14 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Dignos Pares presentes na sessão de 14 de julho de 1908
Exmos. Srs. : Antonio de Azevedo Castello Branco; Marquês Barão de Alvito; Marqueses: de Avila e de Bolama, de Pombal, de Sousa Holstein.; Cindes: de Arnoso, do Bomfim, de Castello de Paiva, de Figueiró, de Villa Real, de Sabugosa; Viscondes: de Algés, de Monte São; Pereira de Miranda, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Ayres de Ornellas, Carlos Palmeirim, Carlos Bocage, Eduardo José Coelho, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Simões Margiochi, Francisco Serpa Machado, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, Gama Barros, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Vasconcellos Gusmão, José de Azevedo, José de Alpoim, Silveira Vianna Julio de Vilhena, Luciano Monteiro Poças Falcão, Bandeira Coelho, Sebastião Telles e Sebastião Dantas Baracho,
O Redactor,
ALBERTO BRAMAO.
Projectos de lei apresentados pelo Digno Par Sr. Jacinto Candido
Senhores. - Espiritos desvairados por um cego facciosismo, que os interioriza, impellidos por um culto ridiculo do figurino francês, podem ainda deter-se, hoje, como em questão fundamental e primaria, na luta de substituir um Rei constitucional por um Presidente de republica.
Apoucados num ideal de liberalismo formalistico, incoherente e paradoxal, contradizendo-se a cada momento, e opprimindo e vexando, já, mesmo sem a posse do poder, com o mais atroz e insupportavel despotismo, todos os que não commungam no seu credo politico, esterilizando-se em banaes declarações rhetoricas, modeladas no typo jacobino da França de 1793, mal se apercebem de que mais de um seculo vae passado sobre essa epoca historica.
Não é esta a questão - a da forma monarchica ou republicana - que nos tempos presentes- occupa e preoccupa, justificadamente, os homens de Estado, os pensadores e os sociologos.
Burgueses monarchicos, ou burgueses republicanos, burgueses são todos; e é contra elles que o quarto Estado se levanta, pondo, bem claramente, a questão social, que é, sem duvida, a questão do nosso seculo.
A forma republicana nada importa á questão social; e, com graça, dizia ha poucos dias um chefe socialista: "Que nos importa a nós que o chefe do Estado use coroa, chapéu de coco, ou tiara? A nossa questão não é essa, é sim a das nossas reivindicações, que nos garantam, na vida, o direito de viver".
E é assim.
O doutrinarismo politico, as velhas e clássicas discussões sobre vantagens e inconvenientes d'esta ou d'aquella forma de Governo, monarchica ou republicana, não se casam já com as exigencias da actualidade.
Fizeram o seu tempo.
Outras aspirações as substituiram, e a questão social as encerra.
Na conclusão 9.ª consigna-se, especialmente, o seguinte principio geral:
"O nacionalismo affirma o respeito e a sympathia, que lhe merecem as legitimas reclamações das classes operarias, entendendo que ellas devem resolvever-se, por modo a satisfazer-se tudo quanto for conforme á equidade, antecipando-se mesmo com providencias claramente demonstrativas de solicitude vigilante e de justiça governativa, que inspirem confiança e desarmem as justas indignações dos opprimidos 1".
A comprehensão d'este estado de cousas, teve-a, de seu principio, sem uma hesitação só, o partido nacionalista, com uma lucidez bem demonstrativa de que é um agrupamento moderno, integrado nas correntes que ao presente agitam os espirites e movimentam a vida das nações. No seu programma politico a questão social é claramente posta, procurando-se a sua solução num regime de verdadeira liberdade e de austera justiça.
Claro bem está que se restringiu o campo das reivindicações, peia legitimidade d'ellas, o que exclue por completo a utopia e a revolução.
Nem desvairamentos fantasistas, contrarios aos ditames da razão e ás lições da sciencia; nem convulsões sociaes violentas, que perturbam a ordem, atrasam o progresso e maculam a civilização.
Não podia ser esse o caminho. Pelo contrario, cumpre evitar o desvario imaginoso pela realidade sensata; e prevenir, pela justiça governativa, as reclamações armadas em lutas fratricidas: em obediencia ao principio superior do direito, que deve presidir á acção do poder publico; e no interesse supremo da paz, que deve nortear os homens de Governo.
Façamos pois a distincção do que ha de legitimo nas revindicações dos opprimidos, dos tristes, dos desvalidos, dos desherdados, da grande massa humana que soffre, sem conforto nem alegrias, antes que o desespero a domine e o furor a precipite, num arranque impetuoso de coleras indomaveis, contra tudo e contra todos.
Não sejamos fracos cedendo apavorados ante a ameaça; mas não sejamos surdos aos clamores da miseria, nem desprezemos as reclamações da justiça.
Vamos pois até junto d'essas classes sociaes, pobres e infortunadas, nossos concidadãos e irmãos nossos; criemos com elles intimidades; ouçamo-los; estudemos a sua situação conscienciosamente; e, consequentemente, procedamos segundo um alto ponto de vista social e humano.
Não os abandonemos no isolamento das suas dores e na concentração dos seus odios.
Nesta ordem de ideias, e com taes objectivos, como previa medida, indispensavel para proceder com seguro criterio, fundados motivos, e prudente aviso, tenho a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:
N.° 22
Artigo l.° O Governo procederá sem demora, e pela Secretaria de Estado das Obras Publicas, Commercio e Industria, a um inquerito geral sobre a situação das classes operarias do continente do reino.
Art. 2.° Para este effeito constituir-se, ha uma commissão especial de funccionarios idóneos do Estado, que estudará o assunto directamente, recolhendo todos os elementos necessarios para um juizo fundamentado, que habilite os poderes publicos a occuparem-se das questões de caracter social.
Art. 3.° As associações de classe serão mandadas ouvir sobre o inquerito e prestarão todas as informações sobre o estado dos seus respectivos ramos de trabalho que lhe forem reclamadas, nos termos do artigo 11.°, n.° 6.°, e artigo 5.°, da lei de 9 de maio de 1891, e todas as demais que entenderem convenientes ao fim do inquerito.
Art. 4.° É autorizada a despesa com este inquerito até o limite maximo de 6:000$000 de réis.
Art. 5.° O Governo formulará as instrucções necessarias para a execução da presente lei, e dará conta ás Côrtes do medo como ella for executada.
Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario,
Jacinto Candido.
Senhores. - Tendo-se suscitado duvidas sobre se os decretos do poder executivo, usurpando funcções legislativas, devem ou não ser acatados e cumpridos pelos cidadãos e pelos outros poderes do Estado, como leis do reino;
Sendo mester que se mantenha firme, no exercicio da governação publica, o principio superior e basilar da divisão e harmonia dos poderes politi-
1 Vide conclusões 6.ª, 9.ª, 10.ª, 11.ª e 13.ª