SESSÃO N.° 27 DE. 14 DE JULHO DE 1908 15
cos, como meio mais seguro de conservar os direitos dos cidadãos, e de tornar effectivas as garantias que a Constituição offerece, nos termos do artigo Í0.° da Carta Constitucional;
Não podendo, nem devendo, manter-se duvidas em materia tão grave como esta, e convindo interpretar a lei de modo autentico, fixando doutrina certa e inilludivel;
Cabendo ás Côrtes a interpretação das leis, nos termos do § 6.° do artigo 15.° da Carta Constitucional citada já;
Não se tratando, como se não trata, de limites nem de attribuições dos poderes do Estado, e tão somente de uma pratica abusiva, manifestamente contraria á letra e ao espirito da lei, e gravemente perturbadora sempre do funccionamento do Governo constitucional;
Cumprindo que as Côrtes velem na guarda da Constituição e promovam o bem geral da nação, como manda o § 7.° do citado artigo 15.° da mesma Carta:
Tenho a honra de propor-vos o seguinte projecto de lei:
N.° 23
Artigo 1.° Os decretos ou quaesquer outros diplomas do poder executivo não podem nunca conter materia legislativa nova, nem alterar, nem revogar, as leis existentes, salvo no uso de autorizações legislativas, e noa termos precisos d'ellas, ou quando se trate das provincias ultramarinas, nos termos de § 1.° do artigo 15,° do Acto Addicional á Carta Constitucional.
Art. 2.° Os decretos, ou quaesquer outros diplomas do poder executivo, que se não conformarem rigorosamente com o disposto no artigo anterior, não terão força legal, não serão applicados pelos tribunaes de justiça, e ter-se-hão como não existentes para todos os effeitos, salvo pelo que toca ás responsabilidades dos respectivos Ministros e Secretarios de Estado.
Art. 3.° Fica assim interpretrada a lei e revogada a legislação em contrario.
Jacinto Candido.
A doutrina contida neste projecto de lei é a do programma do partido nacionalista, na parte respeitante á contabilidade publica, que já por mais de uma vez, tenho perante vós, expendido se sustentado.
Designadamente na ultima sessão parlamentar defendi os principies que agora proponho ao vosso exame, na convicção, tão firme como sincera, de que são indispensaveis a um bom regime de efficaz fiscalização financeira, por parte dá s Côrtes, e até para salvaguarda das responsabilidades pessoaes dos Ministros, não menos dignas de ponderação do que as responsabilidades juridicas.
Quem delinquiu, que responda pelo seu erro, quem o não fez, que fique a coberto das campanhas diffamatorias, mais, se não que na totalidade dos casos, inspirados pela paixão politica, do que por um alto espirito de justiça, ou por um nobre pensamento de bem publico.
A meu ver, o grave defeito de que enferma a nossa contabilidade está na feroz centralização que domina este capitulo tão fundamental, dos serviços publicos, como de resto impera em toda a nossa vida politica e social e em todos os outros ramos da nossa administração.
O brutal centralismo, tão geralmente consagrado em toda a nossa legislação, attingindo já hoje um grau de intensidade acima do supportavel, eis a meu juizo o inimigo que, em todos os campos, sem os excessos perigosos de uma reacção violenta e anarchizadora, mas sem treguas nem complacencias, deve ser combatido tenazmente.
Desdobrar a monstruosidade, que é o nosso orçamento, e que são as nossas contas do Thesouro, em documentos susceptiveis de exame e de critica, ainda aos menos entendidos nestes assuntos de enfadonha especialidade, e discriminar, personalizando-as, responsabilidades, que por confessar difficil é, com justiça, devidamente apurar, são necessidades de primeira ordem, reconhecidas pela experiencia, a que o projecto procura obtemperar.
Não se cuida aqui de uma lei geral de responsabilidade ministerial, mas tão somente da effectivação das responsabilidades de caracter particular, que derivam da administração , financeira do Estado, sem a qual mal se comprehende um regime perfeito de contabilidade publica.
Possivelmente, se não que com todas as probabilidades, muitas deficiencias serão reconhecidas neste projecto, a que será mester supprir; mas tambem modesto é o nosso proposito, que não mim a formular um regime completo dos serviços de contabilidade, mas á apresentação de principios, aliás fundamentaes e radicalmente transformadores, para, juntamente com a legislação em vigor e não contraria, se constituir afinal uma lei geral de contabilidade publica completa, que satisfaça ás justas reclamações dos que se interessam, a serio, pela administração do Estado.
A commissão codificadora que se propõe não fica inhibida de introduzir qualquer modificação ou de prover a qualquer falta; bem ao contrario, cabe-lhe essa missão, visto como o projecto que elaborar será sincero e apenas um projecto de lei, sujeito á discussão e á votação do poder legislativo.
Codificar as leis é delicada operação juridica, que ás Côrtes não devem de si demittir nem outorgar, por autorizações, ao poder executivo. E pois que a codificação deve fazer-se pelo poder legislativo, ha opportunidade e competencia, para tudo o que se mostrar necessario a bem de uma lei organica, perfeita quanto possivel, d'esta importantissima previdencia dos serviços financeiros do Estado.
Tenho pois a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° As repartições de contabilidade de cada Secretaria de Estado serão autónomas, independentes do Ministerio da Fazenda e somente, e directamente, subordinadas aos Ministros e Secretarios de Estado respectivos.
Art. 2.° Estas repartições trabalharão somente sobre a dotação, e as despesas privativas da Secretaria de Estado a que pertencem, sob a responsabilidade, pessoal e solidaria, do Ministro e do seu chefe, respectivos.
Art. 3.° Pela Secretaria de Estado dos Negocios da Fazenda será posto á ordem das repartições de contabilidade de cada Ministerio, no ultimo dia de cada mês, o duodecimo do mês seguinte, conforme as suas dotações.
Art. 4.° No Ministerio da Fazenda serão extinctas as direcções da Contabilidade e da Thesouraria, organizando-se, em sua substituição, alem da Repartição de Contabilidade dos serviços proprios d'aquella Secretaria, perfeitamente igual á das outras Secretarias de Estado, e sujeita ao mesmo regime:
a) a Direcção Geral das Receitas Publicas;
b) a Direcção Geral da Fazenda Publica.
§ 1.° Á Direcção Geral das Receitas Publicas, cabe a escrituração, a arrecadação, a superintendencia, e a fiscalização de todas as receitas do Estado, a sua distribuição, por duodecimos, a cada Secretaria de Estado, e o pagamento de todos os demais encargos do Estado, não commettidos a outras estações officiaes privativas.
§ 2.° A Direcção Geral da Fazenda Publica cabe a coordenação e a escrituração de todas as receitas e despesas do Estado, baseando-se nos balancetes, que lhe devem mensalmente ser enviados, por todas as Repartições de Contabilidade, pela Direcção Geral das Receitas Publicas e por todas as restantes estações officiaes, encarregadas da arrecadação, ou da applicação, das receitas publicas.
Art. 5.° Por este modo se estabelecerá uma escrituração das receitas e despesas do Estado, completa e em duplicado, sendo parcelarmente, consoan-