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reduzido ao papel de edictor responsavel das decisões de uma Camara, quando ellas são tomadas sem o seu concurso, e contra a sua opinião? É esta uma pertenção que me impressiona muito desagradavelmente, porque compromette a propria existencia, e a dignidade do systema representativo, que só se poderão manter quando cada um dos poderes funccionar dentro da sua orbita.

Suppunhamos porém que o Governo, reduzindo a resolução da Camara a um projecto de lei, apresenta esse projecto na outra Camara; pergunto: suspende a Camara dos Dignos Pares a sua resolução em quanto a proposta não é convertida em Lei? Quereria que os Dignos Pares me respondessem... Ninguem me responde (vozes—ha de se responder). Mas era melhor que se respondesse agora, e que em vez de se dizer que eu estou ameaçando, se dissesse que eu com effeito estou apresentando argumentos, a que se não póde dar resposta. Ameaças aos Conselheiros de Estado foram os argumentos ad verecundiam, que o Digno Par apresentou, quando disse, que queria vêr qual era o membro desta Camara, que se attreveria a ir funccionar depois da resolução tomada aqui. O Digno Par colloca a resolução desta Camara acima da Lei.

Fallou-se em capricho, mas de que lado está elle? Estará do lado do Governo, que entende o artigo da Carta como foi entendido sempre, e quer manter as prorogativas da Corôa, e as da outra casa do Parlamento, ou estará da parte daquelles que pertendem que a interpretação da Carta póde ser feita só por uma Camara, e que o Governo deve ás suas resoluções a obediencia que só deve á Lei?

Em que se viu o capricho ministerial? Em vir o Governo a uma conferencia particular apontar os perigos de uma designada resolução, e indicar officio pelo qual entendia que essa resolução podia ter vigor, tornando-se entretanto o Governo apparentemente estranho a este negocio? O capricho está antes da parte dos Dignos Pares que sustentam uma tal decisão com argumentos que lhes deveriam ter ferido a mente em 1845, que não deveriam sobre tudo ter escapado ao homem que apresentou e desenvolveu as bases para a organisação do Conselho de Estado em 1843, e que tinha então obrigação de saber já que as funcções dos Conselheiros de Estado na secção administrativa e na secção do contencioso não podiam ser exercidas, durante as Côrtes, por membros dellas sem licença das respectivas Camaras. Pois é esse homem que nos argue, elle que tal opinião não tinha nem em 1845, nem depois em 1849, em 1850, e em 1851 (O Sr. Ferrão — Sobre a ordem), em que de novo tornou a ser Ministro, e de novo tornou a organisar o Conselho de Estado.

Mas diz o Digno Par que na Carta não se tracta dos Conselheiros de Estado extraordinarios, e pergunto eu: na Carta estabelece-se por ventura que sejam doze os Conselheiros de Estado effectivos, e que esse Conselho seja presidido pelo Rei? Em parte nenhuma; mas eu queria ainda que se passasse pelos olhos desapaixonadamente a Carta de Lei de 3 de Maio de 1845, referendada pelo Digno Par; ahi se veria que nem uma só expressão ha nessa Lei, da qual se infira que o Conselho de Estado não é o mesmo, ou elle funccione como corpo politico presidido pelo Chefe do Estado, ou administrativamente, presidido por um dos seus membros. Não ha uma unica expressão que revele similhante cousa, e o artigo 4.° da mesma Lei diz expressamente o seguinte: (leu)

«O Conselho de Estado quando exerce as funcções que prescreve a Carta Constitucional da Monarchia, e que não forem as administrativas, etc...»

Logo, aqui está reconhecido que os Conselheiros de Estado de que falla a Carta exercem funcções politicas e administrativas [Vozes—Jesus!) Jesus! É o que está aqui escripto (leu novamente).

Mas tudo isto o que prova é que é negocio de interpretação de Lei; prova que a questão que se chamou simplíssima não o é, pois se o fóra como se havia de explicar o longo discurso do Digno Par para provar uma cousa clara e simples?

Disse o Digno Par, que muitos membros da outra Camara são de opinião que a Camara dos Dignos Pares tem razão; eu posso voltar este argumento, dizendo — que tenho conhecimento de muitos Srs. Deputados que são de opinião contraria. Mas a questão não é esta. Supponhamos que teem razão, supponhamos que effectivamente os Conselheiros de Estado no exercicio das funcções administrativas carecem de licença da respectiva Camara a que pertencerem; o Governo intende que esta resolução só póde ser tomada por uma Lei. Esta é que é a questão, e a este ponto é que e eu desejo que cheguemos todos. E quereria que me explicassem o seguinte: a Camara dos Dignos Pares diz—não podem accumular sem licença, e a dos Srs. Deputados diz o contrario; é possivel que o mesmo artigo da Carta tenha duas interpretações, uma para a Camara hereditaria, outra para a Camara electiva?

Diz o Digno Par, que na outra Camara nunca foi tractada esta questão. Isto é que eu nego. Eu já disse que todas as vezes que alli entrava mais tarde, acabando de exercer funcções de Conselheiro de Estado na secção administrativa a que pertenço, sempre, sem excepção de uma só vez, pedi a palavra e declarei que ia tarde, porque tinha estado funccionando na secção administrativa do Conselho de Estado. Depois deste facto tão repetido, póde-se dizer que a Camara dos Srs. Deputados não reconhecia o direito e obrigação que eu tinha de exercer aquellas funcções sem sua permissão? É póde-se dizer, que as Camaras se não occuparam deste assumpto quando foi discutida a Lei de 13 de Julho de 1849, e o Acto Addicional? O silencio das Camaras a este respeito é a approvação da interpretação, que até então se havia dado á Carta, e que se lhe continuou a dar depois.

Mas o que é mais notavel é dizer o Digno Par, que era necessario que esta questão fosse tractada com mais moderação e mais madureza pelos

Ministros! Pois são os Dignos Pares que tem direito de nos dizer isto?! Fomos nós chamados á commissão que examinou a proposta? Fomos convidados a assistir a sua discussão? Cumpriram-se n'esta as regras do regimento? (O Sr. Ferrão —Para um requerimento). Não é pois aos Ministros, que tal arguição póde ser dirigida.

Peço desculpa á Camara de me ter alargado tanto, e termino já, porque o meu fim principal foi repellir a insinuação que me foi feita, e ainda me admira muito de que se imaginasse uma fabula de similhante natureza: entretanto, repito, que sei quem foi o inventor d'ella, mas o que eu menos esperava realmente era que similhante invenção fosse aceita por homens que se respeitam, e que por larga experiencia sabem se eu sou capaz de ceder a pressões de alguem.

O Sr. Ferrão (Para um requerimento)— Requeiro a V. Ex.ª, que visto que o Sr. Ministro da! Fazenda tendo a palavra sómente sobre a ordem para dar uma explicação fallou largamente sobre a materia, preterindo-me na palavra, que me pertencia, faça com que os Dignos Pares que se seguirem, usando da palavra sobre a ordem, se abstenham de imitar o exemplo, e se restrinjam a uma questão de ordem, ou a dar explicações.

Em outros termos, sou eu que move assim uma questão d'ordem, para que se mantenha o meu direito, e se cumpra o regimento.

O Sr. Presidente observa ao Digno Par, que tinha pedido primeiro a palavra sobre a materia, depois sobre a ordem, e finalmente para um requerimento.

O Sr. Ferrão—Agora qual é a palavra que tenho?

O Sr. Presidente expõe que visto o Digno Par não a ter querido sobre a ordem, compete-lhe neste logar a palavra sobre a materia.

O Sr. Conde da Taipa — Sr. Presidente, eu tambem peço a palavra sobre a materia.

O Sr. Visconde d'Algés—Sr. Presidente, a palavra sobre a materia.

O Sr. Ferrão—Sr. Presidente, muito difficil me é conservar a conveniente placidez nesta questão; mas eu procurarei, não só ser breve, mas reprimir uma certa vivacidade a que naturalmente conduz o meu temperamento.

Entro com bastante difficuldade no debate, mas não posso airosamente guardar silencio, porque me vejo constituido no campo da defeza e da legislação.

Sou arguido virtualmente de haver errado na interpretação de uma Lei, quando por dever de meu officio no primeiro Tribunal do paiz, e por muitos annos de pratica na applicação das regras de hermeneutica aos textos das Leis, para com elles me conformar nos casos occorrentes, devia considerar-me mais habilitado do que o Sr. Ministro da Fazenda, para entender uma Lei e saber applical-a a uma hypothese dada, e portanto não vejo só e simplesmente a offensa ao meu amor proprio, mas a necessidade de me rehabilitar contra a conclusão, que se póde tirar, de que eu participando do erro arguido, não sou capaz de cumprir com acerto e justiça os deveres do meu cargo, quando decido das questões de propriedade, da vida e da honra dos cidadãos.

O Sr. Ministro da Fazenda disse, que este negocio era tão simples que não sabia como se lhe podia dar uma interpretação diversa da sua. Eu digo pelo contrario, que elle não só pareceu tão simples e tão evidente á commissão de legislação e a esta Camara, mas que eu não imaginava a possibilidade delle podér ser entendido e resolvido por um modo contrario aquelle por que foi entendido e resolvido unanimemente: e então ou eu ou S. Ex.ª está predominado de uma falsa opinião. É possivel que o erro esteja da minha parte, mas por ora tenho o sentimento de dizer, que as razões que S. Ex.ª tem apresentado, não me demovem da minha convicção.

Sr. Presidente, um Digno Par apresentou nesta casa uma moção; foi esta mandada á commissão de legislação, composta de jurisconsultos e magistrados.

Viram a Lei, consideraram o negocio simples, e não tiveram a menor hesitação em dar o seu parecer.

A questão era, se os membros desta Camara, que são Conselheiros de Estado politicos, ou extraordinarios, podiam accumular as funcções méramente administrativas, sem licença da Camara, ou resolver se estavam para os effeitos da accumulação, incluidos no artigo 31.° da Carta Constitucional, ou na disposição do acto Acto Addicional, para neste caso necessitarem, como todos os funccionarios publicos, da auctorisação da Camara.

A commissão, Sr. Presidente, para bem entender a Lei, teve presentes as regras de hermeneutica, que abrangem não só a parte grammatical, mas philosophica; pois que=seire leges non est verba carum tenere, sed vim ac potestatem. —

Nós, Sr. Presidente, os Jurisconsultos e os Juizes, entendemos, e tomamos como principio incontroverso, que para bem se conhecer e apurar o sentido das palavras do legislador é necessario não só dar-lhes a significação vulgar e commum, mas a racional e philosophica.

Os membros da commissão de legislação, subjugados por este principio, viram logo que a Carta Constitucional tracta dos membros d'um Conselho de Estado, cujas attribuições estão marcadas na mesma Carta.

Estas attribuições estão declaradas no artigo 110.°, e são restrictas á consulta sobre negocios graves; sobre medidas geraes de publica administração, e sobre todos os actos do Poder moderador, para cujo exercicio exige a mesma Carta que seja ouvido o Conselho de Estado.

Viram que sómente por leis posteriores o Conselho de Estado, em parte com o mesmo e em parte com outro pessoal, foi erigido em Supremo Tribunal de administração, com funcções muito diversas das taxativamente enunciadas na Carta.

Eu não careço de contestar ao Sr. Ministro da Fazenda que estas novas attribuições do Conselho d'Estado são méramente consultivas, porque

Consultivas são tambem as do Conselho Ultramarino, as do Conselho das Obras Publicas, e as da Procuradoria geral da Fazenda; e comtudo os respectivos funccionarios, quando membros do Parlamento, carecem, e sempre careceram, de licença da sua respectiva Camara para poderem accumular.

Portanto este argumento do Sr. Ministro da Fazenda de nada serve para a questão. O que unicamente se pertende saber, para resolver a questão, é se os Conselheiros de Estado, em quanto exercem funcções não politicas, são funccionarios publicos, para entrarem na regra geral.

Para se resolver esta questão deve-se attender tanto á lettra como ao espirito da Carta Constitucional, e assim se concluirá que, na conformidade do seu preceito, a todo o serviço publico prefere o parlamentar; e que prohibiu as accumulações por incompativeis com os trabalhos, assiduidade e presença, que exige o serviço das Camaras legislativas.

A regra prohibitiva na Carta em termos absolutos, fez a mesma Carta a excepção dos membros do Conselho de Estado politico. Mas toda a a excepção fórma a regra em contrario, e é da natureza della não podér ampliar-se, porque se funda n'uma razão especial. E qual seria a razão especial por que a Carta exceptuou os membros do Conselho de Estado? Ora para dar esta razão eu invoco sobre este ponto a philosophia do Sr. Ministro da Fazenda, e facilmente se reconhecerá que o Conselho de Estado devia ser exceptuado, porque durante as sessões das Camaras legislativas nem a audiencia do Conselho de Estado póde ser dispensada, nem elle póde ser substituido, e é principalmente aberto o Parlamento que elle deve estar prestes a reunir-se, para a Sancção Real dos Decretos das Côrtes, assim como para o adiamento ou prorogação das mesmas Côrtes, e para o exercicio do Poder moderador em todos os mais casos.

A Carta pois não tractou senão do Conselho de Estado, como corpo politico, e nem se póde dizer que ella comprehendeu o Conselho de Estado com relação a funcções que não existiam ao tempo da sua promulgação.

Mas supponhamos que isto não é assim, e que a opinião do Sr. Ministro da Fazenda é a verdadeira. Que fez esta Camara com relação a esta questão?

Nada mais do que tirar uma conclusão, usando á interpretação doutrinal, que podia e devia fazer.

O Sr. Ministro da Fazenda, perdoe que lhe diga. tem confundido sempre nesta questão a interpretação doutrinal com a authentica, e que a 1 distincção entre uma e outra é uma trivialidade, que entra nos prologomenos dos que aprendem os principios rudimentaes de direito.

A interpretação doutrinal não é uma usurpação, é um dever e um direito de quem afaz, como nos demonstra o mesmo Sr. Ministro da Fazenda, como notou já um Digno Par, porque em todo o seu discurso não fez mais S. Ex.ª do que como membro do gabinete, e com relação ao exercicio das suas funcções, interpretar a carta a seu modo, talvez melhor do que esta camara e eu, mas sempre usando do mesmo direito. Pois que outra cousa fez S. Ex.ª? Interpretou autenticamente? Não, usou sómente da interpretação doutrinal.

Interpretar, Sr. Presidente, todos sabem que é dar ás palavras do legislador, a sua significação obvia, natural, e racional, para se conhecer qual é a sua disposição, porque não é n'uma somma material das palavras que está á disposição das leis, mas na sua parte moral e no seu pensamento.

Isto faz toda a gente que tem um dever legal a cumprir. Faz o juiz quando applica a lei, faz o Conselho d'Estado Administrativo no mesmo caso; faz o Governo com relação ao podér executivo; e fez esta Camara em relação a uma attribuição méramente sua, qual é a concessão de licença para os seus membros poderem accumular outras funcções, por serem da natureza d'aquellas que carecem da auctorisação da respectiva Camara. Estas palavras = respectiva Camara = não podiam ter relação senão a esta casa. Certamente, era aqui com relação a alguns dos seus membros.

Pôde a Camara dos Sr. Deputados pensar sobre este objecto por outro modo sem que resulte d'ahi o menor conflicto, porque, em relação a uma attribuição privativa de cada uma das Camaras, ellas têem, isolada e independente o direito de interpretar a lei, como entenderem em sua sabedoria, segundo as regras da hermeneutica juridica, que todo o cidadão póde applicar, digo outra vez, mesmo sem ser jurisconsulto para se inteirar dos preceitos ou disposições das leis.

Portanto esta questão é toda de interpretação doutrinal, e nada mais.

Mas disse o Sr. Ministro da Fazenda « que visse a Camara os graves inconvenientes que se seguiam de resolver esta questão, depois de passados treze annos de pratica em contrario; porque podia servir de fundamento para invalidar decisões tomadas anteriormente.» Ora isto não me faz impressão nenhuma; porque, se o Sr. Ministro da Fazenda diz, e eu lhe concedo, que as funcções do Conselho d'Estado são méramente consultivas, se a sua resolução depende do Decreto real; se o mesmo Decreto real é que lhes dá força; e se até já tivemos um exemplo no contencioso administrativo, de um direito de partes resolvido por Decreto, e revogado depois pelo Governo por outro Decreto, é evidente que toda a força das decisões tomadas vem no Decreto, e que este ha de vigorar em quanto não fôr revogado, e portanto desapparecem os allegados inconvenientes.

Mas que prova este argumento dos treze annos? É um argumento negativo, que não prova nada, porque era necessario que uma interpretação doutrinal em contrario tivesse sido dada nesta Camara, em qualquer desses treze annos. Mas esta questão nunca veio a esta Camara, veio só agora pela primeira vez, e então que havia de fazer a commissão de legislação senão responder e a Camara resolver em conformidade com a lei?

Sr. Presidente, digo mais, ainda que houvesse nesta Camara um precedente de resolução anterior conforme á opinião do Sr. Ministro da Fazenda, o parecer da commissão e a decisão da Camara não devia verificar-se senão em conformidade com a lei.

Sr. Presidente, a lei sobrevive a todas as suas infracções. Um tribunal, esta Camara mesmo, por mais respeitavel que seja, tendo entendido a lei por tres, cinco ou dez annos de uma fórma, póde mudar da sua jurisprudencia, quando melhores razões a convençam de que não é verdadeira a intelligencia que anteriormente lhe havia dado; bem respeitavel é o Tribunal de Cassação de París, e tem muitas vezes mudado a sua jurisprudencia, na presença da mesma lei, que não tinha sido revogada (apoiados). Podia apontar alguns factos.

A questão, Sr. Presidente, não só envolve hoje uma offensa á commissão de legislação, mas colloca esta Camara n'uma situação terrivel pela maneira como o Sr. Ministro da Fazenda a suscitou.

Eu, se estivesse naquelles logares, n'uma questão de tão pouca valia, mas em que se pronunciasse uma das Camaras, tendo precedido á sua resolução um parecer de commissão, composto de jurisconsultos, ainda que eu pensasse o contrario, fazia o sacrificio da minha opinião, para não soffrer o serviço publico; ou, pelo menos, não teria melindre em levar uma proposta de lei á outra Camara, se entendesse que o negocio carecia de interpretação authentica; porque, por uma parte as conveniencias do serviço publico, e por outra a modestia que todo o homem deve ter, porque não ha ninguem debaixo do céo que seja infallivel deviam levar-me a presumir que a Camara teria talvez mais razão, não obstante resistir-lhe a minha convicção, pois se não tractava de ser juiz da vida, nem da propriedade dos cidadãos, casos em que não é licito julgar pela consciencia dos outros, mas apenas de uma formalidade parlamentar sobre negocio de publica administração.

Pois que? sómente os membros das Camaras se hão de moderar a pró do Governo, e o Governo não se ha de moderar a pró das Camaras legislativas, de cujo apoio carece? Pois quantas vezes, Sr. Presidente, como membro desta Casa, eu modifico as minhas opiniões? Appello para o testimunho dos Dignos Pares, e mesmo do Governo. Quantas vezes modifico, e muito especialmente nas commissões, os meus escrupulos e convicções, para não tornar uma questão difficil, nem causar embaraços?! Quantas não modifico mesmo as minhas opiniões, só por não parecer que faço uma opposição acintosa?! Quantas vezes o tenho feito assim na minha vida parlamentar em ambas as Casas do Parlamento, quantas nós todos o teremos feito!

Pois então os Srs. Ministros, que estão á testa da administração, por um objecto tão pequeno, querem, na presença de negocios graves que demandam a sua sollicitude, fazer uma questão tão grave, e collocar a Camara, por assim dizer, entre o martello e a bigorna, em risco de comprometter a dignidade, o decoro da mesma Camara?.

A Camara desde o momento em que admittisse á discussão uma proposta de lei sobre a questão não espontaneamente apresentada, mas por indicação, e a instancias do Ministerio, tinha-se suicidado completamente.

Se são estas as vistas do Ministerio, quer um impossivel moral. E digo que é um impossivel moral, porque se acha prejudicado pela resolução da Camara qualquer projecto de lei de interpretação authentica, quando a Camara no seu proprio facto reconheceu já que o negocio era da competencia da interpretação doutrinal.

Não póde ter logar a interpretação authentica senão quando cessa a doutrinal, ou quando a doutrinal não é sufficiente.

Eu chamo a attenção do Sr. Ministro da Fazenda ainda uma vez sobre este ponto, para que não confunda a interpretação doutrinal com a interpretação authentica.

Quando a Lei é duvidosa, ou porque uma collecção de homens no desempenho da applicação dessa Lei entendem que ella não é clara, ou ha differentes e encontradas opiniões entre os jurisconsultos, se se entende conveniente o firmar-se por lei declaratoria uma interpretação fixa, que estabeleça uniformidade para todos, então diz o legislador — entendam todos a lei como eu quero que se entenda — mas esta Camara não está nesse caso, porque a sua commissão de legislação unanimemente conveiu, sem a menor duvida nem hesitação, na clara intelligencia da lei, e a Camara resolveu do mesmo modo.

Portanto é inadmissivel o vêr-se aqui proposta a interpretação authentica da lei; não digo eu porém outro tanto da Camara dos Senhores Deputados, aonde o Governo, insistindo na sua opinião, poderá levar uma proposta de lei sobre este mesmo objecto, e que nós poderemos depois approvar sem quebra da nossa dignidade.

Disse porém o Sr. Ministro da Fazenda — Pois eu nem peço aos Conselheiros de Estado, membros desta Camara, nem apresento o projecto de lei na outra Camara!

Mas isto importa realmente estabelecer um conflicto, sem conveniencia nem necessidade alguma justificada, entre o Governo e um dos ramos do podér legislativo, que não sei que resultado util possa ter, nem para a causa publica, nem para a politica do Ministerio.

Vozes—Deu a hora.

Vou concluir com poucas palavras mais.

Tambem foi dito por S. Ex.ª, que se impunham ao Governo obrigações novas, e que assim se offendiam as prerogativas do podér real.

Mas que quer isto dizer? As prorogativas do podér real são unicamente as que estão consignadas na Carta?

Com relação aos funccionarios publicos, membros das duas Camaras legislativas, a Carta o que diz é — que elles não exercerão as funcções do seu emprego durante as sessões das mesmas Ca-