTE ..." Não careço de ler a conclusão do periodo; careço, porém, de protestar contra esta asseveração, que não é exacta, que é injuriosa e malevola. (Apoiados.)
Tambem Roma faz historia para seu uso; mas lá não é novidade.
Não somos poderosissimos como a omos nas Indias orientaes, mas amados e respeitados somos e sempre o fo-