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seu proprio quarto. Eu ri essa cama quando visitei o Castello de Palmella. Mas para que veiu tudo isso? Foi para nos obrigar a citar outros exemplos em sentido contrario? Não o deve esperar da nossa parte. Somos ingratos aos nossos antecessores, e até se fallou aqui em que elles andavam a cavallo e nós andamos de carruagem! Para que veiu isto? Talvez para mostrar que estamos mais ricos. Pois eu direi que é certo que a tendencia dos governos de outros tempos era fazer dos prelados instrumentos da sua politica, mas os serviços que fazia a igreja a esses governos eram pagos com bastante mão larga, e n'esta parte o termo de comparação é muito desfavoravel para nós. E se o digno par fallou nas carruagens por querer reduzir nos mais, não sei a que mais possamos ser reduzidos. Se lhe parece que temos muito, eu da minha parte resigno, porque com pouco me contento. Nós não podemos apresentar-nos em publico nas condições com que os prelados antigos se apresentavam. O bispo precisa ter que dar, e nunca se lhe pede uma esmolla, mas se lhe diz: «o sr. bispo ha de dar uma esmolla». Honroso testemunho de que os nossos antecessores faziam bom uso do dinheiro que recebiam! (Apoiados.)

Eloquente legado que nos deixaram, mas que, infelizmente, não estamos tão habilitados a satisfazer, como elles o estavam, apesar dos actos de força. Mas não é só isto. O digno par fallou em consciencia, mas antes de tratar d'este ponto, que os actos de força que houve da parte de certos governos contra os prelados não foram acompanhados de desconsideração para com elles: eram castigados mas não insultados, respeitava se o seu caracter. Eu desejaria que nem aqui, nem fóra d'aqui, fossem pronunciadas, por pessoas respeitaveis, palavras mal soantes, se bem que não haja intenção de offender.

Fallou o digno par em consciencia. Pois um prelado, ou outra qualquer pessoa, póde ser obrigado a fazer o que a sua consciencia repugna? A consciencia é um foro intimo onde não chegam as leis humanas. O prelado, dizendo que não podia fazer o que á sua consciencia repugnava, não disse que resistia ás leis; pelo contrario, para evitar conflicto disse — não posso, e por isso resigno. O proprio digno par fez um appello á consciencia e testemunhou quanto ella póde dirigir as acções dos homens, pois disse: «A consciencia é um asylo onde o homem justo acha tranquilidade, e o criminoso um juiz severo das suas acções». Ora se s. ex.ª confessa isto, porque não admitte que o prelado faça o que lhe dita a sua consciencia?

O sr. Moraes Carvalho: — Eu disse que entre a lei e a sua execução não se podia metter a consciencia.

O Orador: — Já respondi a isso. O appello para a consciencia não póde estorvar a execução das leis humanas. O sr. Moraes Carvalho: — Então estamos de accordo. O Orador: — Devia suppor que nós todos estamos de accordo n'este ponto.

Eu appello para a consciencia do proprio digno par. Diga-me s. ex.ª, em sua consciencia, se estando no caso do prelado, se lhe pozessem ao pé uma pessoa para exercer funcções importantes, e que podia comprometter a sua dignidade, o digno par aceitava essa pessoa? Não. Havia de dizer como o prelado — não posso executar o que me ordenára, e se me obrigam ahi tem a mitra, esta posso lha dar, a consciencia não. Por consequencia o prelado obedeceu á sua consciencia, fez o que devia, e d'isso dão testemunho as proprias palavras do digno par, que acima citei. Sim a consciencia é um asylo tranquillo para o justo, e um juiz severo das acções daquelle que não pratica o que deve; eira a consciencia é um asylo sagrado que se deve respeitar, onde não chegam as leis humanas; estas podem castigar o corpo, mas não podem chegar á alma.

Apostasia das ordens. O digno par definiu aqui tres especies de apostasia, compulsou aqui os moralistas e entrou no campo theologico, meteu a fouce na seara alheia, mas a sua intelligencia é bastante elevada para poder não só respigar na seara alheia, mas até ceifar o que é mais. S. ex.ª disse que definia a apostasia, não porque nós não soubéssemos a sua definição, mas para lá fóra saberem. Ora lá fóra tambem sabem o que é apostasia, e as pessoas ecclesiasticas que são as que se interessam mais nesta questão, sabemos muito bem. Mas o digno par não trouxe para aqui tal definição para fazer sabatina, foi com um fim politico, foi para a defeza da causa...

O sr. Moraes Carvalho: — Apoiado.

O Orador: — Apoiado, sim, senhor, foi para defeza, eu porém no caso do sr. ministro renunciava á defeza do digno par (riso).

Trata se aqui da apostasia das ordens. Para que trouxe o digno par esta doutrina? Foi para diminuir a impressão desagradavel que podia trazer a palavra apóstata applicada ao individuo nomeado para escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra, porque esse individuo é apóstata das ordens sacras. Não conseguiu s. ex.ª o seu fim, porque quando trouxe para aqui esta doutrina, só d'esse o que era apostasia das ordens, mas não fallou nos effeitos da apostasia, não fallou nas penas ecclesiasticas que são impostas á apostasia das ordens. O que é um homem que se constituiu apóstata das ordens, aos olhos da sociedade e da consciencia dos homens, todos nós sabemos; porque os nossos actos não são indifferentes ao publico. Deve-nos sempre tratar de procedermos bem, para ganhar a confiança dos homens. Nunca se deve esquecer isto nas acções da nossa vida.

Tratemos pois de regular as nossas acções para ganharmos bom conceito. Não basta que digamos que somos bons: é preciso que procedamos bem, porque os outros é que hão de julgar as nossas acções. Pois que quer dizer agora um homem que recebe as ordens sacras e que depois as abandona voluntariamente e reverte ao estado secular, não fazendo caso das penas da apostasia?! Que despreza tudo para se collocar ao abrigo das leis civis! Pois era conveniente collocar este homem junto de um prelado?

O digno par o sr. Moraes Carvalho, leva o fanatismo e o seu respeito ás leis civis que não quer saber das leis ecclesiasticas, nem da consciencia de ninguem, e no fim de tudo diz — e note-se que sou christão. Não duvido que o! seja (riso).

O sr. Moraes Carvalho: — E chamarei calumniador a quem disser o contrario.

O Orador: — Eu não duvido; e ainda mesmo que duvidasse a estima era a mesma (apoiados). Nós, os catholicos, temos o primeiro mandamento do decálogo, o amor do proximo; e por isso, judeu ou turco, deve ser amado porque é nosso similhante (apoiados); e este amor deve ser tão puro, como para o proprio christão (muitos apoiados).

O digno par deve fazer justiça ás minhas intenções, e por isso eu já disse que estas questões religiosas não são proprias nos parlamentos (apoiados), onde se falla sempre uma linguagem algum tanto livre; e lá fóra póde ser mal interpretada uma palavra que não teve mau sentido, mas sim a inconveniencia de não ser bem medida (apoiados). Isto traz sempre grande prejuizo. Devemo-nos convencer que ha perto de quatro milhões de habitantes que estão espalhados por todo o reino, e que todos são crentes, mas philosophos, poucos são (apoiados). E o legislador quando está no seu gabinete a formar projectos, ou nas assembléas a discutir as leis, deve sempre attender aos usos, costumes e crença dos povos; e ai d'aquelle que não attender a isto.

Faz-me isto lembrar uma passagem de um certo júri consulto inglez que, faltando na reforma da legislação do seu paiz, dizia que era uma vergonha que n'aquelle tempo (isto era ha dois ou tres annos) ainda a Inglaterra não houvesse feito uma reforma nas suas leis. Eu estou convencido que deve haver grande conveniencia n'esta reforma; dizia elle, esta idéa tem amadurecido na minha cabeça, estou convencido da sua necessidade; mas se porventura a rainha de Inglaterra ou o governo depositassem nas minhas mãos todos os poderes para fazer esta reforma, eu preferia dar um tiro n'um ouvido a ter tal encargo, porque esta idéa póde ser muito util, mas é necessario que o meu paiz a aceite, e para isso é mister que a conheça, e que ella amadureça na consciencia publica, aliàs ficarão perdidos os seus fructos.

Assim, sr. presidente, nós os portuguezes temos uma população de perto de 4.000:000 habitantes, todos são crentes, philosophos poucos. D'aqui o perigo de se soltar expressões que podem ter grande cheiro e sabor ao erro...

O sr. Conde da Taipa: — Também são epicuros (riso).

O Orador: — Não quero cansar mais a camara, e mando para a mesa esta proposta que resume e consubstancia tudo quanto disse (leu).

Não Sei se esta redacção é clara, mas eu peço á camara que me desculpe, senão se percebeu bem, e por isso declaro salva a redacção.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Secretario: — Leu e é do teor seguinte:

«A camara dos pares, ouvindo as explicações do sr. ministro da justiça, ácerca do lamentavel incidente que chamára a sua attenção, e reconhecendo que isto resultara da deficiencia da lei que regula as relações entre o estado e a igreja, convida o governo a que se dê pressa em propor ao corpo legislativo as providencias que julgar mais convenientes e acertadas, a fim de que mantidas integralmente as prerogativas da corôa e a liberdade da igreja, se evitem para o futuro tão deploraveis conflictos, e passa á ordem do dia.

«Sala das sessões, 21 de março de 1864. = Antonio, bispo de Vizeu.»

O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, o digno par que acaba de fallar declarou que havia de apresentar uma proposta consubstanciando tudo que houvesse de dizer a respeito de tal questão. Effectivamente s. ex.ª acaba de mandar para a mesa a proposta que nos prometteu.

Por consequencia, para não promover difficuldades e para que se não diga que tenho em vista causar transtornos no andamento dos negocios publicos, peço á camara que me permitta retirar a minha proposta, a fim de que seja adoptada a que acaba de ser apresentada pelo illustre prelado (apoiados).

Consultada a camara assim resolveu.

O sr. Marquez de Vallada: —Quando começou esta questão de que estamos tratando, disse eu que me reservava o direito de apresentar uma moção qualquer que julgasse conveniente.

O digno par o sr. conde de Thomar apresentou uma proposta com a qual me conformava, mas como s. ex.ª a retirou, adoptando a do sr. bispo de Vizeu, e como tambem esta está de accordo com as minhas opiniões, não posso deixar de igualmente a adoptar.

O sr. Xavier da Silva: — Sr. presidente, rogo a V. ex.ª queira servir-se de me mandar a proposta que acaba de ser retirada pelo digno par conde de Thomar, porque desejo adopta-la era parte; isto é, aproveito ou adopto parte da dita propôs», eliminando a que diz respeito á censura feita ao governo. (Vozes: — Não póde ser.) Estou no meu direito de fazer uma proposta e de a apresentar; mas se a camara entender que não é possivel eu adoptar a dita proposta eliminando d'ella uma parte, faça se de conta que é uma proposta nova julgo que, segundo o regimento, estou no meu direito de a apresentar (apoiados).

O sr. Aguiar: — Peço a palavra. (Riso.)

O Orador: — Mando para a mesa a proposta redigida como disse, é a que foi retirada pelo digno par conde de Thomar, excepto na parte que respeita ao voto de censura ao governo. (Leu-a.)

Não desejo interromper a discussão, e por isso peço a

V. ex.ª que tenha a bondade de me inscrever para sustentar a minha proposta, no caso de ser impugnada.

O sr. secretario leu a proposta acima referida, que foi do teor seguinte:

«A camara dos pares tendo ouvido as explicações do governo ácerca das occorrencias que tiveram logar por occasião da nomeação por elle feita para o logar de escrivão da camara ecclesiastica do bispado de Coimbra, manifesta os seus sentimentos de respeito pelos direitos do estado em similhante materia, e passa á ordem do dia.

«Camara dos pares, em 21 de março de 1864. = Augusto Xavier da Silva.»

O sr. Rebello da Silva: — Eu não quero tirar o logar ao digno par o sr. Sebastião José de Carvalho mandando para a mesa este papel; mas aproveito a occasião de ter pedido a palavra, para derivar uma consequencia que se tira dos principios estabelecidos pelo illustre prelado, sobre a nomeação e apresentação dos escrivães das camaras ecclesiasticas.

Leu a proposta a que se reportava, e que mandou para a mesa no sentido de os escrivães das camaras ecclesiasticas serem apresentados pelos bispos, e de nomeação do governo.

O sr. Moraes Carvalho: — Não satisfaz. Ha de ser mais amplo.!

O sr. Rebello da Silva: — A mim satisfaz-me (riso). O digno par póde combater esta proposta; eu aceitarei as suas considerações e responderei depois a ellas.

Ficou para segunda leitura

O sr. Filippe de Soure (sobre a ordem): — Eu entendo que a proposta mandada para a mesa é um verdadeiro projecto de lei, e por isso devia dar-se lhe o mesmo destino que se dá aos projectos de lei. Eu não posso perceber que se apresente uma proposta n'esta camara para ser votada já, para se passar á ordem do dia! Que quer dizer a proposta apresentada pelo digno par? Que quer dizer a segunda proposta que foi apresentada nesta casa? Aprecia a legislação actual do paiz: declara expressamente a sua deficiencia. Aqui, sr. presidente, é que está a inconstitucionalidade, perdoe me o illustre prelado.

Uma voz: — Essa é a questão.

O Orador: — Perdão; essa não é a questão: nós não podemos tratar de uma proposta desta ordem sem ir a uma commissão; não podemos aprecia-la sem ferirmos a legislação marcada na carta. Pois o que quer dizer, sr. presidente, declarar esta camara que a legislação actual é deficiente? O que significa isto? Significa querer regular a legislação ou pelo menos reconhecer que ella deve ser revogada.

Uma voz: — Isto é a materia.

O Orador: — É materia legislativa que prende com a carta, e que esta camara não póde resolver por uma votação precipitada; que não póde resolver sem ir a uma commissão.

Vozes: — Trata se da discussão da materia.

O Orador: — Se é da discussão da materia então calo-me; eu suppunha que era da questão previa. Nesse caso peço a V. ex.ª que me inscreva para quando se tratar deste negocio.

O sr. J. A. de Aguiar: — Sr. presidente; pedi a palavra sobre a ordem quando um digno par exigiu, não pediu, exigiu que se lhe mandasse da mesa uma moção feita pelo sr. conde da Thomar, que já não pertencia nem á camara, e que por consequencia não podia pretender fazer no d'ella. Pareceu-me até que o digno par mesmo sem esperar que se lhe desse a palavra, sem ter annunciado que queria apresentar uma moção...

O sr. Xavier da Silva: — Eu pedi a palavra sobre a ordem e foi me dada.

O Orador: — Pois muito bem, mas pareceu-me que o digno par não tinha direito de exigir que esse papel fosse apresentado para fazer n'elle aquellas emendas ou alterações que julgava conveniente, e era isto que eu queria dizer simplesmente.

O sr. Bispo de Vizeu: — Sr. presidente, pedi tambem a palavra sobre a ordem, porque ouvi o digno par, o sr. Soure, fallar n'uma hypothese era que eu não fallei, nem tive em vista. A proposta que mandei para a mesa não foi de referencia, e sim uma expressão do meu sentimento, para a mesa e a camara fazerem d'ella o que entenderem conveniente. Foi para a declaração de que nada exijo, que solicitei a palavra, portanto nada mais direi.

O sr. S. J. de Carvalho: — Começarei por me referir ao que acaba de dizer o digno par o sr. Soure, declarando a s. ex.ª que a moção de ordem do sr. bispo de Vizeu, que ha pouco foi lida sobre a mesa, está em discussão conjunctamente com a do sr. Augusto Xavier, e que tanto uma como outra d'essas moções não serão approvadas sem discussão, tendo assim o digno par o direito de as combater. Por consequencia não se persuada o digno par que os que votámos pela admissão d'essa proposta pretendemos com qualquer intuito, ou sob a influencia de qualquer idéa reservada, provocar, esquecendo as disposições regimentaes, uma votação immediata sobre a proposta do illustre bispo de Vizeu.

Sr. presidente, a questão apresenta-se agora sob um aspecto differente, e eu, reservando-me o direito de apreciar as propostas que estão sobre a mesa, não hei de ainda assim deixar de a considerar no campo unico em que os factos a collocam. Permitta-me o digno par que me precedeu que eu declare a s. ex.ª que nem o conflicto que apreciámos resulta da deficiencia da lei de 5 de agosto de 1833, nem a questão se resolve propondo a reforma d'essa lei. E a esse respeito direi que é notavel que se accuse o illustre prelado d'esta diocese por apresentar algumas considerações sobre a conveniencia da derogação do decreto de 5 de agosto, quando é facto não contestado pelo proprio digno