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de Coimbra entregou a renuncia ao sr. ministro, este mandou a para Roma, e o Santo Padre com a tolerancia que o distingue, e com a sabedoria costumada em todas as suas deliberações, viu que era um extremo, disse ao sr. bispo: «Conserva a mitra».Foi a sentença do Summo Pontífice.

Porventura deverá agora a camara dos pares querer que saia o sr. ministro da justiça? Quererá ella caír no outro extremo? Então digo eu como par e como prelado— sigamos o exemplo que nos indicou o Santo Padre, porque não se deve sacrificar um ministro, nem rojar-se a corôa aos pés do báculo, nem o báculo aos pés da corôa (apoiados). Se houvesse aqui victoria da parte da igreja, eu a choraria, embora houvesse alguem que a exaltasse, porque não queria taes victorias para a igreja, porque são caras e funestas.

Entendo que a camara dos pares se deve elevar á altura da sua missão, seguindo o caminho indicado pelo Summo Pontifice. A rasão e as conveniencias sociaes são o justo meio, e este justo meio é o que convem. Portanto, o que se torna necessario é uma reforma da lei para evitar estes conflictos.

Annunciei uma proposta que é o meu depoimento escripto, e que espero a camara aceitará. Não sei se a redacção do papel traduzirá o meu pensamento, mas salva a redacção, a camara o tomará na consideração que entender na sua alta sabedoria.

Isto emquanto ao presente.

Agora emquanto ao futuro, como o digno par, o sr. marquez de Vallada, perguntou o modo porque se havia de saír d'este conflicto, direi que o remedio é reformar a lei, porque é já tempo e mais que tempo de se consignar clara e expressamente o modo como se hão de regular as relações entre o estado e a igreja de interesse commum para a igreja e para o estado que tudo se defina bem (apoiados). Evitemos que se possa allegar a necessidade de portarias sobre aquillo que deve estar estabelecido e regulado por lei (apoiados).

Não entro na apreciação das qualidades pessoaes do individuo que foi nomeado pelo sr. ministro para o logar de escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra, convenho em que sejam boas, mas é certo haver n'elle uma condição que bastava essa para justificar o non possumus do sr. bispo conde (muitos apoiados). O agraciado, segundo consta por documentos, tem ordens sacras, e estas deixam obrigações inherentes, que elle não póde abandonar livremente e a seu capricho, retrocedendo para o estado secular. O que praticar similhantes actos incorre nas censuras da igreja e fica sujeito ás penas ecclesiasticas. Sendo porém caso assentado que não fica livre a qualquer, depois de lhe serem conferidas as ordens sacras, dizer depois que já não quer ser padre. Se não se sentia com vocação, ninguem o obrigava, e considerasse antes do momento de lhe serem conferidas as ordens (apoiados). Depois fica ligado perpetuamente ao estado ecclesiastico, e sujeito ás obrigações e penas estabelecidas nas leis canónicas. No codigo penal não sei se vem alguma cousa a esse respeito, não conheço bem esse codigo para poder dizer tudo que está ali incriminado, mas applicado o principio que já estabeleci e em que a camara mostrou estar toda de accordo; repito que ha leis fóra das civis que se devem respeitar não menos, e ás vezes ainda mais.

O sr. Conde da Taipa: — E uma verdade.

O Orador: — Pois um homem que por sua livre vontade abraça o estado ecclesiastico, ha de passar depois para o estado secular, e ainda mais tarde ha de querer novamente retroceder para o serviço da igreja, estando assim a desprezar a umas ora outras obrigações. Isto não póde ser; os códigos civis incriminam certos actos, as leis da igreja outros, mau alem d'isto ha uma censura.

O sr. Marquez de Fronteira: — Apoiado.

O Orador: — Se essa censura não está escripta nas leis humanos, onde não póde deixar de estar, é na consciencia de todos e no juizo que cada um de nós faz. (Vozes: — Muito bem.) Eu creio pois firmemente que uma tal circumstancia era bastante para auctorisar o prelado de Coimbra a dizer: non possumus.

O sr. Marquez de Vallada: — Apoiado.

O Orador: — Como se poderia querer que o prelado de Coimbra estivesse dando ordens em presença d'aquelle que seria como que um protesto vivo contra esse mesmo acto (apoiados). A consciencia da camara dirá só por isto, se é ou não justificada a repugnancia do illustre prelado de Coimbra (apoiados repetidos). Basta trazer á imaginação o quadro, cujo esboço acabo de lhe apontar ligeiramente. (Uma voz: — Tem rasão). Não duvido de que o codigo penal não trate d'isto, não estará lá escripto mesmo cousa alguma a tal respeito, mas que não esteja escripto lá, de certo está, nem podia deixar de estar n'outra parte.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — No coração.

Agora digo eu, sr. presidente, se o individuo que foi nomeado pelo sr. ministro tem as condições de pundonor e dignidade que se devem requerer em qualquer homem, elle de certo enuncia a similhante logar, e o decreto da nomeação fica ipso facto revogado, não é necessario o sr. ministro repetir o que já nos disse, isto é — que não ha de referendar (- decreto de revogação, esta ha de se dar pelo facto da na citação do logar, pois é impossivel que o nomeado não tenha o sentimento natural da propria dignidade, e queira ir para junto do bispo que o não quer receber, que declarou que o não podia admittir, e que não se ha de agora desdizer admittindo-o porque não póde mesmo faze-lo entendendo o fundamento para isso (apoiados), fundamento do que foi já por elle negada obediencia á igreja, apostando de suas ordens, e que votara ao estado secular sem que para isso seguisse o processo conveniente, necessario e indispensavel. Assim, digo eu, esse homem depois que o prelado, a quem elle deve respeito como fiel, declarou que teria pejo de o ver junto a si, esse homem, digo, não ha de, não póde querer que o decreto da sua nomeação se julgue mais subsistente...

Uma voz: — Já pediu a exoneração.

O Orador: — Não sei se já pediu que ficasse sem effeito a sua nomeação, mas se pediu é mais uma rasão para acabarmos com isto, e ao menos essa rasão traz tambem de bom uma circumstancia attenuante, que reverte muito em beneficio do nomeado, provando elle assim que preza a sua dignidade, que deseja rehabilitar-se, prestar homenagem aos bons principios da moral e disciplina da igreja, e, n'uma palavra, que reconhece a justiça das considerações que se têem feito por parte do prelado. (Vozes: — Muito bem.)Conseguintemente parece me que de tal conflicto ainda se póde saír airosamente (apoiados). Baeta que se effectue o que ouço agora dizer que já se começou a praticar, e ahi fica acabado o conflicto. Não ha portanto, a meu ver, nehuma necessidade de obrigar o ministro a eaír, é por isso que eu não approvo a proposta que foi mandada para a mesa, e que tenho agora aqui diante de mim, pois se me afigura que ella é um voto de censura ao sr. ministro, que sendo approvada elle tem de se retirar; entretanto a camara julgará, mas eu nem como bispo, nem como homem politico, me posso convencer da utilidade de tal resolução, se com effeito a approvação da proposta tem por consequencia a saída do ministro, como me parece que é. (Vozes: — E, é.) Portanto eu digo isto como politico, agora como prelado digo, que nunca quererei a demissão dos ministros da corôa por motivo de conflicto com a igreja. Não sei o que se possa ganhar com isso, comprehendo mais facilmente que se possa perder, e que todos tenhamos a sentir o que se perde (apoiados).

A carta constitucional mui sabiamente estabeleceu que tivessemos aqui um logar, nós os bispos.

O sr. Moraes Carvalho: — Apoiado.

O Orador: — Apoiado, diz o digno par, e na ultima sessão chamou nos ingratos, até por mais de uma vez! (Riso.) Pois este logar effectivamente nos foi dado em interesse da causa e não dos homens (apoiados.) A historia mostra as vicissitudes e perturbações no estado por causa dos conflictos; a lei fundamental do estado por consequencia providenciou dando nos de direito um logar no seio da representação nacional para aqui expormos livremente as nossas queixas, em vez de procurar difficuldades ao governo lá fóra, promovendo-lhe guerra por qualquer modo que fosse (muitos apoiados.) Assim, quando as nossas queixas não sejam ouvidas n'um dia, hão de o ser n'outro, e em todo o caso sempre o serão a tempo de salvar a sociedade de grande» transtornos e grandes males (apoiados.) O que eu não quero é que se toque nos pontos extremos; assim é que nós devemos encarar o exemplo dado pelo Summo Pontifice, quando disse que não tinha logar a resignação da mitra por similhante caso. Está pois reconhecido que os extremos n'esta pendencia ou n'este pleito são prejudiciaes á igreja e á causa publica. O ministro sustenta bem que não faltou ás leis, to que faltou foi a certas negras de conveniencia e bom uso (apoiados); esta falta a meu ver, não é para uma censura que importe a saída do ministro, cujus intenções estão salvas, e elle protesta que as não maculou; o conflicto é lamentado do mesmo modo por um e outro lado, tanto o lamenta o digno bispo, como o lamenta o sr. ministro, ambos se estimavam e ambos, sem querer, se encaminharam ao precipício, um de encontro ao outro; agora o que cumpre é fazer-se com que ambos fiquem salvos; o Santo Padre já nos deu o exemplo de fugir dos extremos, esse exemplo é o mais auctorisado por todo os modos que se encare e considere, por consequencia não adoptemos uma demonstração tão severa, como me parece que é esta que está aqui escripta em proposta para a camara dos pares votar.

Eu hei de mandar para a mesa uma outra proposta em que vão por assim dizer consubstanciadas as minhas idéas sobre este ponto, mas antes d'isso permitta-me a camara licença para expor a necessaria contrariedade ao que foi aqui exposto por parte de um digno par.

Agora permitta-me a camara que, respondendo ao sr. Moraes Carvalho, faça algumas observações com relação ao que s. ex.ª disse em resposta ao meu em.mo prelado.

Declaro á camara, e a s. ex.ª tambem declaro, que ouvi palavras que me soarem mal, salvas as intenções do digno par, e pareceu-me haver, no modo porque começou a responder a s. em.ª, pelo menos severidade de mais. Cada um dos membros da camara, e eu mesmo, podemos divergir das opiniões do meu em.mo prelado; mas o modo de as com bater parece-me que não exigia tanta severidade (apoiados).

O sr. Marquez de Fronteira: — E verdade.

O Orador: — Refiro-me á fórma por que s. ex.ª se apresentou na discussão.

Todos sabem que não estamos em tempos de fazer discursos estudados para vir depois aqui recita-los de cor, como se escreveram: eu venho para aqui conversar, digo o que me lembra, do modo mais humilde que comporta a minha organisação; mas o que acontece quasi sempre na discussão é que não se podem medir as expressões, porque ás vezes a bôca revolta-se contra a cabeça, e solta uma expressão que póde offender o auditorio, sendo certo que ninguem solta essas expressões com o sentido que muitas vezes apparentam.

Eu esperava que o digno par, quando se levantou para responder ao meu em.mo prelado, estivesse mais tranquillo, e senti que não guardasse esta disposição serena que era para desejar, porque me pareceu, pela expressão de s. ex.ª, que havia nas suas palavras pouco sabor a caridade. O mes me aconteceu quando tratou de defender o sr. ministro da justiça, pois foi buscar a correspondencia do sr. bispo de

Coimbra, analysou-a periodo por periodo, mas só aquelles que lhe convinha ao ataque, porque era ataque com o nome de defeza, e ahi não foi só severo, foi até tyranno (hilaridade).

Ora, do conjuncto de toda a correspondencia que houve entre a secretaria da justiça e o sr. bispo de Coimbra, como toda a camara conhece, se vê que o sr. bispo de Coimbra se peccava era por querer fugir em demasia ao conflicto. (O sr. Conde da Taipa: — Apoiado.) Eu louvo aquelle caminho, porque ninguem póde deixar de louvar o caminho da moderação, mas não sei se o seguiria n'esse caminho, porque somo» homens.

O sr. Conde da Taipa: — Também me parece (riso).

O Orador: — O sr. Moraes Carvalho, fallando da falta de consulta do prelado por parte do sr. ministro da justiça, não só a defendeu, mas disse (eu notei estas palavras, se houver alguma inexactidão estimarei que a corrija, porque n'isso não me faz offensa, antes favor me faz o ministro não só não consultou, mas até fez um acrisolado serviço ao sr. bispo em não o consultar!» È possivel que lhe fizesse serviço, na opinião do digno par, mas na minha fez lhe desserviço; e o primeiro desserviço que o sr. ministro fez foi a si mesmo e á causa publica (muitos apoiados).

«Tenho aqui notadas citações de actos de força do poder temporal para com os bispos» disse o digno par, e citou o alvará das faculdades, a legislação dos Filippes, fallou nos no Bussaco, e em muitos outros actos de força, que não sei se seriam direito de força, mau força de direito é que de certo não eram. (O sr. Conde da Taipa; — Apoiado.)

Eu direi ainda n'esta parte ao digno par que não me parece conveniente em discussões d'esta ordem, que se venham citar na epocha presente, abusos da força, e abusos da força do tempo dos Filippes! E uma coincidencia notavel esta f Foram-se buscar citações do tempo dos Filippes, que nós devemos votar ao esquecimento (apoiados), epocha desgraçada de que só nos devemos lembrar para não cairmos outra vez n'elle. (O sr. Conde da Taipa: — Apoiado), porque nós, nação pequena, não temos outra arma senão a da prudencia, e esgotada ella, é só appellar para Deus. Vejam o que está acontecendo na Dinamarca. Mas pergunto eu ao digno par qual era o intuito que s. ex.ª tinha em nos vir fazer essas citações de actos de força anteriores a esta dynastia, e em relação a qualquer outra epocha? O marquez de Pombal fez actos de força, mas s. ex.ª ao pé desses actos de força havia de achar outros actos de renuncia a essa propria força. A historia ahi está patente. Todos nós sabemos as vicissitudes que houve entre as classes poderosas do estado, e uma dellas era a igreja regular e secular, todos nós sabemos os abusos de força que houve por parte d'esta classe, e onde chegaram estes: estes chegaram não só aos ministros n'esse tempo, mas chegaram a mais alto que aos ministros da corôa...

O sr. Moraes Carvalho: — Depois do decreto dos Filippes está a reforma judiciaria, assignada pelo sr. conde de Thomar.

O Orador: — A questão aqui é mais alta...

O sr. Conde de Thomar: —É a questão do recurso á corôa. Não sei a que vem a citação, se é para lançar algum odioso...

O sr. Moraes Carvalho: — E para dizer que tanto foi antes como depois dos Filippes.

O Orador: — Não seremos nós que nos havemos de oppor ás disposições das leis, pondo restricções á corôa; deixamos aos juizes competentes que examinem se o acto é caso de violencia.

Mas a questão é outra; a questão é politica, como está sendo agora, como a camara a trata e ha de resolve-la; e quando se trata de questões politicas, essas argucias jurídica» estão caladas (O sr. Conde de Thomar: — Apoiado). Seria para desejar que não viessem taes citações aqui. O intuito com que se trouxeram essas citações foi de azedar a questão, foi de a conduzir a outro extremo, e dos extremos é que eu a queria desviar, porque é prejudicial á igreja e ao estado.

Actos de força citados para que? O sr. bispo de Coimbra, quando disse non possumus, disse porventura que queria resistir ás leis do seu paiz, e que se julgava superior a ellas? De certo que não era isso da sua intenção, não estava na sua cabeça nem no seu coração; o que elle quiz foi desviar difficuldades de cima do poder, e por isso as desviava com sacrificio da propria mitra. Estas são as intenções do digno prelado; e o nobre ministro, tambem pelo seu lado, entendo que não praticou acto nenhum que se possa chamar desconsideração para com aquelle prelado: no seu coração e na sua alma não podia haver intenção de desconsiderar o sr. bispo de Coimbra; o que eu vejo é que elle, embora não seguisse o caminho mais facil, o «eu fim era dar satisfação ao prelado, e harmonisar tudo; portanto devemos concorrer todos para deitar agua n'este fogo, sairmos d'esta difficuldade, e occupar-nos de outros negocios mais uteis.

O digno par disse tambem «sois ingratos e injustos!» e comparando-nos com os nossos antecessores, não sei de que epocha, foi á de todos, avocou seus manes, chamou a todos, e disse em nome d'elles: «Vós sois ingratos, porque vós tendes assento entre os proceres do paiz, e os outros não o tiveram ».

Sois uns ingratos, agora tendes mais liberdade que os vossos antecessores tinham, tendes um logar para poder expender as vossas queixas e fallar diante dos vossos juizes, para expor todos os motivos do vosso procedimento, e d'antes não tínheis nada d'isto, d'antes mandavam vos, sem vos ouvir, degradados para o Bussaco. Escusava de ir tão longe, podia ir mais perto, bastava ir, por exemplo, a Palmella (riso), onde ainda se vê a cama em que morreu um bispo por ordem do Senhor D. João II, que matou seu primo no