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CAMARA DOS DIGNOS PARES
Sessão em 21 de março de 1864
Presidencia do ex.mo sr. conde de castro
Secretarios, os dignes pares
Conde de Peniche
Conde de Mello
As duas horas e meia da tarde, achando-se presentes 38 dignos pares, declarou o sr. presidente aberta a sessão.
Lida a acta da precedente, foi approvada sem reclamação.
Deu-se conta da seguinte correspondencia: Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, acompanhando uma proposição permittindo ás associações de monte pios possuir os predios urbanos necessarios para seus escriptorios. — Foi remetida á commissão de legislação.
Do digno par Sequeira Pinto, participando não poder comparecer na camara por motivo de molestia.
O sr. Osorio de Castro: — Sr. presidente, é para mandar para a mesa um requerimento, que passo a lêr. Mas antes de o apresentar farei poucas considerações ácerca do seu objecto.
A camara sabe que nós temos um estabelecimento em Roma, denominado « hospital de Santo Antonio dos portuguezes I.
Eu, quando tive occasião de visitar aquelle estabelecimento, soube que a sua administração não era a mais regular; e pelo favor com que fui tratado por alguns dos membros do governo pontifício, soube que o governo não estava satisfeito com tal administração, que se póde dizer que não cumpria o fim a que era destinado, e que dá uma má applicação aos seus rendimentos. Tive por esta occasião a honra de fallar com o sr. visconde de Alte, e soube que s. ex.ª fez a este respeito algumas propostas ao governo portuguez, de accordo com monsenhor Mérode.
O governo de Roma é o mais interessado na administração d'aquella casa, e tem deixado de cumprir com os de Veres da sua vigilancia por attenção e respeito com a nossa corte. Estes documentos devem estar no ministerio da justiça.
Sei que ha propostas muito attendiveis a este respeito, que seguramente devem ter um bom resultado. Não quero entrar agora em apreciações; desejo que esses documentos venham á camara para que, ou por um projecto de lei ou por uma recommendação do governo, se olhe para um estabelecimento de tanta utilidade, que não tem um rendimento menor de 5:000$000 a 6:000$000 réis, que andam distraídos da sua applicação, e mesmo do culto divino,» porque ali existe uma igreja que deve ter culto, mas tambem se póde applicar o excedente em beneficio das artes, formando estabelecimentos artísticos similhantes aos que o governo francez já ali tem, e que nós podiamos ter, e não temos por falta de meios para os dotar.
Estou certo que o governo pontifício não deixará de annuir a esta reforma, e approvará as propostas que o governo portuguez fizer de accordo com aquelle. O meu requerimento é o seguinte (leu.)
O sr. Conde d'Avila: — Peço a palavra sobre este objecto.
O Orador; — Eu não sei se o sr. duque de Saldanha tratou d'este objecto, mas como s. ex.ª lá está, talvez já tenha tratado com o governo pontifício alguma cousa a este respeito. O sr. conde d'Avila pediu a palavra, e talvez seja para dizer que estes documentos devem ser pedidos ao ministerio dos negocios estrangeiros, e então peço á mesa que solicite os mesmos documentos por aquelle ministerio.
O requerimento enviado para a mesa é do teor seguinte:
«Requeiro que a esta camara sejam remettidos pelo ministerio da justiça quaesquer documentos e consultas que no mesmo ministerio existam a respeito do estabelecimento de Santo Antonio dos portuguezes em Roma, e bem assim a correspondencia que sobre tal assumpto se trocou entre os ex.mos srs. visconde de Alte e duque de Saldanha, nossos ministros n'aquella corte.
Sala das sessões, 21 de março de 1864. = O par do reino, Miguel Osorio Cabral de Castro.
O sr. Conde d'Avila: — O digno par acabou fazendo a declaração que eu queria fazer; isto é, que estes papeis devem estar no ministerio dos negocios estrangeiros.
Eu conheço esta questão porque na occasião em que estive em Roma fizeram-me a honra de me nomear deputado da congregação que administra aquelle estabelecimento, nomeação que aceitei, e cujos deveres preenchi emquanto residi n'aquella cidade.
O sr. visconde de Alte, quando geri a pasta dos estrangeiros, mandou-me effectivamente um trabalho a este respeito, e eu consultei a respeito d'elle o meu collega, o sr. ministro da justiça, e é d'esta maneira que estes trabalhos se devem encontrar no ministerio da justiça, mas será melhor solicitar pelo ministerio dos estrangeiros as informações que o digno par deseja a este respeito.
Isto é um negocio importante, e que, como muito bem disse o digno par, não póde ser tratado só pelo governo portuguez, mas carece de ser resolvido de accordo com a corte de Roma.
O sr. Osorio de Castro: — Eu agradeço ao sr. conde de Avila as explicações que acaba de dar sobre um objecto para o qual eu já tinha chamado a attenção de s. ex.ª
Não ha duvida que e-ite negocio deve ser tratado de accordo com a corte de Roma, mas presumi com algum fundamento que todos estes documentos foram remettidos para a secretaria da justiça; portanto parecia me que, para obviar qualquer demora seria melhor pedi los ao ministerio da justiça, para virem mais promptamente. Não faço objecção alguma a este respeito nem censura ao governo, e por esse motivo peço a V. ex.ª que se digne dirigir o requerimento não só ao ministerio da justiça, mas tambem ao dos estrangeiros, e depois terei occasião de fazer o que julgar mais conveniente.
O sr. Presidente: — Manda-se expedir.
Vae entrar-se na ordem do dia.
O sr Secretario (Conde de Peniche): — A primeira parte da ordem do dia é o projecto para a venda do forte de S. Paulo.
O sr. Marquez de Vallada: — Peço a palavra antes da ordem do dia, para um requerimento.
O sr. Presidente: — Eu refervo a palavra ao digno par.
O sr. Marquez de Vallada: — Muito bem.
PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA
Leu se o parecer n.º 336, que é do teor seguinte: PARECER N.° 336
Senhores. — A commissão de marinha examinou o projecto de lei n.º 340, approvado pela camara electiva, e ao qual serviu de base uma proposta do governo, pedindo auctorisação para vender o terreno do forte de S. Paulo, que ainda pertence ao estado e uma porção de artilheria antiga ali depositada, sendo o producto da venda applicado a modificar o armamento dos navios de guerra segundo as modernas condições.
Considerando que o terreno denominado forte de S. Paulo não satisfaz actualmente aos fins para que era destinado, nem como fortificação maritima, nem como arrecadação; por isso que o mencionado terreno distante hoje um hectometro da margem do Tejo, em consequencia do aterro da Boa Vista, é apenas um recinto fechado aonde existe alguma artilheria naval, da qual uma pequena parte póde ainda servir para o armamento d"S navios do estado, e outra ser applicada ás possessões ultramarinas; entende a vossa commissão que sendo vantajosa a venda e a applicação do producto d'ella, se deve conceder a auctorisação pedida, unicamente na parte concernente no terreno; porquanto a que respeita á artilheria considerada inutil concorria a commissão com a opinião votada na camara dos senhores deputados, em que é assumpto administrativo da immediata competencia do governo. Consequentemente não é mister lei especial, visto ser materia corrente que, quando qualquer parte do material maritimo se acha inutilisado, pertence ao governo dar-lhe o destino que julgar mais apropriado e conveniente ao serviço militar.
N'estes termos é a vossa commissão de parecer que o [projecto de lei seja approvado, pela maneira por que se acha redigido, a fim de ser convertido, em lei do estado.
Sala da commissão, 2 de março de 1864.= João da Costa Carvalho = José da Costa Sousa Pinto Basto = D. Antonio José ide Mello e Saldanha = Marquez de Nisa = Marquez
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de Sá da Bandeira = José Ferreira Pestana—Visconde de Soares Franco.
PARECER N.° 341
Senhores. — Tendo a commissão de fazenda examinado attentamente a proposta de lei n.º 340 vinda da camara dos senhores deputados, para o governo ser auctorisado a mandar proceder á venda do forte de S. Paulo, e a applicar o seu producto ao armamento dos navios de guerra; conformando-se a commissão com os fundamentos da proposta e bem assim com as rasões exaradas no parecer da illustre commissão de marinha, que lhe foi remettido, é de parecer que a proposta seja reduzida a decreto para ser submettido á real sancção.
Sala da commissão, 12 de março de 1864. = Conde de Castro —Barão de Villa Nova de Foscoa = Conde d'Avila = Felix Pereira de Magalhães = Francisco Simões Margiochi — Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.
PROJECTO DE LEI N.° 340
Artigo 1.° É o governo auctorisado a vender o terreno do antigo forte de S. Paulo, comprehendido no polygono a, b, c, d, e, f da planta junta, cuja área é de l:554m2,5.
Art. 2.° O producto d'esta venda, até onde chegar, será exclusivamente applicado a modificar, segundo as mais modernas condições, o actual armamento dos navios de guerra.
Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 11 de janeiro de 1864. = Cesário Augusto de Azevedo Pereira, deputado presidente — Miguel Osorio de Cabral, deputado secretario = Antonio Eleutherio Dias da Silva, deputado secretario.
O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade, e tem a palavra o sr. marquez de Sá.
O sr. Marquez de Sá da Bandeira: — Sr. presidente, eu assignei o parecer da commissão porque concordei com elle; mas queria fazer uma observação ao sr. ministro da marinha. Ha de ser necessario construir em Lisboa um edificio para o correio geral, e na minha opinião não ha localidade melhor para esse fim do que aquella onde estava o forte de S. Paulo. Ali póde fazer-se um edificio com quatro frentes proprio para aquelle estabelecimento, similhante aos melhores da Europa, havendo a facilidade de lhe dar toda a extensão de que se carecer na parte do atterro situada ao sul e a oeste do forte. E isto poderá conseguir-se fazendo o sr. ministro da marinha uma transacção com o sr. ministro das obras publicas, dando este a importancia do valor do terreno, do mesmo modo que se praticou entre o ministerio da guerra e o da justiça, vendendo o primeiro ao segundo o antigo convento de S. João o Novo, no Porto, por 27:6001000 réis para este ali estabelecer os tribunaes de 1.ª instancia, e para o outro, com o dinheiro, fazer construir o novo hospital militar de D. Pedro V, que se está edificando e que deverá ser Um dos melhores do reino.
Chamo a attenção do sr. ministro da marinha para este objecto que considero de grande conveniencia para o serviço publico, podendo ser ao mesmo tempo um grande embelesamento para a capital.
O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, pedi a palavra menos para combater o projecto do que para pedir um esclarecimento ao sr. ministro da marinha.
Vejo na proposta do governo que se pede auctorisação para vender o forte de S. Paulo e a artilheria que ali se acha depositada. Junto ao projecto do governo está um mappa, que todos os dignos pares têem presente, de que existe effectivamente n'aquelle forte um grande numero de peças de artilheria e grande porção de material de guerra, e vejo que no projecto que se discute, omitte-se essa parte da venda da artilheria e unicamente se falla na venda do terreno do forte de S. Paulo. Desejo saber qual foi o motivo porque o governo não pediu auctorisação ao corpo legislativo para a venda d'aquelle material de guerra, e agora no projecto que se discute se falla unicamente do terreno.
Dadas as explicações, se forem satisfatórias, não continuarei, mas se não forem, pedirei de novo a palavra.
O sr. Ministro da Marinha (Mendes Leal): — A explicação que pede o digno par está no parecer da commissão d'esta camara, e estava no parecer da commissão de marinha da camara dos senhores deputados. Se s. ex.ª se quizesse dar ao incommodo de os lêr, lá acharia a resposta a esta observação. A commissão de marinha da outra camara, entendeu que isto era materia corrente, porque tendo o governo direito de dispor d'aquelles materiaes inutilisados, era demasiado escrupulo da parte do governo, pedir essa auctorisação, e com isto mesmo concordou a commissão de marinha da camara dos dignos pares. Aqui está a rasão porque não figura esta parte na proposta que se discute.
Quanto á negociação que lembrou o digno par o sr. marquez de Sá, direi que o ministerio da marinha não tem duvida em entrar em transacção com qualquer dos outros ministerios, fazendo a venda d'aquelle terreno para o applicar ao estabelecimento a que s. ex.ª se refere; mas isto em nada invalida a auctorisação concedida ao governo, porque depois se tratará com qualquer outro ministerio a esse respeito.
O que resta saber é se a área do terreno a que s. ex.ª se refere tem a capacidade precisa para o edificio a que se destina, e o governo não fica sem essa auctorisação, quando reconheça que não serve para os fins que s. ex.ª apontou. Actualmente basta ver a área que tem este terreno, para se saber que não póde servir para uma fortificação.
Darei mais algumas explicações, se me forem pedidas; mas parece-me que por ora estas são sufficientes.
O sr. Visconde de Soares Franco: — Sr. presidente, em vista das explicações dadas pelo sr. ministro da marinha, cedo da palavra.
O sr. Conde de Thomar: — Agradeço ao meu amigo, o, illustre ministro da marinha o ter-me observado, que se tivesse lido o parecer da commissão de marinha d'esta e da outra casa, teria achado a rasão pela qual se não votou a parte que é relativa á artilheria. LI, e não obstante ter lido, não me convenci, nem convenceram as rasões apresentadas por s. ex.ª em dizer que é direito corrente, o governo poder dispor d'este material. Para isso era necessario haver uma lei, e se era uma cousa tão clara, admira que 8. ex.ª julgasse necessario vir pedir auctorisação para a venda d'esta artilheria. Então não é isto negocio tão corrente.
O sr. Ministro da Marinha: — Peço a palavra.
O Orador: — Ora eu não quero fazer d'isto uma questão, que levaria tempo á camara; expuz unicamente o meu escrupulo, porque talvez achasse rasão, que quando se tratasse de dispor de uma tão grande porção de material, o governo pedisse auctorisação ao corpo legislativo; mas consta-me que o governo em outras circumstancias se tem julgado auctorisado para poder fazer essas vendas a respeito de outros objectos iguaes a estes.
Não quero fazer d'isto questão; mas o que sómente quiz foi contestar o ser direito corrente e claro, porque para isso era necessario haver lei que auctorisasse o governo para essa venda, por ser um objecto nacional e não poder o governo dispor d'elle sem auctorisação das côrtes.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Eu desejava fazer uma pergunta ao sr. ministro da marinha, e era se a venda d'este terreno, de que falla o projecto que está em discussão, será feita em hasta publica ou por contrato particular.
O sr. Ministro da Marinha: — Eu posso affirmar ao digno par que a venda ha de ser infallivelmente feita em hasta publica.
Emquanto ás observações apresentadas pelo digno par o sr. conde de Thomar, devo responder que a pratica constantemente seguida, não na administração actual, porque eu posso affirmar ao digno par que desde que estou encarregado da pasta da marinha ainda até hoje não foi trocado ou vendido nenhum material de guerra; mas refiro me ás administrações anteriores; a pratica seguida, repito, tem sido vender-se o material sem dar conta ao parlamento, por ser negocio administrativo e da competencia immediata do governo. E tanto a commissão de marinha reconheceu que o governo podia deixar de pedir esta auctorisação que tratou este objecto de materia corrente, e eliminou do projecto aquella parte que lhe dizia respeito, deixando tio sómente a que se referia á venda do terreno. A actual administração porém, tendo tanto escrupulo como o digno par, veiu apresentar este projecto que agora se acha em discussão.
O sr. Visconde de Soares Franco: — Eu não sei se ha alguma lei que regule esta materia, o que posso affirmar é que ha uns poucos de annos (quarenta talvez) se vendeu no arsenal da marinha grande porção de artilheria inutilisada, como se tem vendido tambem cascos de navios velhos. Em 1859 venderam se 359 peças para derreter. Ora, este material, que se acha actualmente no forte de S. Paulo, é por assim dizer, inutil e só serve para fundição, exceptuando uma pequena parte que póde ser aproveitada para as nossas provincias ultramarinas.
Sendo ministro o nobre marquez de Sá da Bandeira eu tive a honra de fazer parte de uma commissão que foi aquelle chamado forte examinar todo o material de guerra, e de pois de um minucioso exame reconheceu se effectivamente que as peças que ali existiam eram completamente inuteis para os navios de guerra.
Emquanto á venda do forte parece-me ser bem justificada, porque tambem é patente a sua inutilidade, assim para defeza como para arrecadação, por isso que se acha hoje longe do Tejo, em consequencia do atterro que se fez. (O er. Conde de Thomar: — A venda do forte não se combate.) Para que póde ser util portanto é para edificação de casas e para arredondamento de uma rua que communique com o aterro.
Nada mais direi para não estar a gastar tempo. Vozes: — Votos, votos.
O sr. Presidente: — Como mais ninguem pede a palavra vou consultar a camara sobre se approva o projecto na generalidade.
Foi approvado.
O sr. Presidente: — Passamos á especialidade.
Lidos separadamente os artigos de que o mesmo projecto se compõe, foram approvados sem discussão.
O sr. Presidente: — Antes de entrarmos na segunda parte da ordem do dia tem a palavra o digno par o sr marquez de Vallada.
O sr. Marquez de Vallada: — É para mandar para a mesa um requerimento a fim de ser enviado ao sr. ministro da marinha, ao qual espero s. ex.ª satisfará com a possivel brevidade.
E o seguinte:
«Desejo ser informado de qual é o numero dos escravos existentes nas nossas colonias, e qual a cultura em que se empregam, e portanto requeiro que pela secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar sejam enviados a esta camara os esclarecimentos sobre similhante assumpto.
«Camara dos pares, 21 de março de 1864. = O par ao reino, Marquez de Vallada.
Pedirei ao sr. ministro da marinha que empregue toda a sua influencia e solicitude para que sejam enviados todos os esclarecimentos a este respeito. Eu desejo occupar-me muito d'este assumpto, que é de grande importancia, e que tem merecido a attenção dos parlamentos mais illustrados da Europa, como por exemplo o de Inglaterra, da França, etc... É preciso acabar com a escravatura, mas tambem é mister proceder a certa ordem de medidas, porque não é possivel de repente tomar uma resolução sobre um ponto tão importante.
Espero portanto que o sr. ministro mandará com a possivel brevidade estes esclarecimentos, a fim de que me possa habilitar para poder occupar-me d'esta questão tão importante.
O sr. Ministro da Marinha: — Começarei por declarar ao digno par que me hei de apressar em enviar a esta camara todos os esclarecimentos que existam na secretaria a meu cargo, e que se referirem ao objecto de que trata o requerimento do digno par.
Não ha duvida que o assumpto deve ser tratado com a maior solicitude, e não posso deixar de louvar os desejos do digno par.
A escravidão já tem em Portugal um praso determinado, já não póde ir alem d'esse praso, pois nessa epocha já deve estar acabada de facto, assim como já o está de direito. O governo tem tratado seriamente de precatar-se sobre este assumpto para quando chegar a occasião o commercio e a agricultura não soffrerem. Já no anno passado o governo nomeou uma commissão para especialmente tratar d'este assumpto. É preciso ter bastante conhecimento das populações indigenas, visto que se trata de formar do africano um cidadão util e educado. Por consequencia, o governo tratou de se precatar, colhendo todos os esclarecimentos que póde, e que deviam ser necessarios ao legislador.
Mandarei portanto todos os esclarecimentos que o digno par pede, mas desde já desejo declarar a s. ex.ª que não poderão ser talvez bastante instructivos esses esclarecimentos pela falta de estatisticas, porque ellas apenas foram decretadas na mesa.
SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA
Continuação da interpellação do digno par, o sr. marquez de Vallada, sobre a nomeação do escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra
O sr. Bispo de Vizeu: — Sr. presidente, V. ex.ª e a camara reconhecerão que me encontro n'uma situação que é não só difficil, mas até dolorosa, porquanto vejo de um lado o sr. ministro da justiça, de quem sou amigo, e a quem tributo o devido respeito, e do outro o sr. bispo de Coimbra, com quem igualmente tenho muitas relações de amisade, e muita respeitabilidade e acatamento pelas suas virtudes e saber. Já vê V. ex.ª e a camara a difficuldade em que me acho, e por assim dizer não sei para qual dos lados me deva voltar. Acresce alem d'isso a circumstancia de que—a questão que é hoje tão grande, teve apenas um pequeno fundamento, se nós attendessemos á sua origem, realmente que nos havíamos de admirar que um incendio tão grande se levantasse por uma centelha tão pequena (muitos apoiados). Nós estamos vendo o que se está passando pela Europa, estamos a ver as grandes questões que se suscitam entre o direito da força e a força do direito, estamos vendo nações opprimidas a esgotarem todos os recursos que humanamente podem ser esgotados para salvarem as suas nacionalidades, estamos vendo os exercitos europeus todos em movimento, estão-nos vindo bater á porta prisioneiros de - guerra, e emquanto a Europa inteira se occupa de altas e importantissimas questões da paz e da guerra, e até de reformar talvez a carta geographica da Europa, fazendo acabar nacionalidades para surgirem outras do meio das ruínas, de que se occupa o senado portuguez? De uma questão insignificante, de uma questão pequenissima, da nomeação do escrivão de uma camara ecclesiastica! (Apoiados.)
Sr. presidente, isto realmente (sem tornar a culpa a ninguem), não posso deixar de dizer, que lá fóra nos hão da considerar de modo que nos devemos julgar deveras humilhados.
O sr. Faustino da Gama: — Apoiado.
O Orador: — Sr. presidente, um dos motivos que me causa bastante embaraço para entrar n'esta questão é a minha qualidade de sacerdote e de collega no episcopado com o illustre prelado de Coimbra. Isto obriga-me de certo modo á suspeição para que possa ser juiz n'este pleito; porque o principio das suspeições é o interesse que cada um de nós possa ter na causa que tem a julgar, para respeitar o principio de justiça universal, de que ninguem póde ser juiz na causa propria. Este pleito vae ter directamente com o meu collega prelado de Coimbra, e representando elle a igreja, assim como eu, e podendo se dar um grave conflicto entre a igreja e o estado, não poderei deixar do me dar por suspeito. Essa suspeição porém não deve obstar a que eu apresente perante a camara o meu depoimento; ella ha de servir de juiz n'este pleito, e por isso hei apresentar o meu depoimento de viva voz e por escripto, a fim de ser avaliado por ella.
Cansarei tambem pouco a camara, porque o meu estado de saude não permitte que eu seja longo.
Esta questão póde ser considerada em tres partes: passado, presente e futuro.
O passado é a historia do que aconteceu ha um anno, ou ha mais de um anno, com a nomeação do escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra. A camara e o publico sabem a historia dos factos relativos a este negocio, e como elles correram; já aqui a contou o sr. ministro da justiça, já a referiram alguns dignos pares que têem tomado parte n'esta discussão, e os documentos publicados dão tambem testemunho do modo como as cousas se passaram. Portanto não cansarei a camara repetindo o que ella já sabe. Emquanto ao presente, de que trata a camara dos pares, é de julgar se o sr. ministro da justiça andou bem ou mal na nomeação que fez do escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra. Para dar este veredictum é necessario, quando o corpo legislativo quer julgar o executivo, encarregado da execução das leis, é necessario confrontar os actos d'este com as leis, e ver se cumpriu estas ou não. O sr. ministro da justiça fez a nomeação de escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra, e declarou que a fez no pleno uso do direito que lhe
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confere a lei, que é n'este caso o decreto de 5 de agosto de 1833. Este decreto foi promulgado n'uma epocha excepcional, e como todos nós sabemos, todas as providencias que se tomaram então tinham por fim destruir o antigo regimen, crear uma nova ordem de cousas, e fundar novos interesses para firmar essa nova ordem de cousas, e dar-lhe regularidade com as condições proporcionadas ao novo systema. Já se vê que o decreto publicado nestas circumstancias não tinha senão um intuito unico, destruir o velho edificio para se levantar um novo, e é claro que n'estes termos não podia abranger todas as circumstancias e regras necessarias para edificar sobre as ruínas do antigo regimen, um estado de cousas que satisfizesse completamente. Assim pois o decreto de 5 de agosto de 1833 ficou deficiente. É delle portanto que parte o mal, e por isso, com o devido respeito ao meu em.mo prelado, eu direi que entendo que o sr. ministro da justiça na nomeação que fez do escrivão da camara ecclesiastica usou do direito que lhe facultava a lei, pois que se cingiu ao decreto de 5 de agosto de 1833. Este decreto tem tres artigos. O 1.° teve por fim destruir todos os padroados ecclesiasticos; no 2.° reserva-se ao rei a nomeação de todos os beneficios ecclesiasticos e mais empregos ecclesiasticos. Esta prescripção do decreto de 5 de agosto tem uma latitude tão illimitada que abrange os escrivães das camaras ecclesiasticas e todos os empregos que se podem servir no regimen da igreja. Ora o sr ministro fez aquelle despacho auctorisando-se com este decreto, portanto não póde ser accusado de ter faltado á lei, pelo contrario, cumpriu-a.
Mas se presto homenagem á lei, a camara ha de permittir-me que eu lastime a deficiencia d'esta lei (apoiados), lhe peça, e peça igualmente ao governo, que a trate de reformar e de providenciar de modo que a harmonia entre o estado e a igreja se mantenha, conservando-se cada um na em orbita respectiva, e não appareçam todos os dias d'estes attrictos (apoiados), destes conflictos que salvando as intenções dos homens que representam a igreja, e dos homens que representam o estado, porque póde haver sempre as melhores intenções, mas a força das circumstancias é muitas vezes maia forte; destes conflictos, digo, que são muito para lamentar que se dêem, pois podem trazer comsigo a desharmonia entre o estado e a igreja, e toda a camara sabe avaliar quão funestas consequencias podem d'ahi porvir (apoiados). Não é de agora esta minha linguagem; de agora, porque me cobrem estas vestes sagradas, e que pela graça de Deus, pela munificência regia e pela confirmação do soberano pontífice subi a este logar; creio que não darei novidade á camara, a todos estes homens com quem ha vinte e tantos annos faço camaradagem politica, dizendo-lhe que estas vestes sagradas não alteraram o meu modo de pensar (apoiados). Bebi a crença catholica com os sentimentos de portuguez e de liberal. Uma voz: — Muito bem.
O Orador: — Ainda quasi não tinha uso de rasão, já meu pae era perseguido e mettido na cadeia, e eu já lhe ía fazer companhia entrando pelas grades. Ora já se vê que com este tirocinio, com minha familia perseguida desde 1820 e meu pae, todos os que são filhos sabem o que quer dizer esta palavra, e meu pae era perseguido porque era liberal, não podia deixar de enraizarem-se em meu peito as idéas de liberdade, idéas que nunca deixei afrouxar, bem como os sentimentos religiosos, porque póde-se ser catholico e liberal ao mesmo tempo (apoiados).
Ora ía eu dizendo, que pedia licença á camara e ao governo para expor a necessidade que ha de reformar o decreto de 5 de agosto de 1833, porque se elle se mantiver como está, alem deste conflicto hão de vir outros; e se o governo o quizer executar em toda a sua latitude, está armado por elle, para nomear, por exemplo, os juizes das varas, os vigários, os arciprestres, etc.. e veja a camara a que ficará reduzido o foro do bispo; tornar-se-ha impossivel a jurisdicção ecclesiastica espiritual. Estando nós reduzidos a esta jurisdicção, sendo o poder temporal, em virtude do decreto de 5 de agosto, o senhor absoluto de nomear os auxiliares, os agentes immediatos dos prelados no exercicio das funcções espirituaes, nomeações que deviam pertencer aos bispos, ficariam elles na impossibilidade de cumprirem a missão divina de que se acham encarregados; já a camara vê que de perturbações d'ahi não podem resultar (apoiados).
Eu, sr. presidente, na minha diocese não tenho menos de dezesete arciprestados. Tendo vagado um, nomeei logo pessoa para elle, porque entendi que estava no meu direito, e não podia nem devia consultar o governo sobre este negocio; ora estando o governo armado com o decreto de 5 de agosto, que lhe dá força para se introduzir na nomeação seja de que empregos for, se quizesse fazer prevalecer esse decreto n'estas nomeações, não podiam resultar d'isso atritos desagradaveis? O governo podia intrometter se no negocio, porque a lei a isso o auctorisava, mas deve reconhecer que podem resultar serios inconvenientes da plena execução da lei, e portanto deve propor ao parlamento a modificação das disposições d'essa lei (apoiados). Desejaria que elle o fizesse, e arriscarei outra opinião perante esta camara, que espero a receba com a costumada benevolencia; entendo que o poder temporal não tem o mínimo acrescentamento de gloria, nem de interesse publico em estar a nomear escrivães das camaras ecclesiasticas (apoiados). É certo que o artigo 2.° do decreto de 5 de agosto de 1833 lhe dá este poder, mas eu entendo que no interesse da igreja e do estado, porque não posso conceber o interesse da igreja sem o interesse do estado, e vice versa (apoiados). Eu entendo que o governo prestando homenagem aos interesses publicos devia propor ao parlamento a revogação d'aquelle decreto. O sr. ministro da justiça quando respondeu ao sr. marquez de Vallada disse que = os escrivães das Camaras ecclesiasticas não eram homens da confiança dos prelados =. Eu peço licença a s. ex.ª para divirgir desta opinião.
Sr. presidente, o escrivão da camara ecclesiastica é o homem que está mais proximo do bispo; o bispo não póde exercer acto algum das suas attribuições sem esta especie de chanceller; o escrivão da camara ecclesiastica é o homem que vive em contacto com o bispo, tem o seu cartorio na propria casa do bispo, está sempre a ser consultado pelo bispo nos negocios ecclesiasticos, porque os bispos morrem e succedem se, e os escrivães das camaras ecclesiasticas geralmente abrangem duas e tres vacaturas; e demais os documentos ficam nas camaras ecclesiasticas e os escrivães estão senhores d'aquelles papeis porque os têem em seu poder, e os bispos vão sempre consulta-los sobre todos os negocios ecclesiasticos. Ora, digo eu á camara, estes homens não deverão ser da confiança dos bispos? Interessará o estado ou o imperio, que são palavras synonimas, em tirar a confiança do bispo a este homem que está em contacto com elle? Eu peço á camara que reflicta. Na administração publica em geral quando se nomeia um governador para o ultramar, um governador civil para um districto ou um governador militar, os seus secretários, os homens que estão junto d'elles, não é de rasão, de justiça e censo commum que sejam da confiança d'aquelles chefes? (apoiados). Essa é a corrente ordinaria do serviço publico, e quando o governo nomeia um homem para secretario de qualquer d'estas auctoridades que não seja da sua confiança, qual é o resultado? E elle dizer: «não aceito». Pois, sr. presidente, tudo está no modo de se fazerem as cousas, e havendo o desejo da harmonia já se vê que tudo se póde conciliar. Ora d'aqui vejo eu a necessidade d'esta intimidade, ou relações intimas, entre o escrivão da camara ecclesiastica s o prelado; d'aqui vejo a necessidade que ha de que este homem seja de sua confiança; mas eu vou ainda mais adiante para não despojar o estado das suas attribuições, para não desfalcar em cousa alguma as prerogativas da corôa, porque sou o primeiro a entender que a igreja não deve saír da sua testada, a igreja não se deve intrometter nos negocios de Cesar, porque a historia nos mostra que todas as vezes que a igreja se quer intrometter nos negocios de Cesar, ella póde triumphar por algum tempo, mas no fim a queda é certa (apoiados), e vice versa, quando o estado quer intrometter-se no regimen da igreja (apoiados).
Assim é que eu raciocino e não é, como se tem dito, a igreja livre n'um estado livre, n'um paiz como o nosso, onde a carta constitucional diz: «Que a religião catholica apostolica romana é a religião do estado.» Este axioma tão celebrado da igreja livre e do estado livre, traduz se na boa harmonia entre a igreja e o estado, e em não intrometter-se um e outro poder nas attribuições que pertencem a cada um d'elles (apoiados). Não é o estado no estado, não é o estado absorver a igreja e vice-versa. O digno par o sr. Moraes Carvalho e meu amigo, fallou na independencia, mas emfim se eu poder tratarei logo de fazer algumas observações a este respeito.
Ora sendo estes dois principios verdadeiros, digo eu o que apparece é a necessidade de reformar a lei, e mais nada; e eu ainda vou mais adiante, como ía dizendo, a respeito da nomeação dos escrivães das camaras ecclesiasticas e outros empregos, entendo que se o governo não tem executado o decreto de 5 de agosto de 1833 em toda a sua latitude, como V. ex.ª sabe, é porque os governos reconhecem os seus inconvenientes; faço esta justiça a todos os ministros que têem estado no poder, é porque reconheceram que era uma lei dos tempos anormaes, e não têem tido a lembrança de a reformar, esta é que tem sido a pratica seguida por todos os governos, e o facto actual mostra a necessidade de reformar aquella lei, e que é necessario pô-la em harmonia com a constituição e mais leis do estado, em ordem a manter-se a necessaria correspondencia dos dois poderes, e termos assim, igreja livre no estado livre (apoiados).
Eu vou mais adiante, como ía dizendo, n'isto mesmo, quanto á nomeação dos escrivães das camaras ecclesiasticas, se os quer o governo fazer, se julga que se deprime em deixar ao bispo a nomeação do seu escrivão da camara ecclesiastica, mas deixe ao menos que faça a proposta e aqui estão os dois poderes em harmonia. O prelado propõe um homem, que suppõe capaz, porque não se póde suppor que elle proponha senão aquillo que é mais justo e lá fica o soberano, ou o poder que o representa, para confirmar a nomeação. Aqui estão ligados e abraçados os dois poderes e poderão dizer para o futuro como disse o psalmista: Justitia et pax osculatce sunt.
Já vê a camara que, estando nós tratando do presente, entendo que o sr. ministro obrou dentro da esphera legal, mas a questão não está aqui, o pomo. da discórdia está no modo como se fez (apoiados). O sr. ministro, defendendo-se, disse: eu nomiei e não consultei o prelado, porque nomeando satisfiz á lei, porque me regulei por informações que tive aliunde, por outras vias, e julguei-me dispensado de consultar o prelado, porque me chegou a convicção de que o aggraciado era capaz para exercer aquelle emprego, e obrei assim por isso que não ha lei nenhuma que me obrigue a consultar o prelado. É verdade: eu tambem não vi por parte d'aquelle prelado alguma palavra que podesse comprometter o sr. ministro, porque aqui as palavras não expressam os sentimentos que á primeira vista se antolham, porque parecendo de ordinario que nos estamos a matar ou a ir ás mãos uns com os outros, no fim não é nada, é o genio meridional (riso).
O sr. ministro da justiça diz que não ha lei nenhuma que o obrigue a consultar os prelados sobre a nomeação dos seus escrivães da camara ecclesiastica; mas a camara sabe que ha outras leis, que não estão escriptas, e que são mais respeitáveis do que aquellas que estão escriptas (apoiados). Estas leis, na consciencia publica tem tanto ou mais peso do que as prescripções dos códigos, e áquelles que as infringem, ministros, e encarregados de auctoridade ou particulares, nunca ficam impunes (apoiados). Para este campo é que foi chamado o sr. ministro da justiça, porque não cumpriu essas leis moraes, e que não cumpriu talvez por temer as consequencias que podia ter. Um digno par que se levantou para o defender, transportaram a questão para. outro campo, porque a defeza directa lhe não convinha, transportou-se para o terreno da aggressão, esperando colher mais proficuo resultado. Eu já fui soldado da imprensa bastantes annos, e tirei a experiencia de que o uso do campo da aggressão era o mais facil, a este campo é que o sr. Moraes Carvalho trouxe a defeza do sr. ministro.
O sr. Moraes Carvalho: — Está enganado, foi citar um exemplo, e mais nada.
O Orador: — Mas é certo que d'esta falta de consulta o prelado de Coimbra se julgou desconsiderado, e numa questão entre dois homens, um que representa a corôa e outro que representa a igreja, eu que sou amigo de ambos, é como representante da igreja que desejo conservar toda a harmonia entre os dois poderes; aqui está pois a grande difficuldade em que me vejo collocado para decidir este pleito. Mas posso declarar á camara que esta falta de consulta foi que deu origem a esta questão entre dois homens que eram amigos, porque sei que o sr. ministro da justiça e o sr. bispo de Coimbra são amigos, e digo com franqueza que nem o sr. ministro nem o sr. bispo queriam este conflicto (apoiados). O sr. ministro da justiça não queria este conflicto, e o sr. bispo de Coimbra tambem o não queria, mas por uma especie de fatalidade, querendo ambos fugir do abysmo caminharam para elle involuntariamente pela estrada que seguiram. Mas quid júris?
Que havemos de fazer no meio d'este incidente? Qual é o nosso dever?
Eu não sei como obrarão os meus collegas n'esta camara, mas o que entendo é que quando se vê um grande incendio não devemos atiça-lo, antes empregar todos os nossos esforços para extinguido. N'este intuito acompanha-me a minha posição, mas sobretudo o meu coração e a minha cabeça.
O digno par, o sr. conde de Thomar, mandou para a mesa a seguinte moção (leu).
Eu não entro nas intenções do digno par quando apresentou esta proposta; mas, pelos conhecimentos e experiencia que me tem dado esta já larga vida publica que tenho tido, parece-me que esta proposta importa uma censura ao sr. ministro da justiça; e que votada ella s. ex.ª tem de retirar-se de entre nós. Ora póde ser que houvesse uma precipitação da parte do sr. ministro, mas creio que ninguem duvida das rectas intenções de s. ex.ª, e de que não teve a mais pequena idéa de desconsiderar o sr. bispo de Coimbra; assim como é igualmente certo que este pela sua parte fugia do conflicto, e tanto quiz fugir que pediu a renuncia, dando assim um testemunho solemne de não querer desintelligencias com o estado, e para exemplo d'isto basta a sua vida; então, se isto assim é, para que dar um voto de censura?
O que se deu em tudo isto foi uma especie de fatalidade que todos devemos lamentar.
Não posso deixar de combater uma asserção, que se me figurou ouvir da parte do sr. Moraes Carvalho, porque o reverendo bispo não disse: eu não cumpro; disse: eu não posso cumprir; e este não posso, não se entendia a força physica, entendia-se a moral. Este non possumus não vinha das armas, que tinha á sua disposição, vinha da força da consciencia; e a consciencia, eu logo terei occasião de dizer ao meu amigo o sr. Moraes Carvalho o que ella é (riso). Hei de dizer-lhe o que é a consciencia, mas só repetindo as proprias palavras do digno par, porque as tenho aqui.
Quando o prelado diz: não posso, porque a minha consciencia repugna a cumprir, a consequencia d'isto é que as leis fiquem sem execução? Não ficam; mas foi para este campo que fugiu o digno par. Deus noa livre que tal se fizesse, porque então não haveria crime que não ficasse impune!
Não é assim. Quando um criminoso, ou outra qualquer pessoa viola a lei e appella para a sua consciencia, nem por isso a lei deixa de ter execução. No caso em questão, executem a lei, levem o sr. bispo para os tribunaes, levem-no para o Bussaco (riso), mas o non possumus ha de ficar lá com elle. Ora estas consequencias é que os homens distado tem obrigação restricta de evitar que se dêem (apoiaãos).
A politica não é outra cousa, a politica é conhecer as cousas, é calcular as consequencias. Este non possumus permanece, porque sae do foro da consciencia, aonde não entra o homem; este non possumus não transtorna a execução das leis. Castiguem porque não ha ninguem que não esteja sujeito as leis senão o rei.
O sr. Marquez de Vallada: — O rei tambem deve cumprir as leis.
O Orador: — Eu bem sei o que quero dizer, e a camara comprehende o sentido das minhas palavras (apoiados).
Imaginemos porém a hypothese peior na collisão em que nos achamos, isto é, que o sr. ministro da justiça commetteu uma falta; outros dirão que foi o prelado em entregar a sua mitra, outros que foi um e outro, e eu direi que não foi nem um nem outro. Foi o decreto de õ de agosto de 1833! E como hei de deixar de desculpar qualquer falta, quando não ha violencia da lei, e quando se reconhece as boas intenções de só querer cumprir o que lá se dispõe?
Parece-me que isto é bastante para a camara não votar uma censura ao sr. ministro da justiça.
Reporto-me outra vez ao que se passou. O digno prelado
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de Coimbra entregou a renuncia ao sr. ministro, este mandou a para Roma, e o Santo Padre com a tolerancia que o distingue, e com a sabedoria costumada em todas as suas deliberações, viu que era um extremo, disse ao sr. bispo: «Conserva a mitra».Foi a sentença do Summo Pontífice.
Porventura deverá agora a camara dos pares querer que saia o sr. ministro da justiça? Quererá ella caír no outro extremo? Então digo eu como par e como prelado— sigamos o exemplo que nos indicou o Santo Padre, porque não se deve sacrificar um ministro, nem rojar-se a corôa aos pés do báculo, nem o báculo aos pés da corôa (apoiados). Se houvesse aqui victoria da parte da igreja, eu a choraria, embora houvesse alguem que a exaltasse, porque não queria taes victorias para a igreja, porque são caras e funestas.
Entendo que a camara dos pares se deve elevar á altura da sua missão, seguindo o caminho indicado pelo Summo Pontifice. A rasão e as conveniencias sociaes são o justo meio, e este justo meio é o que convem. Portanto, o que se torna necessario é uma reforma da lei para evitar estes conflictos.
Annunciei uma proposta que é o meu depoimento escripto, e que espero a camara aceitará. Não sei se a redacção do papel traduzirá o meu pensamento, mas salva a redacção, a camara o tomará na consideração que entender na sua alta sabedoria.
Isto emquanto ao presente.
Agora emquanto ao futuro, como o digno par, o sr. marquez de Vallada, perguntou o modo porque se havia de saír d'este conflicto, direi que o remedio é reformar a lei, porque é já tempo e mais que tempo de se consignar clara e expressamente o modo como se hão de regular as relações entre o estado e a igreja de interesse commum para a igreja e para o estado que tudo se defina bem (apoiados). Evitemos que se possa allegar a necessidade de portarias sobre aquillo que deve estar estabelecido e regulado por lei (apoiados).
Não entro na apreciação das qualidades pessoaes do individuo que foi nomeado pelo sr. ministro para o logar de escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra, convenho em que sejam boas, mas é certo haver n'elle uma condição que bastava essa para justificar o non possumus do sr. bispo conde (muitos apoiados). O agraciado, segundo consta por documentos, tem ordens sacras, e estas deixam obrigações inherentes, que elle não póde abandonar livremente e a seu capricho, retrocedendo para o estado secular. O que praticar similhantes actos incorre nas censuras da igreja e fica sujeito ás penas ecclesiasticas. Sendo porém caso assentado que não fica livre a qualquer, depois de lhe serem conferidas as ordens sacras, dizer depois que já não quer ser padre. Se não se sentia com vocação, ninguem o obrigava, e considerasse antes do momento de lhe serem conferidas as ordens (apoiados). Depois fica ligado perpetuamente ao estado ecclesiastico, e sujeito ás obrigações e penas estabelecidas nas leis canónicas. No codigo penal não sei se vem alguma cousa a esse respeito, não conheço bem esse codigo para poder dizer tudo que está ali incriminado, mas applicado o principio que já estabeleci e em que a camara mostrou estar toda de accordo; repito que ha leis fóra das civis que se devem respeitar não menos, e ás vezes ainda mais.
O sr. Conde da Taipa: — E uma verdade.
O Orador: — Pois um homem que por sua livre vontade abraça o estado ecclesiastico, ha de passar depois para o estado secular, e ainda mais tarde ha de querer novamente retroceder para o serviço da igreja, estando assim a desprezar a umas ora outras obrigações. Isto não póde ser; os códigos civis incriminam certos actos, as leis da igreja outros, mau alem d'isto ha uma censura.
O sr. Marquez de Fronteira: — Apoiado.
O Orador: — Se essa censura não está escripta nas leis humanos, onde não póde deixar de estar, é na consciencia de todos e no juizo que cada um de nós faz. (Vozes: — Muito bem.) Eu creio pois firmemente que uma tal circumstancia era bastante para auctorisar o prelado de Coimbra a dizer: non possumus.
O sr. Marquez de Vallada: — Apoiado.
O Orador: — Como se poderia querer que o prelado de Coimbra estivesse dando ordens em presença d'aquelle que seria como que um protesto vivo contra esse mesmo acto (apoiados). A consciencia da camara dirá só por isto, se é ou não justificada a repugnancia do illustre prelado de Coimbra (apoiados repetidos). Basta trazer á imaginação o quadro, cujo esboço acabo de lhe apontar ligeiramente. (Uma voz: — Tem rasão). Não duvido de que o codigo penal não trate d'isto, não estará lá escripto mesmo cousa alguma a tal respeito, mas que não esteja escripto lá, de certo está, nem podia deixar de estar n'outra parte.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: — No coração.
Agora digo eu, sr. presidente, se o individuo que foi nomeado pelo sr. ministro tem as condições de pundonor e dignidade que se devem requerer em qualquer homem, elle de certo enuncia a similhante logar, e o decreto da nomeação fica ipso facto revogado, não é necessario o sr. ministro repetir o que já nos disse, isto é — que não ha de referendar (- decreto de revogação, esta ha de se dar pelo facto da na citação do logar, pois é impossivel que o nomeado não tenha o sentimento natural da propria dignidade, e queira ir para junto do bispo que o não quer receber, que declarou que o não podia admittir, e que não se ha de agora desdizer admittindo-o porque não póde mesmo faze-lo entendendo o fundamento para isso (apoiados), fundamento do que foi já por elle negada obediencia á igreja, apostando de suas ordens, e que votara ao estado secular sem que para isso seguisse o processo conveniente, necessario e indispensavel. Assim, digo eu, esse homem depois que o prelado, a quem elle deve respeito como fiel, declarou que teria pejo de o ver junto a si, esse homem, digo, não ha de, não póde querer que o decreto da sua nomeação se julgue mais subsistente...
Uma voz: — Já pediu a exoneração.
O Orador: — Não sei se já pediu que ficasse sem effeito a sua nomeação, mas se pediu é mais uma rasão para acabarmos com isto, e ao menos essa rasão traz tambem de bom uma circumstancia attenuante, que reverte muito em beneficio do nomeado, provando elle assim que preza a sua dignidade, que deseja rehabilitar-se, prestar homenagem aos bons principios da moral e disciplina da igreja, e, n'uma palavra, que reconhece a justiça das considerações que se têem feito por parte do prelado. (Vozes: — Muito bem.)Conseguintemente parece me que de tal conflicto ainda se póde saír airosamente (apoiados). Baeta que se effectue o que ouço agora dizer que já se começou a praticar, e ahi fica acabado o conflicto. Não ha portanto, a meu ver, nehuma necessidade de obrigar o ministro a eaír, é por isso que eu não approvo a proposta que foi mandada para a mesa, e que tenho agora aqui diante de mim, pois se me afigura que ella é um voto de censura ao sr. ministro, que sendo approvada elle tem de se retirar; entretanto a camara julgará, mas eu nem como bispo, nem como homem politico, me posso convencer da utilidade de tal resolução, se com effeito a approvação da proposta tem por consequencia a saída do ministro, como me parece que é. (Vozes: — E, é.) Portanto eu digo isto como politico, agora como prelado digo, que nunca quererei a demissão dos ministros da corôa por motivo de conflicto com a igreja. Não sei o que se possa ganhar com isso, comprehendo mais facilmente que se possa perder, e que todos tenhamos a sentir o que se perde (apoiados).
A carta constitucional mui sabiamente estabeleceu que tivessemos aqui um logar, nós os bispos.
O sr. Moraes Carvalho: — Apoiado.
O Orador: — Apoiado, diz o digno par, e na ultima sessão chamou nos ingratos, até por mais de uma vez! (Riso.) Pois este logar effectivamente nos foi dado em interesse da causa e não dos homens (apoiados.) A historia mostra as vicissitudes e perturbações no estado por causa dos conflictos; a lei fundamental do estado por consequencia providenciou dando nos de direito um logar no seio da representação nacional para aqui expormos livremente as nossas queixas, em vez de procurar difficuldades ao governo lá fóra, promovendo-lhe guerra por qualquer modo que fosse (muitos apoiados.) Assim, quando as nossas queixas não sejam ouvidas n'um dia, hão de o ser n'outro, e em todo o caso sempre o serão a tempo de salvar a sociedade de grande» transtornos e grandes males (apoiados.) O que eu não quero é que se toque nos pontos extremos; assim é que nós devemos encarar o exemplo dado pelo Summo Pontifice, quando disse que não tinha logar a resignação da mitra por similhante caso. Está pois reconhecido que os extremos n'esta pendencia ou n'este pleito são prejudiciaes á igreja e á causa publica. O ministro sustenta bem que não faltou ás leis, to que faltou foi a certas negras de conveniencia e bom uso (apoiados); esta falta a meu ver, não é para uma censura que importe a saída do ministro, cujus intenções estão salvas, e elle protesta que as não maculou; o conflicto é lamentado do mesmo modo por um e outro lado, tanto o lamenta o digno bispo, como o lamenta o sr. ministro, ambos se estimavam e ambos, sem querer, se encaminharam ao precipício, um de encontro ao outro; agora o que cumpre é fazer-se com que ambos fiquem salvos; o Santo Padre já nos deu o exemplo de fugir dos extremos, esse exemplo é o mais auctorisado por todo os modos que se encare e considere, por consequencia não adoptemos uma demonstração tão severa, como me parece que é esta que está aqui escripta em proposta para a camara dos pares votar.
Eu hei de mandar para a mesa uma outra proposta em que vão por assim dizer consubstanciadas as minhas idéas sobre este ponto, mas antes d'isso permitta-me a camara licença para expor a necessaria contrariedade ao que foi aqui exposto por parte de um digno par.
Agora permitta-me a camara que, respondendo ao sr. Moraes Carvalho, faça algumas observações com relação ao que s. ex.ª disse em resposta ao meu em.mo prelado.
Declaro á camara, e a s. ex.ª tambem declaro, que ouvi palavras que me soarem mal, salvas as intenções do digno par, e pareceu-me haver, no modo porque começou a responder a s. em.ª, pelo menos severidade de mais. Cada um dos membros da camara, e eu mesmo, podemos divergir das opiniões do meu em.mo prelado; mas o modo de as com bater parece-me que não exigia tanta severidade (apoiados).
O sr. Marquez de Fronteira: — E verdade.
O Orador: — Refiro-me á fórma por que s. ex.ª se apresentou na discussão.
Todos sabem que não estamos em tempos de fazer discursos estudados para vir depois aqui recita-los de cor, como se escreveram: eu venho para aqui conversar, digo o que me lembra, do modo mais humilde que comporta a minha organisação; mas o que acontece quasi sempre na discussão é que não se podem medir as expressões, porque ás vezes a bôca revolta-se contra a cabeça, e solta uma expressão que póde offender o auditorio, sendo certo que ninguem solta essas expressões com o sentido que muitas vezes apparentam.
Eu esperava que o digno par, quando se levantou para responder ao meu em.mo prelado, estivesse mais tranquillo, e senti que não guardasse esta disposição serena que era para desejar, porque me pareceu, pela expressão de s. ex.ª, que havia nas suas palavras pouco sabor a caridade. O mes me aconteceu quando tratou de defender o sr. ministro da justiça, pois foi buscar a correspondencia do sr. bispo de
Coimbra, analysou-a periodo por periodo, mas só aquelles que lhe convinha ao ataque, porque era ataque com o nome de defeza, e ahi não foi só severo, foi até tyranno (hilaridade).
Ora, do conjuncto de toda a correspondencia que houve entre a secretaria da justiça e o sr. bispo de Coimbra, como toda a camara conhece, se vê que o sr. bispo de Coimbra se peccava era por querer fugir em demasia ao conflicto. (O sr. Conde da Taipa: — Apoiado.) Eu louvo aquelle caminho, porque ninguem póde deixar de louvar o caminho da moderação, mas não sei se o seguiria n'esse caminho, porque somo» homens.
O sr. Conde da Taipa: — Também me parece (riso).
O Orador: — O sr. Moraes Carvalho, fallando da falta de consulta do prelado por parte do sr. ministro da justiça, não só a defendeu, mas disse (eu notei estas palavras, se houver alguma inexactidão estimarei que a corrija, porque n'isso não me faz offensa, antes favor me faz o ministro não só não consultou, mas até fez um acrisolado serviço ao sr. bispo em não o consultar!» È possivel que lhe fizesse serviço, na opinião do digno par, mas na minha fez lhe desserviço; e o primeiro desserviço que o sr. ministro fez foi a si mesmo e á causa publica (muitos apoiados).
«Tenho aqui notadas citações de actos de força do poder temporal para com os bispos» disse o digno par, e citou o alvará das faculdades, a legislação dos Filippes, fallou nos no Bussaco, e em muitos outros actos de força, que não sei se seriam direito de força, mau força de direito é que de certo não eram. (O sr. Conde da Taipa; — Apoiado.)
Eu direi ainda n'esta parte ao digno par que não me parece conveniente em discussões d'esta ordem, que se venham citar na epocha presente, abusos da força, e abusos da força do tempo dos Filippes! E uma coincidencia notavel esta f Foram-se buscar citações do tempo dos Filippes, que nós devemos votar ao esquecimento (apoiados), epocha desgraçada de que só nos devemos lembrar para não cairmos outra vez n'elle. (O sr. Conde da Taipa: — Apoiado), porque nós, nação pequena, não temos outra arma senão a da prudencia, e esgotada ella, é só appellar para Deus. Vejam o que está acontecendo na Dinamarca. Mas pergunto eu ao digno par qual era o intuito que s. ex.ª tinha em nos vir fazer essas citações de actos de força anteriores a esta dynastia, e em relação a qualquer outra epocha? O marquez de Pombal fez actos de força, mas s. ex.ª ao pé desses actos de força havia de achar outros actos de renuncia a essa propria força. A historia ahi está patente. Todos nós sabemos as vicissitudes que houve entre as classes poderosas do estado, e uma dellas era a igreja regular e secular, todos nós sabemos os abusos de força que houve por parte d'esta classe, e onde chegaram estes: estes chegaram não só aos ministros n'esse tempo, mas chegaram a mais alto que aos ministros da corôa...
O sr. Moraes Carvalho: — Depois do decreto dos Filippes está a reforma judiciaria, assignada pelo sr. conde de Thomar.
O Orador: — A questão aqui é mais alta...
O sr. Conde de Thomar: —É a questão do recurso á corôa. Não sei a que vem a citação, se é para lançar algum odioso...
O sr. Moraes Carvalho: — E para dizer que tanto foi antes como depois dos Filippes.
O Orador: — Não seremos nós que nos havemos de oppor ás disposições das leis, pondo restricções á corôa; deixamos aos juizes competentes que examinem se o acto é caso de violencia.
Mas a questão é outra; a questão é politica, como está sendo agora, como a camara a trata e ha de resolve-la; e quando se trata de questões politicas, essas argucias jurídica» estão caladas (O sr. Conde de Thomar: — Apoiado). Seria para desejar que não viessem taes citações aqui. O intuito com que se trouxeram essas citações foi de azedar a questão, foi de a conduzir a outro extremo, e dos extremos é que eu a queria desviar, porque é prejudicial á igreja e ao estado.
Actos de força citados para que? O sr. bispo de Coimbra, quando disse non possumus, disse porventura que queria resistir ás leis do seu paiz, e que se julgava superior a ellas? De certo que não era isso da sua intenção, não estava na sua cabeça nem no seu coração; o que elle quiz foi desviar difficuldades de cima do poder, e por isso as desviava com sacrificio da propria mitra. Estas são as intenções do digno prelado; e o nobre ministro, tambem pelo seu lado, entendo que não praticou acto nenhum que se possa chamar desconsideração para com aquelle prelado: no seu coração e na sua alma não podia haver intenção de desconsiderar o sr. bispo de Coimbra; o que eu vejo é que elle, embora não seguisse o caminho mais facil, o «eu fim era dar satisfação ao prelado, e harmonisar tudo; portanto devemos concorrer todos para deitar agua n'este fogo, sairmos d'esta difficuldade, e occupar-nos de outros negocios mais uteis.
O digno par disse tambem «sois ingratos e injustos!» e comparando-nos com os nossos antecessores, não sei de que epocha, foi á de todos, avocou seus manes, chamou a todos, e disse em nome d'elles: «Vós sois ingratos, porque vós tendes assento entre os proceres do paiz, e os outros não o tiveram ».
Sois uns ingratos, agora tendes mais liberdade que os vossos antecessores tinham, tendes um logar para poder expender as vossas queixas e fallar diante dos vossos juizes, para expor todos os motivos do vosso procedimento, e d'antes não tínheis nada d'isto, d'antes mandavam vos, sem vos ouvir, degradados para o Bussaco. Escusava de ir tão longe, podia ir mais perto, bastava ir, por exemplo, a Palmella (riso), onde ainda se vê a cama em que morreu um bispo por ordem do Senhor D. João II, que matou seu primo no
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seu proprio quarto. Eu ri essa cama quando visitei o Castello de Palmella. Mas para que veiu tudo isso? Foi para nos obrigar a citar outros exemplos em sentido contrario? Não o deve esperar da nossa parte. Somos ingratos aos nossos antecessores, e até se fallou aqui em que elles andavam a cavallo e nós andamos de carruagem! Para que veiu isto? Talvez para mostrar que estamos mais ricos. Pois eu direi que é certo que a tendencia dos governos de outros tempos era fazer dos prelados instrumentos da sua politica, mas os serviços que fazia a igreja a esses governos eram pagos com bastante mão larga, e n'esta parte o termo de comparação é muito desfavoravel para nós. E se o digno par fallou nas carruagens por querer reduzir nos mais, não sei a que mais possamos ser reduzidos. Se lhe parece que temos muito, eu da minha parte resigno, porque com pouco me contento. Nós não podemos apresentar-nos em publico nas condições com que os prelados antigos se apresentavam. O bispo precisa ter que dar, e nunca se lhe pede uma esmolla, mas se lhe diz: «o sr. bispo ha de dar uma esmolla». Honroso testemunho de que os nossos antecessores faziam bom uso do dinheiro que recebiam! (Apoiados.)
Eloquente legado que nos deixaram, mas que, infelizmente, não estamos tão habilitados a satisfazer, como elles o estavam, apesar dos actos de força. Mas não é só isto. O digno par fallou em consciencia, mas antes de tratar d'este ponto, que os actos de força que houve da parte de certos governos contra os prelados não foram acompanhados de desconsideração para com elles: eram castigados mas não insultados, respeitava se o seu caracter. Eu desejaria que nem aqui, nem fóra d'aqui, fossem pronunciadas, por pessoas respeitaveis, palavras mal soantes, se bem que não haja intenção de offender.
Fallou o digno par em consciencia. Pois um prelado, ou outra qualquer pessoa, póde ser obrigado a fazer o que a sua consciencia repugna? A consciencia é um foro intimo onde não chegam as leis humanas. O prelado, dizendo que não podia fazer o que á sua consciencia repugnava, não disse que resistia ás leis; pelo contrario, para evitar conflicto disse — não posso, e por isso resigno. O proprio digno par fez um appello á consciencia e testemunhou quanto ella póde dirigir as acções dos homens, pois disse: «A consciencia é um asylo onde o homem justo acha tranquilidade, e o criminoso um juiz severo das suas acções». Ora se s. ex.ª confessa isto, porque não admitte que o prelado faça o que lhe dita a sua consciencia?
O sr. Moraes Carvalho: — Eu disse que entre a lei e a sua execução não se podia metter a consciencia.
O Orador: — Já respondi a isso. O appello para a consciencia não póde estorvar a execução das leis humanas. O sr. Moraes Carvalho: — Então estamos de accordo. O Orador: — Devia suppor que nós todos estamos de accordo n'este ponto.
Eu appello para a consciencia do proprio digno par. Diga-me s. ex.ª, em sua consciencia, se estando no caso do prelado, se lhe pozessem ao pé uma pessoa para exercer funcções importantes, e que podia comprometter a sua dignidade, o digno par aceitava essa pessoa? Não. Havia de dizer como o prelado — não posso executar o que me ordenára, e se me obrigam ahi tem a mitra, esta posso lha dar, a consciencia não. Por consequencia o prelado obedeceu á sua consciencia, fez o que devia, e d'isso dão testemunho as proprias palavras do digno par, que acima citei. Sim a consciencia é um asylo tranquillo para o justo, e um juiz severo das acções daquelle que não pratica o que deve; eira a consciencia é um asylo sagrado que se deve respeitar, onde não chegam as leis humanas; estas podem castigar o corpo, mas não podem chegar á alma.
Apostasia das ordens. O digno par definiu aqui tres especies de apostasia, compulsou aqui os moralistas e entrou no campo theologico, meteu a fouce na seara alheia, mas a sua intelligencia é bastante elevada para poder não só respigar na seara alheia, mas até ceifar o que é mais. S. ex.ª disse que definia a apostasia, não porque nós não soubéssemos a sua definição, mas para lá fóra saberem. Ora lá fóra tambem sabem o que é apostasia, e as pessoas ecclesiasticas que são as que se interessam mais nesta questão, sabemos muito bem. Mas o digno par não trouxe para aqui tal definição para fazer sabatina, foi com um fim politico, foi para a defeza da causa...
O sr. Moraes Carvalho: — Apoiado.
O Orador: — Apoiado, sim, senhor, foi para defeza, eu porém no caso do sr. ministro renunciava á defeza do digno par (riso).
Trata se aqui da apostasia das ordens. Para que trouxe o digno par esta doutrina? Foi para diminuir a impressão desagradavel que podia trazer a palavra apóstata applicada ao individuo nomeado para escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra, porque esse individuo é apóstata das ordens sacras. Não conseguiu s. ex.ª o seu fim, porque quando trouxe para aqui esta doutrina, só d'esse o que era apostasia das ordens, mas não fallou nos effeitos da apostasia, não fallou nas penas ecclesiasticas que são impostas á apostasia das ordens. O que é um homem que se constituiu apóstata das ordens, aos olhos da sociedade e da consciencia dos homens, todos nós sabemos; porque os nossos actos não são indifferentes ao publico. Deve-nos sempre tratar de procedermos bem, para ganhar a confiança dos homens. Nunca se deve esquecer isto nas acções da nossa vida.
Tratemos pois de regular as nossas acções para ganharmos bom conceito. Não basta que digamos que somos bons: é preciso que procedamos bem, porque os outros é que hão de julgar as nossas acções. Pois que quer dizer agora um homem que recebe as ordens sacras e que depois as abandona voluntariamente e reverte ao estado secular, não fazendo caso das penas da apostasia?! Que despreza tudo para se collocar ao abrigo das leis civis! Pois era conveniente collocar este homem junto de um prelado?
O digno par o sr. Moraes Carvalho, leva o fanatismo e o seu respeito ás leis civis que não quer saber das leis ecclesiasticas, nem da consciencia de ninguem, e no fim de tudo diz — e note-se que sou christão. Não duvido que o! seja (riso).
O sr. Moraes Carvalho: — E chamarei calumniador a quem disser o contrario.
O Orador: — Eu não duvido; e ainda mesmo que duvidasse a estima era a mesma (apoiados). Nós, os catholicos, temos o primeiro mandamento do decálogo, o amor do proximo; e por isso, judeu ou turco, deve ser amado porque é nosso similhante (apoiados); e este amor deve ser tão puro, como para o proprio christão (muitos apoiados).
O digno par deve fazer justiça ás minhas intenções, e por isso eu já disse que estas questões religiosas não são proprias nos parlamentos (apoiados), onde se falla sempre uma linguagem algum tanto livre; e lá fóra póde ser mal interpretada uma palavra que não teve mau sentido, mas sim a inconveniencia de não ser bem medida (apoiados). Isto traz sempre grande prejuizo. Devemo-nos convencer que ha perto de quatro milhões de habitantes que estão espalhados por todo o reino, e que todos são crentes, mas philosophos, poucos são (apoiados). E o legislador quando está no seu gabinete a formar projectos, ou nas assembléas a discutir as leis, deve sempre attender aos usos, costumes e crença dos povos; e ai d'aquelle que não attender a isto.
Faz-me isto lembrar uma passagem de um certo júri consulto inglez que, faltando na reforma da legislação do seu paiz, dizia que era uma vergonha que n'aquelle tempo (isto era ha dois ou tres annos) ainda a Inglaterra não houvesse feito uma reforma nas suas leis. Eu estou convencido que deve haver grande conveniencia n'esta reforma; dizia elle, esta idéa tem amadurecido na minha cabeça, estou convencido da sua necessidade; mas se porventura a rainha de Inglaterra ou o governo depositassem nas minhas mãos todos os poderes para fazer esta reforma, eu preferia dar um tiro n'um ouvido a ter tal encargo, porque esta idéa póde ser muito util, mas é necessario que o meu paiz a aceite, e para isso é mister que a conheça, e que ella amadureça na consciencia publica, aliàs ficarão perdidos os seus fructos.
Assim, sr. presidente, nós os portuguezes temos uma população de perto de 4.000:000 habitantes, todos são crentes, philosophos poucos. D'aqui o perigo de se soltar expressões que podem ter grande cheiro e sabor ao erro...
O sr. Conde da Taipa: — Também são epicuros (riso).
O Orador: — Não quero cansar mais a camara, e mando para a mesa esta proposta que resume e consubstancia tudo quanto disse (leu).
Não Sei se esta redacção é clara, mas eu peço á camara que me desculpe, senão se percebeu bem, e por isso declaro salva a redacção.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O sr. Secretario: — Leu e é do teor seguinte:
«A camara dos pares, ouvindo as explicações do sr. ministro da justiça, ácerca do lamentavel incidente que chamára a sua attenção, e reconhecendo que isto resultara da deficiencia da lei que regula as relações entre o estado e a igreja, convida o governo a que se dê pressa em propor ao corpo legislativo as providencias que julgar mais convenientes e acertadas, a fim de que mantidas integralmente as prerogativas da corôa e a liberdade da igreja, se evitem para o futuro tão deploraveis conflictos, e passa á ordem do dia.
«Sala das sessões, 21 de março de 1864. = Antonio, bispo de Vizeu.»
O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, o digno par que acaba de fallar declarou que havia de apresentar uma proposta consubstanciando tudo que houvesse de dizer a respeito de tal questão. Effectivamente s. ex.ª acaba de mandar para a mesa a proposta que nos prometteu.
Por consequencia, para não promover difficuldades e para que se não diga que tenho em vista causar transtornos no andamento dos negocios publicos, peço á camara que me permitta retirar a minha proposta, a fim de que seja adoptada a que acaba de ser apresentada pelo illustre prelado (apoiados).
Consultada a camara assim resolveu.
O sr. Marquez de Vallada: —Quando começou esta questão de que estamos tratando, disse eu que me reservava o direito de apresentar uma moção qualquer que julgasse conveniente.
O digno par o sr. conde de Thomar apresentou uma proposta com a qual me conformava, mas como s. ex.ª a retirou, adoptando a do sr. bispo de Vizeu, e como tambem esta está de accordo com as minhas opiniões, não posso deixar de igualmente a adoptar.
O sr. Xavier da Silva: — Sr. presidente, rogo a V. ex.ª queira servir-se de me mandar a proposta que acaba de ser retirada pelo digno par conde de Thomar, porque desejo adopta-la era parte; isto é, aproveito ou adopto parte da dita propôs», eliminando a que diz respeito á censura feita ao governo. (Vozes: — Não póde ser.) Estou no meu direito de fazer uma proposta e de a apresentar; mas se a camara entender que não é possivel eu adoptar a dita proposta eliminando d'ella uma parte, faça se de conta que é uma proposta nova julgo que, segundo o regimento, estou no meu direito de a apresentar (apoiados).
O sr. Aguiar: — Peço a palavra. (Riso.)
O Orador: — Mando para a mesa a proposta redigida como disse, é a que foi retirada pelo digno par conde de Thomar, excepto na parte que respeita ao voto de censura ao governo. (Leu-a.)
Não desejo interromper a discussão, e por isso peço a
V. ex.ª que tenha a bondade de me inscrever para sustentar a minha proposta, no caso de ser impugnada.
O sr. secretario leu a proposta acima referida, que foi do teor seguinte:
«A camara dos pares tendo ouvido as explicações do governo ácerca das occorrencias que tiveram logar por occasião da nomeação por elle feita para o logar de escrivão da camara ecclesiastica do bispado de Coimbra, manifesta os seus sentimentos de respeito pelos direitos do estado em similhante materia, e passa á ordem do dia.
«Camara dos pares, em 21 de março de 1864. = Augusto Xavier da Silva.»
O sr. Rebello da Silva: — Eu não quero tirar o logar ao digno par o sr. Sebastião José de Carvalho mandando para a mesa este papel; mas aproveito a occasião de ter pedido a palavra, para derivar uma consequencia que se tira dos principios estabelecidos pelo illustre prelado, sobre a nomeação e apresentação dos escrivães das camaras ecclesiasticas.
Leu a proposta a que se reportava, e que mandou para a mesa no sentido de os escrivães das camaras ecclesiasticas serem apresentados pelos bispos, e de nomeação do governo.
O sr. Moraes Carvalho: — Não satisfaz. Ha de ser mais amplo.!
O sr. Rebello da Silva: — A mim satisfaz-me (riso). O digno par póde combater esta proposta; eu aceitarei as suas considerações e responderei depois a ellas.
Ficou para segunda leitura
O sr. Filippe de Soure (sobre a ordem): — Eu entendo que a proposta mandada para a mesa é um verdadeiro projecto de lei, e por isso devia dar-se lhe o mesmo destino que se dá aos projectos de lei. Eu não posso perceber que se apresente uma proposta n'esta camara para ser votada já, para se passar á ordem do dia! Que quer dizer a proposta apresentada pelo digno par? Que quer dizer a segunda proposta que foi apresentada nesta casa? Aprecia a legislação actual do paiz: declara expressamente a sua deficiencia. Aqui, sr. presidente, é que está a inconstitucionalidade, perdoe me o illustre prelado.
Uma voz: — Essa é a questão.
O Orador: — Perdão; essa não é a questão: nós não podemos tratar de uma proposta desta ordem sem ir a uma commissão; não podemos aprecia-la sem ferirmos a legislação marcada na carta. Pois o que quer dizer, sr. presidente, declarar esta camara que a legislação actual é deficiente? O que significa isto? Significa querer regular a legislação ou pelo menos reconhecer que ella deve ser revogada.
Uma voz: — Isto é a materia.
O Orador: — É materia legislativa que prende com a carta, e que esta camara não póde resolver por uma votação precipitada; que não póde resolver sem ir a uma commissão.
Vozes: — Trata se da discussão da materia.
O Orador: — Se é da discussão da materia então calo-me; eu suppunha que era da questão previa. Nesse caso peço a V. ex.ª que me inscreva para quando se tratar deste negocio.
O sr. J. A. de Aguiar: — Sr. presidente; pedi a palavra sobre a ordem quando um digno par exigiu, não pediu, exigiu que se lhe mandasse da mesa uma moção feita pelo sr. conde da Thomar, que já não pertencia nem á camara, e que por consequencia não podia pretender fazer no d'ella. Pareceu-me até que o digno par mesmo sem esperar que se lhe desse a palavra, sem ter annunciado que queria apresentar uma moção...
O sr. Xavier da Silva: — Eu pedi a palavra sobre a ordem e foi me dada.
O Orador: — Pois muito bem, mas pareceu-me que o digno par não tinha direito de exigir que esse papel fosse apresentado para fazer n'elle aquellas emendas ou alterações que julgava conveniente, e era isto que eu queria dizer simplesmente.
O sr. Bispo de Vizeu: — Sr. presidente, pedi tambem a palavra sobre a ordem, porque ouvi o digno par, o sr. Soure, fallar n'uma hypothese era que eu não fallei, nem tive em vista. A proposta que mandei para a mesa não foi de referencia, e sim uma expressão do meu sentimento, para a mesa e a camara fazerem d'ella o que entenderem conveniente. Foi para a declaração de que nada exijo, que solicitei a palavra, portanto nada mais direi.
O sr. S. J. de Carvalho: — Começarei por me referir ao que acaba de dizer o digno par o sr. Soure, declarando a s. ex.ª que a moção de ordem do sr. bispo de Vizeu, que ha pouco foi lida sobre a mesa, está em discussão conjunctamente com a do sr. Augusto Xavier, e que tanto uma como outra d'essas moções não serão approvadas sem discussão, tendo assim o digno par o direito de as combater. Por consequencia não se persuada o digno par que os que votámos pela admissão d'essa proposta pretendemos com qualquer intuito, ou sob a influencia de qualquer idéa reservada, provocar, esquecendo as disposições regimentaes, uma votação immediata sobre a proposta do illustre bispo de Vizeu.
Sr. presidente, a questão apresenta-se agora sob um aspecto differente, e eu, reservando-me o direito de apreciar as propostas que estão sobre a mesa, não hei de ainda assim deixar de a considerar no campo unico em que os factos a collocam. Permitta-me o digno par que me precedeu que eu declare a s. ex.ª que nem o conflicto que apreciámos resulta da deficiencia da lei de 5 de agosto de 1833, nem a questão se resolve propondo a reforma d'essa lei. E a esse respeito direi que é notavel que se accuse o illustre prelado d'esta diocese por apresentar algumas considerações sobre a conveniencia da derogação do decreto de 5 de agosto, quando é facto não contestado pelo proprio digno
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par o sr. Moraes Carvalho, que nenhum ministro o tem cumprido em todo o rigor das suas disposições. Pois quem mais se insurge contra as disposições de qualquer lei, o que a cumpre pedindo a reforma d'ella, ou o que deixa de a cumprir pretextando o seu respeito pelas suas disposições? Mas, repito; a questão não é da reforma do decreto de 1833, e desvia a questão dos termos em que os factos a collocam quem, para justificar o procedimento do ministro, attribue o facto que discutimos á deficiencia da lei, que a dar se, nunca até hoje havia provocado taes conflictos.
Podia pois, em vista d'estas considerações, deixar eu de apreciar a moção do digno par que me precedeu? Direi porém algumas palavras sobre ella, porque, trazida esta questão ao campo da discussão, não quero deixar de apresentar a minha opinião e significar sobre ella o meu voto.
O decreto de 5 de agosto de 1833 foi um decreto de occasião, referia se apenas á extincção dos padroados ecclesiasticos. Todos os governos o têem assim entendido até hoje (sussurro).
Sr. presidente, se V. ex.ª não impõe silencio á camara, não continuarei a usar da palavra, porque fallo para ser ouvido, e quando me não ouvem calo-me (apoiados).
O sr. Presidente: — A camara ouviu o digno par.
(Vozes: — Deu a hora.)
O Orador: — Então se V. ex.ª m'o permitte ficarei com a palavra para a sessão seguinte (apoiados).
O sr. Presidente: — A primeira sessão será ámanhã; a ordem do dia é a continuação da de hoje, e está levantada a sessão.
Eram quasi cinco horas.
Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão. do dia 21 de março de 1864
Ex.mos srs.: Conde de Castro; Cardeal Patriarcha; Duque de Palmella (Antonio); Marquezes, de Alvito, de Fronteira, de Niza, do Pombal, de Sá da Bandeira, de Vallada, de Sabugosa, de Vianna; Condes, das Alcaçovas, de Alva, de Avilez, d'Avila, da Azinhaga, da Louzã, de Mello, de Peniche, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, do Rio Maior, do Sobral, da Taipa, de Thomar; Bispos, de Lamego, de Vizeu; Viscondes, de Santo Antonio, de Benagazil, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Ovar, de Soares Franco; Barões de S. Pedro, de Foscoa; Mello e Carvalho, Moraes Carvalho, Mello e Saldanha, Augusto Xavier da Silva, Pereira Coutinho, Teixeira de Queiroz, Custodio Rebello de Carvalho, Ferrão, Faustino da Gama, Margiochi, João da Costa Carvalho, Aguiar, Soure, Braamcamp, Pinto Basto, Silva Cabral, Reis e Vasconcellos, Izidoro Guedes, José Lourenço da Luz, Baldy, Eugenio de Almeida, Matoso, Silva Sanches, Rebello da Silva, Luiz de Castro Guimarães, Vellez Caldeira, Miguel Osorio, Miguel do Canto, Menezes Pita e Sebastião José de Carvalho.