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CORTES.

CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 3 DE MARÇO DE 1858.

Presidencia do ex.mo sr. visconde de laborim, vice-presidente.

Secretarios, os Srs. Conde de Mello

Visconde de Balsemão.

As duas horas e meia da tarde, achando-se presente numero legal, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.

O Sr. Secretario Visconde de Balsemão leu a acta da antecedente sessão.

O Sr. Presidente declara que a acta está approvada, na conformidade do Regimento por não haver reclamação em contrario, e que se passa a ter a correspondencia.

O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta do seguinte:

Um officio do Presidente do Conselho, Marquez de Loulé, remettendo o Decreto authografo pelo qual Sua Magestade El-Rei Houve por bem prorogar as Côrtes Geraes da Nação Portugueza até 15 de Abril.

- da Camara dos Srs. Deputados, remettendo uma Proposição sobre ser o Governo auctorisado para melhorar a refórma no posto de Major ao Capitão addido ao 1.° batalhão de veteranos, Rodrigo Affonso d'Athoguia.

(Estavam presentes os Srs. Ministros, da Marinha, e da Justiça.)

O Sr. Secretario Conde de Mello expõe que lhe fóra remettida para apresentar na Camara, por parte do emprezario das obras da barra da Figueira, uma representação queixando-se do Decreto de 19 de Agosto do anno proximo passado, que lhe causara graves prejuizos. A representação vem assignada só pelo dito emprezario, e fica sobre a mesa, para ser vista pelos Dignos Pares que a quizerem examinar. (O Sr. Conde de Thomar—É só um exemplar?) Só um.

O Sr. Presidente faz constar que o dia seguinte é o designado para se apresentarem a Sua Magestade os authografos dos projectos de lei approvados por esta Camara, e por conseguinte previne os Dignos Pares, que compõem a Deputação, de que se devem achar no Paço ao meio dia.

Leu-se a lista dos nomes dos Dignos Pares que compõem a Deputação, que é pela maneira seguinte:

Ex.mos Srs. Vice-Presidente Visconde de Laborim = Conde de Mello = Visconde de Ourem— Barão de Chancelleiros = Barão de Pernes = Barão de Porto de Moz = e Barão da Vargem da Ordem.

O Sr. Barão de Chancelleiros remetteu para a Mesa um parecer da commissão de fazenda. Mandou-se imprimir.

O Sr. Aguiar—Sr. Presidente, eu desejo fazer, não direi uma interpellação em fórma, mas uma pergunta ao Governo, e pergunta que versa sobre um objecto de importancia e de urgencia, quanto a mim. Eu não sei se os Srs. Ministros que se acham na Camara me poderão desde já responder, no entanto eu faço a pergunta, porque se SS. Ex.ªs me não poderem responder, visto tractar-se de objecto alheio ás suas repartições, pode-lo-hão communicar ao Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino, para que S. Ex.ª quanto antes satisfaça á minha pergunta.

Sr. Presidente, é certo que ha muitos dias a secção administrativa, e a do contencioso administrativo do Conselho de Estado não funccionam, com grave transtorno do serviço publico. Sr. Presidente, o Governo tendo sido perguntado sobre o estado de differentes negocios, cuja expedição não póde ser retardada sem graves consequencias para a causa publica, e sem offensa da justiça, tem declarado que a demora procede desses negocios estarem pendentes no Conselho de Estado. Ha com effeito pendentes muitos negocios de immediato interesse publico, ha além disso pendentes muitos recursos; a expedição destes negocios, a decisão destes recursos é urgente. O Governo não póde desconhecer essa urgencia, e comtudo os trabalhos das duas secções do Conselho de Estado estão suspensos!

Desejo saber donde provém esta suspensão. Eu não posso crer que ella nasça da falta de numero de membros necessario para poderem funccionar aquellas duas secções, e não o posso crer, porque se assim fosse, o Governo faria a respeito daquellas repartições o que já fizera ácerca de outras repartições do Estado. O Governo veio aqui pedir que todos os empregados publicos das differentes repartições do Estado podessem accumular as funcções de Par do Reino com as funcções dos empregos que exercem fóra desta Casa, e não vejo que possa haver razão alguma para se fazer uma excepção a respeito dos empregados daquellas duas repartições; tanto mais quando o Governo sabe que, segundo a resolução desta Camara, e conforme as disposições da Carta Constitucional, para que os membros daquellas duas repartições possam accumular as funcções que exercem nesta Casa com as de outros empregos é necessario que tenham obtido permissão da Camara, e que esta permissão se conceda a pedido do Governo, porque é o Governo quem sabe se essa accumulação é ou não necessaria, assim como deve saber qual é a deliberação que a este respeito tomaram os Dignos Pares que fazem parte daquellas duas repartições.

O Governo sabe que tendo declarado esta Camara que era necessario essa permissão, o Sr. Visconde de Algés, por si, e por todos os mais Pares, que são membros do Conselho de Estado, declarára que não exerciam as funcções respectivas ás duas secções do Conselho de Estado em quanto estivesse aberta esta Camara, uma vez que ella lhes não permittisse a accumulação das duas funcções.

E se estes Dignos Pares em conformidade com a resolução desta Camara teem deixado de concorrer aquellas repartições, e dahi vem a demora na expedição dos negocios e recursos pendentes; se a interrupção dos trabalhos nasce de não ter o Governo pedido á Camara a necessaria permissão para que os Pares Conselheiros de Estado, na qualidade de membros das secções administrativa e do contencioso administrativo do Conselho de Estado podessem continuar a exercer umas e outras funcções, grande responsabilidade pésa sobre o Ministerio, que tendo um meio de remover o obstaculo, que se oppunha a essa accumulação, o não fez até hoje, deixando continuar a interrupção dos trabalhos de duas repartições importantes, sem pensar nos inconvenientes dessa interrupção, ou pensando nelles, mas não tractando de remedia-los.

Torno a repetir: que se os Srs. Ministrou estão habilitados a responder-me, peço que me respondam, mas se o não estão, peço a SS. Ex.ªs que communiquem ao Sr. Ministro do Reino que na presença de um negocio desta natureza e tão urgente, eu espero que quanto antes venha aqui responder.

(Entra o Sr. Ministro da Fazenda).

O Sr. Ministro da Fazenda — Sr. Presidente, acabo de ser informado que o Digno Par o Sr. Aguiar perguntou ao Governo se tem ou não funccionado as duas Secções, administrativa e do contencioso administrativo do Conselho d'Estado mas eu não sei se essas duas Repartições tem ou não

funccionado, nem sou o Ministro competente (que é o do Reino) a quem pertence saber se funccionam ou não; no entanto parece-me que o Digno Par que fez esta pergunta póde talvez responder...

O Sr. Aguiar—Se me dá licença, respondo.

O Sr. Ministro da Fazenda — Dou.

O Sr. Aguiar— Pois então respondo que a Secção administrativa, e a do contencioso administrativo do Conselho d'Estado não tem funccionado, e sei isto pelo testimunho de pessoas competentes, algumas das quaes se acham dentro desta sala, e que pertencem aquellas Secções do Conselho d'Estado. É por isso que eu não perguntei se ellas tem funccionado, mas perguntei a razão por que deixam de funccionar; accrescentando que julgo não ter sido por falta de numero de seus membros, aliás o Governo de certo faria supprir esta falta, vindo pedir licença a esta Camara para que os Dignos Pares do Reino, membros daquellas duas Secções, pudessem accumular as suas funcções legislativas com as dos logares de membros das mesmas Secções.

O Sr. Ministro da Fazenda — Eu não sei se poderei responder explicitamente ao Digno Par, que parece desejar que eu diga o que se passou entre o Governo e esta Camara n'uma conferencia particular que já tivera logar. (O Sr. Aguiar—Peço-a palavra.) Não me parece que haja motivo para tanto calor da parte do Digno Par...

O Sr. Aguiar—Eu direi a S. Ex.ª se ha motivo ou não.

O Sr. Ministro da Fazenda — Pois diga.

O Sr. Aguiar — Eu digo que o Sr. Ministro não tem direito de dizer que eu fiz a pergunta com a intenção de chamar para a discussão publica o que* se passou n'uma sessão, ou conferencia particular. E como é que eu queria dizer o que lá se passou se eu nem lá estive? A insinuação do Sr. Ministro é muito mal cabida, é uma insinuação que não quero qualificar, mas que rejeito inteiramente. Caia o odioso desta insinuação sobre quem a fez.

O Sr. Ministro da Fazenda — Eu não temo o odioso.

O Sr. Aguiar—Não duvido que o Sr. Ministro não tema o odioso, e como já tem tomado outros, tome agora mais esse.

O Sr. Ministro da Fazenda—-O Digno Par não me obriga a tomar o calor que S. Ex.ª tomou. No entanto sempre direi, que eu não esperava que n'uma Camara conservadora, como é esta, se proferissem ápartes, ou se dirigissem expressões aos Ministros como aquellas de que se serviu o Digno Par. Parecia-me que era nossa obrigação, sobre tudo nestes logares, respeitarmo-nos reciprocamente; mas se o Digno Par continuar a empregar a lingoagem que já empregou, eu, ou não lhe responderei, ou terei (provocado) de dirigir-lhe respostas, que lhe não agradem; porque os nossos direitos aqui são iguaes, e os Ministros não vem certamente a esta Camara para serem injuriados, e se não vem para isso, eu peço ao Digno Par que proceda a nosso respeito em harmonia com os usos parlamentares.

Sr. Presidente, se as duas secções administrativa e do contencioso administrativo do Conselho de Estado não teem funccionado, parece que era aos Dignos Pares membros dessas secções a quem pertencia explicar o motivo dessa falta, não ao Governo. Mas o Digno Par perguntou a razão por que o Governo não tem vindo a esta Camara pedir que a Camara consinta que os Dignos Pares possam accumular as funcções legislativas comas dos empregos que teem naquellas secções. E eu respondo que o Governo não fez tal pedido, nem o ha de fazer, ao menos os homens que hoje aqui se sentam nestes bancos, e creio mesmo que se o Digno Par, o Sr. Aguiar, aqui estivesse tambem não viria pedir essa permissão (O Sr. Aguiar: Não vinha?...) Ora, eu realmente não sei para que é esse calor que S. Ex.ª toma n'uma questão méramente doutrinal?! A esse calor opporei eu sempre o maior sangue frio; mas se se quer fazer desta questão uma questão politica faça-se muito embora: o Governo acceitava tambem nesse terreno.

Sr. Presidente, apresentou-se nesta casa uma proposta para que a Camara resolvesse se os Dignos Pares, que eram Conselheiros de Estado, podiam accumular funcções desses cargos na secção do contencioso e na secção administrativa sem licença da Camara; e o Governo não foi convidado para discutir esta proposta com a commissão, como é costume. Assevero á Camara que eu não tive convite algum para esse fim, e estou auctorisado pelos meus collegas para declarar o mesmo a seu respeito. Todos sabem o que se passou depois: apresentou-se o parecer nesta Camara n'uma sessão, a que não assistiu nenhum Ministro, foi lido em seguida, dispensada a impressão, a distribuição, a fixação do dia em que devia ser discutido, e o convite aos Ministros para virem assistir a essa discussão, como manda o regimento. Foram, pois, postas de parte todas as regras

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estabelecidas pelo regimento para as discussões nesta casa, e, apesar disso, a Camara dos Dignos Pares tomou uma resolução, em virtude da qual chamou a si attribuições de que nunca esteve de posse; e impoz ao Governo uma obrigação que elle não tinha, e deu uma regalia aos Conselheiros de Estado, que elles não tinham tambem. Isto não se podia fazer senão por uma lei em que tomassem parte ambas as Camaras e o Poder Moderador, e nessa occasião cada uma das casas do Parlamento podia interpretar o artigo da Carta como quizesse, porque o que a Camara fez com a approvação do parecer foi interpretar um artigo da Carta, a que, durante treze annos, se deu sempre uma interpretação diversa daquella que a Camara lhe dá agora. O Governo, portanto, entendeu que o unico meio de evitar um conflicto entre esta casa e o Governo, e entre esta casa e a Camara electiva, que póde continuar a dar aquelle artigo da Carta a interpretação que lhe tem dado até agora, era que a Camara, sem alterar a resolução tomada, a mandasse para a outra casa, dando-lhe a fórma de projecto de lei, e -a Camara electiva exerceria então a sua prerogativa como entendesse.

V. Ex.ª sabe que o Governo convidou esta Camara a uma conferencia, em que foi tractada esta questão, e em que o Governo indicou este alvitre, e V. Ex.ª sabe qual foi o resultado dessa conferencia. A Camara insiste em manter a interpretação que deu a um artigo da Carta, e o Governo não póde deixar de insistir em que a interpretação de um artigo da Carta não póde ser dada por uma Camara só, e por isso o Governo não póde vir aqui pedir que os Conselheiros de Estado accumulem as funcções destes cargos com as funcções legislativas.

Diz o Digno Par: então como é que ha de funccionar o Conselho de Estado? E eu respondo a S. Ex.ª que elle ha de funccionar, porque o Governo tem na Lei os meios necessarios para o fazer funccionar, e ha de proceder em conformidade com a Lei.

Sr. Presidente, parece-me que basta a exposição que fiz, para mostrar de que lado estava a razão. O Governo não foi ouvido sobre a proposta, a que alludi, nem foi convidado para assistir á sua discussão: approvada ella, expôz á Camara os seus inconvenientes, e deu-lhe um conselho amigavel, que punha termo a esses inconvenientes. Parece-me que a prudencia e o caracter desta Camara, e as regras que se devem seguir em todas as resoluções que ella toma, a aconselhavam a acceitar o conselho do Governo. A Camara não o entendeu assim, e o Governo, muito a seu pezar, vê-se obrigado a não cumprir a decisão da Camara; porque o Governo só tem obrigação de obedecer á Lei, e não a simples resoluções das Camaras.

A Carta Constitucional diz expressamente, que quaesquer funcções são incompativeis com as legislativas, á excepção das de Conselheiro de Estado, e Ministro de Estado. A Carta dá ao Conselho de Estado attribuições administrativas, porque o Conselho de Estado, segundo a mesma Carta, deve ser ouvido em todos os negocios graves, e de publica administração.

Onde está na Carta que os Conselheiros de Estado effectivos são doze, e que o Rei preside ao Conselho de Estado em certas circumstancias, e n'outras circumstancias é o Conselho de Estado presidido por Conselheiros de Estado nomeados pelo Governo? Tudo isto só está marcado na Lei que organisou o Conselho de Estado. Pôde dizer-se que o Conselho de Estado, quando presidido pelo Rei, só se occupa de questões politicas? Pois a suspensão dos juizes, e a dos professores não é negocio méramente administrativo? Não será negocio administrativo a abertura de creditos supplementares? E entretanto estes negocios não vão por ventura ao Conselho de Estado, presidido pelo Rei?

Se se quizesse entender a Carta neste rigor, então o Conselho de Estado não era ouvido pelo Rei senão quando se tractasse do exercicio das attribuições do Poder moderador, e todas as attribuições administrativas passariam para o Conselho de Estado em secções. Nem a Carta, nem a Carta de Lei de 3 de Maio de 1845, que estabeleceu as bases para a organisação do Conselho de Estado, reconhecem a existencia dos dois Conselhos de Estado, um politico, e outro administrativo, como se pertende agora.

Em todo o caso, Sr. Presidente, o que isto mostra é que, se o artigo 31.° da Carta carece de interpretação, essa interpretação só a póde dar uma Lei; e eu ponderarei ainda aos Dignos Pares uma circumstancia, sobre a qual chamo toda a sua attenção.

Eu nunca considerei o Conselho de Estado, quando funcciona na secção do contencioso administrativo, ou na secção administrativa, senão como corpo consultivo: isto é o que diz a Lei de 3 de Maio de 1845, e o Decreto que a desenvolveu. Quando o Conselho de Estado funcciona no contencioso administrativo, tambem é consultivo; porque as suas resoluções sobem ao Governo como consultas, que só podem obrigar depois de resolvidas pelo Governo. Porém, os Dignos Pares entendem que a secção do contencioso administrativo é um tribunal superior, que decide em ulterior instancia as questões, que lhe são submettidas. Se isto assim fosse os Dignos Pares com a resolução que tomaram, iriam pôr em duvida todas as resoluções tomadas até agora por aquella secção, porque foram tomadas por Juizes incompetentes, visto faltar-lhes a licença da Camara, a que pertenciam, para poderem funccionar. Vejam os Dignos Pares a situação em que se collocam, insistindo na sua resolução, como resolução definitiva.

Agora, em quanto a dizer-se que as Camaras teem assistido a este facto, sem lhe darem importancia, e que nunca foram consultadas a respeito delle, direi, que me parece, que isto não é exacto; e em relação a Camara dos Senhores Deputados é inexactissimo. Quando eu entrava na outra Camara, antes de ser Ministro, e ia mais tarde, sempre declarava que me tinha demorado por ter estado funccionando na secção administrativa do Conselho de Estado, e nunca se fez a menor observação a este respeito.

A Carta foi sempre interpretada n'um sentido opposto ao que pertende agora a Camara, durante treze annos, por todos os Ministérios, pelo Poder real, e pelos Parlamentos; e de repente um ramo do Poder legislativo, sem o concurso dos outros dois ramos, declara que todos os Ministérios e Parlamentos se tinham enganado, e quer obrigar a Camara dos Srs. Deputados e o Governo a adoptarem a sua opinião. Isto não póde ser.

Eu peço a leitura do parecer da commissão desta Camara, porque diz, segundo estou lembrado, que os membros do Conselho de Estado, que exercem funcções legislativas, não podem accumular estas funcções com as dos seus cargos, sem licença da respectiva Camara: o que equivale a ter esta Camara resolvido a questão não só para si, mas para a outra casa do Parlamento.

(Pausa.)

O Sr. Presidente—V. Ex.ª espera pela leitura do parecer?

O orador—Sim, senhor. (Pausa.)

O orador—(Tendo-lhe sido mandado o parecer pela Mesa) leu:

«Parecer n.º 102. — A commissão de legislação, tendo examinado a proposta apresentada á Camara pelo Digno Par Conde de Thomar, a fim de ser por ella resolvido se os Conselheiros d'Estado, como membros das secções administrativa, e do contencioso administrativo, estão ou não comprehendidos no artigo 3.° do Acto Addicional, para o fim de accumularem as funcções d'aquelle cargo com as legislativas, é de parecer que lhes é applicavel o mencionado artigo, e que em consequencia não póde ter logar a accumulação sem permissão da respectiva Camara; por quanto a Carta Constitucional nos artigos 31.° e 33.° a que o Acto Addicional se refere, não podia comprehender na sua disposição senão os membros do Conselho d'Estado politico, cujas funcções se acham marcadas no artigo 110.° da mesma Carta. — Sala da commissão, em 18 de Fevereiro de 1858. — Visconde de Laborim—Joaquim Antonio d'Aguiar = Visconde de Fornos — Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão—Diogo Antonio Corrêa de Sequeira Pinto.»

Pergunto a todas as pessoas desapaixonadas e imparciaes, que todas que me jovem o são, se isto é ou não a interpretação d'um artigo da Carta? Pois se nem esta nem a outra Camara, nem os differentes Ministérios entenderam isto assim até ao presente, que significa agora esta interpretação d'uma só Camara? Parece que é uma reprehensão a si, uma reprehensão á outra Camara, e uma reprehensão ao Governo... (O Sr. Aguiar —Isto não se póde soffrer). Não se póde soffrer! O que? (O Sr. Aguiar—A palavra—reprehensão).

O Sr. Presidente—O Digno Par ha de ter depois a palavra, e então responderá. Vozes—Deixe fallar.

O Sr. Aguiar— Eu fallarei depois, e o Sr. Ministro se defenderá, tomando de novo a palavra.

O Sr. Ministro da Fazenda—Eu defender-me! Pois de que sou eu accusado?! Porventura considera-se que eu estou aqui representando o papel de accusado?! É o contrario! Não tenho de que me defender. Retirarei a palavra reprehensão, que no sentido, em que a tomei, nada tem de offensivo, e em logar d'ella empregarei a palavra—emenda. Emenda sim, porque em todo este espaço de treze annos a Camara dos Dignos Pares entendia a questão d'outra fórma, como o entendeu a Camara dos Srs. Deputados, e como a entenderam sempre todos os Governos, mas esta Camara não o quer agora entender assim, e quer que a outra Camara igualmente o entenda como ella, porque no parecer não se falla só dos Conselheiros d'Estado que são Pares do Reino, falla-se tambem dos que forem Deputados, porque diz—respectiva Camara. E na verdade assim devia ser. Pois como é que a Camara dos Dignos Pares havia de dizer que só os Conselheiros d'Estado que fossem Pares do Reino é que careciam d'esta licença, o que lhes dá o direito de se recusarem a servir, em quanto que os Conselheiros d'Estado, que forem Deputados, não teriam essa regalia? Não podia ser, e isso mesmo devia convencer os Dignos Pares da necessidade de darem a essa proposta a fórma d'um projecto de lei, para se evitarem estas anomalias. E agora queria eu que me dissessem, como é que a Camara dos Dignos Pares ha de prover no caso em que os Conselheiros d'Estado, que são Pares, digam, que não querem funccionar como Conselheiros d'Estado, estando abertas as Camaras? (O Sr. Visconde d'Algés—Estão na rasão de todos os outros que são pedidos, e aos quaes se concede licença, no caso de quererem accumular). Não senhor, ha alguma differença, porque se não funccionarem, as duas secções podem deixar de ter numero, em vista do facto, que quasi todos os Conselheiros d'Estado estão n'esta casa do Parlamento, e na outra. Agora só ha dois Conselheiros d'Estado effectivos, que não são nem Pares nem Deputados, e ha cinco Conselheiros d'Estado extraordinarios, que são Pares ou Deputados. E houve tempo, em que todos os Conselheiros d'Estado effectivos, e a maior parte dos extraordinarios estavam no mesmo caso. Se todos se recusassem a servir, como haviam funccionar as secções?

E quando a Carta evita estas difficuldades, não será mais prudente manter a interpretação, que se lhe tem dado até aqui; e já que esta Camara tomou uma resolução contraria mandar essa resolução como Projecto á outra Casa do Parlamento para que no caso de approvar a interpretação d'esta Camara, proponha os meios de remediar os novos inconvenientes, que eu acabo de ponderar, e que só podem ser remediados por uma Lei?

Eu entendo ainda que este, é o meio de sahir-mos d'esta difficuldade, e o Governo estimaria muito que a Camara dos Dignos Pares o adoptasse. No caso opposto o Governo vê-se obrigado a manter a sua opinião, e em todo o caso hade prover dentro da Lei para que o Conselho de Estado funccione nas Secções administrativa, e do contencioso Administrativo.

O Sr. Aguiar, Sr. Presidente, é notavel este imbroglio de contradicções em que está sempre o Sr. Ministro da Fazenda. Não admira, porque toda a vida publica de S. Ex.ª é uma continuada contradicção!

O Sr. Ministro arguiu-me de eu querer trazer para a discussão publica o que se tinha passado n'uma conferencia particular! Eu invoco o testemunho da Camara, desejo que ella se pronuncie e declare, se eu usei d'alguma expressão pela qual se podesse inferir que eu pertendia trazer para aqui o que se passou n'essa conferencia que houve dentro d'este edificio. Não sei o que auctorisasse o Sr. Ministro da Fazenda a tirar esta inducção! Mas é notavel que o Sr. Ministro me fizesse esta injusta arguição, e depois fosse elle mesmo sem necessidade nenhuma, buscar para aqui o que se tinha passado em particular, no logar a que se referiu. (Apoiados) Mas se effectivamente eu tivesse fallado, ou mostrado desejos de fallar no sentido que S. Ex.ª me attribuio, teria eu menos direito para o fazer, do que aquelle que o Sr. Ministro julgou ter para fallar no que dizia que não devia ser aqui trazido? Pois só o Sr. Ministro é que se podia julgar com direito para dizer o que se tinha passado n'uma sessão secreta? (Vozes—Sessão secreta não houve) Ou n'uma conferencia particular; secreta entendo eu que foi em todo o caso, e se não peço que me digam se foi com as portas abertas, pois que eu não estive lá (Vozes—foi com a porta fechada) Pois bem, foi secreta, ou fosse sessão ou fosse conferencia, o que e certo é que o Sr. Ministro não póde ter mais direito de se referir ao que lá se passou do que tem qualquer de nós! Eu limitei-me simplesmente a perguntar a rasão porque os Conselheiros de Estado membros d'aquellas duas repartições não funccionaram n'ellas; accrescentei depois, que me parecia não ser por falta dos membros necessarios que essas repartições deixavam de funccionar, aliás o governo teria vindo pedir á Camara a permissão para que esses membros da Camara que são Conselheiros de Estado podessem accumular. Ha aqui alguma cousa que se não tivesse passado em publico?

Permitta-me S. Ex.ª que lhe diga que se a historia da conferencia secreta foi trazida para e discussão, foi S. Ex.ª que a trouxe á se não da proposito, por falta de consideração.

O Sr. Ministro começou por estranhar que eu perguntasse ao Governo a razão porque se dava a falta de serviço nas repartições a que me referi. S. Ex.ª disse, que os proprios membros dessas repartições é que me podiam responder! Eu julgava, e ainda julgo, que o Governo é que tem obrigação de responder (apoiados). Mas o Sr. Ministro reconheceu mesmo depois esta verdade e respondeu, declarando que não reconhecia auctoridade nesta Camara para tomar a deliberação que tomou, porque nella ha uma offensa, e, não sei se disse, uma usurpação de atribuições, e de prerogativas do podér executivo, as quaes lhe incumbe manter!

Estranhou S.Ex.ª que esta deliberação, sobre um negocio tão simples, fosse tomada sem estar presente o Ministerio: bem estavam os negocios publicos se todas as deliberações só se houvessem de tomar quando estivessem presentes os Srs. Ministros, que raras vezes apparecem nesta Camara. Ha ahi repetidas interpellações annunciadas sem que haja modo de obter que venham responder a ellas. Mas, Sr. Presidente, que necessidade tinha a Camara de ouvir os Srs. Ministros sobre este negocio, que é privativo della?

Esta decisão não é só illegal, não é só offensiva das attribuições do podér executivo, disse o Sr. Ministro, é offensiva das attribuições da outra Camara: não comprehende só a Camara dos Pares, comprehende tambem a dos Senhores Deputados! O Sr. Ministro da Fazenda procurou tirar partido desta insinuação, promovendo um conflicto entre as duas casas do Parlamento; porém não conseguirá de certo o seu fim.

Sr. Presidente, o parecer da commissão, approvado por esta Camara, não póde entender-se senão a respeito dos Pares, só a respeito delles podia entender-se a resolução: o parecer recaíu sobre uma proposta do Sr. Conde de Thomar, que é restricta, e não póde deixar de o ser, aos membros desta casa, o parecer portanto não póde deixar de entender-se com a mesma restricção. Mas no parecer tracta-se das duas Camaras como mostram as expressões—respectiva Camara! É verdade que a disposição da Carta, em quanto só admitte a accumullação das funcções dos membros do Conselho de Estado politico, que é o que ella reconhece, comprehende tanto os Pares como os Deputados, e a disposição que a commissão entendeu a respeito de uns não podia deixar de se entender a respeito dos outros; mas não se segue que a resolução se tomasse a respeito de todos. A respectiva Camara na hypothese é a Camara dos Pares, e o parecer da commissão, approvado por ella, não póde inhibir a Camara dos Senhores Deputados de resolver o contrario a respeito dos seus membros.

O Sr. Ministro da Fazenda acha que a commissão e a Camara exorbitaram, arrogando-se a interpretação das leis, que só póde ser feita pelos dous corpos legislativos, com a sancção do Rei. Não sabe S. Ex.ª que essa interpretação, que exige o concurso dos corpos legislativos, e do podér moderador, é a interpretação authentica e não a doutrinal? Não vê que nem a commissão, nem a Camara interpretaram authenticamente a Carta, e o Acto Addicional, antes entenderam que não careciam desta intervenção?

A interpretação não cabe nas attribuições de uma Camara, mas cabe na*s attribuições do Sr. Ministro da Fazenda. A commissão e a Camara entenderam a Carta e o Acto Addicional segundo as regras da interpretação doutrinal, commettendo nisto uma usurpação! O Sr. Ministro da Fazenda entendeu aquellas disposições de outro modo, sem attenção aquellas regras, e elle sim, elle está no seu direito! E comtudo o Sr. Ministro da Fazenda não reune em si os poderes politicos, cuja intervenção S. Ex.ª exige para que a resolução da Camara não seja attentatoria das attribuições delles!

E se a Camara negar a permissão para os seus membros poderem accumular! Se elles se recusarem a exercer as funcções de membros das duas Secções do Conselho de Estado conjunctamente com as de Pares!

A Camara não recusará de certo a permissão que tem concedido sempre para accumulação de funcções de quaesquer empregados. Mas que resultaria das difficuldades apresentadas por S. Ex.ª? O mesmo que aconteceria a respeito de quaesquer outros empregados. Supponhamos que a Camara nega a permissão para poderem os Pares, que são membros do Supremo Tribunal de Justiça, accumular o exercicio d'umas com o das outras funcções. O Supremo Tribunal de Justiça tem 11 membros, comprehendendo o Presidente, funcciona ordinariamente dividido em duas secções, e cada uma deve ter pelo menos cinco membros. Sete dos Conselheiros do Tribunal são membros do Parlamento, nesta ou na outra Camara. E supponhamos que a respectiva Camara lhes não permitte que accumulem as duas funcções, supponhamos que elles não se julgam com as forças necessarias para exercerem as funcções de Juiz sem faltarem ao desempenho das de legisladores! O que se seguirá! Pois o mesmo se seguirá, se a Camara não permittir a accumulação das funcções do Conselho de Estado administrativo com as de Pares. Mas o Sr. Ministro sabe que a Camara, reconhecendo a necessidade do serviço, não ha de negar-lhe a permissão que pedir; e tambem sabe que os Pares, membros do Conselho de Estado, logo que haja a permissão da Camara, continuam no exercicio de funcções no Conselho de Estado.

Nesta questão, Sr. Presidente, não ha da parte do Governo senão um capricho mal entendido dos Srs. Ministros (apoiados). Sr. Presidente, o Governo, pelo orgão do Sr. Ministro da Fazenda, disse: não sei se o Conselho de Estado funcciona; mas esteja certo o Digno Par de que em pouco tempo ha de funccionar, esteja certo de que ha de haver meios pelos quaes ha de conseguir-se que funccione. — Eu já ouvi fallar em certos meios, mas não acreditei que a audacia chegasse ao ponto de se lembrar o Sr. Ministro da Fazenda de que póde haver meios de obrigar os membros desta Camara, que o são tambem do Conselho de Estado, a irem funccionar em qualquer das duas secções sem a permissão da Camara. A Camara, Sr. Presidente, ha de manter a sua resolução, e ha de conseguir, pelos meios constitucionaes, que o Governo a respeite; e os Dignos Pares hão de desempenhar o que fizeram saber á Camara pelo Sr. Visconde d'Algés—que não exerceriam as funcções de Conselheiros de Estado, exceptuando as do politico, a não haver a permissão da Camara.

O Sr. Conde de Thomar principia expondo que não fizera tenção de tomar a palavra sobre esta materia, mas foi chamado ao campo da discussão por uma censura que o Sr. Ministro da Fazenda irrogou aos membros do Conselho de Estado, querendo fazer persuadir a Camara d'uma doutrina inteiramente nova, ao menos para elle orador.

Até hoje estava convencido de que, quando se dirigia uma pergunta ao Governo sobre objecto de serviço publico, competia ao mesmo Governo responder: agora, pela doutrina estabelecida pelo Sr. Ministro da Fazenda, quando se lhe fizer uma pergunta sobre objecto de serviço publico, compete a resposta aos empregados da respectiva repartição. Assim, interrogado o Governo sobre o motivo porque o Conselho de Estado Administrativo não funcciona, diz que aos membros que compõem esse mesmo Tribunal compete a resposta, doutrina inteiramente nova, porque a elles o que cabe é o desempenho das funcções de que estão encarregados, e de modo nenhum a satisfação a taes perguntas no Parlamento.

Permitta-lhe pois S. Ex.ª dizer, que a censura feita aos membros do Tribunal, que até então tinham guardado silencio, é muito mal cabida (apoiados).

Já que tem de entrar nesta questão ha de ter em vista a recommendação feita pelo Sr. Ministro da Fazenda, de que deve haver o maior sangue-frio da parte dos Dignos Pares; se bem desejava que S. Ex.ª, dando o conselho, começasse por se conformar com elle, e que, tentando de sustentar a opinião do Governo, o fizesse d'uma maneira mais plácida e moderada, sem chegar ao ponto de offender gravemente esta Camara, pois elle orador não crê que o Sr. Ministro se possa ainda julgar com direito a vir face a face accusar esta Camara de haver violado a Carta, ser usurpadora das attribuições do Poder Real, e da outra Casa do Parlamento, e, sobre tudo, de ter querido, por surpreza, obter decisões contrarias á Carta. Offensas de tal ordem ainda não soaram debaixo destes tectos da parte de ninguem! (Apoiados.) Foi o Sr. Ministro da Fazenda: é do banco dos Ministros que se soltam accusações desta ordem! (Apoiados.) Já se vê que não havia o sangue-frio aconselhado; que o Sr. Ministro da Fazenda ardia nos desejos de dar conta do que se passár n'uma conferencia particular entre o Governo e esta Camara; e que, convencido S. Ex.ª de estar em campo muito plano nesta questão, entendeu que devia responder ao Sr. Aguiar: «Se o Digno Par quer fazer publico o que se passou n'uma sessão particular, eu não tenho duvida nenhuma em o fazer!» E fez-se: porque S. Ex.ª ardia em desejos de trazer o resultado dessa conferencia particular á sessão publica; e os Dignos Pares que não queriam por essa fórma apresental-a, devem estimar agora que assim se procedesse, porque fica claramente demonstrado o capricho ministerial

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pelo modo por que o Sr. Ministro da Fazenda acaba de tractar a questão (apoiados). O Governo, pelo orgão do Sr. Ministro da Fazenda, declara que insiste em não se querer conformar com a decisão tomada por esta Camara! Ardia o Sr. Ministro em desejos de se declarar em hostilidade com a Camara dos Dignos Pares, e esta não recusa o campo; pois já era sabido que S. Ex.ª está gemendo sob uma certa pressão, em que se pretende figurar mal esta Casa, e desconsideral-a (apoiados); e o Sr. Ministro não teve, como se acaba de vêr, outro fim, porque effectivamente tendem á desconsideração a accusação de usurpadora das attribuições do Executivo, e da outra Camara, de violadora da Carta, e de tomar as suas decisões por surpreza. A Camara tem o direito de repellir estas asserções, aliás infundadas e injustas, saídas do banco dos Srs. Ministros (apoiados).

Mal pensava elle orador que uma questão apresentada na maior boa fé, (O Sr. Visconde d'Algés: — Apoiado.) resultado de um escrupulo que lhe sobreviera o anno passado (apoiados), tivesse este resultado. O orador faz sentir que este negocio foi levado tanto por surpreza que muito tempo havia já que apresentára esta duvida. No principio da sessão do anno passado, chamára a attenção do Governo sobre o objecto; e já então pedíra ao Sr. Presidente do Conselho que houvesse, com os seus collegas, de considerar bem a lei para vêr se acaso havia a divida que suppunha. Ainda mais; tanto se não quiz tomar por surpreza uma resolução neste negocio, que a sua proposta foi apresentada estando presente o Sr. Presidente do Conselho, trocando elle orador nessa occasião algumas palavras com S. Ex.ª a tal respeito. Que culpa portanto terá a Camara de que apresentadas as duvidas na presença do Ministerio, o Ministerio durma? Entenderá o Ministerio que os Pares do Reino, que as commissões desta camara, são seus servos para andarem sempre a pós S. Ex.ª afim de conseguirem a sua presença n'uma parte? (O Sr. Conde da Taipa: — Sobre a ordem.) Pois o Governo vê apresentar uma questão que considera attentatoria da carta, das attribuições do executivo, e da outra casa do parlamento, e não a segue, abandona-a? Pois outro qualquer Ministerio que visse em perigo um artigo da carta n'uma questão tão importante, não compareceria em toda a parte onde podesse ser tratada, para a dirigir e salvar o Código Fundamental da Monarchia? Como se póde portanto dizer, que esta questão foi tratada por surpreza?

O orador repete que a sua proposição fóra resultado de um escrupulo, e mais declara francamente, que quando se publicou a lei, creando o Conselho d'Estado Administrativo, não passou pela idéa que os Conselheiros d'Estado, que não iam exerceras funcções do Conselho d'Estado da carta, mas outras funcções, devessem ser considerados empregados do Governo, e portanto devessem ser pedidos. Mais tarde amigos seus nesta casa disseram que tinham duvidas (O Sr. Visconde de Chancelleiros — Apoiado.) e elle orador bem ou mal, dissera: « pois que não foram pedidos no primeiro anno, não façamos agora disso uma questão », e continuaram os Conselheiros d'Estado a funccionar. Fez mal talvez, em não attender logo ás reflexões e objecções dos seus amigos, sendo certo que no anno passado, como então declarou, e coesta dos Diarios da Camara: «Jurisconsultos da primeira nota, conversando sobre o objecto, pozeram duvida, se os Conselheiros d'Estado, como formando parte d'aquelle tribuna], podiam exercer nelle as suas funcções, sem auctorisação da respectiva Camara.» Assim trouxe innocentemente a questão ao parlamento, não a quiz levar de surpreza, deixou ao ministerio um anno para pensar no objecto. Este anno, regressando do campo, apresentou novamente a duvida, e fez uma proposta que se enviou á commissão de legislação, composta de homens que reunem aos seus grandes conhecimentos juridicos, grande probidade, e eram incapazes de trazerem a esta casa um parecer por surpreza, e menos de desejar que por surpreza fosse votado; (muitos apoiados) nem o Ex.mo Sr. Presidente a cuja honra e probidade todos prestam homenagem, seria Capaz de consentir que se levasse por surpreza um objecto, que toda a Camara julgou simples, e que só o governo julga que tende a distruir a Carta, e a cercear as attribuições da outra Camara, e do executivo.

Mas a commissão, como ia dizendo, examinou a proposta, confrontou-a com a Lei, viu que era um negocio de tanta simplicidade, que não podia admittir opinião em contrario, e então exarou o parecer que se leu em sessão. A Camara, vendo que a materia era clara e de grande simplicidade, não envolvendo em si a questão nos termos em que a apresenta o Sr. Ministro da Fazenda, julgou que nem mesmo era preciso imprimir-se o parecer, votando-o desde logo, havendo mais a notar que foi approvado por unanimidade.

Elle orador não diz, que haja infallibilidade nesta decisão da Camara, mas diz que é audacia da parte do Sr. Ministro o dizer: — vós, Pares do Reino, decidistes contra o que dispõe a Carta Constitucional; usurpastes as attribuições da outra Camara; usurpastes tambem as attribuições do Poder moderador; haveis, portanto, Pares do Reino, desdizer-vos do que resolvestes, ou, pelo menos, consignar n'um projecto de lei isso que entendeis!—É preciso, repete, ter muita audacia e muita coragem o Sr. Ministro da Fazenda, para apresentar por tal modo a sua opinião! Permitta-se-lhe mesmo dizer, que na qualidade de Ministro elle orador não é daquelles que teem tido menos coragem (talvez que os seus proprios adversarios não lhe neguem isto); mas confessa, que lhe faltava a necessaria para proceder como S. Ex.ª acabava de o fazer, e como S. Êx.a deseja que os Dignos Pares procedam.

Acredita, porém, que isto não está na cabeça de S. Ex.ª, e que nesta parte não é mais do que um instrumento de certa pressão malefica, com o damnado intento de negar á Camara a consideração que ella merece, e com vistas de conseguir que possa entrar aqui quem tanto deseja.

A Camara dos Pares votou com toda a reflexão o assumpto em questão; e elle orador espera que se não ha de desdizer da approvação unanime, que deu ao parecer da sua commissão, porque no momento em que se desdissesse, e em presença do modo como foi tractada pelo Sr. Ministro da Fazenda, acabava com a sua existencia, perdia inteiramente a sua dignidade, e desappareceria, por facto proprio, a Camara dos Pares da nação portugueza.

O Conselho de Estado administrativo e contencioso não funcciona. Daqui resultam grandes prejuizos para a causa publica, como se ponderou. Resultem muito embora, diz o Governo, porque insiste na sua decisão, e insiste a tal ponto, que se a Camara dos Pares não quizer por meio de um projecto de lei resolver a questão, tambem o Governo não levará esse projecto á Camara dos Srs. Deputados! Assim, se existisse um conflicto entre as duas casas do Parlamento, como disse o Sr. Ministro, o Governo não lhe importa, pois o que quer é sustentar o seu capricho! Se ha o conflicto (que elle orador julga não haver) era dever do Governo apresentar-se no meio delle.

Diz o Sr. Ministro que a Camara dos Pares cerceou uma attribuição do podér executivo, e que ella não quer seguir o conselho que o Governo lhe dá de reduzir a sua resolução a um projecto de lei. Pois se a resolução da Camara dos Pares cerceou uma attribuição do podér executivo, violou a Carta Constitucional nesta parte, e é preciso interpretal-a neste ponto authenticamente, como é então que o Governo aconselha á Camara dos Pares que faça um projecto de lei a tal respeito? Pois não vê o Governo que propostas desta ordem não podem ter a iniciativa senão na Camara dos Srs. Deputados, e observados os preceitos marcados na Carta? Isto é palpavel (apoiados).

Ora, elle orador entendeu sempre que o corpo legislativo era o conselheiro do Governo; mas depois, do que acabou de dizer o Sr. Ministro da Fazenda vê que se inverteram as posições! Podem as Camaras legislativas entender na sua sabedoria, que uma questão qualquer se deve resolver de tal ou tal fórma, que o Governo entendendo o contrario, e não se conformando com essa decisão, diz ás Côrtes: — aconselho-vos que reconsidereis, porque offende-se a Carta com a vossa resolução! — De modo que vem a apparecer agora uma nova entidade na nossa organisação politica; entidade que vem a ser — um conselho aos corpos deliberantes.

(Entrou o Sr. Presidente do Conselho). É notavel dizer o Governo, que o serviço publico soffre muito com o presente estado de cousas, mas elle Governo não cede! Não sabem os Srs. Ministros que da sua não cedencia ha de necessariamente resultar o conflicto entre o podér legislativo e o podér executivo?...

Já que alludiu a conflicto, precisa dizer a Camara o que pensa a tal respeito. A Camara dos Pares declarou, que entendia que os seus membros, que o eram tambem da secção administrativa, e do contencioso do Conselho de Estado, não podiam accumular ambas as funcções sem serem pedidos pelo Governo, e consentidos pela Camara; e deu-se como provado, que a Camara dos Srs. Deputados entende a lei em sentido contrario. Deseja elle orador se lhe diga quando foi tractada esta questão naquella casa? Antes da resolução tomada pela Camara dos Pares, não (apoiados): depois, não se podia dar o conflicto, porque nas circumstancias de accumular as funcções legislativas com as de membro das secções do contencioso e do administrativo do Conselho de Estado só o estão os Srs. Ministros da Fazenda e da Justiça; e como S. Ex.ª são Ministros não se póde dar o caso de apparecer o conflicto, porque não ha logar a pedir, com relação a S. Ex.ª, uma decisão igual á tomada por esta Camara.

O orador podia neste ponto invocar o testimunho de membros da outra Camara muito competentes e respeitaveis, com quem ha conversado a este respeito, que se tem mostrado de accôrdo com a resolução que a Camara dos Pares tomou. Mas se apparecesse o conflicto?... É sua opinião que a Camara dos Srs. Deputados estava no direito de resolver na sua alta sabedoria o contrario do que a Camara dos Dignos Pares resolvêra, porque podia entender de differente modo a applicação do direito ao facto. Dada, porém, a divergencia, ao Governo cumpria vir perante o Parlamento defender pelos meios constitucionaes a sua opinião. Foi o que se não fez: até se praticou o contrario desta doutrina, vindo o Sr. Ministro da Fazenda declarar que a resolução tomada por esta Camara é illegal, e que não póde por modo algum produzir os seus effeitos!...

Diz o Sr. Ministro, que as secções do contencioso administrativo do Conselho de Estado, hão de funccionar porque assim o quer S. Ex.ª! Hão de funccionar porque S. Ex.ª tem na Lei os meios para obrigar os membros dessas secções a irem ahi trabalhar!... Bem se sabia já que esta era a doutrina do Sr. Ministro da Fazenda. Doutrina acompanhada de ameaças contra os Conselheiros de Estado!... Elle orador, pela sua parte, declara, que com quanto respeite muito o Sr. Ministro da Fazenda, como lhe tem mostrado, não póde comtudo admittir, nem receia pela sua parte taes ameaças, que de certo fazem á causa ministerial maior mal que bem; mas sempre deseja vêr esses meios que o Governo tem para fazer funccionar o Conselho de Estado nas secções do contencioso administrativo, uma vez que os Dignos Pares que fazem parte daquelle Tribunal, queiram conformar-se com a resolução adoptada, como não poderá deixar de acontecer! Deseja saber quaes são esses meios que S. Ex.ªs tem á sua disposição, para obrigar esses Conselheiros de Estado a sujeitarem-se ás ordenado Sr. Ministro da Fazenda! Exclamou o Sr. Ministro que se cerceou um direito ao Poder executivo! Não vê o Sr. Ministro que os ditos Conselheiros de Estado, fortes com a intelligencia que dão á Lei e fundados na resolução desta Camara estão no seu direito, recusando-se ao exercicio de taes funcções? Não vê ainda S. Ex.ª, que mesmo na presença da resolução da Camara elles se podem recusar a accumular as funcções legislativas com as de Conselheiro de Estado administrativo, porque a Lei diz que poderão accumular, querendo? Em vista da Lei, e depois da resolução que a Camara tomou, elle orador não sabe que haja membro da Camara dos Pares que queira ir de encontro a uma resolução da Camara, só para fazer a vontade ao Sr. Ministro da Fazenda (apoiados)!

Ao argumento dos treze annos, apontado por S. Ex.ª já respondêra, expondo franca e singelamente o que se passár a tal respeito; mas ainda dirá, que se S. Ex.ª pensa que o argumento tem alguma força, deve lembrar-se que nos proprios Tribunaes judiciaes se resolve muitas vezes por espaço de vinte e de trinta annos, considerando-se a Lei por uma fórma, e depois dando-se uma outra intelligencia á mesma Lei, se julga de modo differente. Ora, se isto acontece nos Tribunaes judiciaes, para que vem o argumento dos treze annos, e que ainda assim só poderia de algum modo proceder, se a questão já tivesse sido discutida e decidida pelo Parlamento, o que ainda não havia succedido, e só agora pela primeira vez veio á téla da discussão n'uma das Camaras onde foi logo decidida de modo contrario á opinião do Sr. Ministro?

É verdade, que a Carta Constitucional permitte a accumulação das funcções do Conselheiro de Estado com as de membro do Parlamento: mas não sabe que a Carta tracta das funcções politicas e não das administrativas? Quem duvida que o dador da Carta só teve em vista o Conselho de Estado politico, e não a Lei, pela qual mais tarde se organisou o Conselho de Estado administrativo, exercendo as funcções que só devem ser desempenhadas pelo Supremo Tribunal de administração publica, como cupula da organisação administrativa, e que foram conferidas ao dito Conselho, unicamente por principio de economia, e para evitar a creação deste outro Tribunal? Quando se publicou a Carta, lembrou-se sequer que os Conselheiros de Estado, além das funcções politicas haviam ainda exercer as administrativas? De certo que não.

E não se diga comtudo que o Conselho de Estado politico tambem é ouvido sobre assumptos administrativos, porque com quanto seja exacto que o Conselho de Estado politico é ouvido sobre os assumptos e medidas geraes de administração, isso diversifica muito das attribuições que depois se lhe concederam em virtude da Lei, que lhe deu nova organisação como Tribunal administrativo. E se isto não é cousa muito differente, pergunta porque se não vão buscar os Conselheiros extraordinarios para exercerem funcções politicas e sob a presidencia do Rei? Não se vão buscar, porque estes Conselheiros não são aquelles de que falla a Carta Constitucional. Tudo isto mostra exuberantemente a sem razão com que o Sr. Ministro argumenta.

É preciso convir em que o modo porque o Governo se tem querido haver neste negocio, só póde trazer comsigo o estabelecer um conflicto entre esta Camara e o Governo; entre esta mesma Camara e a dos Srs. Deputados; e finalmente entre o Governo e as duas Casas do Parlamento; porque o Governo pretendendo mostrar-se defensor das prerogativas do Poder Moderador, se apresentou na Camara de uma maneira inconveniente, chegando a accusal-a de violadora da Lei, usurpadora das prerogativas do Poder Moderador (apoiados), e menospresadora das attribuições do Parlamento (apoiados), o que ninguem podia esperar ouvir da bocca do Sr. Ministro?! (Apoiados.) Haja pois mais prudencia, circumspecção e sangue frio (apoiados). Para que veio S. Ex.ª trazer a publico o que se passou nessa conferencia particular? Para que publicar aqui o Sr. Ministro da Fazenda o que se discutira ou debatera nessa mesma conferencia? Talvez que só para obrigar a Camara a uma triste figura, pois S. Ex.ª pretendia induzi-la a desdizer-se no dia seguinte do que dissera na vespera!... Ao Sr. Ministro cumpria apresentar-se como conciliador, trazendo as cousas ao verdadeiro campo, mas nunca leva-las tão longe, como as levou! Neste caso elle orador sente que S. Ex.ª assim procedesse, e deixa a responsabilidade a quem de direito pertença.

O Sr. Presidente concedeu a palavra sobre a ordem ao Sr. Conde da Taipa.

O Sr. Conde da Taipa cede da palavra. O Sr. Presidente pela inscripção dá a palavra sobre a ordem ao Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Ministro da Fazenda—Tenho a palavra agora sobre a ordem, mas desejava saber se S. Ex.ª me tinha inscripto sobre a materia?

O Sr. Presidente declara a S. Ex.ª que tambem tem a palavra sobre a materia, mas não neste logar, porque primeiro a tem o Sr. Ferrão.

O Sr. Ministro da Fazenda—Pois direi agora duas palavras sobre a ordem, e depois fallarei sobre a materia; e uso agora da palavra, porque me parece que o Sr. Conde de Thomar me fez uma allusão tão pungente, que não posso deixar de me explicar a respeito della.

O Sr. Conde de Thomar disse, por mais de uma vez, que o meu procedimento neste assumpto era filho d'uma certa pressão, que me queria levar a romper abertamente com a Camara dos Dignos Pares. Eu bem sabia, que se empregava este meio para explicar o meu procedimento, considerando-me escravo de certas influencias maleficas, que me queriam fazer instrumento seu para atacar a Camara dos Pares, e sei igualmente quem inventou esta calumnia, e tenho a lealdade de declarar, que não foi o Digno Par; mas admira-me que S. Ex.ª lhe desse credito, e se encarregasse de a espalhar; porque S. Ex.ª, que me conhece bem, que já foi meu collega no Ministerio duas vezes, deve saber, que se ha homens neste mundo pouco proprios para se deixarem dominar por influencias estranhas, eu sou um delles; e ha muita gente mesmo, que explica uma certa opposição systematica que me é feita, pela impossibilidade que ha de eu me deixar ceder a pressões.

Parecia-me que o meu caracter como homem publico era bem conhecido, para que os meus adversarios não recorressem a este meio para me combaterem. Para mim a posição de Ministro é um sacrificio e não beneficio, porque nunca tiro proveito della; a unica cousa que ambiciono é cumprir com o meu dever, como eu o entendo; e póde V. Ex.ª ter a certeza, e a Camara tambem, de que me não tenho arrependido até agora de ter seguido sempre, tanto na vida publica como na particular, os impulsos da minha consciencia. No dia em que me fóra preciso occupar a melhor posição do mundo á custa de um acto que a minha consciencia não approvasse, eu sacrificaria sem repugnancia essa posição, e por isso me julgo muito superior a uma accusação desta ordem, e admira-me que S. Ex.ª a trouxesse aqui.

Entrei no Ministerio por circumstancias estranhas á minha vontade, e supponho que o Digno Par não ignorará os esforços que empreguei para me subtrahir a esse encargo: entretanto ainda me não arrependi de me ter ligado aos homens a que estou unido, e afano-me de ter merecido o apoio dos homens honestos e desinteressados, que me sustentam dentro e fóra do Parlamento. Hei de saír do Ministerio com alguns amigos de menos: não me fazem falta porque eram falsos amigos; mas em compensação hei de saír com alguns amigos de mais, e esses compensar-me-hão dos que perdi, e que perdi sem que a consciencia me accuse de ter contribuido para isso.

Recommendaram-me moderação, n'um discurso pronunciado com a violencia que a Camara ouviu, a mim que fallei com sangue frio! E verdade que fallo ás vezes com calor, mas agora nem essa arguição me podem fazer. Não choveram os ápartes do Digno Par que me fez esta interpellação, e quasi todos elles contendo allusões pungentes e offensivas? E em quanto ao que eu disse, peço que se me cite uma só expressão, da qual se podesse deduzir menos respeito da minha parte por esta Camara.

Quando disse eu aqui que a Camara tinha votado por surpreza? Aqui estão os Srs. Tachygraphos, que devem ter escripto tudo o que eu disse, e dou licença para que quando elles traduzirem as suas notas, corra o meu discurso, sem que eu o reveja, pelas mãos dos Dignos Pares.

Eu não disse que a Camara tinha usado de surpreza: entrei unicamente na apreciação do facto, e disse e repito, que os Ministros não foram convidados a ir á commissão, nem a vir assistir ao debate do parecer, que motivou esta interpellação. Este parecer foi apresentado, lido e approvado, sem ter sido impresso, distribuido e dado para ordem do dia, prescindindo-se deste modo de todas as regras regimentaes. O Digno Par chama a isto surpreza, eu não o chamei, só descrevi o facto. Mas, diz o Digno Par, porque não andaram os Ministros atrás da commissão? Para mim é inteiramente novo o pertender-se, que os Ministros andem atrás das commissões para saberem quando se reunem. Não foi nunca, pelo menos, esta a pratica desta Casa. São as commissões, que tem a cortezia de convidarem os Ministros a irem discutir com ellas os assumptos importantes, sobre que tem de dar parecer. Se a Camara entende porém, que esta pratica deve cessar, é bom que o declare para que os Ministros saibam em que lei hão de viver. Não espero porém, que o faça, porque a Camara não póde querer, que os Ministros aos muitos encargos que já teem, juntem mais o de andarem atrás das commissões a pedir-lhes que os ouçam sobre as propostas, que se apresentam nesta Casa. Dia virá, em que eu lembre esta theoria ao Digno Par.

Disse S. Ex.ª que nunca imaginou a audacia com que eu me tinha apresentado neste debate. Se S. Ex.ª queria dizer coragem é esta uma qualidade, que S. Ex.ª sabe, que eu tenho, porque S. Ex.ª, que já me conhece, tem-me visto em muitas situações difficeis, e nunca me viu voltar as costas ao inimigo. Porém, qual foi a audacia de que dei provas nesta Casa? Surgiu aqui uma interpellação ácerca do Conselho de Estado, perguntou-se se elle funcciona ou não, e o motivo porque não funcciona; e eu respondi, que não sabia se elle funccionava ou não, porque ignorava isso; porque não era da minha competencia, mas no ultimo caso, disse eu, o Governo tem na lei os meios precisos para fazer com que elle funccione. Ora S. Ex.ª achou esta resposta audaciosa, mas eu creio que ella é bastante curial.

Se se perguntasse ao Sr. Ministro da Marinha a razão porque o Conselho Ultramarino não funccionava, S. Ex.ª diria que no caso delle não funccionar tinha na Lei os meios necessarios para o fazer funccionar. Portanto, não sei em que ha nisto ameaças. Qual é o Conselheiro de Estado que ameacei?

Peço a S. Ex.ª que me diga se eu ameacei aqui. alguem? Seriam ameaças um meio de fazer hoje alguma cousa? Seriam um meio de chegar a algum resultado? Vim offender gravemente esta Camara? Foi em declarar que o Governo entendia que a interpretação que a Camara deu a um artigo da Carta era objecto de uma Lei. O Governo disse, e continua a dizel-o, porque tem coragem para cumprir o seu dever, que a sua opinião é differente da da Camara dos Dignos Pares que a resolução que esta adoptara merecia ser tomada com as formalidades prescriptas no Regimento. Mas não obstante não se ter feito assim, o Governo não veiu pedir á Camara que modificasse a sua resolução, o Governo aconselhou só que se fizesse desta resolução um projecto de lei para ser remettido para a Camara dos Senhores Deputados, porque era opinião sua, que esta interpretação não podia ser dada senão por uma Lei; mas agora querer-se ainda que o Governo apresente uma proposta no sentido dessa resolução na outra Camara, quando elle nem foi ouvido sobre ella, quando elle tem uma opinião contraria, é exigir muito. Pois julga-se que ha seis homens que conheçam tão pouco a sua dignidade, que desçam tão baixo? Estará já o Governo

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reduzido ao papel de edictor responsavel das decisões de uma Camara, quando ellas são tomadas sem o seu concurso, e contra a sua opinião? É esta uma pertenção que me impressiona muito desagradavelmente, porque compromette a propria existencia, e a dignidade do systema representativo, que só se poderão manter quando cada um dos poderes funccionar dentro da sua orbita.

Suppunhamos porém que o Governo, reduzindo a resolução da Camara a um projecto de lei, apresenta esse projecto na outra Camara; pergunto: suspende a Camara dos Dignos Pares a sua resolução em quanto a proposta não é convertida em Lei? Quereria que os Dignos Pares me respondessem... Ninguem me responde (vozes—ha de se responder). Mas era melhor que se respondesse agora, e que em vez de se dizer que eu estou ameaçando, se dissesse que eu com effeito estou apresentando argumentos, a que se não póde dar resposta. Ameaças aos Conselheiros de Estado foram os argumentos ad verecundiam, que o Digno Par apresentou, quando disse, que queria vêr qual era o membro desta Camara, que se attreveria a ir funccionar depois da resolução tomada aqui. O Digno Par colloca a resolução desta Camara acima da Lei.

Fallou-se em capricho, mas de que lado está elle? Estará do lado do Governo, que entende o artigo da Carta como foi entendido sempre, e quer manter as prorogativas da Corôa, e as da outra casa do Parlamento, ou estará da parte daquelles que pertendem que a interpretação da Carta póde ser feita só por uma Camara, e que o Governo deve ás suas resoluções a obediencia que só deve á Lei?

Em que se viu o capricho ministerial? Em vir o Governo a uma conferencia particular apontar os perigos de uma designada resolução, e indicar officio pelo qual entendia que essa resolução podia ter vigor, tornando-se entretanto o Governo apparentemente estranho a este negocio? O capricho está antes da parte dos Dignos Pares que sustentam uma tal decisão com argumentos que lhes deveriam ter ferido a mente em 1845, que não deveriam sobre tudo ter escapado ao homem que apresentou e desenvolveu as bases para a organisação do Conselho de Estado em 1843, e que tinha então obrigação de saber já que as funcções dos Conselheiros de Estado na secção administrativa e na secção do contencioso não podiam ser exercidas, durante as Côrtes, por membros dellas sem licença das respectivas Camaras. Pois é esse homem que nos argue, elle que tal opinião não tinha nem em 1845, nem depois em 1849, em 1850, e em 1851 (O Sr. Ferrão — Sobre a ordem), em que de novo tornou a ser Ministro, e de novo tornou a organisar o Conselho de Estado.

Mas diz o Digno Par que na Carta não se tracta dos Conselheiros de Estado extraordinarios, e pergunto eu: na Carta estabelece-se por ventura que sejam doze os Conselheiros de Estado effectivos, e que esse Conselho seja presidido pelo Rei? Em parte nenhuma; mas eu queria ainda que se passasse pelos olhos desapaixonadamente a Carta de Lei de 3 de Maio de 1845, referendada pelo Digno Par; ahi se veria que nem uma só expressão ha nessa Lei, da qual se infira que o Conselho de Estado não é o mesmo, ou elle funccione como corpo politico presidido pelo Chefe do Estado, ou administrativamente, presidido por um dos seus membros. Não ha uma unica expressão que revele similhante cousa, e o artigo 4.° da mesma Lei diz expressamente o seguinte: (leu)

«O Conselho de Estado quando exerce as funcções que prescreve a Carta Constitucional da Monarchia, e que não forem as administrativas, etc...»

Logo, aqui está reconhecido que os Conselheiros de Estado de que falla a Carta exercem funcções politicas e administrativas [Vozes—Jesus!) Jesus! É o que está aqui escripto (leu novamente).

Mas tudo isto o que prova é que é negocio de interpretação de Lei; prova que a questão que se chamou simplíssima não o é, pois se o fóra como se havia de explicar o longo discurso do Digno Par para provar uma cousa clara e simples?

Disse o Digno Par, que muitos membros da outra Camara são de opinião que a Camara dos Dignos Pares tem razão; eu posso voltar este argumento, dizendo — que tenho conhecimento de muitos Srs. Deputados que são de opinião contraria. Mas a questão não é esta. Supponhamos que teem razão, supponhamos que effectivamente os Conselheiros de Estado no exercicio das funcções administrativas carecem de licença da respectiva Camara a que pertencerem; o Governo intende que esta resolução só póde ser tomada por uma Lei. Esta é que é a questão, e a este ponto é que e eu desejo que cheguemos todos. E quereria que me explicassem o seguinte: a Camara dos Dignos Pares diz—não podem accumular sem licença, e a dos Srs. Deputados diz o contrario; é possivel que o mesmo artigo da Carta tenha duas interpretações, uma para a Camara hereditaria, outra para a Camara electiva?

Diz o Digno Par, que na outra Camara nunca foi tractada esta questão. Isto é que eu nego. Eu já disse que todas as vezes que alli entrava mais tarde, acabando de exercer funcções de Conselheiro de Estado na secção administrativa a que pertenço, sempre, sem excepção de uma só vez, pedi a palavra e declarei que ia tarde, porque tinha estado funccionando na secção administrativa do Conselho de Estado. Depois deste facto tão repetido, póde-se dizer que a Camara dos Srs. Deputados não reconhecia o direito e obrigação que eu tinha de exercer aquellas funcções sem sua permissão? É póde-se dizer, que as Camaras se não occuparam deste assumpto quando foi discutida a Lei de 13 de Julho de 1849, e o Acto Addicional? O silencio das Camaras a este respeito é a approvação da interpretação, que até então se havia dado á Carta, e que se lhe continuou a dar depois.

Mas o que é mais notavel é dizer o Digno Par, que era necessario que esta questão fosse tractada com mais moderação e mais madureza pelos

Ministros! Pois são os Dignos Pares que tem direito de nos dizer isto?! Fomos nós chamados á commissão que examinou a proposta? Fomos convidados a assistir a sua discussão? Cumpriram-se n'esta as regras do regimento? (O Sr. Ferrão —Para um requerimento). Não é pois aos Ministros, que tal arguição póde ser dirigida.

Peço desculpa á Camara de me ter alargado tanto, e termino já, porque o meu fim principal foi repellir a insinuação que me foi feita, e ainda me admira muito de que se imaginasse uma fabula de similhante natureza: entretanto, repito, que sei quem foi o inventor d'ella, mas o que eu menos esperava realmente era que similhante invenção fosse aceita por homens que se respeitam, e que por larga experiencia sabem se eu sou capaz de ceder a pressões de alguem.

O Sr. Ferrão (Para um requerimento)— Requeiro a V. Ex.ª, que visto que o Sr. Ministro da! Fazenda tendo a palavra sómente sobre a ordem para dar uma explicação fallou largamente sobre a materia, preterindo-me na palavra, que me pertencia, faça com que os Dignos Pares que se seguirem, usando da palavra sobre a ordem, se abstenham de imitar o exemplo, e se restrinjam a uma questão de ordem, ou a dar explicações.

Em outros termos, sou eu que move assim uma questão d'ordem, para que se mantenha o meu direito, e se cumpra o regimento.

O Sr. Presidente observa ao Digno Par, que tinha pedido primeiro a palavra sobre a materia, depois sobre a ordem, e finalmente para um requerimento.

O Sr. Ferrão—Agora qual é a palavra que tenho?

O Sr. Presidente expõe que visto o Digno Par não a ter querido sobre a ordem, compete-lhe neste logar a palavra sobre a materia.

O Sr. Conde da Taipa — Sr. Presidente, eu tambem peço a palavra sobre a materia.

O Sr. Visconde d'Algés—Sr. Presidente, a palavra sobre a materia.

O Sr. Ferrão—Sr. Presidente, muito difficil me é conservar a conveniente placidez nesta questão; mas eu procurarei, não só ser breve, mas reprimir uma certa vivacidade a que naturalmente conduz o meu temperamento.

Entro com bastante difficuldade no debate, mas não posso airosamente guardar silencio, porque me vejo constituido no campo da defeza e da legislação.

Sou arguido virtualmente de haver errado na interpretação de uma Lei, quando por dever de meu officio no primeiro Tribunal do paiz, e por muitos annos de pratica na applicação das regras de hermeneutica aos textos das Leis, para com elles me conformar nos casos occorrentes, devia considerar-me mais habilitado do que o Sr. Ministro da Fazenda, para entender uma Lei e saber applical-a a uma hypothese dada, e portanto não vejo só e simplesmente a offensa ao meu amor proprio, mas a necessidade de me rehabilitar contra a conclusão, que se póde tirar, de que eu participando do erro arguido, não sou capaz de cumprir com acerto e justiça os deveres do meu cargo, quando decido das questões de propriedade, da vida e da honra dos cidadãos.

O Sr. Ministro da Fazenda disse, que este negocio era tão simples que não sabia como se lhe podia dar uma interpretação diversa da sua. Eu digo pelo contrario, que elle não só pareceu tão simples e tão evidente á commissão de legislação e a esta Camara, mas que eu não imaginava a possibilidade delle podér ser entendido e resolvido por um modo contrario aquelle por que foi entendido e resolvido unanimemente: e então ou eu ou S. Ex.ª está predominado de uma falsa opinião. É possivel que o erro esteja da minha parte, mas por ora tenho o sentimento de dizer, que as razões que S. Ex.ª tem apresentado, não me demovem da minha convicção.

Sr. Presidente, um Digno Par apresentou nesta casa uma moção; foi esta mandada á commissão de legislação, composta de jurisconsultos e magistrados.

Viram a Lei, consideraram o negocio simples, e não tiveram a menor hesitação em dar o seu parecer.

A questão era, se os membros desta Camara, que são Conselheiros de Estado politicos, ou extraordinarios, podiam accumular as funcções méramente administrativas, sem licença da Camara, ou resolver se estavam para os effeitos da accumulação, incluidos no artigo 31.° da Carta Constitucional, ou na disposição do acto Acto Addicional, para neste caso necessitarem, como todos os funccionarios publicos, da auctorisação da Camara.

A commissão, Sr. Presidente, para bem entender a Lei, teve presentes as regras de hermeneutica, que abrangem não só a parte grammatical, mas philosophica; pois que=seire leges non est verba carum tenere, sed vim ac potestatem. —

Nós, Sr. Presidente, os Jurisconsultos e os Juizes, entendemos, e tomamos como principio incontroverso, que para bem se conhecer e apurar o sentido das palavras do legislador é necessario não só dar-lhes a significação vulgar e commum, mas a racional e philosophica.

Os membros da commissão de legislação, subjugados por este principio, viram logo que a Carta Constitucional tracta dos membros d'um Conselho de Estado, cujas attribuições estão marcadas na mesma Carta.

Estas attribuições estão declaradas no artigo 110.°, e são restrictas á consulta sobre negocios graves; sobre medidas geraes de publica administração, e sobre todos os actos do Poder moderador, para cujo exercicio exige a mesma Carta que seja ouvido o Conselho de Estado.

Viram que sómente por leis posteriores o Conselho de Estado, em parte com o mesmo e em parte com outro pessoal, foi erigido em Supremo Tribunal de administração, com funcções muito diversas das taxativamente enunciadas na Carta.

Eu não careço de contestar ao Sr. Ministro da Fazenda que estas novas attribuições do Conselho d'Estado são méramente consultivas, porque

Consultivas são tambem as do Conselho Ultramarino, as do Conselho das Obras Publicas, e as da Procuradoria geral da Fazenda; e comtudo os respectivos funccionarios, quando membros do Parlamento, carecem, e sempre careceram, de licença da sua respectiva Camara para poderem accumular.

Portanto este argumento do Sr. Ministro da Fazenda de nada serve para a questão. O que unicamente se pertende saber, para resolver a questão, é se os Conselheiros de Estado, em quanto exercem funcções não politicas, são funccionarios publicos, para entrarem na regra geral.

Para se resolver esta questão deve-se attender tanto á lettra como ao espirito da Carta Constitucional, e assim se concluirá que, na conformidade do seu preceito, a todo o serviço publico prefere o parlamentar; e que prohibiu as accumulações por incompativeis com os trabalhos, assiduidade e presença, que exige o serviço das Camaras legislativas.

A regra prohibitiva na Carta em termos absolutos, fez a mesma Carta a excepção dos membros do Conselho de Estado politico. Mas toda a a excepção fórma a regra em contrario, e é da natureza della não podér ampliar-se, porque se funda n'uma razão especial. E qual seria a razão especial por que a Carta exceptuou os membros do Conselho de Estado? Ora para dar esta razão eu invoco sobre este ponto a philosophia do Sr. Ministro da Fazenda, e facilmente se reconhecerá que o Conselho de Estado devia ser exceptuado, porque durante as sessões das Camaras legislativas nem a audiencia do Conselho de Estado póde ser dispensada, nem elle póde ser substituido, e é principalmente aberto o Parlamento que elle deve estar prestes a reunir-se, para a Sancção Real dos Decretos das Côrtes, assim como para o adiamento ou prorogação das mesmas Côrtes, e para o exercicio do Poder moderador em todos os mais casos.

A Carta pois não tractou senão do Conselho de Estado, como corpo politico, e nem se póde dizer que ella comprehendeu o Conselho de Estado com relação a funcções que não existiam ao tempo da sua promulgação.

Mas supponhamos que isto não é assim, e que a opinião do Sr. Ministro da Fazenda é a verdadeira. Que fez esta Camara com relação a esta questão?

Nada mais do que tirar uma conclusão, usando á interpretação doutrinal, que podia e devia fazer.

O Sr. Ministro da Fazenda, perdoe que lhe diga. tem confundido sempre nesta questão a interpretação doutrinal com a authentica, e que a 1 distincção entre uma e outra é uma trivialidade, que entra nos prologomenos dos que aprendem os principios rudimentaes de direito.

A interpretação doutrinal não é uma usurpação, é um dever e um direito de quem afaz, como nos demonstra o mesmo Sr. Ministro da Fazenda, como notou já um Digno Par, porque em todo o seu discurso não fez mais S. Ex.ª do que como membro do gabinete, e com relação ao exercicio das suas funcções, interpretar a carta a seu modo, talvez melhor do que esta camara e eu, mas sempre usando do mesmo direito. Pois que outra cousa fez S. Ex.ª? Interpretou autenticamente? Não, usou sómente da interpretação doutrinal.

Interpretar, Sr. Presidente, todos sabem que é dar ás palavras do legislador, a sua significação obvia, natural, e racional, para se conhecer qual é a sua disposição, porque não é n'uma somma material das palavras que está á disposição das leis, mas na sua parte moral e no seu pensamento.

Isto faz toda a gente que tem um dever legal a cumprir. Faz o juiz quando applica a lei, faz o Conselho d'Estado Administrativo no mesmo caso; faz o Governo com relação ao podér executivo; e fez esta Camara em relação a uma attribuição méramente sua, qual é a concessão de licença para os seus membros poderem accumular outras funcções, por serem da natureza d'aquellas que carecem da auctorisação da respectiva Camara. Estas palavras = respectiva Camara = não podiam ter relação senão a esta casa. Certamente, era aqui com relação a alguns dos seus membros.

Pôde a Camara dos Sr. Deputados pensar sobre este objecto por outro modo sem que resulte d'ahi o menor conflicto, porque, em relação a uma attribuição privativa de cada uma das Camaras, ellas têem, isolada e independente o direito de interpretar a lei, como entenderem em sua sabedoria, segundo as regras da hermeneutica juridica, que todo o cidadão póde applicar, digo outra vez, mesmo sem ser jurisconsulto para se inteirar dos preceitos ou disposições das leis.

Portanto esta questão é toda de interpretação doutrinal, e nada mais.

Mas disse o Sr. Ministro da Fazenda « que visse a Camara os graves inconvenientes que se seguiam de resolver esta questão, depois de passados treze annos de pratica em contrario; porque podia servir de fundamento para invalidar decisões tomadas anteriormente.» Ora isto não me faz impressão nenhuma; porque, se o Sr. Ministro da Fazenda diz, e eu lhe concedo, que as funcções do Conselho d'Estado são méramente consultivas, se a sua resolução depende do Decreto real; se o mesmo Decreto real é que lhes dá força; e se até já tivemos um exemplo no contencioso administrativo, de um direito de partes resolvido por Decreto, e revogado depois pelo Governo por outro Decreto, é evidente que toda a força das decisões tomadas vem no Decreto, e que este ha de vigorar em quanto não fôr revogado, e portanto desapparecem os allegados inconvenientes.

Mas que prova este argumento dos treze annos? É um argumento negativo, que não prova nada, porque era necessario que uma interpretação doutrinal em contrario tivesse sido dada nesta Camara, em qualquer desses treze annos. Mas esta questão nunca veio a esta Camara, veio só agora pela primeira vez, e então que havia de fazer a commissão de legislação senão responder e a Camara resolver em conformidade com a lei?

Sr. Presidente, digo mais, ainda que houvesse nesta Camara um precedente de resolução anterior conforme á opinião do Sr. Ministro da Fazenda, o parecer da commissão e a decisão da Camara não devia verificar-se senão em conformidade com a lei.

Sr. Presidente, a lei sobrevive a todas as suas infracções. Um tribunal, esta Camara mesmo, por mais respeitavel que seja, tendo entendido a lei por tres, cinco ou dez annos de uma fórma, póde mudar da sua jurisprudencia, quando melhores razões a convençam de que não é verdadeira a intelligencia que anteriormente lhe havia dado; bem respeitavel é o Tribunal de Cassação de París, e tem muitas vezes mudado a sua jurisprudencia, na presença da mesma lei, que não tinha sido revogada (apoiados). Podia apontar alguns factos.

A questão, Sr. Presidente, não só envolve hoje uma offensa á commissão de legislação, mas colloca esta Camara n'uma situação terrivel pela maneira como o Sr. Ministro da Fazenda a suscitou.

Eu, se estivesse naquelles logares, n'uma questão de tão pouca valia, mas em que se pronunciasse uma das Camaras, tendo precedido á sua resolução um parecer de commissão, composto de jurisconsultos, ainda que eu pensasse o contrario, fazia o sacrificio da minha opinião, para não soffrer o serviço publico; ou, pelo menos, não teria melindre em levar uma proposta de lei á outra Camara, se entendesse que o negocio carecia de interpretação authentica; porque, por uma parte as conveniencias do serviço publico, e por outra a modestia que todo o homem deve ter, porque não ha ninguem debaixo do céo que seja infallivel deviam levar-me a presumir que a Camara teria talvez mais razão, não obstante resistir-lhe a minha convicção, pois se não tractava de ser juiz da vida, nem da propriedade dos cidadãos, casos em que não é licito julgar pela consciencia dos outros, mas apenas de uma formalidade parlamentar sobre negocio de publica administração.

Pois que? sómente os membros das Camaras se hão de moderar a pró do Governo, e o Governo não se ha de moderar a pró das Camaras legislativas, de cujo apoio carece? Pois quantas vezes, Sr. Presidente, como membro desta Casa, eu modifico as minhas opiniões? Appello para o testimunho dos Dignos Pares, e mesmo do Governo. Quantas vezes modifico, e muito especialmente nas commissões, os meus escrupulos e convicções, para não tornar uma questão difficil, nem causar embaraços?! Quantas não modifico mesmo as minhas opiniões, só por não parecer que faço uma opposição acintosa?! Quantas vezes o tenho feito assim na minha vida parlamentar em ambas as Casas do Parlamento, quantas nós todos o teremos feito!

Pois então os Srs. Ministros, que estão á testa da administração, por um objecto tão pequeno, querem, na presença de negocios graves que demandam a sua sollicitude, fazer uma questão tão grave, e collocar a Camara, por assim dizer, entre o martello e a bigorna, em risco de comprometter a dignidade, o decoro da mesma Camara?.

A Camara desde o momento em que admittisse á discussão uma proposta de lei sobre a questão não espontaneamente apresentada, mas por indicação, e a instancias do Ministerio, tinha-se suicidado completamente.

Se são estas as vistas do Ministerio, quer um impossivel moral. E digo que é um impossivel moral, porque se acha prejudicado pela resolução da Camara qualquer projecto de lei de interpretação authentica, quando a Camara no seu proprio facto reconheceu já que o negocio era da competencia da interpretação doutrinal.

Não póde ter logar a interpretação authentica senão quando cessa a doutrinal, ou quando a doutrinal não é sufficiente.

Eu chamo a attenção do Sr. Ministro da Fazenda ainda uma vez sobre este ponto, para que não confunda a interpretação doutrinal com a interpretação authentica.

Quando a Lei é duvidosa, ou porque uma collecção de homens no desempenho da applicação dessa Lei entendem que ella não é clara, ou ha differentes e encontradas opiniões entre os jurisconsultos, se se entende conveniente o firmar-se por lei declaratoria uma interpretação fixa, que estabeleça uniformidade para todos, então diz o legislador — entendam todos a lei como eu quero que se entenda — mas esta Camara não está nesse caso, porque a sua commissão de legislação unanimemente conveiu, sem a menor duvida nem hesitação, na clara intelligencia da lei, e a Camara resolveu do mesmo modo.

Portanto é inadmissivel o vêr-se aqui proposta a interpretação authentica da lei; não digo eu porém outro tanto da Camara dos Senhores Deputados, aonde o Governo, insistindo na sua opinião, poderá levar uma proposta de lei sobre este mesmo objecto, e que nós poderemos depois approvar sem quebra da nossa dignidade.

Disse porém o Sr. Ministro da Fazenda — Pois eu nem peço aos Conselheiros de Estado, membros desta Camara, nem apresento o projecto de lei na outra Camara!

Mas isto importa realmente estabelecer um conflicto, sem conveniencia nem necessidade alguma justificada, entre o Governo e um dos ramos do podér legislativo, que não sei que resultado util possa ter, nem para a causa publica, nem para a politica do Ministerio.

Vozes—Deu a hora.

Vou concluir com poucas palavras mais.

Tambem foi dito por S. Ex.ª, que se impunham ao Governo obrigações novas, e que assim se offendiam as prerogativas do podér real.

Mas que quer isto dizer? As prorogativas do podér real são unicamente as que estão consignadas na Carta?

Com relação aos funccionarios publicos, membros das duas Camaras legislativas, a Carta o que diz é — que elles não exercerão as funcções do seu emprego durante as sessões das mesmas Ca-

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maras, e o Acto Addicional não faz mais do que modificar a mesma Carta, creando um direito ao Governo, direito que não tinha antes, de requisitar os empregados cuja falta na capital fosse sensivel; ora a Camara com a sua resolução não faz mais tambem que facilitar ao Governo o exercicio desse direito.

Peço desculpa á Camara de ter occupado a sua attenção sobre este objecto, pois se o fiz foi com repugnancia, e sómente provocado pelos argumentos e considerações que apresentou o Sr. Ministro da Fazenda, offensivas da resolução que esta Camara tomou sobre parecer dado pela commissão de legislação, a que tenho a honra de pertencer (vozes — muito bem, muito bem).

O Sr. Presidente declara que já havia dado a hora, e que ainda estavam inscriptos os Dignos Pares os Srs. Conde da Taipa, Visconde d'Algés, e Visconde de Balsemão, que usariam da palavra na sessão seguinte, que teria logar na proxima sexta-feira, sendo a ordem do dia a continuação da questão formulada hoje, interpellações, apresentação de pareceres de commissões, e mais, se os Dignos Pares dispensassem o Regimento para se podér discutir, o parecer hoje distribuido n.º 107 (apoiados).

Portanto declarava levantada a sessão. Eram cinco horas e meia da tarde.

Relação dos Dignos Pares que estiveram presentes na sessão do dia 3 de Março de 1858.

Os Srs.: Visconde de Laborim; Duque da Terceira; Marquezes: de Ficalho, de Fronteira, de Niza, de Pombal, e de Vallada; Condes: das Alcaçovas, da Azinhaga, do Bomfim, do Farrobo, de Fonte Nova, de Mello, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral, da Taipa, e de Thomar; Viscondes: d'Algés, d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castro, de Fornos de Algodres, de Ovar, de Sá da Bandeira, e de Ourem; Barões: de Ancede, de Chancelleiros, de Pernes, de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, Sequeira Pinto, Pereira de Magalhães, Ferrão, Silva Carvalho, Aguiar, Larcher, e Brito do Rio.

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