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N.º 27

SESSÃO DE 2 DE SETEMBEO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios — os dignos pares

Julio Carlos de Abreu e Sousa
Luiz Augusto Rebello da Silva

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. — Correspondencia. — São approvados, dispensando-se o regimento, os pareceres n.os 34, 36 e 35. — O digno par Pereira Dias requer que entre era discussão o parecer n.° 30. Approvado o requerimento, é em seguida approvado o alludido parecer.

Ordem do dia: Discussão do parecer n.° 15. — Usa da palavra o digno par Pimentel Pinto, que conclue mandando para a mesa uma proposta. — É admittida e fica em discussão conjunctamente com o projecto. — Usam da palavra sobre o assumpto em ordem do dia, o sr. ministro da justiça, o digno par Abreu e Sousa, novamente o sr. ministro da justiça e de novo tambem o digno par Abreu e Sousa, o digno par conde de Bomfim e por ultimo o digno par Pimentel Pinto, que pede que lhe seja permittido retirar a sua proposta, o que lhe foi concedido. — E approvado o parecer e depois nomeada uma deputação que tem de felicitar Suas Magestades no dia do seu anniversario natalicio. — É posto em discussão o parecer n.° 20. — Usa da palavra o digno par D. Lui-da Camara Leme, que termina apresentando uma moção. — E admittida.— Responde ao digno par o relator sr. Pereira Dias.— D digno par conde de Lagoaça, requer que a sessão seja prorogada até se votar o parecer.— E approvado este requerimento.— Discursaram sobre o assumpto em discussão os dignos pares conde do Casal Ribeiro, Pereira Dias, Ernesto Hintze Ribeiro, Vaz Preto, o sr. presidente do conselho, e novamente o digno par Ernesto Hintze Ribeiro, depois do que é rejeitada a moção do digno par D. Luiz da Camara Leme e approvado o parecer. — O digno par Ernesto Hintze Ribeiro propõe um voto de louvor ao sr. presidente pela maneira correcta e digna com que dirigiu os trabalhos da camara. — Associam-se a este voto, que é approvado por acclamação, o sr. presidente do conselho, o digno par Pereira Dias, e o sr. presidente, agradecendo a manifestação da camara, declarou que o encerramento das côrtes realisar-se-ha no proximo sabbado ás duas horas da tarde.

Ás duas horas e meia da tarde, verificando-se a presença de 19 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Estavam presentes o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da justiça.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do sr. ministro dos negocios estrangeiros, datado de 2 de setembro de 1897, remettendo 100 exemplares do Livro branco relativo á arbitragem de Manica.

Foram mandados distribuir.

Representação da associação commercial dos lojistas protestando contra as propostas de fazenda.

A commissão de fazenda.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que dispensam o regimento para que os projectos, mandados hontem para a mesa, entrem desde já em discussão, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

Vae ler-se o projecto n.° 47, sobre que recaiu o parecer n.° 34, e que isenta de direitos o material para a construcção do caminho de ferro de via estreita de Valença a Monção.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 34

Senhores.— A vossa commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda, examinou cuidadosamente o projecto de lei n.° 47, vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim isentar de direitos o material fixo e circulante do caminho de ferro de via reduzida, de Valença a Monsão.

E attendendo a que, com pequeno sacrificio para o fisco, poderá assim contribuir-se para a segura e rapida execução de um melhoramento, que não só será da maior utilidade para os povos de todo o alto Minho, mas tambem fará augmentar consideravelmente a receita do estado na linha ferrea do Minho, é de parecer que merece a vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a conceder a isenção de direitos, no material fixo e circulante necessario para a construcção e primeiro estabelecimento do caminho de ferro de via reduzida, entre Valença e Monsão, na conformidade do orçamento, superiormente approvado, e sob rigorosa fiscalisação dos delegados do governo.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão, 1 de setembro de 1897. = Abreu e Sousa = Pereira Dias = Vaz Preto = A. Braamcamp = Conde de Lagoaça, relator.

PARECER N.° 34-A

Senhores.— A vossa commissão de fazenda conforma-se com o parecer da illustre commissão de obras publicas, sobre o projecto de lei n.° 47.= Hintze Ribeiro (com declarações) = Pereira Dias = Marino João Franzini = Fernandes Vaz. = Tem voto do digno par Vaz Preto = Conde de Lagoaça, relator.

Projecto de lei n.° 47

Artigo 1.° É o governo auctorisado a conceder a isenção de direitos no material fixo e circulante necessario para a construcção e primeiro estabelecimento do caminho de ferro de via reduzida entre Valença e Monsão, na conformidade do orçamento superiormente approvado, e sob rigorosa fiscalisação dos delegados do governo.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 30 de agosto de 1897 .= Eduardo José Coelho = Joaquim Paes de Abranches = Frederico Alexandrino Garcia Ramires.

O sr. Presidente: — Está em discussão. (Pausa.)

Como ninguem pede a palavra, vae votar-se. Os dignos pares que approvam o projecto que acaba de ser lido, tenham a bondade de se levantar.

(Pausa.)

Está approvado.

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Vae ler-se o projecto n.° 38 sobre que recaiu o parecer n.° 36, e que tem por fim prorogar por mais um anno a isenção de direitos para o material destinado á illummação electrica do Funchal.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 36

Senhores. — A vossa commissão de fazenda examinou com a devida attenção o projecto de lei n.° 38, no qual se proroga por mais um anno a auctorisação dada ao governo pela carta de lei de 13 de maio de 1896.

É tão evidente a utilidade d’este projecto, que a vossa commissão se dispensa de fundamentar largamente, Todos conhecem as circumstancias em, que se encontra a ilha da Madeira, é d’ahi a necessidade, de contribuir o mais possivel para o seu desenvolvimento material. Tudo isso será compensado de futuro pela concorrencia, sempre crescente, tanto de nacionaes como de estrangeiros, áquella encantadora, é graciosa estancia. = Hintze Ribeiro (com declarações) = Conde de Macedo = Pereira Dias = Marino João Franzini = Pereira de Miranda = Conde de Lagoaça, relator.

PARECER N.° 36-A

Senhores: — A vossa commissão de obras publicas conforma-se com o presente projecto de lei, o qual considera de utilidade publica. — Pereira Dias = Conde de Azarujinha (com declarações) = Vaz Preto = Abreu e Sousa = Conde de Lagoaça, relator.

Projecto de lei n.° 38

Artigo 1.° É prorogada por mais um anno, a contar da data da publicação d’esta lei, a auctorisação dada ao governo pela carta de lei de 13 de maio de 1896, para conceder á Benção de direitos ou de quaisquer impostos locaes ao material que ainda seja necessario importar para a illuminação publica a luz electrica, com destino á cidade do Funchal, e posto a despacho na respectiva alfandega.

Ar t. 2.° Igual isenção é concedida por um anno, a contar da data da publicação d’esta lei, ao, material já importado e a importar pela empreza carris, de ferro do Funchal e posto a despacho na respectiva alfandega.

Ar t. 3.º Esta isenção só poderá ser concedida nos termos é condições dos §§ 1.° e 2.° dos artigos 1.° e 2.° da citada carta dó lei de 13 de maio de 1896.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 27 de agosto de 1891 = Eduardo José Coelho = Joaquim Paes de Abranches = Frederico Alexandrino Garcia Ramires.

O sr. Presidente: — Está em discussão.

(Pausa.)

Como ninguem pede a palavra, vae votar-se.

Os dignos pares que approvam o projecto que acaba de ser lido, tenham a bondade de se levantar.

(Pausa.)

Está approvado.

Vae ler-se o projecto n.°46,sobre que recaiu o parecer n.° 35, e que tem por fim auctorisar a camara municipal de Alcoutim a applicar às, suas despegas, geraes os fundos de viação.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PRRECER N.º 35

Senhores. — Á vossa commissão, de administração publica foi presente o projecto de lei n.° 46, vindo da camara dos senhores deputados.

Tem elle por fim regularisar a situação d’aquelle concelho, sem encargo para o thesouro, nem aggravamento para o contribuinte, antes minorando a situação tensa em que hoje se encontram pela taxa, um pouco crescida, a que estão sujeitos. Como tambem nada soffre a viação d’aquelle concelho, visto que as estradas districtaes, hoje em construcção, servem, por completo, as freguezias, a cujo serviço visavam as municipaes, que se pede para serem supprimidas; é a vossa commissão de parecer, de accordo com o governo, que deveis approvar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E auctorisada a camara municipal do concelho de Alcoutim a levantar todas as verbas que tiver no cofre de viação, e applical-as ás suas despezas geraes, ficando de futuro isenta de contribuir para o mesmo cofre, sendo eliminadas no mappa das estradas municipaes as de 2.ª classe, n.os 27, 28, 29 e 30.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de administração publica, 31 de agosto de 1897 = Telles de Vasconcellos = Vaz Preto = Fernandes Vaz = Marquez da Graciosa. = Conde da Borralha = Manuel Pereira Dias.

projecto de lei n.°48

Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal do concelho de Alcoutim, a levantar, todas as, verbas que tiver no cofre de viação, e, applical-as ás suas despezas geraes, ficando de futuro isenta de contribuir para o mesmo cofre, sendo eliminadas. n.º mappa das estradas municipais as de 2.ª classe, n.os 27, 28,29 e 30.

Art. 2.° Fica revogada a, legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 30 de agosto de l897. = Eduardo José Coelho = Joaquim Paes de Abranches = Frederico Alexandrino Garcia Ramires.

O sr. Presidente: — Está em discussão.

(Pausa.)

Como ninguem pede a palavra, vae votar-se.

Os dignos pares que approvam o projecto que acaba de ser lido tenham a bondade de se levantar.

(Pausa.)

Está approvado.

O sr. Pereira Dias: — Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que, dispensado o regimento, entre desde já em discussão o parecer n.° 30, que já está impresso e distribuido.

O sr. Presidente: - O parecer a que se refere p digno par o sr. Pereira Dias é o que equipara aos vencimentos dos outros funccionarios de igual categoria da camara municipal do Porto o do primeiro official, chefe da mesma secção da 5.ª repartição.

Os dignos pares que consentem que, dispensado o regimento, entre Já em discussão o parecer n.° 30 tenham a bondade de se, levantar.

(Pausa.)

Está approvado.

Vae ler-se.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.º 30

Senhores. — Á vossa commissão de administração publica foi commettido o exame do projecto n.° 42, que tem por fim reparar uma injustiça do decreto de 30 de dezembro de 1892.

Este decreto reorganisou o quadro das repartições da secretaria da camara municipal do Porto, exceptuando, sem rasão alguma, quanto ao seu ordenado, um empregado da mesma categoria e da mesma repartição.

A vossa commissão é, pois, de parecer, de accordo com o governo, que seja approvado o seguinte projeeto de lei:

Artigo 1.° Os vencimentos do primeiro official, chefe da primeira secção da quinta repartição da camara municipal do Porto, são equiparados aos dos outros funccionarios de igual categoria, que fazem parte do quadro fixado na ta-

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bella n.° 2, annexa ao decreto de 30 de dezembro de 1892.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão, 31 de agosto de 1897. = Telles de Vasconcellos = Conde da Borralha = Marquez da Graciosa = Vaz Preto = Fernandes Vaz = Manuel Pereira Dias, relator.

Projecto de lei n.° 42

Artigo l.° Os vencimentos do primeiro official, chefe da primeira secção da quinta repartição da camara municipal do Porto, são equiparados aos dos outros funccionarios de igual categoria, que fazem parte do quadro fixado na tabella n.° 2, annexa ao decreto de 30 de dezembro de 1892.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 28 de agosto de 1897. = Eduardo José Coelho = Joaquim Paes de Abranches = Frederico Alexandrino Garcia Ramires.

O sr. Presidente: — Esta em discussão.

(Pausa.)

Como ninguem pede a palavra, vae votar-se.

Os dignos pares que approvam o projecto que acaba de ser lido, tenham a bondade de se levantar.

(Pausa.)

Está approvado.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia e vae ler-se o parecer n.° 15.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 15

Senhores. — Foi presente á vossa commissão do ultramar o projecto de lei n.º 26 vindo da camara dos senhores deputados, aonde foi approvado por acclamação. Este projecto de lei trata de remunerar relevantes serviços prestados por benemeritos officiaes na guerra com o gentio rebelde na nossa Africa oriental; eleva a 500$000 réis a pensão vitalicia de 300$000 réis que foi concedida por carta de lei de 6 de abri de 1896 ao primeiro tenente de artilheria Annibal Augusto Sanches de Sousa Miranda, e concede a mais sete officiaes pensões vitalicias de 300$000 réis.

As rasões apresentadas na camara dos senhores deputados, justificando este projecto de lei, fizeram com que fosse ali approvado com enthusiasmo, e sem distincção de partidos; não nos parece portanto, necessario acrescentar aquellas rasões para igualmente o recommendarmos á vossa approvação a fim de subir á sancção regia.

Sala das sessões da commissão, em 21 de agosto de 1897.= Conde de Macedo = Marino João Franzini Thomás Ribeiro = Conde de Lagoaça = Hintze Ribeiro = José Baptista de Andrade.

A vossa commissão de fazenda concorda com o parecer da do ultramar.

Sala das sessões da commissão, em 21 de agosto de l897. = Hintze Ribeiro = Marino João Franzini = Conde de Macedo = Pereira Dias = Jeronymo Pimentel = Pereira de Miranda = Conde de Lagoaça.

Projecto de lei n.° 26

Artigo 1.° A pensão vitalicia de 300$000 réis, que foi concedida pela carta de lei de 6 de abril de 1896 ao primeiro tenente da arma de artilheria Annibal Augusto Sanches de Sousa Miranda, é elevada a 500$000 reis, pelos relevantissimos serviços por elle prestados na campanha que teve logar, nos annos de 1894 e 1890, na Africa oriental.

Art. 2.° É concedida ao alferes do exercito do reino sem prejuizo de antiguidade, graduado em tenente, Manuel José da Costa e Couto, a pensão vitalicia de 300$000 réis, pelos relevantes serviços prestados na alludida campanha.

Art. 3.° É concedida tambem a pensão vitalicia de 300$000 réis aos capitães de infantaria Alexandre José Sarsfields e José Augusto Krusse Gomes, ao capitão em commissão no ultramar Francisco Roque de Aguiar, ao tenente de engenheria Antonio Carlos Aguado Leotte Tavares, e aos tenentes de infanteria Manuel Gregorio da Rocha e Luiz Augusto Pimentel, pelos relevantes serviços prestados n’aquella mesma campanha.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 17 de agosto de 1897. — Eduardo José Coelho = Joaquim Paes de Abranches = Frederico Alexandrino Garcia Ramires.

O sr. Pimentel Pinto: — Sr. presidente, a campanha movida na imprensa e no parlamento, contra o governo de 1896 a proposito das recompensas aos militares que mais se tinham distinguido nas nossas ultimas guerras de Africa, obrigou esse governo a resolver precipitadamente um assumpto que, como eu por muitas vezes disse, deveria ser resolvido muito serenamente e nunca n’uma assembléa politica, onde raro é que a paixão não predomine.

Resolvido precipitadamente, como foi, não admira que muitas injustiças se commettessem.

Este projecto tem por fim sanar algumas d’ellas.

Por proposta do governo vamos elevar a 500$000 réis a pensão já concedida ao primeiro tenente de artilheria Sanches de Miranda e vamos conceder ao tenente graduado Couto a pensão de 300$000 réis. Estiveram ambos em Chaimite e dos que com Mousinho de Albuquerque estiveram em Chaimite póde dizer-se o que Napoleão I dizia dos que com elle estavam as portas de Moscow: não carecem de outro documento para attestar o seu valor. Muito se tinha feito antes d’aquelle ousado commettimento e muito tambem se tem feito depois; mas a loucura de Chaimite, como lhe chamam os invejosos de Mousinho, não é só o acto mais brilhante da nossa campanha de 1895; é tambem o feito de armas mais assombroso de todos os que em Africa se têem praticado n’este seculo.

Para justificar a sua proposta bastaria, pois, que o governo nos dissesse que Sanches de Miranda e Couto tinham sido companheiros de Mousinho em Chaimite.

Assim o comprehendeu a camara dos senhores deputados votando por acclamação a proposta do governo.

Na mesma occasião a camara votou tambem que se concedessem pensões de 300$000 réis aos seis officiaes que se mencionam no artigo 3.° do projecto, e contra este artigo alguns reparos se têem levantado.

Não venho desmerecer os serviços prestados por esses officiaes, e embora não tenha lido os relatorios ou outros documentos em que estejam descriptos os actos por que elles se distinguiram, conheço alguns d’esses actos e creio que, em absoluto, é justa a resolução votada na outra casa do parlamento.

Mas será ella tambem justa relativamente?

Não sei. São muitos ainda os esquecidos os que, tendo prestado tão bons ou melhores serviços do que alguns já contemplados com distincções honorificas ou com pensões, não lograram ainda que n’elles se pensasse; e se alguns se calam, por orgulho, e muitos, por humildes, sé resignam, ha outros, que, descrendo da boa fé com que procedem os poderes publicos, clamam contra a injustiça de que são ou de que se dizem victimas.

Eu creio que é já tempo de fazer justiça a todos.

Os actos praticados em 1895 estão já á distancia precisa para os podermos ver nas suas justas dimensões, sem que o enthusiasmo os amplie e tambem sem que o tempo decorrido os diminua. Alem d’isso, o partido regenerador já não está no poder e, na opposição, ha de saber cumprir

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nobremente o seu dever, não fazendo politica mesquinha num assumpto que a honra de todos nós exige que seja resolvido quanto antes e com a maior justiça.

D'aqui até janeiro o governo terá tempo de mais para obter todos os esclarecimentos de que ainda careça, para poder liquidar de vez esta malfadada questão. Nomeie uma commissão, composta de officiaes do exercito e da armada, que não sejam politicos, e incumba-a de examinar escrupulosamente todos os relatorios e todos os documentos, enviados ao governo pelas differentes auctoridades, de medir pela mesma craveira os serviços de todos, de receber as reclamações dos que se julguem prejudicados e de propor a final o que julgar conveniente para sanar as injustiças commettidas.

Creia que só assim poderá ter os elementos precisos para fazer justiça a todos, e que só assim porá termo a uma questão e má que mais se aggrava sempre que vem de novo á téla da discussão.

Não desejando Voltar a occupar-me d'este assumpto, permitta-me v. exa. que accrescente ainda algumas palavras ás que venho de dizer.

Em 1896, sendo ministro, comprometti-me n'esta camara a trazer ao parlamento uma proposta para que fossem condignamente recompensadas as praças de pret que mais se tinham distinguido na campanha de 1895.

Sai do ministerio antes de realisar o que promettêra, e nem o sr. conselheiro Moraes Sarmento se julgou obrigado a cumprir a minha promessa, nem o illustre ministro da guerra actual pensa em a cumprir.

E todavia, eu sei que ha muitas praças de pret que os seus officiaes consideram preteridas pelas distincções que a outras se conferiram. Citarei, para exemplo, o segundo sargento Salvador, que era de infanteria n.°2, e que hoje está reformado por doença adquirida em Africa, o qual foi apenos agraciado com a medalha de bons serviços, tendo incontestavel direito a recompensa muito superior; e tambem os sargentos da brigada de artilheria de montanha, Alvaro Mendes e David de Oliveira, aos quaes nenhuma recompensa foi concedida, tendo prestado serviços relevantes na campanha.

Se das praças de pret passamos aos officiaes encontrámos muitos casos analogos. O primeiro tenente de artilheria José Alves Cabral Saccadura fez parte voluntariamente da expedição, e logo no primeiro relatorio enviado ao governo pelo commissario regio o sr. conselheiro Antonio Ennes, foi mencionado com louvor, merecendo que Sua Magestade o agraciasse com o grau de cavalleiro da Torre e Espada.

Mais tarde o sr. coronel Galhardo passou-lhe um attestado em que diz que "certamente só por deficiencia de informações lhe não foi concedida recompensa mais elevada".

Em presença d'este documento sr. ministro da marinha actual propoz ao ministerio do reino que o primeiro tenente Saccadura fosse agraciado com o grau de official da Torre e Espada, fundando a suar proposta nos relevantes serviços por elle praticados na campanha de 1895.

Este Official está pois precisamente nas mesmas circumstancias em que estão os que se mencionam no artigo 3.° do projecto.

Felizmente tenho em meu poder os documentos que comprovam o que venho de affirmar, e vou mandal-os para a mesa acompanhados de uma proposta, para que o nome d'elle seja incluido n'aquelle artigo.

Se pelo adiantado da sessão o governo não acceitar a minha proposta, substituil-a-hei em janeiro por um projecto de lei da minha iniciativa.

Tenho aqui tambem a copia de um documento, no qual o coronel Galhardo diz que o tenente de caçadores n.° 3 José do Nascimento Pinheiro, que nenhuma recompensa obteve ainda, prestou óptimos serviços em toda a campanha e se portou com intrepidez notavel no combate de Coolella. Infelizmente este papel não tem o valor de documento authentico, e por isso, embora seja a copia fiel do attestado passado pelo sr. coronel Galhardo, não póde servir para n'elle se basear uma qualquer resolução

Nenhum documento tenho em meu poder, no qual se descrevam os serviços prestados pelos alferes de cavallaria Antonio Rodrigues Montez e João de Azevedo Lobo. Sei, porém, que fizeram ambos parte da expedição a seu pedido; que até Manjacase foram companheiros inseparaveis de Mousinho de Albuquerque; que um d'elles, o alferes Lobo, acompanhou o capitão Ayres de Ornellas nu ingrata e perigosa missão, de que este distinctissimo official foi incumbido junto do Gungunhana; que os dois e Mousinho, em seguida ao combate de Coolella, pretenderam effectuar a perseguição do inimigo, e só a não levaram a effeito, porque a isso se oppoz o commandante da expedição; sei que, em seguida ao combate, foram mandados a Chicome para escoltarem um comboio de viveres e que se desempenharam com a maior coragem e o melhor exito d'este importante serviço; e sei finalmente que Mousinho, fallando do Combate de Coolella, n'uma carta que está publicada, diz: "Todos os officiaes que vi, muitissimo bem. O Montez e o Lobo o melhor possivel" Pois estes officiaes, que mereceram estas palavras a Mousinho, bom juiz para apreciar o valor, militar são apenas cavalleiros da Torre e Espada.

Ainda outro exemplo: o ultimo.

Dos officiaes que voluntariamente fizeram parte da expedição ha um que esteve em Marracuene em Coolella e em Manjacase; que, depois, de Marracuene foi incumbido de ir ao Cabo e ao Transvaal, n'uma ingrata commissão de serviço, e mais tarde depois de uma difficil e perigosa missão junto do Gungunhana, estando ainda no kraal do poderoso regulo, quando ao sul haviam já recomeçado as hostilidades; que em outubro de 1896 esteve no combate de Mugenga, e em maio d'este anno nos de Ibrahimo e de Mucuto-muno; que acampanbou Mousinho ao Itaculo; que no combate se porta sempre com uma serenidade e uma coragem superiores a todo o elogio; que tem entrado em todos os combates que se têem ferido em Africa e tem tomado parte em todas as acções; e que só não esteve em Chaimite, porque a esse tempo vinha a caminho de Lisboa com a expedição de que fazia parte. Este official, o capitão Ayres de Ornellas, é simples official da Torre e Espada.

Ha quatro officiaes que pelos seus feitos de guerra se têem ultimamente distinguido entre os mais distinctos são elles Mousinho de Albuquerque, Freire de Andrade, Couceiro e Ornellas Dos quarto é impossivel dizer qual é o mais valente.

Entre Couceiro e Ornellas ha muitos pontos de contacto, um d'elles a modestia. Um e outro vêem o seu dever através de uma lente que o amplia: o seu muito brio; nenhum pensa em se cobrir de gloria querem apenas não ficar áquem do seu dever; e, para isso, praticam actos da mais extraordinaria audacia. Valentes como poucos julgam que todos são como elles e, por isso, quando tantos se queixam das injustiças commettidas, Ornellas volta para a Africa, sem disputar recompensa mais elevada e Conceiro desapparece de Lisboa, parecendo empenhar-se por que d'elle se esqueçam.

A Mousinho devemos Chaimite; a Freire de Andrade, a Couceiro, a Ornellas e a mais alguns devemos que em Marracuene as nossas tropas não fossem trucidadas e que o nosso dominio na costa oriental de Africa não terminasse n'esse dia. Todos inscreveram já os seus nomes na nossa historia em letras de oiro; mas Ornellas é simples official da Torre Espada!

E não só na Africa oriental ha benemeritos que tenham prestado ao paiz serviços relevantes. Em todas as colonias os temos.

Lembrarei agora os nomes de dois, um do exercito e

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outro da armada, que na Guiné tanto se têem distinguido: o capitão Lage, cujo nome por tantas vezes todos nós temos ouvido proferir com elogio, e o primeiro tenente Alvaro da Cunha, já condecorado por duas vezes com a Torre e Espada e novamente recommendado pelos seus relevantes serviços na ultima campanha.

Porque será que se pensa apenas na costa oriental de de Africa e se esquecem os serviços prestados nas outras colonias?

Eu sei por que é, e provavelmente ainda aqui o hei de dizer.

Seria bom porém que o governo se convencesse de que morrer em Timor ou na Guiné em defeza da bandeira nacional não é acto menos meritorio do que dar a vida por ella em Moçambique.

Cada vez me convenço mais, sr. presidente, de que é indispensavel uma lei, estabelecendo as recompensas que devem ser concedidas aos militares que se, distingam por serviços de guerra e na qual se fixem muito positivamente os casos em que deva ser conferida uma ou outra distincção. É absolutamente indispensavel que se faça essa lei; que não dependa do arbitrio do governo a distribuição das recompensas, e não seja o parlamento que individualmente as confira.

Mando para a mesa a minha proposta, declaro porém, a v. exa. que não insisto pela sua approvação, se d'ella póde resultar prejuizo para os_ officiaes mencionados no projecto, que são todos muito prestimosos é alguns d'elles prestaram relevantes serviços na campanha de 1895, sem que resulte a menor vantagem para official a, quem a proposta se refere.

O que eu desejo é que o governo se comprometta a liquidar definitivamente esta questão das recompensas, e que o sr. conselheiro José Luciano de Castro se convença de que, liquidando a, e trazendo ao parlamento a lei a que venho de me referir, prestará um bom serviço ao exercito e ao paiz.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo digno par, o sr. Pimentel Pinto.

Leu-se na mesa a é do teor seguinte:

Proposta

Proponho que o primeiro tenente de artilheria José Alves Cabral Saccadura seja incluido no numero dos officiaes contemplados com a pensão de 300$000 réis.

Sala das sessões, 2 de setembro de 1897. = Pimental Pinto.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão a proposta que acaba de ser lida, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Justiça e interino da Marinha (Veiga Beirão): - Sr. presidente, felicito-me, por ter, de intervir, pela primeira vez, como ministro da marinha; embora interino, n'um projecto, que é do sympathico como justo, e que tem por fim remunerar os serviços dos officiaes do exercito, pelos seus feitos praticados em Africa.

Sr. presidente, quando eu entrava, n'esta camara, já o digno par, o sr. Pimentel pinto tinha começado o seu discurso, mas ainda ouvi palavras de s. exa. que approveitam á approvação d'este projecto.

S. exa. estava dizendo que o projecto em discussão era absolutamente justo.

Portanto, desde que s. exa. diz isso, escusado seria eu tomar a palavra para defender o projecto.

No entretanto, s. exa. disse que havia outros officiaes que se achavam em circumstancias analogas ás d'aquelles que estão mencionados no projecto, e que desejaria que se introduzisse no projecto uma disposição que remediasse as faltas que s. exa. apontou, e, n'esse sentido mandou para a mesa uma proposta, acrescentando que a retiraria se ella pudesse por qualquer fórma prejudicar os officiaes a que se refere o projecto que estamos discutindo.

O que poso dizer a s. exa. que, da parte do governo ha de sor tomado na devida consideração, estudando o assumpto no intervallo da sessão parlamentar, e ouvindo sobre elle todas as reclamações e as repartições competentes, a fim de se habilitar a apresentar ao parlamento uma resolução que seja o mais justa possivel.

Creio que o digno par se dará por satisfeito com estas explicações e parece-me que a camará poderá votar desde já esta proposição de lei que veiu da camara dos senhores deputados, sem prejuizo de quaesquer propostas que ficarão para occasião mais opportuna.

(s. exa. não reviu.)

O sr. Abreu e Sousa: - O projecto em discussão consta de duas partes distinctas uma é o projecto inicial do governo, que propõe o augmento de uma pensão a um bravo official que acompanhou Mousinho de Albuquerque no notavel feito de Chaimite, e a concessão de uma nova pensão a outro official que tomou nó mesmo feito de armas.

Em relação a esta parte do projecto não tenho duvida nenhuma de lhe dar o meu voto.

Era esta a proposta do governo. Tendo sido examinada e discutida na camara dos senhores deputados, diz a commissão do ultramar no parecer, que precede o projecto:

Apparece depois o artigo 3.°,que concede, pensões de 300$OOÔ réis a varios officiaes n'elle indicados. Eu não contesto nem por um momento os serviços que estes officiaes tenham porventura prestado nas campanhas de Africa; apenas digo a v. exa. que não estou habilitado a dar o meu voto consciencioso a este artigo, porque desconheço por completo as circumstancias em que esses serviços foram prestados.

Consta-me, não o possa affirmar, que o então commissario regio na provincia de Moçambique enviou ao governo anterior um relatorio em que classificava os serviços prestados nas campanhas de Africa em tres grupos differentes: serviços distirictos, serviços relevantes e serviços relevantissimos.

Peço ao illustre ministro interino da marinha que, se por acaso eu errar no que estou dizendo queira fazer a devida rectificação, porque não tenho os documentos e ouvi dizer que os factos se passaram assim.

O governo que occupava os conselhos da corôa resolveu, em relação a este assumpto, que a cada uma das classificações referidas correspondesse uma mercê honorifica e uma recompensa pecuniaria.

Assim é que aos serviços distinctos corresponderia o grau de cavalleiro da Torre e Espada; aos serviços relevantes, o de official, e aos serviços relevantissimos o de commendador da mesma ordem.

Estes graus passavam, por assim dizer, a tomar o logar de cruzes pensionadas, que existem, em varios paizes, como exa. sabe, seguindo-se por conseguinte, que a classificação inicial era importantissima, porque d'ella derivavam naturalmente as pensões que haviam de ser conferidas.

Portanto, já v. exa. vê que a questão é demasiadamente grave.

Disse o meu illustre collega e amigo o sr. Pimentel Pinto que outros officiaes havia que tinham praticado feitos de armas distinctos alem d'aquelles que se enumeram no artigo 3.° d'este projecto. S. exa. citou nomes e eu posso dar testemunho que effectivamente alguns officiaes, alem d'estes, se julgam aggravados na sua justiça, e que provam com a sua folha de serviços que relevantes foram, tambem os serviços por elles prestados.

Logo que passou aquelle additamento na camara dos senhores deputados, no dia immediato fui procurado por

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dois officiaes de cavallaria, que me pediram com empenho fizesse valer perante v. exa. e perante a camara os seus direitos.

N'estas condições já v. exa. vê que me é absolutamente impossivel deixar de tomar parte nesta discussão.

Os nomes d'estes officiaes, que foram já citados pelo sr. Pimentel Pinto, de contrario eu não os citaria, por não lhes querer ferir a sua modéstia, são os srs alferes Lobo e Couto.

A folha de serviços d'estes officiaes diz o seguinte: assistiram ao combate de Coelella, na tarde d'esse dia offereceram-se ao commandante em chefe, o sr. coronel Galhardo, para perseguirem o inimigo; disse-lhes então s. ex. que não acceitava esse offerecimento, porque outra missão mais importante lhes tinha a conferir.

Foram estes dois officiaes nomeados conjunctamente com o sr. capitão Mousinho para ir a Chicomo escoltar um comboio de viveres através do territorio inimigo, porque sem essas previsões seria impossivel refazer as forças da columna em Coelella, permittindo assim, o proseguimento das operações militares.

Estes officiaes com Mousinho á frente, foram até Chicomo; n'esta expedição gastaram alguns dias, e quando no acampamento estavam quasi perdidas as esperanças de que se realisasse o seu regresso, estes officiaes chegaram com o comboio de viveres indispensaveis para o reaprovisionamento da columna.

Recobraram forças os nossos soldados e poderam assim marchar sobre Manjacase, abrindo por este modo a porta ao glorioso epilogo de Chaimite.

Seriam ou não relevantes estes serviços? Eu creio que o eram; deixo á consciencia de v. exa. e da camara o avaliar se estes serviços foram ou não relevantes.

No entretanto estes officiaes foram unicamente agraciados com o grau de cavalleiro da Torre e Espada, e tão modestos são que se julgaram bem recompensados com esta remuneração.

Mas, mais tarde outros officiaes, servindo-se de attestados graciosos, passados pelo commandante das forças em operações, vieram reclamar dos poderes publicos a subida ao grau de official da ordem da Torre e Espada, cousa importantissima, porque lhes deu direito a virem pedir depois ao parlamento a concessão da pensão correspondente.

Portanto, eu não posso dar o meu voto incondicional a este projecto, sem que o governo me responda ás duas perguntas que vou formular:

Em primeiro logar, desejo saber - não tendo eu podido apreciar nem a camara, os documentos referentes aos serviços prestados por estes officiaes - se elles foram officialmente considerados como relevantes,

Em segundo logar - e desde o momento em que não só pelo que sei, mas opino do que pelo que acaba de dizer o meu amigo o sr. Pimentel pinto - resulta a convicção de que ha outros officiaes alem d'aquelles de que trata o artigo 3.° que prestaram serviços da, mesma natureza - eu pergunto ao governo se, aproveitando o interregno parlamentar, concorda em mandar rever todos os processos referentes a esses officiaes e os relatorios dos commandantes das forças expedicionarias e do, commissario regio na provincia de Moçambique, para que se faça justiça a quem a tenha.

Para se proceder a essa revisão, eu entendo que não é precisa uma commissão especial, como indicou o sr. Pimentel Pinto, pois lembro que temos outro meio de obter esse resultado.

Existe o supremo tribunal de justiça militar, venerando tribunal a que, em harmonia com a legislação vigente, compete a concessão de mercês similhantes, e sobre cuja consulta só o governo, pelo ministerio da guerra ou da marinha, póde conceder as medalhas de valor militar, quer de oiro, quer de prata.

Está isto expresso, na lei.

Pois então, se nós temos esse tribunal, que tem attribuições d'esta ordem, creio que o governo não terá duvida em submetter á sua apreciação os serviços extraordinarios prestados em Africa por todos os officiaes e praças de pret.

O sr. Pimentel Pinto: - Apoiado.

O Orador: - É preciso, como muito bem disse o digno par o sr. Pimentel Pinto, que se compensem os serviços ali prestados, para que possam ser equitativamente remunerados.

É necessario que o governo submetta á apreciação desse tribunal respeitavel este assumpto e se comprometia em janeiro proximo a apresentar uma proposta, por meio da qual se liquide de vez o que a patria deve aos briosos soldados que tão alto souberam levantar a honra do exercito e o nome de Portugal.

Seria para nós todos muito doloroso que o soldado portuguez podesse com rasão e justiça dizer que via em uns peitos a purpura das cruzes e n'outros as manchas do sangue, para me servir da phrase do nosso grande vieira.

Aguardo a resposta do governo para proseguir nas considerações que Já fazendo.

O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - Respondendo ás duas perguntas do digno par, tem a dizer o seguinte:

Não examinou os documentos a que s. exa. se referiu; mas, tendo ,a camara dos senhores deputados approvado por acclamação a proposta, que deu em resultado a inserção do artigo 3.°, é natural que ella tenha procedido com inteiro conhecimento de causa.

Crê que a resposta á segunda pergunta do digno par está implicitamente comprehendida n'aquella que ha pouco offereceu ao sr. Pimentel Pinto.

O governo aproveitará o interregno parlamentar, a fim de examinar todos os elementos e informações que o habilitem a apresentar sobre o assumpto, na proxima sessão legislativa, uma providencia que logre fazer justiça aos que d'ella sejam dignos.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra, e em appendice, quando o orador haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Abreu e. Sousa: - Agradeço as explicações que o illustre ministro da marinha, interino, se dignou dar-me.

O nobre, ministro da marinha creio que só ha apenas poucas horas tomou conta da sua pasta, e, por conseguinte, e natural que não esteja habilitado a responder precisamente á minha pergunta.

S. exa. disse que a camara dos senhores deputados votara este artigo, e por esse facto se presume que todos estes officiaes têem direito á pensão que se propõe. .

São, para mim, muito respeitaveis ás decisões da camara dos senhores deputados, mas o que não vejo é sufficientemente comprovados os serviços de que se, trata.

Parece-me que esta questão devia ser tratada á luz fria e serena da rasão, e nunca pelos impulsos dó sentimentalismo. Eu, acompanhando o sr. Pimentel Pinto, não desejo praticar qualquer acto que possa influir na justiça devida áquelles officiaes, mas desejo que o governo na proxima sessão tenha liquidado este assumpto, ácerca do qual parece não estar ainda feita completa justiça.

Desejava ainda que s. exa. me dissesse se concorda em que esta questão seja sujeita á apreciação do supremo tribunal de justiça militar.

Peço a v. exa. que mande consignar na acta d'esta sessão as declarações, explicitas do governo, não porque eu possa suppor, por um momento sequer, que elle falte ás promessas feitas, mas para levar ao menos uma esperança consoladora ao coração d'aquelles que se julgam preteridos pela approvação do projecto que vae ser votado.

Tenho dito.

O sr. Ministro da Justiça Veiga Beirão): - Repete as declarações de ha pouco, e parece-lhe que nas estacões

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a consultar sobre o assumpto não ha duvida em incluir aquella a que o digno par se referiu.

(O discurso ao orador será publicado na integra quando s. exa. se dignar rever as notas respectivas.)

O sr. Conde do Bomfim: - Sr. presidente, não tencionava discutir este projecto, porque me parecia que não levantaria duvidas n'esta camara, visto que a camara dos senhores deputados o votou por acclamação. E não foi, porém, só a camara dos senhores deputados que o achou justo; a commissão d'esta camara, que apreciou este importante assumpto, não teve tambem nenhuma duvida em lhe dar parecer favoravel, o que de certo não succederia se não tivesse fundamento para o fazer, se não houvesse todos os documentos necessarios para apreciação e julgamento. Existem, pois, documentos que comprovam e justificam este projecto, não o posso duvidar, e, portanto, não deve elle deixar de ser approvado por esta camara,

Pela minha parte louvo-me em tão boas decisões. Se ha n'elle lacunas, que são dignas de ser attendidas a favor de outros interessados, ha tambem leis que preveem estes casos, e, por consequencia, não me parece que seja necessario invocar a necessidade de uma lei nova para recompensar os serviços feitos, em campanha.

Se se cumprissem as disposições insertas na ordem do exercito, e se elaborassem os relatorios dos combates; em conformidade com os seus cautelosos preceitos, certamente que o governo estaria sempre habilitado a recompensar com inteira justiça. Isto, porém ,não quer dizer que se aqui vierem quaesquer reclamações; que o parlamento não terá o soberano direito de as attender. Desde que ellas aqui vem, o parlamento, póde certamente tomar conhecimento d'ellas e resolvel-as pela fórma que julgar mais justa.

E tambem ninguem contesta que o governo póde, sobre o assumpto consultar as estações competentes, como já por vezes consultou o supremo conselho de justiça militar. Não aconselharei porém, que se vá apertar o governo, n'um circulo de ferro, para que elle consulte de preferencia o supremo conselho sobre motivo de reclamações, que segundo a sua natureza, podem determinar o governo a ouvir qualquer estação competente.

E sobre este projecto não me alongarei mais em considerações. Tenho, porém, tenção de recommendar outros feitos para serem recompensados.

Não só os feitos de Lourenço Marques mereçam consideração. Houve feitas na Guiné portuguez para os quaes eu já, em tempo competente chamei a attenção do governo passado e que demonstram muito especialmente o valor do distincto governador de Bissau o sr. Capitão Lage, que durante um combate que durou das quatro horas da manhã até ás onze, venceu os papeis.

Este acto é digno de ser recompensado.

Portanto, aproveito o ensejo para pedir ao governo, e principalmente ao sr. ministro da marinha que tenha em attenção os serviços prestados na Guiné pelo capitão Lage, serviços importantissimos e que foram já reconhecidos pelo governo transacto, mas ainda não foram premiados. E termino aqui as minhas observações para não cansai por mais tempo a attenção da camara.

O sr. Presidente: - Não ha mais nenhum digno par inscripto.

Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo digno par sr. Pimentel Pinto.

O sr. Pimentel Pinto: - Em vista das declarações feitas pelo sr. ministro da marinha, de que não poderá ser votada a minha proposta, sem prejuizo dos officiaes mencionados no projecto, retiro-a, se a camara o consentir; registando a promessa do governo de que durante o interregno parlamentar tentará pôr termo a esta questão. Peço a v. exa. que consulte a camara para saber se permitte que eu retire a minha proposta. Consultada a camara assim se resolveu.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se, o projecto para se votar.

Leu-se na mesa e, posto á votação, foi approvado.

O sr. Presidente: - A deputação que tem de ir ao paço felicitar Suas Magestades pelos seus anniversarios, compõe-se dos seguintes dignos pares:

Marino João Franzini.

Julio de Abreu e Sousa.

Rebello da Silva.

Conde de Restello.

Pereira de Miranda.

Ernesto Hintze Ribeiro.

Visconde de Chancelleiros.

Telles de Vasconcellos.

Moraes Carvalho.

Anselmo Braamcamp Freire.

Fernando Larcher.

Thomaz Ribeiro.

Conde de Lagoaça.

Pimentel Pinto.

Conde do Casal Ribeiro.

O sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o parecer n.° 20.

Leu-se na mesa e é da teor seguinte:

PARECER N.º 20

Senhores - A vossa commissão de administração publica examinou, com especial cuidado, o projecto de lei n.° 37, vindo da camara dos senhores deputados.

Tem elle por fim revogar as disposições da lei de 21 de maio de 1896, relativas ás incompatibilidades de algumas classes de empregados publicos e ao sorteio, prescriptas n'esta lei.

E certo que nalguns paizes, que se governam pólo systema representativo, ha disposições legaes mais ou menos analogas ás da lei de 21 de maio de 1896; mas tambem o certo que são mui diversas as condições e circumstancias do nosso paiz. -

A historia parlamentar das camaras portuguezas dos senhores, deputados não justifica de modo nenhum os inconvenientes que o legislador de 1896 tentou remediar por meio das referidas disposições, e a experiencia já feita não foi inicio promettedor de esperanças, que deva illudir-nos a ponto de julgarmos possivel curar defeitos, derivados de causas, que só por meios indirectos e apropriados poderão ser modificados.

No parecer da illustre commissão dos srs. deputados vem larga e lucidamente- explanadas as rasões que defendem este projecto, e a vossa commissão não deseja, no momento, repetil-as, e por isso entende, de accordo com o governo, que deverá ser approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º São refogados os artigos 6.°, 8.°, 9.°, 10.° e ll.° o n.° 9,° do artigo 4.° na parte relativa aos empregados dos serviços das camaras legislativas, e os n.os 1.°, 2.°, 3;° e 4.°, e os §§ 1.° e 3.° do artigo 7.° da lei eleitoral de 21 de maio de 1896.

§ unico. A disposição do presente artigo é applicavel ás eleições já realisadas e cujos processos estão ainda pendentes.

Art. 2.° Fica revogada á legislação em contrario.

Sala da commissão, 25 de agosto de 1897. =Telles de Vasconcellos = Augusto Ferreira Novaes = Antonio Egypcio Quaresma = Conde da Borralha = Jeronymo Pimentel (vencido) = Conde do Casal Ribeiro (contra) = Manuel Vaz Preto Geraldes (contra) = Marquez da Graciosa = Manuel Ferrreira Dias.

Projecto de lei n.° 28

Artigo 1.° São revogados os artigos 6.°, 8.°, 9.°, 10.°e 11.°, o n.° 9.° do artigo 4.° na parte relativa aos empregados dos serviços das camaras legislativas, e os n.ºs 1.º,

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2.°, 3.° é 4.°, e os §§ 1.° e 3.° do artigo 7.° da lei eleitoral de 21 de maio de 1896.

§ unico. A disposição do presente artigo é applicavel ás eleições já realisadas e cujos processos estão ainda pendentes.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 21 de agosto de 1897. = Eduardo José Coelho = Joaquim Paes de Abranches = Frederico Alexandrino Garcia Ramires.

O sr. D. Luiz da Camara, Leme: - Sr. Presidente, como provavelmente não usarei outra vez da palavra n'esta sessão, mandão para a mesa uma representação do commercio de Lisboa contra as propostas de fazenda.

Não se assuste a camara por ver diante de mim muitos apontamentos sobre esta malfadada questão das incompatibilidades.

Eis aqui um livro que já teve tres edições, no qual vem consignada a opinião de differentes, publicistas e escriptores, notaveis, todos a favor d'esse principio.

Não receie a camara que eu vá fazer um discurso muito longo Nós estamos extenuados.

Muito bem dizia hontem o digno par e meu amigo o sr. Hintze Ribeiro, a proposito das auctorisações pedidas pelo governo para reformar differentes serviços publicos, que não era á ultima hora que a camara podia apreciar um projecto de, tanto alcance, e de tanta r magnitude, como era o que continha as alludidas auctorisações.

Digo o mesmo em relação ao projecto que se discute. Questão tão importante, assumpto de tão indiscutivel transcendencia não se aprecia, não se discute no final de uma sessão legislativa.

É notavel que se discutisse e approvasse um projecto na vespera das eleições, em que os candidatos do governo eram incompativeis!

Sr. presidente, eu reconheço a minha, triste situação; sei que prégo como se fôra no deserto, inutilmente; mas emfim, auctorisado por Terencio, direi: Obsequium amicos, veritas odium parit.

Não quero com isto dizer que os dignos pares que me ouvem me tenham odio. E cream s. exa. que eu desejava ser-lhes agradavel, mas, que querem, n'esta questão sou intransigente.

Preferia que o governo não fosse tão solicito em questões politica d'esta ordem. O governo, preterindo a discussão das suas propostas de fazenda, vem trazer-nos esta em que se annullam as pequenas incompatibilidades que foram decretadas pelo sr. Ministro do reino da situação transacta.

Eu, Sr. Presidente, tenho toda a consideração pelo meu illustre amigo o sr. Pereira Dias; mas permitta s. exa. que lhe diga: desejava que o governo, em logar de procurar o seu auxilio, como dedicado partidario, que o é, recorresse, ao digno par, como a um bom medico, pois que s. exa. tem sido igualmente um distincto lente de medicina.

Pedir-lhe-hia eu pois, que matasse o microbio d'este projecto, applicando-lhe o alcaloide que a sua sciencia lhe aconselhasse.

Seguindo-se as theorias e, processos do dr. Koch, que fizeram a descoberta do microbio encarnado, descobre-se n'este projecto o bacillo amarello, veja pois, s. exa. se encontra algum alcaloide para o matar, porque fazia um grande serviço ao paiz. (Riso.)

Sr. Presidente, a materia é tanta que a minha dificuldade está em a synthetisar o mais possivel, para não abusar da paciencia da camara. Fallo apenas tres quartos de hora, contados até pelo relogio.

Sr. presidente, eu sei a historia das incompatibilidades politicas e conheço aquella que se refere aos ganços do capitolio, a que já me tenho referido.

Quando, n'outro dia, alludi a este assumpto, está claro que não queria referir-me ao digno par o sr. Hintze Ribeiro; mas sim ao partido progressista de outra epocha.

O que eu digo é que o parlamento não póde estar sujeito ás influencias de nenhuma companhia.

Eu peco aos srs. tachygraphos o favor de tomarem bem nota d'estas minhas palavras.

O que é preciso é que a dignidade, do poder seja immaculada, disse o sr. José Luciano na celebre sessão de 26 de março de 1873. Quer a camara ouvir as textuaes palavras de s. exa.?

"O parlamento; portuguez não póde estar á mercê de nenhuma companhia; a nossa opinião não póde ficar dependente que a companhia acceite ou não as propostas que lhe forem feitas... o que devo dizer, (referindo-se a Fontes) é que s. exa. tem obrigação de manter immaculada a dignidade do poder e de conservar bem alto o decoro d'essas cadeiras."

É o mesmo que digo agora a s. exa.

Vós tendes obrigação de conservar bem alto o decoro d'essas cadeiras, como ministros de portugal.

o que eu quero e mais nada.

Estou de accordo com o Sr. Presidente do conselho.

O sr. Pereira Dias: - E eu tambem.

O Orador: - Sr. presidente, eu nunca, fui ganço e muito menos ave de rapina.

Vejam s. exas. se eu tinha ou não rasão quando ha pouco disse que o maior deficit que nós tinhamos era o deficit da coherencia e da moralidade, politica.

Cousa singular! Eu que não acreditava na transmigração das almas, já me vou habituando a crer, porque vejo que os espiritos de alguns politicos transmigram do banco hypothecario para as cadeiras, dos ministros, e das cadeiras dos ministros para as sociedades anonymas Eu não tenho remedio senão acreditar na transmigração das almas.

Se isto é uma heresia e está presente algum dos senhores bispos, peço que me desculpem, e que tornem a minha phrase como figura de rhetorica.

Ha transmigração de almas, ou não ha? Eu creio que sim de almas politicas.

sr. Pereira Dias (interrompendo): - Ha.

O Orador: - Sr. presidente, sabe v. exa. o que chamam aos homens que pugnam pelas incompatibilidades politicas? Chamam-lhe utopistas. Utopistas!

Onde estão os primeiros poetas, os primeiros jurisconsultos, Camões, o padre Antonio Vieira?

A proposito do padre Antonio Vieira, tenho aqui um escripto em que elle combate as accumulações. Eu não o leio, porque não posso, mas peço aos srs. tachygraphos o obsequio de incluir este trecho no meu discurso.

O padre Antonio Vieira friza n'este escripto o que são as incompatibilidades, elle, esse grande espirito, cujo centenario Lisboa commemorou ha pouco, centenario a que, diga-se de passagem, o governo pouca consideração ligou.

Eu tenho realmente pena de me ser impossivel ler á camara este trecho, que aqui tenho.

O sr. Conde de Lagoaça (interrompendo):- Se v. exa. quer, eu leio.

O Orador: -- Obsequeia-me muitissimo.

O sr. Conde de Lagoaça: - Lê o seguinte:

"Se a capacidade humana é tão limitada, que para fazer um barrete são necessarios oito homens de artes e officios differentes: um que crie a lã, outro que a tosquie, outro que a carde, outro que a fie, outro que a teça, outro que a tinja, outro que a tose e outro que a corte e cosa.

"Se nas cidades bem ordenadas o official que molda o oiro não póde lavrar a prata, se o que lavra a prata não póde bater o ferro, se o que bate o ferro não póde fundir o cobre, se o que funde o cobre não póde moldar o chumbo, nem tornear o estanho; no governo dos homens, que são metaes com viso de rasão, no governo dos homens,

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que é arte das artes, como hão de ajuntar em um só homem, ou se hão de confundir n'elle tantos officios? Não louvo nem condemno, admiro-me com as turbas."

O Orador (continuando): - Veja v. exa. o que dizia esse grande espirito. Veja que primor de estylo e que principies tão salutares.

Tenho aqui mais e melhor, mas não leio para não fatigar a attenção da camara.

Eu já disse umas poucas de vezes, e repito agora, que não gosto de fallar em nomes. As minhas apreciações não se referem nunca a individuos, referem-se aos principios e aos factos, e afigura se me que ninguem póde contestar o direito de combater os breareus, os comilões. Se as minhas palavras podem ferir alguem, não sou eu que tenho culpa d'isso.

Sr. presidente, allegam-se sempre as leis. Mas para que servem as leis n'este paiz, se ellas se não cumprem? Para que serviu o parecer de 1890 sobre incompatibilidades estabelecendo que os ministros não podiam accumular as funcções do executivo com as de administradores ou directores de quaesquer emprezas particulares?

O meu amigo o sr. Hintze Ribeiro foi companheiro n'essas luctas em que nós andâmos ha quasi dez annos, sem alcançar garantias nenhumas. Trabalhamos inutilmente foram esforços perdidos.

D'isso me occupei eu n'uma memoria que escrevi sobre o assumpto, de que ninguem faz caso, e que aliás tem importancia, se não pela fórma, ao menos pela essencia pelos homens que vem n'ella mencionados e pelas suas opiniões. E agora de repente me lembra dizer a v. exa. que, nas constituintes de 1821, os grandes patriota d'aquella epocha, como eram Fernandes Thomaz, Borges Carneiro, Bento Pereira do Carmo, Serpa Machado e outros, votaram, primeiro que tudo, a lei de incompatibilidades politicas. Aquelles utopistas votaram as incompatibilidades politicas antes das reformas constitucionaes!

Veja v. exa. que hombridade!

E agora deixa-se, este projecto para a ultima hora, estando eu já sem vontade nenhuma de fallar e com muito receio de enfadar a camara; mas vou concluir depressa.

N'uma celebre sessão 8.ª, de que se dá conta na minha citada memoria sobre incompatibilidades, pedia o, sr. presidente do conselho, ao sr. Hintze Ribeiro que lhe explicasse se as incompatibilidades estabelecidas no artigo 1.º do seu projecto, que era o da minoria da commissão especial nomeada em 1888 para tratar d'esse assumpto se referiam a funcções ou a cargos; e o sr. Hintze Ribeiro respondia-lhe que as incompatibilidades no seu projecto eram de cargo e não de funcção.

Sabe v. exa. o que aconteceu? Foi que esse governo, entre um dos seus primeiros actos, approvou a eleição do mesmo sr. Hintze para vice-governador do banco hypothecario, contra o espirito e letra dos estatutos d'aquelle banco.

Se vier ao parlamento um funccionario que seja director de uma importante repartição, que tenha de fiscalisar, como deve, os interesses do paiz, pergunto, sem querer citar nomes, se esse homem póde exercer ao mesmo tempo as funcções de legislador e empregado de alguma companhia, sendo assim juiz e parte ao mesmo tempo?

Por esta lei que os senhores vão votar d'aqui a pouco, póde vir ao parlamento um individuo que seja director de uma companhia qualquer.

Eu podia mostrar a v. exa. um documento eloquente sobre este assumpto: é um relatorio da companhia das aguas de 1878, em que se davam agradecimentos a um illustre membro d'esta camara pelos altos serviços feitos á mesma companhia. Que serviços são estes, sr. presidente? O abuso é tal que até os militares, que não lhes resta tempo para se occuparem do estudo da sua nobre profissão, se introduzem nas sociedades anonymas. Já até estão na bula da cruzada, e eu ainda espero ver algum, patriarcha de Lisboa. (Riso.)

udo isto é contrario aos alvarás, de D. João IV e do marquez de Pombal, excellentes modelos sobre o assumpto, e que eu não cito á camara para não faltar ao meu compromisso.

Não sei se posso continuar com a palavra, faltam-me poucos minutos; mas o que não continuam incompativeis são os empregados do governo, que são ao mesmo tempo directores de companhias, e eu peço ao digno par que me diga se póde haver boa administração por esta fórma.

Quer v. exa. saber o que aconselhava um distincto escriptor francez ás Companhias, quando se tratou da questão do Panamá?

Aconselhava a que tirassem de lá para fóra os homens politicos; que hão são senão decorativos e prejudiciaes para os interesses das companhias e aptos apenas para receberem os seus ordenados.

É mr. Beaulieu que o meu amigo e antagonista quer ver quaes as boas theorias sobre incompatibilidades publicas, estão aqui.

Sr. presidente, veja v. exa. como é a politica e como os gansos de outr'ora se tornaram em patos mudos com o milho das sociedades anonymas.

Ora, eu tenho aqui muitos documentos que, sobrepostos uns aos outros, poderiam attingir a altura da torre de Babel. Poderia discursar uns oito dias; mas não se arreceie a camara, porque só tomarei á sua attenção por alguns momentos.

Permitta-me v. exa. que eu agora apenas me refira a um ponto historico.

Quando eu apresentei este projecto, fui acompanhado pelo digno par e meu amigo o sr. Vaz Preto. Creio que s. exa. agora assignou Vencido ou com declarações o parecer da commissão.

Nem eu esperava outra cousa de s. exa. S. exa. tem sempre pugnado pelos bons principios, e não vinha de certo defender agora doutrina que tivesse condemnado outr'ora.

Sr. Presidente, nós podiamos vir a um acordo. Eu tenho aqui duas moções, uma benigna, outra um pouco acre, mas não tanto, como a que o partido progressista apresentou em 1873.

E entre parehthesis direi que é extraordinario que o governo tomasse interesse por este projecto e que nenhuma attenção dispensasse a uma proposta, que eu tive a honra de apresentar, proposta que nem sequer chegou a ser enviada pela commissão de incompatibilidades, apesar da solicitude de v. exa. em a constituir.

Quanto a umas, a galope; quanto a outras, ficam para as kalendas gregas!....

Sr. presidente, eu não contarei minuciosamente a historia d'esta questão, e limitar-me-hei a dizer que eu, o que proponho n'esta moção é que se aproveite o intervallo parlamentar para que todos os projectos d'esta natureza sejam submettidos ao exame da commissão de incompatibilidades politicas para que ella apresente um projecto de lei a tal respeito.

Esta moção não tem expressões hostis ao governo e eu desejaria bem que o sr. Pereira Dias, que é tão amavel commigo, menos em politica,, a acceitasse, de accordo com o governo.

Haverá duvida n'isso?

Permitta-me a camara agora, o epilogo do meu discurso, triste e tetrico como aquelle da celebre actriz do tempo de Luiz XIII, Marion de Lorme, mulher notavel ela sua belleza, que deu assumpto a um dos mais primorosos dramas de Victor Hugo, aquelle que fallando do parlamento do tempo de Napoleão III fulminou todos os comilões do seu paiz.

Mas voltemos a Marion de Lorme, pois se trata de um

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facto notavel da historia de França, n'aquelle tempo em que os duellistas eram punidos com penas gravissimas.

O cardeal Mazarin ou Richelieu, cuja historia todos conhecem, dominava n'esse tempo. Marion de Lorme tinha sido insultada por um fidalgo da côrte e o seu amante, Raul, bateu-se em duello e matou o seu rival. Prenderam-no e sendo julgado foi sentenceado á morte. Tudo isto era sublimemente interpretado pela celebre actriz Rachel, que eu VI em companhia do nosso chorado collega o sr. conde do Casal Ribeiro.

A camara desculpa-me esta divagação.

Sendo a actriz Marion uma mulher de rara belleza, o cardeal, que era um grande maganão, quiz torpementa abusar da situação da pobre creatura.

Não sei o que houve, mas o facto é que o cardeal proporcionava a fuga do amante.

O amante, porém, que tinha nobres, sentimentos, percebeu o preço por que comprava a vida e recusou-se a fugir.

O cardeal ia assistir a execução da sua victima, como agora o sr.- presidente do conselho vae assistir á derrocada das poucas incompatibilidades que o existiam, devidas á iniciativa do sr. João Franco. Marion esperou anciosa o resultado.

O cardeal ia na sua berlinda doirada todo vestido de encarnado. Marion, quando o viu passar, acabou-se-lhe de todo a esperança e dizia em francez, e a camara permitta-me que eu lh'o repita na mesma, lingua essas palavras que ainda tenho impressas no pensamento.

Dizia ella, louca de dôr apontando para o cardeal:

"Regardez tous. Yoilà l'homme rouge qui passe!

E eu digo n'este momento solemne:

Regardez tous Voilà l'homme noir qui reste. Onde, sr. presidente?

Nos bancos do governo para voltar para o banco hypothecario.

(O digno par acabou o seu discurso no meio do mais profundo silencio.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo sr. D. Luiz da Camara Leme.

Foi lida e admittida a moção, que é do teor seguinte:

Moção

A camara convida a illustre commissão das incompatibilidades politicas a constituir-se, a qual será presente o projecto em discussão e bem assim todos sobre o mesmo importante assumpto, que forem submettidos á sua apreciação, a fim de que no interregno parlamentar elabore um trabalho completo para, a mesma camara, apreciar devidamente.

Sala da camara, 2 de setembro de 1897. = O par do reino, D. Luiz da Camara Leme.

O sr. Pereira Dias (relator) - Replica ás considerações do digno par D. Luiz da Camara Leme, e diz que não encontra no seu espirito rasão plausivel e justificativa de certas incompatibilidades decretadas pelo governo passado.

(O discurso a que este extracto se Prefere será publicado na integra quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde de Lagoaça: - Requeiro que, sendo necessario, se prorogue a sessão até se votar o projecto em discussão.

Coneultada a camara, approvou este requerimento.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Sr. presidente, annunciou o governo no discurso da corôa a reforma administrativa e a reforma eleitoral.

Quanto á primeira, vem com o seu systema das auctorisações; quanto á segunda, apresenta apenas um projecto de iniciativa particular, que adopta por seu, com o qual, sem melhorar a lei eleitoral de 1896, antes a altera nos seus principies fundamentaes.

Sr. presidente, todos sabem já n'esta camara as minhas ligações politicas com o partido regenerador.

O credo politico d'esse partido é o meu; as suas convicções são as minhas e meus os seus principios.

D'aqui não resulta, porem, em mira o proposito de fazer uma opposição desagradavel, pessoalmente aos srs. ministros.

Sabem s. exas. já o tenho affirmado, quanto os considero pessoalmente, e, muito em especial, dirigindo me agora ao illustre presidente do conselho, s. exa. sabe bem que eu não podia ter por intenção ser pessoalmente desagradaval a s. exa.

As nossas relações de amisade, politica aparte, não o permittiam.

Dito isto, confesso ainda, por falta de explicações claras em contrario quanto me impressionou o systema de auctorisações vagas do governo, systema que envolve uma grave questão de direito constitucional.

Sr. presidente, desejava eu muito, ser-me-ia muitissimo agradavel, que o sr. presidente do conselho, ou mesmo qualquer digno par me esclarecesse com explicações por fórma a demonstrar que estou em erro no que affirmo, tão grave julgo o assumpto a que me refiro.

Sr. Presidente, é muito grave o systema de auctorisações, sem objecto restricto e definido; é uma abdicação de direitos do parlamento. E não será o governo quem mal procederá, usando d'essas auctorisações, uma vez concedidas.

Procedeu mal, sim, eu pedil-as ao parlamento, em levar o parlamento, dando ao governo o que não podiar dar, a desprestigiar se.

Sr. presidente, eu prefiro, já o disse, as dictaduras francas e leaes, porque n'essas dictaduras, os governos que as praticam, têem sempre inherente a responsabilidade dos seus actos, e o parlamento tem, por seu lado, sempre o direito de os apreciar, de os annullar até, bons que sejam esses actos, para manter o seu prestigio.

Póde tambem o parlamento ratificar, fazendo seus esses actos, com o bill, que lhes conceda, mas posteriormente.

Na hyppthese contraria é que tal não acontece, pelo que nunca póde haver bill antes.

Diz-se, ha primeira hypothese, que as responsabilidades dos ministros nunca se tornam effectivas, porque não ha uma lei de responsabilidade ministerial.

Melhor seria que a houvesse; mas nada tem uma cousa com a outra, porque a responsabilidade pessoal dos ministros não tem relação com o prestigio ou desprestigio do parlamento.

Sr. presidente, se são exactas as minhas affirmações, se o que digo que o systema de auctorisações vagas ou de dictadura disfarçada e irresponsavel é muito mais grave que a dictadura aberta, porque n'aquella ha o desprestigio do parlamento abdicando dos seus privativos direitos, permittir-me-ha tambem o digno par, meu sempre respeitado mestre, sr. Fernandes Vaz, de lhe dizer, contra o que s. exa. affirmou, que não é melhor, ou menos mau, comparado com a dictadura rasgada, o systema das auctorisações vagas do governo.

O contrario sim, porque não ha desprestigio para o parlamento. (Apoiados.)

Póde porventura o parlamento dar ao governo os poderes que este lhe pede?

É esta interrogação que formulo, sem propositos desagradaveis para ninguem, visto que sempre estou a ouvir accentuar, por parte d'este governo, que são melhores os seus processos, porque não faz dictadura!

É sincera e convicta a minha opinião, sobre a qual desejava, repito, que me dessem explicações em contrario, se estou em erro.

Quanto ao projecto que se discute:

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Este projecto é uma modificação, em parte, da lei eleitoral de 1896, um remendo que altera os seus principies fundamentaes.

Não me proponho defender a lei de 1896. Sei que essa lei assenta n'umas certas bases, das quaes, convenho, que umas possam ser melhores e outras peiores; mas sei tambem que, em todo o caso, essa lei era uma experiencia.

O principio da lei de 1896 era excluir do parlamento, aliás limitadamente, o funccionalismo, dando ingresso aos representantes da industria, do commercio e da agricultura, que tantos interesses a cuidar aqui têem.

E houve, porventura, espaço de tempo bastante, para que a experiencia demonstrasse que era boa ou má essa lei?

Não; poderia mesmo ser que o tempo convencesse o governo transacto ou o seu partido que era necessario remodelar ou substituir essa lei por outra.

Sr. presidente, não tenho que dizer agora a minha opinião sobre incompatibilidades mas affirmo que a lei de 1896 satisfaz em grande parte a opinião geral a esse respeito.

Sr. presidente, comprehendia eu que o governo tivesse apresentado uma nova lei eleitoral, justificando em claro relatorio a substituição da actual. O que não comprehendo é um remendo, que, alterando, principios fundamentaes; da lei de 1896, a deixarem vigor em Parte,

Se o governo quer desmanchar tudo quanto foi feito pela situação transacta, que o faça, mas não assim aos bocados, deixando a desordem é a confusão.

Por todas estas considerações, lamentando que seja com este projecto que o governo cumpre a promessa de reforma eleitoral, declaro que voto contra;

Tenho dito.

O sr. Pereira Dias:- Responde ao digno par e faz ver os inconvenientes do sorteio estabelecido na lei que s. exa. applaude.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - Começa por lembrar á camara o que escreveu em 1888, ácerca de incompatibilidades; e aponta que o seu procedimento no governo foi sempre coherente com as idéas então expendidas.

Para o orador, as incompatibilidades, são uma questão de principios e não de pessoas, e foi subordinando-se a este pensamento, que subscreveu a lei que o projecto em parte intenta derogar.

Nota que a lei em ordem do dia não está votada, é já está em plena, execução, e, depois de discursar a favor da lei de 21 de maio de 1896, estranha que o governo não tenha cumprido as promessas contidas no discurso da corôa, quanto á reforma eleitoral e outras reformas politicas.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra quando s. exa. haja revisto-as notas tachygraphicas.)

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, para mim a doutrina d'este projecto é uma questão de principios. Creio que o devia ser tambem para o governo!

Surprehende-me, pois, que esteja na tela do debate este projecto, tendo o governo declarado que ia apresentar um projecto de reforma eleitoral. Era então n'essa occasião que devia discutir-se o assumpto.

Tenho pertencido a differentes commissões nomeadas para darem o seu parecer sobre incompatibilidades, e por isso a minha opinião está formada ha longo tempo.

Conheço o assumpto, tenho-o estudado com todo o interesse e cuidado, e portanto poderia fazer uma larga dissertação, poderia dizer muito sobre o assumpto porque, conheço não só o que se tem escripto a este respeito, mas as incompatibilidade que têem sido estabelecidas em differentes paizes da Europa, alguns dos quaes podem servir-nos de modelo.

De tudo quanto tenho lido e estudado resultou a convicção, que hoje tenho em mim profundamente arreigada, de que as incompatibilidades são de necessidade absoluta n'um paiz como o nosso.

Uma lei de incompatibilidades, n'um paiz tão desgraçado e aviltado pela corrupção, é um acto de pura e verdadeira moralidade, é um acto altamente salutar para a regeneração des costumes perdidos, e dos maus habitos inveterados.

Quando os costumes degeneram e se aviltam ao ponto a que têem chegado os costumes portuguezes, quando o nivel moral da nação tem descido tão baixo, é necessario adoptar meios para cohibir essa degeneração, e não consentir que ella se alastre mais pelo paiz.

Se compararmos o Portugal de- hoje com o Portugal de ha um quarto de seculo, ficamos verdadeiramente abysmados, quando contemplamos a sua decadencia, o sentimento egoista que se revela em todas as camadas, e o desejo viç das riquezas, sem se importarem com os meios ignobeis por que sé podem adquirir!

N'esta Bordem de idéas é por esta rasão precisamos precaver-nos com as incompatibilidades, que são até certo ponto meio preventivo para o mal que ameaça desenvolverão em grande escala.

Sr. presidente, se à sessão não estivesse prorogada .e eu não receasse fatigar á attenção da camara, faria um longo discurso, porque o assumpto é de valor e merece ser tratado larga e desenvolvidamente. N'este adiantado, pois, da hora, limitar-me-hei, e apenas justifico o meu voto. Voto contra este projecto parque elle é difficiente, extemporaneo e inopportuno. Voto contra este projecto porque não ha rasão que o justifique, desde que o governo vae apresentar uma nova lei eleitoral.

Voto contra este projecto porque é rachitico e acanhado. Eu quero estas incompatibilidades correctas e augmentadas, e quero muitas outras mais!

A constituição do estado é a carta constitucional. Se nós a mantivessemos em toda a sua pureza, não careceriamos de tantas leis, os legisladores teriam melhor comprehendido a sua augusta missão, e Portugal teria sido melhor administrado. A carta constitucional quer a independencia dos poderes; deixemos pois cada um desenvolver-se e manifestar-se dentro da sua; esphera, e não vamos confundil-os e embrulhal-os! Os membros do poder executivo para serem bons empregados publicos, devem cuidar da sua missão e applicarem-se com cuidado ao desempenho d'esses deveres. O poder judicial deve ser completamente independente; envolvel-o na politica é perdel-o e tirar-lhe a imparcialidade e severidade que elle deve ter nos seus julgamento

Postos estes principios, a consequencia logica é que os membros do poder executivo e judicial devem ser inteligiveis. Se a lei o não. regulou, assim, fitos, pelo meio das incompatibilidades admitâmos essas incompatibilidades e condemnemol-os.

As incompatibilidades a que se refere o projecto são respectivas aos empregados civis, aos juizes e militares. Estas incompatibilidades o defeito que têem são de serem ainda poucas; deviam estender-se a maior numero de funccionarios publicos.

O criterio que presidiu á exclusão d'estes funccionarios é racional e sensato. O empregado civil, para ser bom empregado, é mister precisamente dedicar-se aos seus deveres, não pensar em ser politico, o que lhe tirará todo o tempo que elle deve empregar no desempenho do seu dever.

A politica estraga completamente o empregado publico, faz, ou com que elle não vá para a repartição, ou, se vae, emprega o tempo a escrever artigos para os jornaes! Faz mais: considerando-se na camara igual ao ministro,

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faz com que elle na secretaria o não trate com o respeito que lhe é devido.

Pelo que respeita aos militares, alem d'estes inconvenientes, tem o enorme inconveniente de ser á entrada de cercos militares nó parlamento, contraria á disciplina militar.

Emquanto aos juizes, desde que a carta considerou esse poder completamente independente, é porque ella o quer em toda a sua pureza, e que a augusta e elevada missão que elle tem a exercer seja desempenhada com toda a independencia é seriedade.

Não ha nada mais prejudicial para aquelle poder do que trazer os juizes para a arena politica, que lhe instiga as papões, que lhe offusca a rasão, e que os obriga a praticar erros è, faltas, que elles não praticariam se não estivessem eivados do vicio da politica.

Estas incompatibilidades, pois, longe de deverem ser supprimidas, devem ser correctas, e augmentadas. Muito tinha que dizer sobre o assumpto, mas depois do erudito discurso do sr. D. Luiz da Camara Leme não tenho a pretensão de convencer a camara, que, prorogando a sessão, mostra bem que o seu desejo é votar e não discutir.

Sr. presidente, a minha opinião sobre incompatibilidades é bem conhecida, e está arreigada bem fundo. Eu assignei conjunctamente com o sr. Coelho de Carvalho a proposta do sr. D. Luiz da Camara Leme; desde então para cá essa minha convicção tem-se fortalecido todos os dias, e espero que, mais tarde ou mais cedo, a justiça e a moralidade reclamarão!

O argumento de que os adversarios d'esta doutrina se servem é que o homem honrado, é o sempre, sem se lhe importar as incompatibilidades. Se este principio é verdadeiro, por que é que nas sociedades se empregam as leis preventivas, os codigos, etc., etc.?

Sr. presidente, quando ha conflictos de deveres, o homem de bem e honrado não tem remedio, para se retirar da situação precaria airosamente, senão acceitar as incompatibilidades.

Para que vão os industriaes e commerciantes escolher para directores das suas companhias homens politicos, que não entendem nada do commercio, nem de industria? Sem duvida pelo seu valimento junto dos governos! Quantas vezes se dão conflictos de interesses entre o governo e essas companhias? E o que succede então?

O homem politico, o deputado ou o ministro, ou ha de ser mau deputado e mau ministro, ou mau director!

As incompatibilidades, sr. presidente, são necessarias, são indispensaveis, são urgentes n'este paiz, onde existe a febre de ser rico, considerando-se para esse fim os meios mais adquados dos empregos nas companhias.

Exposta a minha humilde opinião sobre incompatibilidades, resta-me expor o meu modo de ver sobre o sorteio.

Eu detesto o sorteio porque elle é caricato e ridiculo, porque é o acaso annullando a verdade e a expressão da urna, porque elle é contrario aos principios de direito publico constitucional.

Feitas estas declarações, fica justificado o meu voto.

O sr. Presidente do Conselho de Ministro (José Luciano de Castro): - Será muito breve, porque a sessão está prorogada, e não deseja prolongar mais esta discussão.

O que vae fazer, em resposta a todos os dignos pares que pediram a palavra sobre este projecto, é dizer em poucas palavras aquillo que o seu dever lhe impõe.

Este projecto não é do governo, mas é claro que elle tinha de declarar a sua opinião a respeito do assumpto na camara dos senhores deputados, porque o regimento actual d'aquella casa não permitte que seja apresentado á discussão qualquer projecto, sem que no parecer da commissão respectiva se declare se o governo concorda ou não com elle.

O governo declarou que estava de accordo com este projecte, e, desde esse momento, não podia deixar de acompanhar, tanto n'aquella camara, como n'esta, a sua discussão até final.

É portanto, por lealdade para com a respectiva commissão da camara dos senhores deputados e para com a maioria da mesma camara, que o governo acompanha a discussão d'este projecto.

Dirá ao digno par que o antecedeu no uso da palavra, que o governo não apresentou os projectos de reformas administrativas e eleitoral, porque entendeu que esta sessão devia ser especialmente consagrada á discussão de assumptos financeiros.

Esses projectos estão elaborados e impressos, mas o governo entendeu que por parte do governo não se deviam praticar actos que podessem perturbar o melhor aproveitamento das discussões parlamentares, isto é, entendeu que não convinha sobrepor á questão financeira a questão politica.

Essas propostas que já; estão promptas e impressas, tenciona apresentadas na proxima sessão.

De certo que será censurado pela não apresentação d'esses projectos, mas censurado seria se as tivesse submetido já ao parlamento.

Disse o digno par o sr. Hintze Ribeiro que este projecto tinha effeitos retroactivos, isto é, que este projecto, antes de ser lei, antes de ser votado pela camara já estava em execução.

Deve dizer a s. exa. que a sua asserção não é exacta. Se os recentes actos eleitoraes deram os seus suffragios a alguns dos individuos que foram excluidos da camara em virtude do sorteio isto não significa que esteja já em execução a lei que se discute, porque, quando se procede a uma eleição, não é o governo que decreta quem ha de ser o candidato; são os eleitores que o elegem, e os deputados que foram excluidos pelo sorteio, tinham o direito de se apresentarem de novo a reclamar os votos dos seus eleitores.

Não póde, portanto, ser imputada a responsabilidade deste facto ao governo. Demais, quando aquellas candidataras foram apresentadas, já tinha sido submettida á camara dos senhores deputados esta proposta, e era provavel que os candidatos excluidos pelo sorteio, repetindo-se as eleições, se propozessem novamente desde que esperavam que fosse revogada a disposição que os tinha excluido; mas d'aqui nenhuma responsabilidade vem para o governo, que é inteiramente estranho ao facto.

Os deputados excluidos não são inelegiveis, e apenas têem de declarar, no praso de oito dias, se optam pelos seus empregos ou pela cadeira de deputado.

Ora, antes, de terminar esse praso, teriam elles de fazer tal declaração, e a lei nova declara revogada tal disposição. Portanto, será no imperio da lei nova que elles virão tomar posse dos seus logares.

Assim, sendo certo que os deputados agora eleitos são perfeitamente elegiveis, é claro que a lei não tem effeito retroactivo.

A respeito dos empregados publicos, dirá muito pouco, porque não deseja aggravar o cansaço da camara.

Entende e comprehende que este principio se applique aos empregados publicos e até o da inelegibilidade, como está estabelecido na Hespanha e na Italia, onde só se exceptuam certas categorias de funccionarios.

Essas duas nações estabeleceram tambem o sorteio, mas ali comprehende-se, porque na Hespanha e na Italia duas grandes nações, as classes industrial e commercial, e a do professorado particular, podem fornecer ao parlamento representantes em numero sufficiente para discutir as leis; mas n'um pequeno paiz como o nosso, onde a maior parte das illustrações e aptidões estão no funccionalismo, decretar a incompatibilidade dos empregados publicos com as

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funcções parlamentares, é decretar a abolição do parlamento.

Não nega que haja em Portugal membros d'estas classes muito dignos e illustrados; mas a verdade é que as maiores illustrações do nosso paiz, os homens mais competentes pelo seu saber, pela sua experiencia e aptidão adquirida no trato dos negocios publicos, estão no funccionalismo. A prova é a maioria da camara que foi eleita no tempo em que o digno par esteve no ministerio. Não quer julgar dos merecimentos d'essa camara, mas o facto é que lá não figuraram homens tão distinctos, de tão variadas aptidões, que deixassem atrás de si um rasto luminoso na historia parlamentar do nosso paiz.

Se compararmos essa camara com as anteriores, em que a maioria era de funccionarios, devemos chegar á conclusão de que foi exactamente n'essas que se praticaram os maiores actos de abnegação.

A camara que votou a chamada lei de salvação publica em 1892 era composta de funccionarios; e, todavia na hora em que se exigiam sacrificios para si para suas familias, algum d'elles hesitou em fazel-os? Não acudiram todos a dar o seu voto sem tergiversações, sem soltarem uma palavra de protesto?

Então porque é que n'um paiz pequeno e pobre, onde não ha, como na Italia, na Hespanha, na França, na Belgica, entre as outras classes sociaes, um grande numero de homens habilitados para as funcções publicas ou bastante desoccupados dos seus misteres para se poderem entregar a funcções parlamentares; porque é que n'um paiz d'estes, quando não temos accusação alguma que fazer aos funccionarios em virtude dos seus actos no parlamento, havemos, de excluil-os d'elle, só por obediencia ao que se pratica n'outros paires?

É preciso ver, que as nossas condições economicas e sociaes são differentes das condições economicas e sociaes dos paizes estrangeiros.

Comprehendia que p governo transacto tivesse adoptado a inelegibilidade dos funccionarios publicos em um numero mais diminuto de categorias, e depois, tivesse decretado o sorteio, de que resultariam assim menos inconvenientes. É d'este modo que se procede na Italia e na Hespanha, onde o sorteio é applicado a poucas categorias.

O principio das incompatibilidades foi tambem adoptado de uma maneira singular e "unica. A lei determina que os funccionarios publicos sejam excluidos do parlamento; e o que fez? Fixou; umas tantas incompatibilidades.

Todavia, esses individuos - incluidos nas incompatibilidades podem entrar, na camara dos senhores deputados, se renunciarem aos seus empregos.

Pois a lei julga que taes funccionarios são funestos aos interesses publicos e logo os admitte ás funcções de legisladores, se elles forem ricos e renunciarem aos seus empregos!?

Comprehendia que se dissesse que taes e taes funccionarios não podiam entrar no parlamento, mas entrarem, e para lá se conservarem, estarem sujeitos ás contingencias de um sorteio é o que julga inadmissivel.

Não illudâmos o paiz, dizendo-lhe que a lei de s. exa. Quiz dar uma satisfação á opinião publica, excluindo da camara os funccionarios publicos.

O sr. Hintze Ribeiro, perguntou quaes as rasões por que havemos de dar maior logar no parlamento aos funccionarios do que ás outras classes.

O orador, sem prejuizo de qualquer, idéa que possa mais tarde ser trazida á téla do debate, o que deseja é que se não excluam da representação nacional os funccionarios publicos.

O que diz é que é preciso moralisar o suffragio eleitoral, e moralisar os costumes.

É preciso que os eleitores saibam eleger, e esta idéa de decretar a honestidade e a probidade pessoal por lei é um grande erro, como muito bem disse o digno par, o sr. Pereira Dias.

Pois então nós estamos a dizer que o paiz elege livremente, é ao mesmo tempo vamos estabelecer disposições restrictivas em relação á liberdade e independencia do eleitor!

Não é favoravel a que haja numero demasiado de funccionarios publicos no parlamento, mas o que não quer, repete, é excluil-os.

Muito desejaria que no parlamento estivessem representadas todas as classes sociaes, mas para isso não basta que as leis decretem incompatibilidades ficticias.

É preciso que moralisemos o suffragio.

Sabe que em Italia e na Hespanha existe o sorteio, mas, como já disse, n'esses paizes existe o principio da inelegibilidade dos funccionarios publicos.

O sorteio faz-se em relação a muito poucos, que dão entrada na camara, e por isso. não póde ter os inconvenientes que apresenta entre nós

Em Portugal o principio é outro.

Respeita muito os legisladores italianos e hespanhoes, mas o sorteio n'aquelles paizes não dará inconvenientes, porque o principio lá é diverso do que nós tinhamos estabelecido.

Entregar á sorte, que é cega, a escolha dos representantes do paiz, annullar por um acto da sorte a eleição de um individuo que póde muito bem ser uma capacidade, parece lhe que não é o melhor meio para a constituição dos parlamentos.

Que o eleitor eleja livremente, e que depois de manifestar o seu voto, esse voto seja annullado por uma decisão cega da sorte, não lhe parece que seja o melhor systema de selecção parlamentar.

Tendo o governo declarado que estava de accordo com o projecto, cumpria-lhe defendel-o, e foi o que fez no menor numero de palavras, para não cansar a attenção da camara.

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - Insiste nas reflexões primitivamente adduzidas.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra, quando e. exa. Haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Vae votar-se.

Vae ler-se, para ser votada, a moção mandada para a mesa pelo digno par o sr. Camara Leme.

Lida na mesa a moção do digno par e consultada a camara, foi rejeitada.

O sr. Presidente: - Vae ler se o projecto para se votar.

Leu-se na mesa o projecto.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o projecta que acaba de ser lido, tenham a bondade de se levantar.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par o sr. Hintze Ribeiro.

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - Antes de encerrados os nossos trabalhos, seja lhe permittido, em seu nome e em nome da opposição regeneradora, agradecer ao sr. presidente, a maneira imparcial, correcta, digna e sempre deferente, com que e. Exa. se signou presidir aos trabalhos da camara.

Propõe um voto de louvor ao sr. presidente, o qual julga que será approvado por acclamação. (Muitos apoiados.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Sr. presidente, pedi a palavra para declarar a v. exa. que me associo, por parte do governo, ás palavras de inteira justiça que proferiu o sr. Hintze Ribeiro. Associo-me ás palavras de s. exa., que são, como digo, de inteira justiça, pois v. exa. exerceu as suas funcções com uma circumspecção e imparcialidade que poderão ser igualadas, mas não excedidas. (Apoiados geraes.)

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O sr. Pereira Dias: - Em nome da maioria associa-se a todas as declarações feitas pelo digno par Ernesto Hintze Ribeiro, e apoiadas pelo sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente: - Agradeço profundamente reconhecido ao digno par o sr. Hintze Ribeiro a iniciativa da sua proposta, para mim extremamente honrosa, por partir d'esse lado da camara, e ter sido apresentada por um digno par, a quem presto a mais subida consideração pelo seu caracter, pelo seu talento, e pela sua illustração; agradeço igualmente ao nobre presidente do conselho de ministros, e ao meu distincto collega e amigo sr. Pereira Dias, o terem-se associado á proposta com palavras de louvor, em nome do governo, e da maioria d'esta casa, e agradeço finalmente a toda a camara os applausos com que a acolheu. Esta manifestação tem para mim um alto valor, porque significa o reconhecimento de que no desempenho da difficil missão, que me foi incumbida, eu me esforcei sempre por cumprir imparcialmente os deveres á ella inherentes, deveres de que difficilmente poderia desempenhar-me, se não viessem em meu auxilio a intelligente e leal collaboração dos dignos secretarios, e a extremada benevolencia que à camara dos dignos pares sempre me dispensou. A todos, pois, renovo os meus mais sinceros e cordiaes agradecimentos.

O encerramento das côrtes realisar-se-ha no proximo sabbado, ás duas horas da tarde.

Está fechada a sessão.

Eram seis horas e quarenta minutos da tarde.

Dignos pares presentes à sessão de 2 de setembro de 1897

Exmos. srs.: José Maria Rodrigues de Carvalho; Marino João Franzini; Marquez da Graciosa; Condes, do Bomfim, da Borralha, do Casal Ribeiro, de Lagoaça, de Paraty, da Ribeira Grande, de Macedo; Telles de Vasconcellos, Ferreira Novaes, Palmeirim, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Baptista de Andrade, Fernandes Vaz, José Luciano de Castro, Abreu e Sousa, Rebello dá Silva, Pimentel Pinto, Camara Leme, Macario de Castro, Pereira Dias, Vaz Preto, Mathias de Carvalho.

Errata

Na sessão n.º 24, de 30 de agosto, pag. 274, col. 1.ª, onde se lê: "Ora se o estado não paga integralmente os juros das inscripções, é porque não se trata de uma verba importante, etc.", leia-se: "Ora, se o estado não paga integralmente os juros das inscripções, é por que se trata de uma verba importante, etc."

O redactor = Urbano de Castro.

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