8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Eu propunha que se fizesse esse inquerito, que é indispensavel, porque a nossa missão não é deixar que o problema assuma o caracter de uma revolução, mas; prevenir, ir ao encontro d'essas reclamações legitimas com providencias que satifaçam, antes que revistam qualquer caracter revolucionario.
O Sr. Conde de Castello de Paiva:- Isso depende de nós. Nós é que não cuidamos a serio da nossa missão.
O Orador: - Para o projecto de lei que mandei hoje para a mesa, prognostico a mesma sorte que tiveram os outros que tenho apresentado.
Nada se fará. E porque?
Porque é que eu venho hoje aqui, e tomando a iniciativa de mandar para a mesa um projecto de lei, não conto com a sua approvação, emquanto que se eu ámanhã fosse Ministro, e apresentasse quaesquer propostas, sabia que ellas tinham immediato e pronto seguimento?
Porque ?
E pela subalternização do poder legislativo ao poder executivo. E missão das Côrtes fazer leis sabias e justas, e afinal não fazemos senão subordinarmo-nos ás ordens que nos dá o poder executivo. (Apoiados}.
Nesta exhortação sigo os conselhos do Digno Par Sr. Baracho, de que nós devemos tornar-nos activos e com iniciativa propria, para que o poder executivo restrinja a sua acção ao seu proprio poder.
Isso depende de nós todos, disse ha pouco, e muito bem, o Digno Par Sr. Conde de Castello de Paiva.
Pois bem, ahi fica feita a minha exhortação. Tenho batalhado neste campo ha seis annos; mas, apesar d'isso, reuniram-se acaso as commissões?
Mas, Sr. Presidente, publiquem-se os pareceres; venha á Camara aquillo que cada um pense sobre os assuntos palpitantes e que interessem á opinião publica. Isto, Sr. Presidente, não é um vicio der que enferma somente este Governo. É um vicio de que vem enfermando o poder executivo, desde muito tempo. Este vicio não é só nosso. Aqui tenho eu um livro francês que combate energicamente o regime de centralismo que domina em França.
O Sr. Sebastião Baracho : - E pecha dos latinos.
O Orador: -Tem V. Exa. muita razão. Ainda no anno passado o Sr. Ministro das Obras Publicas de então, numa das ultimas sessões parlamentares, se queixava de que o Governo lutava com difficuldades para resolver todos os assuntos de administração, visto que todo o tempo era pouco para attender os pretendentes que frequentavam os Ministerios: uns queriam estradas, outros chafarizes, outros caminhos de ferro, outros isto, outros aquillo, de maneira que o Governo se via na impossibilidade de attender a toda a gente. A solução do problema é muito simples: descentralize. Confira ás camaras municipaes a autonomia que ellas devem ter, e tudo estará remediado. Querem todos os despachos dependentes da acção ministerial, soffram-lhe as consequencias. Mas o peor é que não são só os Srs. Ministros que soffrem as consequencias. Todas as regiões do País se resentem de um tal systema de administração. A crise financeira, politica, moral, agricola, finalmente, a crise geral que esmaga o nosso País, é devida unicamente á funestissima centralização. É, pois, contra ella que é necessario encetar uma campanha viva e constante. O Governo se administrar bem, dentro da sua esfera, de acção, presta o maior serviço que pode prestar ao seu País. É essa a sua missão. Que o Parlamento decrete, pois, leis justas e sabias, e que o Governo as execute inflexivelmente, sem desfallecimentos e sem fraquezas.
O centralismo não tem feito senão estrangular a vida nacional, em todos os variados ramos de suas manifestações.
Faça-se isto, estabeleça-se esta harmonia na vida publica e social, e ver-se-hão as consequencias e resultados que d'ahi derivam, não no sentido radical, porque esta transformação não se fazia em periodo curto, mas em periodo tambem não relativamente longo.
Sr. Presidente: esta campanha contra o centralismo feroz de toda a administração publica e de toda a vida publica e nacional, campanha, em que eu me tenho empenhado nesta tribuna e fora d'ella, nas minhas conferencias desde moço, é baseada numa profunda, sincera, intima e documentada convicção do meu espirito.
Eu ainda sou do tempo em que vigorava o codigo Sampaio e havia descentralização e por muito que se dissesse contra essas instituições municipaes, nada se comparava com a administração centralista que actualmente temos. E no projecto especial que se está discutindo, ainda ha o mesmo principio de tudo ficar dependente da acção do Governo, e de se não constituir, devidamente, em organização correspondente á fixação e proseguimento na execução de um plano geral comprehensivo da defesa maritima o terrestre do País.
E ainda, a meu ver, o grave vicio de que enferma a ordem de serviços de que trata o projecto de lei em discussão.
Sr. Presidente, a Camara comprehende, como eu, collocado no meu ponto de vista, experimento o desprazer que me causa o desdem com que teem sido recebidas as minhas propostas. Dormem um eterno somno no limbo dos archivos.
O Sr. Sebastião Baracho: - Em companhia das minhas...
O Orador: - Apoiado.
O Sr. Sebastião Baracho: - Eu concordo com muitas das ideias de V. Exa., como estas que citou a respeito de contabilidade publica e outras.
O Orador: - Em principios e normas que representam a alta moralidade publica, estamos de inteiro acordo; não estamos em poios oppostos, estamos em confusão; o Digno Par tem ideias sobre assuntos religiosos diversas das minhas; sobre assuntos de liberdade, o Digno Par tem ideias mais radicalmente garantidoras da liberdade individual do que eu; mas escusamos de frisar a circunstancia de estarmos em pontos oppostos pelo que respeita a ideias politicas; nem o contacto politico do Digno Par me macula, nem o meu contacto com o Digno Par o pode molestar, porque todas as vezes que não concordemos em pontos de doutrina, não podemos estar divergentes em pontos de moral, e estes é que são os pontos fundamentaes da vida politica como da particular, nos homens dê bem. - Portanto, o Digno Par assinou muitos projectos que eu tenho tido a honra de apresentar, e naturalmente, assinaria aquelle que vou mandar para a mesa, e muito folgarei com que o Digno Par venha á estacada e me secunde na campanha.
Tome o Digno Par conhecimento do que diz respeito a inquerito ao trabalho nacional, para ver se conseguimos que o Parlamento Português, de uma vez, vote uma lei importante sobre serviços publicos, que não tenha a chancella da iniciativa do poder executivo.
Estas praxes de disciplina politica só redundam em prejuizo da Nação.
A mim não me aterram as campanhas excessivas e apaixonadas; o que me aterra é o marasmo que paralysa todas as iniciativas, que embaraça e peia todos os impulsos e o desejo de trabalhar e cooperar para bem do País.
A ruim, sobretudo, o que me aterra é a absorpção do poder pelo centralismo.
Nós precisamos reivindicar para o Parlamento Português os seus direitos, e o Governo que dê conta dos seus actos e que governe nas secretarias. (Apoiados).
Quem faz as leis somos nós. E esta inversão de processos que faz que o