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confere a lei, que é n'este caso o decreto de 5 de agosto de 1833. Este decreto foi promulgado n'uma epocha excepcional, e como todos nós sabemos, todas as providencias que se tomaram então tinham por fim destruir o antigo regimen, crear uma nova ordem de cousas, e fundar novos interesses para firmar essa nova ordem de cousas, e dar-lhe regularidade com as condições proporcionadas ao novo systema. Já se vê que o decreto publicado nestas circumstancias não tinha senão um intuito unico, destruir o velho edificio para se levantar um novo, e é claro que n'estes termos não podia abranger todas as circumstancias e regras necessarias para edificar sobre as ruínas do antigo regimen, um estado de cousas que satisfizesse completamente. Assim pois o decreto de 5 de agosto de 1833 ficou deficiente. É delle portanto que parte o mal, e por isso, com o devido respeito ao meu em.mo prelado, eu direi que entendo que o sr. ministro da justiça na nomeação que fez do escrivão da camara ecclesiastica usou do direito que lhe facultava a lei, pois que se cingiu ao decreto de 5 de agosto de 1833. Este decreto tem tres artigos. O 1.° teve por fim destruir todos os padroados ecclesiasticos; no 2.° reserva-se ao rei a nomeação de todos os beneficios ecclesiasticos e mais empregos ecclesiasticos. Esta prescripção do decreto de 5 de agosto tem uma latitude tão illimitada que abrange os escrivães das camaras ecclesiasticas e todos os empregos que se podem servir no regimen da igreja. Ora o sr ministro fez aquelle despacho auctorisando-se com este decreto, portanto não póde ser accusado de ter faltado á lei, pelo contrario, cumpriu-a.

Mas se presto homenagem á lei, a camara ha de permittir-me que eu lastime a deficiencia d'esta lei (apoiados), lhe peça, e peça igualmente ao governo, que a trate de reformar e de providenciar de modo que a harmonia entre o estado e a igreja se mantenha, conservando-se cada um na em orbita respectiva, e não appareçam todos os dias d'estes attrictos (apoiados), destes conflictos que salvando as intenções dos homens que representam a igreja, e dos homens que representam o estado, porque póde haver sempre as melhores intenções, mas a força das circumstancias é muitas vezes maia forte; destes conflictos, digo, que são muito para lamentar que se dêem, pois podem trazer comsigo a desharmonia entre o estado e a igreja, e toda a camara sabe avaliar quão funestas consequencias podem d'ahi porvir (apoiados). Não é de agora esta minha linguagem; de agora, porque me cobrem estas vestes sagradas, e que pela graça de Deus, pela munificência regia e pela confirmação do soberano pontífice subi a este logar; creio que não darei novidade á camara, a todos estes homens com quem ha vinte e tantos annos faço camaradagem politica, dizendo-lhe que estas vestes sagradas não alteraram o meu modo de pensar (apoiados). Bebi a crença catholica com os sentimentos de portuguez e de liberal. Uma voz: — Muito bem.

O Orador: — Ainda quasi não tinha uso de rasão, já meu pae era perseguido e mettido na cadeia, e eu já lhe ía fazer companhia entrando pelas grades. Ora já se vê que com este tirocinio, com minha familia perseguida desde 1820 e meu pae, todos os que são filhos sabem o que quer dizer esta palavra, e meu pae era perseguido porque era liberal, não podia deixar de enraizarem-se em meu peito as idéas de liberdade, idéas que nunca deixei afrouxar, bem como os sentimentos religiosos, porque póde-se ser catholico e liberal ao mesmo tempo (apoiados).

Ora ía eu dizendo, que pedia licença á camara e ao governo para expor a necessidade que ha de reformar o decreto de 5 de agosto de 1833, porque se elle se mantiver como está, alem deste conflicto hão de vir outros; e se o governo o quizer executar em toda a sua latitude, está armado por elle, para nomear, por exemplo, os juizes das varas, os vigários, os arciprestres, etc.. e veja a camara a que ficará reduzido o foro do bispo; tornar-se-ha impossivel a jurisdicção ecclesiastica espiritual. Estando nós reduzidos a esta jurisdicção, sendo o poder temporal, em virtude do decreto de 5 de agosto, o senhor absoluto de nomear os auxiliares, os agentes immediatos dos prelados no exercicio das funcções espirituaes, nomeações que deviam pertencer aos bispos, ficariam elles na impossibilidade de cumprirem a missão divina de que se acham encarregados; já a camara vê que de perturbações d'ahi não podem resultar (apoiados).

Eu, sr. presidente, na minha diocese não tenho menos de dezesete arciprestados. Tendo vagado um, nomeei logo pessoa para elle, porque entendi que estava no meu direito, e não podia nem devia consultar o governo sobre este negocio; ora estando o governo armado com o decreto de 5 de agosto, que lhe dá força para se introduzir na nomeação seja de que empregos for, se quizesse fazer prevalecer esse decreto n'estas nomeações, não podiam resultar d'isso atritos desagradaveis? O governo podia intrometter se no negocio, porque a lei a isso o auctorisava, mas deve reconhecer que podem resultar serios inconvenientes da plena execução da lei, e portanto deve propor ao parlamento a modificação das disposições d'essa lei (apoiados). Desejaria que elle o fizesse, e arriscarei outra opinião perante esta camara, que espero a receba com a costumada benevolencia; entendo que o poder temporal não tem o mínimo acrescentamento de gloria, nem de interesse publico em estar a nomear escrivães das camaras ecclesiasticas (apoiados). É certo que o artigo 2.° do decreto de 5 de agosto de 1833 lhe dá este poder, mas eu entendo que no interesse da igreja e do estado, porque não posso conceber o interesse da igreja sem o interesse do estado, e vice versa (apoiados). Eu entendo que o governo prestando homenagem aos interesses publicos devia propor ao parlamento a revogação d'aquelle decreto. O sr. ministro da justiça quando respondeu ao sr. marquez de Vallada disse que = os escrivães das Camaras ecclesiasticas não eram homens da confiança dos prelados =. Eu peço licença a s. ex.ª para divirgir desta opinião.

Sr. presidente, o escrivão da camara ecclesiastica é o homem que está mais proximo do bispo; o bispo não póde exercer acto algum das suas attribuições sem esta especie de chanceller; o escrivão da camara ecclesiastica é o homem que vive em contacto com o bispo, tem o seu cartorio na propria casa do bispo, está sempre a ser consultado pelo bispo nos negocios ecclesiasticos, porque os bispos morrem e succedem se, e os escrivães das camaras ecclesiasticas geralmente abrangem duas e tres vacaturas; e demais os documentos ficam nas camaras ecclesiasticas e os escrivães estão senhores d'aquelles papeis porque os têem em seu poder, e os bispos vão sempre consulta-los sobre todos os negocios ecclesiasticos. Ora, digo eu á camara, estes homens não deverão ser da confiança dos bispos? Interessará o estado ou o imperio, que são palavras synonimas, em tirar a confiança do bispo a este homem que está em contacto com elle? Eu peço á camara que reflicta. Na administração publica em geral quando se nomeia um governador para o ultramar, um governador civil para um districto ou um governador militar, os seus secretários, os homens que estão junto d'elles, não é de rasão, de justiça e censo commum que sejam da confiança d'aquelles chefes? (apoiados). Essa é a corrente ordinaria do serviço publico, e quando o governo nomeia um homem para secretario de qualquer d'estas auctoridades que não seja da sua confiança, qual é o resultado? E elle dizer: «não aceito». Pois, sr. presidente, tudo está no modo de se fazerem as cousas, e havendo o desejo da harmonia já se vê que tudo se póde conciliar. Ora d'aqui vejo eu a necessidade d'esta intimidade, ou relações intimas, entre o escrivão da camara ecclesiastica s o prelado; d'aqui vejo a necessidade que ha de que este homem seja de sua confiança; mas eu vou ainda mais adiante para não despojar o estado das suas attribuições, para não desfalcar em cousa alguma as prerogativas da corôa, porque sou o primeiro a entender que a igreja não deve saír da sua testada, a igreja não se deve intrometter nos negocios de Cesar, porque a historia nos mostra que todas as vezes que a igreja se quer intrometter nos negocios de Cesar, ella póde triumphar por algum tempo, mas no fim a queda é certa (apoiados), e vice versa, quando o estado quer intrometter-se no regimen da igreja (apoiados).

Assim é que eu raciocino e não é, como se tem dito, a igreja livre n'um estado livre, n'um paiz como o nosso, onde a carta constitucional diz: «Que a religião catholica apostolica romana é a religião do estado.» Este axioma tão celebrado da igreja livre e do estado livre, traduz se na boa harmonia entre a igreja e o estado, e em não intrometter-se um e outro poder nas attribuições que pertencem a cada um d'elles (apoiados). Não é o estado no estado, não é o estado absorver a igreja e vice-versa. O digno par o sr. Moraes Carvalho e meu amigo, fallou na independencia, mas emfim se eu poder tratarei logo de fazer algumas observações a este respeito.

Ora sendo estes dois principios verdadeiros, digo eu o que apparece é a necessidade de reformar a lei, e mais nada; e eu ainda vou mais adiante, como ía dizendo, a respeito da nomeação dos escrivães das camaras ecclesiasticas e outros empregos, entendo que se o governo não tem executado o decreto de 5 de agosto de 1833 em toda a sua latitude, como V. ex.ª sabe, é porque os governos reconhecem os seus inconvenientes; faço esta justiça a todos os ministros que têem estado no poder, é porque reconheceram que era uma lei dos tempos anormaes, e não têem tido a lembrança de a reformar, esta é que tem sido a pratica seguida por todos os governos, e o facto actual mostra a necessidade de reformar aquella lei, e que é necessario pô-la em harmonia com a constituição e mais leis do estado, em ordem a manter-se a necessaria correspondencia dos dois poderes, e termos assim, igreja livre no estado livre (apoiados).

Eu vou mais adiante, como ía dizendo, n'isto mesmo, quanto á nomeação dos escrivães das camaras ecclesiasticas, se os quer o governo fazer, se julga que se deprime em deixar ao bispo a nomeação do seu escrivão da camara ecclesiastica, mas deixe ao menos que faça a proposta e aqui estão os dois poderes em harmonia. O prelado propõe um homem, que suppõe capaz, porque não se póde suppor que elle proponha senão aquillo que é mais justo e lá fica o soberano, ou o poder que o representa, para confirmar a nomeação. Aqui estão ligados e abraçados os dois poderes e poderão dizer para o futuro como disse o psalmista: Justitia et pax osculatce sunt.

Já vê a camara que, estando nós tratando do presente, entendo que o sr. ministro obrou dentro da esphera legal, mas a questão não está aqui, o pomo. da discórdia está no modo como se fez (apoiados). O sr. ministro, defendendo-se, disse: eu nomiei e não consultei o prelado, porque nomeando satisfiz á lei, porque me regulei por informações que tive aliunde, por outras vias, e julguei-me dispensado de consultar o prelado, porque me chegou a convicção de que o aggraciado era capaz para exercer aquelle emprego, e obrei assim por isso que não ha lei nenhuma que me obrigue a consultar o prelado. É verdade: eu tambem não vi por parte d'aquelle prelado alguma palavra que podesse comprometter o sr. ministro, porque aqui as palavras não expressam os sentimentos que á primeira vista se antolham, porque parecendo de ordinario que nos estamos a matar ou a ir ás mãos uns com os outros, no fim não é nada, é o genio meridional (riso).

O sr. ministro da justiça diz que não ha lei nenhuma que o obrigue a consultar os prelados sobre a nomeação dos seus escrivães da camara ecclesiastica; mas a camara sabe que ha outras leis, que não estão escriptas, e que são mais respeitáveis do que aquellas que estão escriptas (apoiados). Estas leis, na consciencia publica tem tanto ou mais peso do que as prescripções dos códigos, e áquelles que as infringem, ministros, e encarregados de auctoridade ou particulares, nunca ficam impunes (apoiados). Para este campo é que foi chamado o sr. ministro da justiça, porque não cumpriu essas leis moraes, e que não cumpriu talvez por temer as consequencias que podia ter. Um digno par que se levantou para o defender, transportaram a questão para. outro campo, porque a defeza directa lhe não convinha, transportou-se para o terreno da aggressão, esperando colher mais proficuo resultado. Eu já fui soldado da imprensa bastantes annos, e tirei a experiencia de que o uso do campo da aggressão era o mais facil, a este campo é que o sr. Moraes Carvalho trouxe a defeza do sr. ministro.

O sr. Moraes Carvalho: — Está enganado, foi citar um exemplo, e mais nada.

O Orador: — Mas é certo que d'esta falta de consulta o prelado de Coimbra se julgou desconsiderado, e numa questão entre dois homens, um que representa a corôa e outro que representa a igreja, eu que sou amigo de ambos, é como representante da igreja que desejo conservar toda a harmonia entre os dois poderes; aqui está pois a grande difficuldade em que me vejo collocado para decidir este pleito. Mas posso declarar á camara que esta falta de consulta foi que deu origem a esta questão entre dois homens que eram amigos, porque sei que o sr. ministro da justiça e o sr. bispo de Coimbra são amigos, e digo com franqueza que nem o sr. ministro nem o sr. bispo queriam este conflicto (apoiados). O sr. ministro da justiça não queria este conflicto, e o sr. bispo de Coimbra tambem o não queria, mas por uma especie de fatalidade, querendo ambos fugir do abysmo caminharam para elle involuntariamente pela estrada que seguiram. Mas quid júris?

Que havemos de fazer no meio d'este incidente? Qual é o nosso dever?

Eu não sei como obrarão os meus collegas n'esta camara, mas o que entendo é que quando se vê um grande incendio não devemos atiça-lo, antes empregar todos os nossos esforços para extinguido. N'este intuito acompanha-me a minha posição, mas sobretudo o meu coração e a minha cabeça.

O digno par, o sr. conde de Thomar, mandou para a mesa a seguinte moção (leu).

Eu não entro nas intenções do digno par quando apresentou esta proposta; mas, pelos conhecimentos e experiencia que me tem dado esta já larga vida publica que tenho tido, parece-me que esta proposta importa uma censura ao sr. ministro da justiça; e que votada ella s. ex.ª tem de retirar-se de entre nós. Ora póde ser que houvesse uma precipitação da parte do sr. ministro, mas creio que ninguem duvida das rectas intenções de s. ex.ª, e de que não teve a mais pequena idéa de desconsiderar o sr. bispo de Coimbra; assim como é igualmente certo que este pela sua parte fugia do conflicto, e tanto quiz fugir que pediu a renuncia, dando assim um testemunho solemne de não querer desintelligencias com o estado, e para exemplo d'isto basta a sua vida; então, se isto assim é, para que dar um voto de censura?

O que se deu em tudo isto foi uma especie de fatalidade que todos devemos lamentar.

Não posso deixar de combater uma asserção, que se me figurou ouvir da parte do sr. Moraes Carvalho, porque o reverendo bispo não disse: eu não cumpro; disse: eu não posso cumprir; e este não posso, não se entendia a força physica, entendia-se a moral. Este non possumus não vinha das armas, que tinha á sua disposição, vinha da força da consciencia; e a consciencia, eu logo terei occasião de dizer ao meu amigo o sr. Moraes Carvalho o que ella é (riso). Hei de dizer-lhe o que é a consciencia, mas só repetindo as proprias palavras do digno par, porque as tenho aqui.

Quando o prelado diz: não posso, porque a minha consciencia repugna a cumprir, a consequencia d'isto é que as leis fiquem sem execução? Não ficam; mas foi para este campo que fugiu o digno par. Deus noa livre que tal se fizesse, porque então não haveria crime que não ficasse impune!

Não é assim. Quando um criminoso, ou outra qualquer pessoa viola a lei e appella para a sua consciencia, nem por isso a lei deixa de ter execução. No caso em questão, executem a lei, levem o sr. bispo para os tribunaes, levem-no para o Bussaco (riso), mas o non possumus ha de ficar lá com elle. Ora estas consequencias é que os homens distado tem obrigação restricta de evitar que se dêem (apoiaãos).

A politica não é outra cousa, a politica é conhecer as cousas, é calcular as consequencias. Este non possumus permanece, porque sae do foro da consciencia, aonde não entra o homem; este non possumus não transtorna a execução das leis. Castiguem porque não ha ninguem que não esteja sujeito as leis senão o rei.

O sr. Marquez de Vallada: — O rei tambem deve cumprir as leis.

O Orador: — Eu bem sei o que quero dizer, e a camara comprehende o sentido das minhas palavras (apoiados).

Imaginemos porém a hypothese peior na collisão em que nos achamos, isto é, que o sr. ministro da justiça commetteu uma falta; outros dirão que foi o prelado em entregar a sua mitra, outros que foi um e outro, e eu direi que não foi nem um nem outro. Foi o decreto de õ de agosto de 1833! E como hei de deixar de desculpar qualquer falta, quando não ha violencia da lei, e quando se reconhece as boas intenções de só querer cumprir o que lá se dispõe?

Parece-me que isto é bastante para a camara não votar uma censura ao sr. ministro da justiça.

Reporto-me outra vez ao que se passou. O digno prelado