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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 8 DE MARÇO DE 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. SILVA SANCHES

PRESIDENTE SUPPLEMENTAR

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Visconde de Gouveia

Pelas tres horas da tarde, sendo presentes 32 dignos pares, declarou-se aberta a sessão.

O sr. Presidente: — Convido o digno par, o sr. visconde de Gouveia, a occupar o logar de secretario.

Lida a acta da precedente sessão julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Um officio do sr. ministro da marinha, remettendo oitenta exemplares da conta da gerencia relativa ao anno economico de 1863-1864, e a do exercicio findo no de 1862-1863.

Outro officio do presidente da junta do credito publico, remettendo cem exemplares da conta da gerencia da mesma junta, relativa ao anno economico de 1863-1864.

Mandaram-se distribuir.

O sr. Marquez de Niza: — Sr. presidente, ha tres dias que esta installado o novo gabinete; a praxe tem sido constantemente apresentarem-se na camara dos senhores deputados e na nossa os novos ministros, para darem parte da sua installação; não tem tido logar esta formalidade, porque as nossas sessões não têem durado alem das quatro horas; parece-me portanto que seria conveniente suspender a sessão até ás horas em que costuma acabar a sessão da camara dos senhores deputados, fazendo-o constar aos srs. ministros para que possam aqui participar a installação do novo gabinete.

O sr. Presidente: — Eu peço ao digno par que mande por escripto a sua proposta, entretanto vou consultar a camara para ver se a admitte á discussão.

Consultada a camara, foi admittida a proposta á discussão

O sr. Rebello da Silva: — Não era propriamente este o objecto para que tinha pedido a palavra; mas como esta em discussão, direi que me parece conveniente, visto achar-se installado o ministerio ha tres dias: ignoro comtudo se na mesa já existe alguma participação official, e V. ex.ª me confirmará; mas parece-me que é um acto de deferencia da camara, que é zelosa no cumprimento do seu dever, não encerrar os seus trabalhos sem esperar que os srs. ministros aqui tenham vindo para dar explicações.

O objecto principal para que pedi a palavra, era para rogar a V. ex.ª que, de accordo com o presidente da camara dos senhores deputados, tome qualquer disposição para que as sessões, em que tenham logar as explicações dadas pelos srs. ministros, a que provavelmente devem concorrer bastantes espectadores, como tem succedido na outra casa do parlamento, se não celebrem n'este pequeno âmbito; era esta a minha proposta, e parece-me que todos os membros d'esta casa concordarão n'ella, facilitando-se assim a publicidade. Proponho portanto que a mesa resolva, de accordo com a dos srs. deputados, que se dêem as providencias necessarias para podermos funccionar de modo que nos não achemos em tão estreitos limites, vedando assim a publicidade, que é tão necessaria em negocios d'esta ordem (apoiados).

O sr. marquez de Niza leu a sua proposta, a qual foi novamente lida na mesa pelo digno par secretario, e posta á discussão.

É do teor seguinte:

PROPOSTA

Requeiro que se continue a sessão até á hora a que acaba a da camara dos srs. deputados, participando-se aos srs. ministros, a fim de que possam, querendo vir conforme a praxe, declarar a formação do novo gabinete. = Marquez de Niza.

O sr. Presidente: — Para proceder com ordem, esta em discussão a proposta do sr. marquez de Niza.

O sr. Conde de Thomar: — Parece-me que a proposta deveria ter algumas modificações; não ha duvida que é das praxes em todos os paizes regidos constitucionalmente, depois dos factos como os que acabam de ter logar no nosso paiz de se formar um ministerio que, aos corpos legislativos se faça a devida communicação, apresentando-se os srs. ministros.

É reconhecido o motivo por que ss. ex.ªs não têem comparecido n'esta casa, ainda que me parece que, estando o ministerio completo, podia dividir-se para satisfazer estes deveres, que em toda a parte são impostos aos srs. ministros; mas ss. ex.ªs são juizes da necessidade que têem de estarem presentes todos na camara dos srs. deputados.

Sr. presidente, este corpo é muito respeitavel, e é necessario que o poder executivo mostre que respeita a camara dos dignos pares, para que esta camara o respeite tambem (apoiados). Parece-me portanto que não nos devemos collocar nas nossas, cadeiras á disposição dos srs. ministros; o mais conveniente é a camara auctorisar a mesa a mandar saber se o sr. presidente do conselho vem, ou não, acabada a sessão da camara dos srs. deputados, dar as explicações do estylo; se elle disser que vem, esperemos; mas sem ter a certeza, não me parece conveniente. O acto que nós agora praticámos poderia ter logar ámanhã. Pedia portanto ao sr. marquez de Niza que limitasse a sua proposta, auctorisando a mesa a mandar saber se o sr. presidente do conselho vem, ou não, porque não devemos estar aqui submissos ás ordens do executivo.

O sr. Marquez de Niza: — Convenho em modificar a minha proposta no sentido em que acabou de fallar o digno par, o sr. conde de Thomar, e portanto peço licença para a retirar, e no caso que a camara consinta, substituindo-a por outra, em que se declare o sr. presidente auctorisado a mandar saber se o sr. presidente do conselho vem, para depois prorogarmos a sessão.

Não é isto?

O sr. Conde de Thomar: — Exacto.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que permittem ao sr. marquez de Niza o poder retirar a sua proposta para a substituir pela indicação do sr. conde de Thomar, queiram levantar-se.

O sr. Vaz Preto: — Peço a palavra, e desejava que a camara me ouvisse antes de resolver que o sr. marquez de Niza retire a sua proposta. Perdoe V. ex.ª Peço ao sr. marquez de Niza que consinta, se tencionar retirar a sua proposta, que eu a faça minha, que a tome sob a minha responsabilidade, e logo que me permitta que eu exponha as rasões d'esta minha opinião, fallo-hei breve, convicta e francamente, e a camara as attenderá.

O sr. Marquez de Niza: — Eu não sei se fui bem explicito.

O sr. conde de Thomar lembrou que era mais conveniente mandar-se saber á outra camara, se os srs. ministros estão ou não dispostos a vir; porque, no caso que venham, fica de pé parte da minha proposta relativa á prorogação da sessão, e se não vierem, tenho a firme tenção do propor outra cousa.

Entendi dar esta explicação ao digno par, para melhor se illucidar do contheudo da minha proposta.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, se o sr. marquez de Niza consente, eu admitto a proposta tal qual ella se acha redigida; faço-a minha e sustenta-la-hei perante os dignos pares.

Sr. presidente, desde o momento que o sr. marquez de Niza apresentou a sua proposta resolvi apoia-la, e mesmo toma-la sobre mim e defende-la, no caso do s. ex.ª a querer retirar, depois de ouvir as explicações do sr. conde de Thomar; a proposta é conforme com todos os principios e dignidade nossa. Era dever porém do governo, depois de constituido, vir em seguida ás duas casas do parlamento apresentar-se, ou por escripto fazer-lhe communicação da sua existencia e da sua formação; nada d'isso se fez, preteriram-se as formulas, e o actual gabinete começa já a caminhar n'uma senda sinuosa, sem saber por onde ha de saír nem por onde ha de entrar; n'este presupposto e na actualidade das circumstancias é dever tambem nosso reunirmo-nos, continuarmos a sessão, declara-la até permanente, se tanto for necessario, esperar que o gabinete tenha por nós a consideração e deferencia que nos é devida, communicando-nos verbalmente ou por escripto o que os principios lhe prescrevem e as praxes lhe ensinam. Se não vier, pois, é sobre elle que recáe toda a responsabilidade, porque nós cumprimos a nossa missão, obramos dentro da esphera de actividade que os principios e doutrinas constitucionaes nos traçam; em summa, porque nós somos poder independente, e como tal não devemos estar aqui ás ordens dos srs. ministros, e por isso eu não aceito a proposta com a modificação do sr. conde de Thomar; eu folguei quando o sr. marquez do Niza apresentou aquella proposta, e sei perfeitamente o motivo por que s. ex.ª aceita a modificação, é porque deseja que o ministerio se apresente, com a brevidade que é devida a esta camara, e que da nossa parte não pareça haver acinte e desejo de lhe crear difficuldades, a não ser aquellas que a sua incompatibilidade com os principios e prescripções constitucionaes lhe creou, e n'este ponto estou de accordo com s. ex.ª; mas o que o sr. marquez de Niza deseja, como nós, é que se mantenha a dignidade d'esta camara, o que nos colloquemos na posição, altura e elevação de poder independente, que somos. Neste caso, e sem querer crear 'difficuldades, sr. presidente, eu insisto na proposta do sr. marquez de Niza, completamente em harmonia com a indole e decoro do poder que nos é conferido, porquanto a nós compete-nos satisfazer ás attribuições inherentes á independencia do poder legislativo, assim como o governo ás do poder executivo; e não podemos nem devemos prescindir do respeito e consideração que nos é devida, e não me parece muito curial perguntar ao governo quando vem apresentar-se diante de nós, quando o seu dever é esse, e quando a responsabilidade lhe cabe pelos seus actos, como indica o sr. conde de Thomar e desejo que esta camara faça; porquanto isto me parece ser contrario ao decoro e dignidade que devemos manter, devemos reunirmos como é costume, funccionarmos como julgarmos, em conformidade com as sãs doutrinas, e deixar embrenhar á sua vontade esse governo impossivel no labyrinto inextrincavel que elle para si creou. Nós e o governo somos dois poderes que actuam em espheras de actividade differente, mas que devemos estar em harmonia, e que nos devemos mutua consideração e respeito, acatando sempre os verdadeiros principios e as prescripções que a constituição do estado nos indica.

Sr. presidente, eu repito que insisto pela proposta do sr. marquez de Niza; entretanto se a camara permittir que s: ex.ª a retire, eu curvo-me até á sua decisão.

O sr. Marquez de Niza: — Preciso dar uma explicação; porque o digno par fallou em sessão permanente, não era esse o meu pensamento; era sim, que a sessão tivesse o seu decurso regular e ordinario. Nós costumamos acabar ás cinco horas, e desde as quatro, que acaba a sessão da outra camara, ha uma hora de intervallo em que os srs. ministros podiam aqui apresentar-se, e não achava conveniencia nenhuma em declarar a sessão permanente mas sim ordinaria.

O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, quasi que devia ceder da palavra, porque a camara deve já estar ao facto da proposta do sr. marquez de Niza, e da modificação que apresentei, pois entendia (e digo francamente) que a camara antes de se apresentar o ministerio desejava fazer logo uma censura, que é o que me parece deduzir-se das palavras do digno par, do outro lado da camara. O ministerio ainda se não apresentou nem deu explicações, e nós praticamos um grande acto de civilidade, auctorisando a V. ex.ª para fazer saber aos srs. ministros que a camara dos pares deseja ouvir as suas explicações sobre a organisação que ultimamente teve logar: emquanto as cousas se podem levar por meios suaves, eu não desejo nunca que se usem de outros, eis-aqui a rasão porque apresento esta minha idéa, e se a camara se convencer d'ella approve a proposta do sr. marquez de Niza, mas em todo o caso nunca sessão permanente; porque se a camara assim se declarasse, quantas horas ou quantos dias teriamos nós de estar aqui á espera que se apresentassem os srs. ministros?

Isto não póde ser.

O sr. Presidente: — Tinha-me esquecido fazer uma declaração ao sr. Rebello da Silva. S. ex.ª desejou saber se havia sobre a mesa alguma communicação official da nomeação do ministerio; declaro a s. ex.ª que não ha communicação nenhuma a este respeito.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, entendi mal o sr. marquez de Niza, porque julguei que s. ex.ª tinha feito uma proposta para se prorogar a sessão, depois da hora que está marcada, visto o dever que o ministerio tem de se apresentar diante d'esta camara, e anciedade que nós temos de ouvir as suas explicações.

Mas n'este caso mesmo, parece-me desnecessario convidar o governo ou fazer-lhe saber que nós estamos reunidos, porque a nossa sessão começa a certas e determinadas horas, e finda tambem durante horas determinadas, e horas differentes da camara dos senhores deputados, e portanto acabada ali a sessão o ministerio podia e devia comparecer aqui.

O ministerio esta constituido ha tres dias, e elle tem de se apresentar n'esta camara, segundo as indicações e praxes do systema representativo, e dar explicações da fórma e modo porque se constituiu.

Por consequencia, nós como poder independente cumprimos com o nosso dever, reunindo-nos e esperando-o, e o ministerio comparecendo cumpre tambem com o seu. Como não ouvi ainda o governo, com isto não quero nem desejo irrogar-lhe censura nem tão pouco lançar já sobre elle desfavor; se elle deixar porém de cumprir com os seus deveres então sim, porque é elle mesmo que se crimina; não sou eu, nem esta camara que lança sobre o ministerio esse desfavor, é elle, por isso que não cumpre a sua missão posterga todas as praxes, todos os usos e costumes, e esquece-se do seu brio e decoro, praticando para comnosco um acto do desconsideração. Da minha parte pois não havia nem ha ainda intenção de fazer censura ao governo; o que digo por emquanto sómente, é que entendo que o governo deve sempre praticar aquelles actos de respeito o deferencia que lhe cumpre guardar para com os poderes legalmente constituidos e diante dos quaes elle tem uma missão superior a cumprir; emfim eu não quero que se possa dizer que já estou aqui mostrando desejos de crear difficuldades ao novo gabinete; a camara ha de votar o que julgar mais conveniente, e com isso fico eu satisfeito, porque da minha parte fiz o que estava ao meu alcance, apresentando-lhe as considerações que se me offereceram ao espirito.

O sr. Presidente: — Como não ha mais ninguem inscripto consulto a camara sobre se permitte que o digno par, o sr. marquez de Niza, retire a sua proposta para ficar substituida pela indicação do sr. conde de Thomar.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

O sr. Seabra: — Eu ouvi dizer a V. ex.ª que não havia participação official da existencia do novo ministerio, e não sei se esta na pratica parlamentar deixar de se fazer essa participação. Se ella é necessaria, como creio, sou de opinião que um corpo do estado, independente e tão respeitavel como este, não póde por maneira alguma dar-se por sabedor da existencia de actos que lhe não foram communicados officialmente; portanto, emquanto não tivermos participação official, parece-me que não nos podemos dirigir a quem não nos participou regularmente a sua existencia. Os decretos publicados no Diario têem força para obrigar os cidadãos individualmente, mas os corpos legislativos como corpos moraes, como poderes distinctos e independentes têem direito a serem tratados de outra maneira (apoiados).

O sr. Mello e Carvalho: — Sr. presidente, tenho-me abstido de fallar n'esta camara porque conheço a minha insufficiencia para bem o fazer; no entanto, hoje seria reprehensivel o meu silencio, attenta a circumstancia que comigo se deu e que passo a expor singelamente.

O sr. presidente do conselho, no primeiro dia em que se apresentou na camara dos senhores deputados com os seus collegas do novo gabinete, perguntou-me se havia sessão n'esta camara, e eu disse-lhe que provavelmente não have-

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ria, porque estavamos todos empenhados em ouvirmos a discussão que se agitava n'aquella casa do parlamento. Isto parece-me que prova bem que ò sr. presidente do conselho tinha tenção de se apresentar n'esta camara com os seus collegas, logo que ali terminasse a sessão, para dar tambem aqui as explicações que lhe fossem pedidas. Com esta fiel narração do que se passou entre mim e o sr. presidente do conselho quiz unicamente fazer ver á camara que me parece evidente que da parte do sr. presidente do conselho não houve intenção de desconsiderar a camara dos pares, e que se não officiou foi porque tencionava fazer verbalmente a participação de que se achava constituido o novo gabinete. E isto o que entendi não dever dispensar-me de dizer n'esta occasião.

O sr. Rebello da Silva: — Não sei se é uso estas communicações fazerem-se por officios ou verbalmente. Se é d'este ultimo modo, não temos nada que estranhar, porque a camara não tem estado reunida a hora em que o governo possa aqui comparecer. Se é uso fazerem-se taes communicações por officios, então houve um descuido, mas eu creio que é costume fazerem-se essas communicações verbalmente, e então não temos de que nos queixar (apoiados).

O sr. S. J. de Carvalho: — Sr. presidente, ha tres dias que se acha constituido o governo, e que este' trata de explicar á camara dos srs. deputados a inconstitucionalidade do acto, pelo qual se organisou o novo gabinete (apoiados), sem que esta camara tenha a tal respeito recebido a communicação official que é de estylo receber; n'estas circumstancias, que são excepcionaes, obrigado hoje mais que nunca a pugnar pela verdadeira pratica constitucional (apoiados); em nome da dignidade d'esta camara, peço a V. ex.ª que nos constituamos em sessão permanente...

Vozes: — Até ás cinco horas.

O Orador: — Pois seja até ás cinco horas, e depois a camara resolverá se se deve ou não prorogar a sessão. O que eu desejo apenas, é que o governo compareça perante esta camara, quanto antes (apoiados).

O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, como eu disse, apresentei um meio que não envolvia censura alguma, attentas as circumstancias especiaes em que se tom achado o ministerio na outra camara, mas visto que o meu amigo o sr. Seabra, disse que não havia logar a tomar deliberação alguma, attendendo a não existir communicação da formação do novo gabinete, cumpre-me dizer o que me parece 'que se tem sempre feito em casos identicos, e é ser pratica constante, apresentar-se o novo ministerio aos dois corpos legislativos, apenas são publicados os decretos no Diario de Lisboa, sem que se faça nenhuma communicação por escripto para a mesa. Portanto se é esta a pratica que se tem seguido até agora, eu não vejo motivo para se dirigir censura pela falta d'esta communicação. Eu creio que não foi esta a intenção do digno par o sr. Seabra, e que s. ex.ª só se referiu á hypothese de" que fosse costumo fazerem-se essas communicações por escripto.

Ora se nós sabemos que o ministerio esta engajado em uma discussão na outra casa do parlamento, que póde decidir da vicia 011 da morte do mesmo ministerio, devemos nós não nos tornarmos exigentes, mas sim generosos, e marcharmos pelos meios mais conciliatorios que se nos apresentarem. O sr. presidente trata de saber se o governo tenciona ou não comparecer nesta camara para dar explicações convenientes, e nós n'esse caso entendo que devemos esperar que elle venha, e quando se não possa apresentar hoje, quando tenciona faze-lo, porque não é conveniente que não tendo nós trabalhos de que nos occupemos estejamos aqui á espera que o governo se possa apresentar, e por isso convem que a mesa fique auctorisada para saber se o ministerio vem hoje ou quando vem. O governo começa por dar explicações; se ellas nos convem muito bem, se não nos satisfazem então tomámos os nossos logares, e por certo que não hei de ser eu que deixarei de as observar devidamente se ellas não satisfizerem.

Ouçamos o que se nos vier dizer, e por isso presumo conveniente esperar, porque ás vezes as explicações que se dão na outra casa do parlamento não são iguaes ás que depois j se dão aqui (apoiados).. Quem sabe pois mesmo, se comquanto as explicações do governo não têem ali satisfeito, poderão vir a satisfazer aqui. É possivel talvez (apoiados).

O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, era unicamente para me associar ao voto dos dignos pares que acabo de ouvir, e sobretudo aos dos dignos pares conde de Thomar e Sebastião José de Carvalho; mas peço a V. ex.ª que' logo que entrem os srs. ministros me conceda a palavra, a fim de pedir explicações terminantes sobre a solução da ultima crise ministerial, e fazer aquellas considerações que eu reputo a proposito e de grande urgencia politica n'este caso, para mostrar qual é a minha opinião, e para defender os sacrosantos principios liberaes, em virtude dos quaes estamos sentados n'estas cadeiras.

O sr. Seabra: — Sr. presidente, é sómente para declarar que nas duas palavras que disse não tive em vista fazer censura alguma a ninguem, mas unicamente tirar a consequencia do facto em relação que se agitava. '

V. ex.ª disse, que não tinha havido participação alguma, e eu não sei se a pratica é o fazerem-se essas participações, porém nós não podemos ter conhecimento official da formação do ministerio sem que elle venha aqui, ou sem que haja participação por escripto; disse-se que a pratica não era o ministerio fazer essas participações por escripto, mas sim apresentar-se pessoalmente. Ora como isto ainda se não fez, parecia-me que o mais digno d'esta casa era conservar-se no seu posto, e esperar que o governo venha cumprir com o seu dever. Póde prolongar-se a sessão até á hora do costume, a fim de ver se o governo comparece hoje n'esta casa. Se não comparecer, a camara poderá depois tomar a resolução que lhe parecer mais justa e acertada (apoiados). I

O sr. Conde d'Avila: — Eu não sei como esta discussão começou, por isso o que vou dizer talvez não esteja em harmonia com o que se tem passado.

Sr. presidente, eu não reputo conveniente que nós peçamos explicações nesta camara aos srs. ministros, emquanto elles estiverem empenhados n'uma grande discussão na outra casa, que ainda não acabou.

Uma voz: — Acabou.

O Orador: — Acabou a sessão, mas não a discussão. Eu sentirei muito que os srs. ministros venham agora aqui, e volt dar a rasão d'isso. Supponha V. ex.ª, sr. presidente, que as explicações dadas pelos srs. ministros não agradam, que alguns dignos pares pedem a palavra a respeito dellas, e que tem logar nesta camara uma discussão, não tão larga como na outra casa, mas larga, o resultado seria ter de ser cortada inevitavelmente essa discussão, por isso que os srs. ministros estão todos empenhados no debate que se agita na outra camara, e não a podem abandonar ámanhã para assistir aqui ao debate, que teria de começar hoje. Julgo pois mais prudente deixar acabar a discussão na outra camara para então começar n'esta. Eu não vejo vantagem nenhuma de se prorogar a sessão até os srs. ministros virem aqui dar as explicações que lhes forem pedidas. Os srs. ministros não são de ferro, para que possam depois de terem tomado parte n'uma discussão acalorada de tres ou quatro horas na outra camara, vir aqui em seguida tomar parte n'um debate, que póde durar outras tres ou quatro horas. Não me parece isto proprio da indole d'esta camara. Nós devemos tomar, não só n'esta occasião, mas em todas a posição de moderação e dignidade que nos compete (apoiados).

O governo esta dando explicações na outra casa, e não se póde dividir para vir aqui uma parte e ficar lá outra, por isso que se pedem explicações a todos os ministros.

Entendo que uma discussão dirigida d'esta maneira, não póde trazer senão inconvenientes, e mostrar uma impaciencia da nossa parte, que eu desejava que soubéssemos moderar no nosso interesse e no da causa publica.

O sr. S. J. de Carvalho: — Sr. presidente, vou fallar com a franqueza que me é propria, e n'isto não vejo de modo nenhum qualquer censura ao digno par que me precedeu.

Sr. presidente, se as explicações que o governo tem a dar n'esta camara forem simples, esta claro que não ha motivo para haver o receio que o digno par tem de que se alargue a discussão. Se as explicações dos srs. ministros nos não satisfizerem, é porque as circumstancias em que o novo gabinete se acha, são difficeis, e é por isto que comecei appellando para a minha franqueza, receio muito que, com a falta de respeito ás boas praticas constitucionaes, nos appareça aqui, de um instante para o outro, o adiamento da camara. O acto é inconstitucional, mas póde tenta-lo quem tem dado sobejas provas de que se não arreceia muito das inconstitucionalidades.

Sr. presidente, ha tres dias que estamos esperando pela presença do governo, temos por consequencia hoje todo o direito para nos constituir em sessão permanente até que o governo appareça para dar as explicações que lhe forem pedidas. Os ministros não são de indole tal que os possamos julgar cançados com a luta que têem sustentado na outra casa do parlamento; por consequencia, em vista da deliberação da camara, esperemos que os srs. ministros compareçam, e logo que elles se apresentem aqui, eu terei occasião de pedir a V. ex.ª a palavra.

O sr. Vellez Caldeira: — Eu não sei o que se passou na outra camara. Entro nesta casa e d'ella não saio sem se fechar a sessão. Entendo porém que V. ex.ª, na sessão de terça feira, pedia-me que eu soubesse do sr. presidente do conselho se s. ex.ª vinha no dia seguinte a esta camara. Satisfazendo ao pedido do V. ex.ª perguntei ao sr. presidente conselho, e s. ex.ª disse-me que vinha á sessão no dia seguinte, e eu assim o communiquei a V. ex.ª Já se vê que o governo teve idéa de, logo no dia seguinte, vir a esta camara. Achei do meu dever dar esta explicação.

O sr. Presidente: — É verdade o que expõe o digno par o sr. Vellez Caldeira.

Agora acaba de communicar-me o digno par, o sr. Mello e Carvalho, que fôra ter com o sr." presidente do conselho achando-o já a entoar para a carruagem. S. ex.ª ainda chegou a saír da carruagem a fim de reunir os seus collegas, mas já o não poude conseguir. N'estas circumstancias a camara resolverá o que entender.

O sr. S. J. de Carvalho: — Sr. presidente, eu não sei o que se passou com o sr. presidente do conselho, o que sei | é que me dirigi ao sr. marquez de Sá, e s. ex.ª promptificou-se immediatamente a vir a esta camara dar as explicações que entendia dever dar. Creio que a camara resolveu que se esperasse pelos srs. ministros até ás cinco horas...

Vozes: — Não se chegou a tomar resolução nenhuma.

O Orador: — Se não ha nenhuma resolução a este respeito, então eu tenho uma proposta n'esse sentido que a submetterei á apreciação da camara. O sr.'presidente do conselho daria uma prova de deferencia a esta camara se viesse, a convite d'ella, dar as explicações que se lhe pedissem.

Não é tão grande a distancia que vae do átrio d'este palacio á sala em que estamos reunidos, que não possamos esperar que em poucos momentos se apresente perante nós o sr. presidente do conselho com os seus collegas (apoiados).

O sr. -Marquez de Niza: — Eu pedi a palavra para fazer uma breve reflexão. V. ex.ª, sr. presidente, entendeu dever informar a camara do que se tinha passado pelo órgão do digno par o sr. Mello e Carvalho; mas para a camara estas informações não são nem podem ser officiaes. O digno par o sr. Mello e Carvalho não tinha missão alguma, nem de V. ex.ª nem da camara, para convidar o sr. presidente do conselho. Estas missões officiosas não podem ter valor nenhum para a camara, e eu protesto solemnemente contra ellas. V. ex.ª, sr. presidente, tem meios legaes e officiaes para se dirigir ao governo, e este tem tambem meios legaes e officiaes para lhe responder. Este serviço officioso do digno par não tem nem póde ter valor algum (apoiados), e eu insurjo-me contra este facto, para que se não diga que passou desapercebido (muitos apoiados).

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, a camara dos dignos pares não se desviará da sua missão, é opinião minha, é o convencimento do meu espirito. A camara dos dignos pares, comtudo, como corpo legislador, tem direito a ter perante si os ministros, e a que lhe dêem parte da' formação do gabinete, e do modo e fórma por que elle se realisou, é pois por esse direito que eu pugno. Nós reunimo-nos aqui, e se o governo deixar de cumprir os seus deveres, a culpa não é nossa. Eu desejo que os poderes publicos cumpram a sua missão, respeitando-se mutuamente, e não invadindo as espheras da actividade uns dos outros (apoiados); é por este motivo que eu sustento a proposta do sr. marquez de Niza, para continuar a sessão, como é de costume, porque passada certa hora, isto é, terminada a sessão da camara dos senhores deputados, o governo póde vir dar parte da formação do novo gabinete. Se o governo não poder entrar na discussão, e dar as explicações devidas e exigidas por estar empenhado n'um debate acalorado, vivo e forte na outra casa do parlamento, nós teremos o bom senso de adiar essas explicações. Portanto, sr. presidente, eu peço que nós nos conservemos em sessão até ás cinco horas, e se o governo não apparecer a culpa não é nossa (apoiados).

O sr. Ferrer: — Sr. presidente, depois de entrar n'esta camara achei já entabolada esta discussão; e não sei se a proposta, que foi mandada para a mesa, chegou ou não a votar-se. Se esta votada não tenho nada que dizer sobre ella; se não esta direi duas palavras.

O sr. Presidente: — Não esta.

O Orador: — -.Muito bem. Sr. presidente, eu não me levantei para defender o ministerio, nem para fallar em favor d'elle; mas levantei-me para sustentar o decóro da camara, e mostrar a inconveniencia de qualquer discussão que possa haver agora ácerca d'elle, discussão, que já esta annunciada por alguns dignos pares que disseram, que têem de pedir explicações ao governo.

O sr. Vaz Preto: — Em occasião opportuna.

O Orador: — Sr. presidente, se eu visse, ou se eu podesse suspeitar que o governo deixava de apparecer aqui, na fórma do costume, eu seria o primeiro, não digo já a reprovar esse acto, mas até a votar uma censura ao governo, porque entendo que deve haver harmonia entro todos os poderes publicos, e porque ha certos actos de cortesia, que ainda que não estão na carta, estão todavia nos costumes parlamentares. A verdade é que o ministerio apresentou-se na outra casa, onde começou logo uma discussão I renhida, em que foram mandados para a mesa muitos votos de censura e de approvação. Pois quando o ministerio esta á espera da sentença que se lhe ha de dar na camara dos srs. deputados, póde simultaneamente estar lá e aqui?! Não póde ser. Vejamos agora como as cousas hão de marchar. É necessario que lá se decida a questão; é necessario que o ministerio se apresente aqui para responder ás interpellações que alguns dignos pares já annunciaram que haviam de fazer.

Agora pergunto, não seria mais conveniente, não seria melhor que se decidisse a questão na camara dos senhores deputados e o ministerio depois se apresentasse aqui para principiar a discussão? Sendo assim teriamos toda a occasião para interpellar o governo sem limitação de tempo (apoiados), e exigir d'elle todas as explicações que a camara entenda, porque de outro modo, começada a discussão em ambas as casas ha de parar e interromper-se em alguma d’ellas, o de certo deve ser i/esta, pela regra — quem primeiro é no tempo, tem melhor direito. E será proficua essa interrupção? Creio que não.

Sr. presidente, eu peço licença para recordar uma idéa que não é nova para a camara; esta camara tem a especial missão de defender as grandes interesses de ordem e conservação. E por isso o paiz espera della muita prudencia e cordura. (O sr. Vaz Preto: — Peço a palavra.) Causa estranheza ao digno par esta doutrina? É a dos publicistas de melhor nota. Entendo que a camara dos pares é uma camara mantenedora da ordem e conservação, e que deve dar documentos da sua prudencia o cordura. Não mostremos pressa nem desejo de julgar. Não fica isso bem ajuízes rectos e imparciaes. Parece-me que tanto importa que os srs. ministros dêem as explicações, que lhe forem pedidas, hoje como ámanhã ou d'aqui a oito dias; porque elles hão de necessariamente dar essas explicações, e a camara resolverá como melhor entender com toda a serenidade que é propria de um senado grave. Mas disse um digno par que póde apparecer ámanhã aqui um decreto de adiamento das sessões, e que n'este caso não dá o governo as explicações que a camara deseja. Ora eu não acredito no adiamento diante de uma discussão como aquella que ha na outra camara; seria uma cousa incrivel. E a minha opinião; mas supponhamos que venha o adiamento, como elle ha de ter um praso, findo que elle seja, podem os dignos pares pedir as explicações que julgarem convenientes e os srs. ministros hão de responder. Não podem escapar ao julgamento da camara. Portanto, a questão é se ha de ser hoje ou ámanhã, ou hoje, ou d'aqui a oito dias. Por isso não me parece, que seja rasão a idéa de que póde vir um decreto de adiamento, para sermos precipitados ou pelo menos mostrarmo-nos insofridos com instancias que não podem ficar bem a esta casa.

O que eu desejo, sr. presidente, é que V. ex.ª faça constar ao sr. presidente do conselho, que esta camara deseja

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a presença do governo para pedir-lhe explicações a respeito da crise, e não sei que se possa fazer censura a V. ex.ª por ter empregado quaesquer meios decentes e urbanos, para chegar ao fim, que se pretende, ou elles fossem officiaes ou extra-officiaes, uns não excluem os outros. Todos são aceitáveis e costumados.

O sr. Mello e Carvalho: — Sr. presidente, reconhecendo que a mesa estava inhibida de se dirigir ao sr. duque de Loulé, por officio, como presidente do conselho, por não constar officialmente, como s. ex.ª disse, a constituição do novo gabinete, pois que nós sabemos isso como simples cidadãos, e não como corpo legislativo; e por consequencia não podia a mesa dirigir-se officialmente ao sr. duque de Loulé; eu fui como particular, como amigo de s. ex.ª, dizer-lhe que se esperava que os dignos membros do gabinete, cuja existencia já consta na outra camara, viessem aqui, porque estava reunida a camara dos dignos pares para ouvir as explicações que elles tivessem de dar sobre a formação do novo ministerio; e o sr. duque de Loulé manifestou desejos de vir, o que não realisou por não poder reunir os seus collegas, que se haviam retirado d'este edificio. Admirou-me muito que o sr. marquez de Niza me tratasse com tanto azedume, o que de certo me não merecia, porque s. ex.ª sabe quanto prezo a minha dignidade de homem de bem, e que não era capaz de comprometter a dignidade d'esta casa (apoiados).

Portanto, repito, que foi como simples particular que me dirigi ao sr. duque de Loulé, e estimo que o sr. marquez de Niza pugne tanto pela dignidade d'esta camara, porque eu tambem procedo do mesmo modo.

O sr. 8. J. de Carvalho: — Louvo ao digno par, o sr. Ferrer, as idéas de cordura e moderação que acabou de manifestar á camara. S. ex.ª não crê na rasão fundada, que eu apresentei, de que o governo poderá de um momento para outro adiar as camaras, e que n'este caso nós ficamos sem o direito de pedir explicações aos novos ministros. Permitta-me o digno par que lhe diga que não me admira que s. ex.ª não acredite aquillo que eu aliàs posso acreditar. Os nossos artigos de fé são a muitos respeitos differentes.

Sr. presidente, realmente não é crivei que o governo, para evitar o debate na camara dos dignos pares, se resolva a propor a El-Rei o adiamento da camara; mas porque isso não deve ser, não se segue que se não tente, e que se não faça. Credo quia absurdum.

Tambem não era crivei que depois do que se passou ha poucos dias perante esta camara, quando o presidente do conselho de ministros declarou que — não faria transacção alguma com a opposição, e que respeitando o principio da solidariedade tinha resolvido pedir a El-Rei a sua demissão e dos seus collegas.

Tambem não era crivei que, passados poucos dias nos vissemos humilhados com a presença de s. ex.ª nos bancos do ministerio, e ei-lo sentado lá, presidindo ao novo gabinete, saído, dizem, do seio da maioria, depois de s. ex.ª haver batido ás portas da opposição, com que dias antes não queria, e dizia não poder transigir.

Quando assim se infringem os principios constitucionaes; quando assim se esquecem as praxes seguidas por todos os governos liberaes d'esta terra, quando o chefe do partido, que se diz o mais liberal, esquecendo o proprio decoro e a dignidade de poder que representa, e as tradições de partido que tem dirigido, desce ao nivel mais baixo a que tem descido qualquer homem publico d'este paiz, tudo é possivel, nada admira, e qualquer commettimento por mais audacioso que elle seja póde ser um expediente de que em circumstancias apertadas se lança mão facilmente.

O adiamento é absurdo, nas circumstancias actuaes tomaria mesmo as proporções de um golpe de estado, mas quem me assegura que os proprios dignos pares que hoje o condemnam como impossivel, ámanhã o não absolvam se o governo lançasse mão d'este expediente como do unico meio de evitar, fugindo por essa desgraçada tangente, o juizo severo e inexoravel que a camara deseja pronunciar sobre os seus actos.

Sr. presidente esta sobre a mesa, segundo me consta, uma proposta para que nós ámanhã nos reunamos na sala das sessões da camara dos senhores deputados. Estimo muito que se apresentasse essa proposta, e faço votos para que ella seja approvada por esta camara.

O sr. Conde de Thomar; — Esta annunciada.

O Orador: — Felizmente reconheceu-se hoje a conveniencia do que eu já tinha pedido em outra occasião, sem que me fosse concedido. A publicidade dos debates parlamentares é uma condição do systema representativo, e uma garantia para a liberdade das discussões parlamentares que se tratam (apoiados). Eu quero publico, e appello para o espirito publico; tenho a consciencia de que a opposição d'esta casa, e seus mais conspicuos caracteres hão de respeitar os principios de moderação e cordura a que o digno par alludiu, e hão de lembrar-se de que sendo esta camara uma camara de ordem, e uma camara conservadora, mas conservadora dos principios constitucionaes (apoiados), não ha de deixar de tomar a posição que lhe cumpre perante o governo que ámanhã veremos sentado naquellas cadeiras e que é a demonstração mais evidente do attentado que contra esses principios se commetteu, attentado que esta camara, espero eu, não deixará impune (apoiados). Mas eu quero publico para assistir a essa discussão, se não para ouvir a justificação do governo, porque todos que temos assistido ao debate, que tem tido logar na camara dos senhores deputados, temos visto que tal justificação se não dá, ao menos para saber como a opposição parlamentar, a quem esta confiada a suprema missão de vigiar pela pratica sincera do systema liberal, cumpre o seu dever n'esta camara (apoiados).

Sr. presidente, acima de todas as considerações da politica estão os principios contra os quaes se não attenta impunemente. - I

Podem corar o attentado, disfarçando-o insidiosamente sob as cores fingidas de uma legalidade apparente; a verdade triumpha, os principios ficam de pé, e por tal força se impõem aos proprios homens que pretendem sophisma-los que os deixa abatidos e humilhados diante das estrondosas explosões do enthusiasmo, que o espirito publico offendido na sua propria dignidade, accende no seio dos poderes publicos á voz da opinião incitada com taes desacertos e com taes attentados. Venho da camara dos senhores deputados e vi o modo tumultuoso porque se encerrou a sessão. Não estranho o facto, é a logica dos acontecimentos que o determina.

Sr. presidente, é dolorosa a crise que atravessamos, todos o conhecemos, até mesmo os illudidos, e tambem os ha, o no seio do proprio governo.

Ha poucos instantes disse eu á camara que tive occasião de procurar o nobre marquez de Sá, e de lhe pedir que viesse aqui a esta camara expor e explicar o modo porque se organisou o ministerio, e elle respondeu-me: «eu vou, mas espero que você se dê por satisfeito com as explicações que aqui ouviu.» Que bonomia aquella, que illusão de espirito! São estes desgraçadamente os illudidos.

Não sei se esta sobre a mesa a proposta a que ha pouco me referi, e que me pareceu ouvir, quando entrei n'esta casa, que tinha sido apresentada por um digno par; se não esta sobre a mesa, então faço-a eu, porque o governo provou não comparecendo até agora perante nós, a deferencia que lhe merecemos, e muito principalmente o sr. presidente do conselho que não se dignou de descer do estribo da sua carruagem para atravessar a pequena distancia que vae do átrio d'este edificio até esta sala. Amanhã havemos de nos reunir, e sob proposta minha, espero quê nos declaremos em sessão permanente..

Vozes: — Amanhã não ha sessão.

O Orador: — Então no dia seguinte, mas tambem declaro que não estou tranquillo com esta demora. Hei de propor que nos reunamos na sala da outra camara, depois de concluidos ali os trabalhos parlamentares; e se a minha proposta for admittida e approvada, peço tambem que seja annunciada na folha official a deliberação da camara, para que o publico saiba quando funccionâmos e aonde, para que possa assistir á discussão, como tem direito de exigir, e desejo de o fazer.

Esta é a minha proposta, que eu não faria se estivessemos em casa com condições apropriadas. Aproveitando a circumstancia de aqui nos acharmos quasi em familia, declaro sob minha palavra de honra e appello para o testemunho de differentes cavalheiros que ouviram a declaração formal e explicita, a que me vou referir, que eu, a quem muita gente alcunha de exaltado, fui a uma reunião dos dignos pares, pertencentes á opposição, e que n'essa reunião, eu, o exaltado, disse que me dava por satisfeito, porque previa a solução dos acontecimentos, e sabia aonde nos podia levar a exaltação de certos espiritos, se da solução da crise que atravessámos resultasse o constituir-se um governo de homens honestos e intelligentes, embora não procedesse do partido da opposição. O que eu sobretudo temia era a infracção violenta dos principios constitucionaes. Desgraçadamente a solução da crise foi alem do que eu me arreceava, e n'esse dia, dia de amarga decepção para mim, que não esperava a opposição no poder, mas que esperava do chefe do partido popular, como elle se inculca, do homem que esteve tanto tempo ao lado de Passos Manuel, que não seriam maculados os principios e ludibriado a dignidade dos poderes publicos d'esta terra, n'esse dia, senti-me tão humilhado na minha propria dignidade, que quasi tomei a deliberação de me retirar ao modesto retiro da vida privada, deixando a vida publica, em um paiz aonde se praticam taes actos. Lembrei-me porém que tinha a guardar illesas as tradições honrosissimas do nome que represento n'esta camara (apoiados); lembrei-me mais, lembrei-me que me tinha iniciado na vida publica com a protecção e o auxilio efficassissimo do honrado cidadão Passos Manuel; lembrei-me que em todas as cartas em que elle recommendou a minha candidatura, me apresentou como um dos homens que lhe mereciam o elevado conceito de pugnar pelos principios constitucionaes, e foram estas rasões supremas que me obrigaram a conservar-me no posto, que tenho guardado até hoje, de pugnar pela verdade dos principios constitucionaes, sustentando-os e defendendo-os até ao ultimo reducto.

Sr. presidente, vou mandar para a mesa a minha proposta, e peço a V. ex.ª que a ponha á discussão, e no caso d'ella ser approvada, peço igualmente que se faça o competente annuncio na folha official.

Interromperam-me ha pouco, dizendo que ámanhã não havia sessão por ser dia de despacho; mas eu creio mesmo que os srs. ministros não irão a despacho, porque não têem que despachar, e n'esse caso parecia-me que se nos proporcionava uma occasião facil de ouvir as explicações de ss. ex.ªs, e que portanto V. ex.ª andaria regularmente annunciando sessão para ámanhã, communicando-o ao governo, e dirigindo-se tambem com auctorisação da camara á presidencia da camara dos senhores deputados, aonde se não celebra sessão, para que ali nos possamos reunir e discutir, o que temos a discutir. Assim se dissipam todas as difficuldades, e ganhamos todas, porque sem preterição de formula nenhuma, temos perante nós o governo para lhe tomarmos estreitas contas do seu procedimento.

«Proponho que a proxima sessão da camara dos pares tenha logar ámanhã na sala da camara dos senhores deputados, auctorisada a mesa para assim o tratar com o sr. presidente da mesma camara. = S. J. de Carvalho.» O sr. Presidente: — A proposta a que alludiu o digno par, na parte relativa a que as sessões ácerca d'este assumpto se verificassem na sala das sessões da outra camara, foi annunciada pelo sr. Rebello da Silva, mas não foi mandada para a mesa, porque foi precedida pela do sr. marquez de Niza, e o que estava agora em discussão era a do sr. conde de Thomar.

Tem a palavra o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, serei breve, mas julguei do meu dever pedir a palavra para responder a algumas observações do digno par e meu mestre o sr. Ferrer, cuja voz auctorisada é para mim de bastante consideração e peso, e cuja opinião respeito sempre como meu mestre que foi, e amigo que é; comtudo permitta-me s. ex.ª que me desvie do seu modo de pensar, relativamente a algumas proposições que avançou, e sobre a justificação que pretendeu fazer do gabinete não se apresentar aqui.

Sr. presidente, é das praxes do governo representativo, é principio geralmente reconhecido por todos, que um gabinete apenas se fórma deve communicar a ambos os corpos legislativos a sua existencia, e o modo porque se organisou. Até hoje tres dias se passaram, e nós não sabemos nem por escripto nem verbalmente que o governo existe, e que se organisou, e o modo como tudo isto se passou: este proceder é inconveniente; e continuaremos n'este estado deploravel, quando os srs. ministros sabendo que nós estamos aqui em sessão, como é do nosso dever, ainda não se dignaram comparecer?!

Isto é uma desconsideração e um acto que nós não devemos nem podemos deixar de sentir, porque se desacatam as prescripções constitucionaes, e se mostra menos deferencia por um poder que deve manter sempre os principios de ordem e de progresso. E n'esta parte, perdoe-me o digno par, o sr. Ferrer, estou em opposição com a opinião de s. ex.ª, porque esta camara não é conservadora não o póde ser, deve querer e desejar o progresso, mas um progresso gradual e sensato, seguindo a lei da continuidade que é uma lei da natureza (apoiados). Desde o momento em que eu concebesse que a camara dos dignos pares em logar de seguir o progresso, essa lei immutavel da sociedade, se tornava conservadora de instituições anachronicas, de abusos, de utopias e absurdos, eu sairia por aquella porta, abandonaria esta cadeira para jamais me sentar n'ella, e declarar-lhe-ia uma guerra de extermínio sem treguas nem descanso, com o poder absurdo e anachronico, sem rasão de existir, funesto e prejudicial para as instituições, para a liberdade, fim e desenvolvimento social (apoiados).

A camara dos dignos pares, como todos os poderes do estado, não póde deixar de obedecer a essa lei santa, imprescriptivel e immutavel da natureza. A sociedade caminha, marcha, avança fatalmente, caminha sem descanso como o judeu errante, e por consequencia os poderes do estado para seguirem um precedente seguro e sabio, devem marchar na sua frente (apoiados); e é isto, sr. presidente, que evita as revoluções, que extingue as excitações publicas, faz com que a desordem e a anarchia não se cheguem a manifestar, e se preencham os fins para que a sociedade tende. Portanto já se vê que n'esta parte não posso deixar de desviar-me completamente do meu antigo mestre, porque estes principios, estas doutrinas, são as que elle me ensinou na universidade.

Emquanto ao outro ponto, s. ex.ª devia fazer-me mais justiça, porque ninguem iria exigir explicações do gabinete, desde que elle declarasse que estava n'uma posição difficil, e na impossibilidade de as dar, no momento em que elle declarasse que estava n'um debate arriscado na outra casa do parlamento, debate que não podia nem devia abandonar.

N'este caso cumpre-nos aguardar, fa-lo-hemos e não deixaremos de ter a deferencia para o poder que os srs. ministros representam. Nós não queremos de forma alguma crear difficuldades, nem tão pouco deixar de respeitar em s. ex.ªs o poder executivo. Mas o que eu quiz, pedindo a palavra, foi tornar bem manifesto o acto do governo de se não apresentar aqui, nem de fazer communicação de fórma alguma a esta camara de que se achava reorganisado. O que sabemos, a tal respeito, é como simples cidadãos; como corpo do estado, ignoramos tudo o que se tem passado. Parece impossivel que no governo representativo se dê um facto d'estes, facto contra o qual protesto e que quero tornar bem manifesto como um acto de desconsideração para com esta camara.

Pedi tambem a palavra para evitar este estado, que não póde durar muito, e que nos colloca n'uma difficil posição, porque não sabemos quando teremos essa communicação da reorganisação do ministerio, e por isso peço a V. ex.ª que queira marcar o dia de ámanhã para a sessão, pois sexta feira supponho que é dia santo; e se não tivermos sessão ámanhã, não sei quando a teremos.

O sr. Conde de Thomar: — Fui convidado pelo sr. secretario para mandar para a mesa a minha substituição á proposta do sr. marquez de Niza; mas antes, desejo rectificar uma asserção que apresentei a primeira vez que fallei. Tinha eu dito que não me lembrava se era costume fazer-se por escripto a communicação ás presidencias dos corpos co-legislativos da nomeação dos ministros. Foram-me porém mandados da secretaria differentes officios em distinctas epochas, e vejo que sempre se satisfez a este dever. Portanto, rectificando, dou completa rasão ao digno par o sr. Seabra, quando perguntou a V. ex.ª se havia essa 'communicação, e V. ex.ª disse que não. N'esta parte é forçoso confessar que tem havido falta da parte do governo (apoiados). Não nos exaltemos porém n'estas questões, que não vale a pena. Façamos justiça a cada um. Não devemos attribuir ao governo desejo de desconsiderar esta camara, nem imagino que houvesse um governo n'este paiz que quizesse tal, pois não lucrava nada com similhante procedimento, e não faria senão

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indispor a camara contra si. O que entendo é que foi um descuido, quando muito resultado d'esse estado violento em que ss. ex.as se acham; ha tres dias que estão debaixo de um temporal desfeito na outra camara; e appello para o coração e para o sentimento de cada um dos dignos pares, para que me digam francamente, se um ministerio saíndo da camara dos srs. deputados, depois do que ali tem havido, podia apresentar-se aqui a dar explicações, que podiam trazer novo temporal? E preciso evitar, não digo desconsideração, mas o descuido do governo, é preciso mostrar que zelamos a nossa dignidade e desejamos que o governo tenha comnosco toda a consideração, e por isso lembrei, em substituição á proposta do sr. marquez de Niza, para não virmos aqui debalde, que se auctorisasse a mesa a saber do governo quando tenciona apresentar-se (apoiados). D'esta maneira podemos saber quando o governo póde comparecer, e não vimos aqui inutilmente (apoiados). A camara fará em todo o caso o que entender. 1

Leu e mandou para a mesa a seguinte proposta:

«Proponho que a camara auctorise a presidencia a saber o dia em que o governo tenciona apresentar-se n'esta casa.

«Em 8 de março de 1865. = Conde de Thomar.»

O sr. S. J. de Carvalho: — Pedia a V. ex.ª que mandasse ler na mesa a minha proposta.

O sr. secretario leu a proposta do sr. conde de Thomar.

Consultada a camara se a admittia á dicussão, foi admittida.

O sr. secretario leu a proposta do sr. S. J. de Carvalho. Consultada a, camara se a admittia á discussão, foi admittida.

O sr. Presidente: — Continua a discussão sobre a proposta do sr. conde de Thomar.

O sr. S. J. de Carvalho: — Sobre ambas.

O sr. Presidente: — Não ha mais quem se inscreva, tornam a ler-se as propostas para se votarem.

O sr. Secretario: — Leu.

O sr. S. J. de Carvalho: — Parece-me que a minha proposta foi mandada anteriormente á do sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar: — A minha proposta foi mandada ha muito tempo. Agora é que o sr. secretario ma pediu por escripto.

O sr. S. J. de Carvalho: — Se o digno par insiste pela preferencia, eu então faço um additamento á sua proposta. (O sr. Conde de Thomar: — Não insisto); e esse additamento será a minha proposta, para que se marque o dia de ámanhã para a sessão. Entendo que a mesa o póde fazer, e que deve ser auctorisada a conferenciar com a mesa da camara dos senhores deputados, para nos podermos reunir na outra casa. Não vejo que haja difficuldade n'isto, e que se convide o governo a assistir ámanhã á nossa sessão.

O sr. Presidente: — O que me parece que se póde fazer é propor em primeiro logar, como questão previa, a parte da proposta do digno par, que diz respeito a marcar-se O dia de ámanhã para a sessão (apoiados).

O sr. Secretario: — -Leu.

Posta á votação aquella parte da proposta, foi approvada por 23 votos contra 19.

O sr. Presidente: — Esta votação não prejudica, me parece, a proposta do sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar: — Não prejudica de modo algum, pois a mesa póde da mesma maneira dirigir-se ao governo, que tem uma rasão mais para se apresentar, pois sabe que ámanhã nos reunimos.

O sr. Secretario: — Leu a proposta do sr. conde de Thomar.

Posta á votação, foi approvada.

O sr. Secretario: — Leu a segunda parte da proposta do sr. Sebastião José de Carvalho.

Posta á votação, foi approvada por 29 votos.

O sr. S. J. de Carvalho: — Pedia a V. ex.ª que, como de costume, fizesse desde já participação ao sr. presidente do conselho d'esta resolução da camara.

O sr. Presidente: — Em virtude da resolução que a camara acaba de tomar, teremos sessão ámanhã, sendo a ordem do dia a que estava dada para hoje.

Vozes: — A que horas?

O sr. Presidente: — Á hora do costume.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de C de março de 1865

Ex.mos srs. Silva Sanches

Marquez de Fronteira

Marquez de Niza

Marquez da Ribeira.

Marquez de Vallada.

Conde de Alva.

Conde d’Avila.

Conde de Mello.

Conde de Peniche.

Conde da Ponte.

Conde da Ponte de Santa Maria.

Conde de Rio Maior.

Conde do Sobral.

Conde de Terena.

Conde de Thomar.

Conde de Torres Novas.

Visconde da Borralha.

Visconde de Condeixa.

Visconde de Gouveia.

Visconde de Monforte.

Visconde de Ribamar.

Barão de S. Pedro.

Moraes Carvalho.

Mello e Carvalho.

D. Antonio José de Mello.

Antonio Luiz de Seabra.

Pereira Coutinho.

Rebello de Carvalho.

Francisco Simões Margiochi.

Amaral Osorio.

Joaquim Antonio de Aguiar.

José Augusto Braamcamp.

Silva Cabral.

Pinto Basto.

José Izidoro Guedes.

Reis e Vasconcellos.

José Lourenço da Luz.

José Maria Baldy.

Rebello da Silva.

Fonseca Magalhães.

Vellez Caldeira.

Vaz Preto Geraldes.

Canto e Castro.

Sebastião José de Carvalho.

Neto Paiva.

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