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TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DA
CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Sessão do dia 22 de junho de 1868
PRESIDENCIA DO DIGNO PAR JUIZ O EX.mo SR. CONDE DE CASTRO
Á uma e meia horas da tarde entraram na sala das sessões os dignos pares juizes e logo tomaram seus respectivos logares, bem como o sr. conselheiro official maior, na qualidade de escrivão do processo e mais o empregado da secretaria, que serviu de seu ajudante, o primeiro official J. H. Luiz de Sequeira.
Feita a chamada pelo sr. escrivão do processo, verificou-se estarem presentes 20 dignos pares juizes.
O sr. Presidente: — Declarou aberta a audiencia do tribunal, por haver o numero necessario de juizes, e em seguida mandou ler a correspondencia, que apenas constava do seguinte officio:
Um officio do digno par visconde de Soares Franco, participando que por incommodo de saude não póde comparecer á sessão do tribunal de justiça.
Finda a leitura da correspondencia o ex.mo sr. presidente deu a palavra ao ex.mo sr. juiz relator.
O sr. Juiz Relator (Vicente Ferrer): — Sr. presidente e srs. juizes do tribunal dos dignos pares: Quando a camara dos pares, como assembléa politica, cuidou de verificar a garantia do artigo 27.° da carta constitucional relativamente ao réu, o digno par conde de Peniche, estareis lembrados de que eu tive a occasião de dizer que o processo da culpa formada se achava regular, segundo as leis do reino, porque continha querella, corpo de delicto, summario de testemunhas e pronuncia feita pelo juiz do 1.° districto criminal d'esta cidade. Então não pude ser mais explicito, porque a camara, como assembléa legislativa, não podia devassar em publico o segredo da justiça; hoje posso ser um pouco mais extenso, entrar pelo conteudo dos autos.
Na querella, corpo de delicto e no despacho de pronuncia allegam-se os mesmos factos. Por isso relatar os que se referem em uma parte é o mesmo que relata-los todos. Refiro-me pois ao despacho da pronuncia.
Primeiro facto — Que o réu excitou o povo á revolta e á guerra civil, e contra o livre exercicio das faculdades constitucionaes dos ministros da corôa.
Segundo facto — Que o réu excitou o povo a reuniões sediciosas, que se verificaram no largo das Duas Igrejas, defronte da secretaria d'estado dos negocios do reino, e junto do palacio do réu o sr. conde de Peniche, e que tanto em umas como em outras houvera violencias e ameaças para impedir as auctoridades publicas no exercicio de suas funcções.
Terceiro facto — Que o réu com outros fazia parte e dirigia uma associação chamada comícios populares, que se reunia em casa do réu sem auctorisação previa do governo, para tratar assumptos politicos e sociaes.
Quarto facto — Que sendo intimado o réu para não consentir estas reuniões, desobedecera e as reuniões se verificaram.
Eis srs. juizes os factos, pelos quaes o juiz do 1.° districto pronunciou o réu, ex.mo conde de Peniche e outros, de que este tribunal não pôde conhecer.
Vamos ás provas. Estas são de duas especies, documentaes e testemunhaes. Entre as provas documentaes apparece um impresso — Ao paiz —, que tem por assignatura o seguinte: A mesa dos comidos populares. Pela copia authentica d'este impresso a mesa dos comicios populares, entre differentes proposições que votou, declara ao povo que o governo é réu de alta traição.
Ha outro impresso no mesmo sentido e com a mesma assignatura. Temos depois um officio do governador civil de Lisboa, o sr. Paredes, dirigido ao réu o sr. conde de Peniche, em que lhe pergunta se elle toma a responsabilidade do impresso — Ao paiz. O sr. conde de Peniche respondeu por um officio, declarando que não tomava a responsabilidade, e simultaneamente lhe remetteu um officio assignado por differentes pessoas, que diziam constituir a mesa dos comicios populares, no qual dizem os membros d'aquella mesa que eram elles que convocavam os comicios, o que o réu o sr. conde de Peniche apenas emprestava a casa por. ser maior do que aquella em que se costumavam reunir, e finalmente que os membros da mesa dos comicios populares foram que redigiram o impresso — Ao paiz — e tomaram a responsabilidade de tudo o que n'elle se continha.
Ha mais um officio do réu o sr. conde de Peniche, dirigido ao sr. administrador do bairro, no qual dá parte a este funccionario de que n'aquella noite haveria uma reunião em sua casa, a que elle poderia assistir se quizesse. O sr. administrador respondeu ao sr. conde de Peniche, dizendo que se tinha auctorisação do governo para aquella reunião a apresentasse, e que se a não tinha dissolvesse a reunião; a este officio replicou o sr. conde de Peniche, dizendo n'um officio dirigido ao mesmo magistrado que não dissolvia a reunião, porque as reuniões eram dos comicios populares, que sempre tinha havido em Portugal.
Ha outro officio assignado por uma mesa diversa, de uma associação chamada centro progressista; confrontando este officio com os outros documentes vê-se que são differentes associações e differentes os membros da mesa dos comicios populares e os da mesa do centro progressista. Este officio ou carta circular era dirigido a differentes damas da capital, rogando que pedissem ás portas das igrejas para os operarios que se achavam sem trabalho.
Já que fallei e quiz fazer sentir ao tribunal que havia em casa do sr. conde de Peniche duas reuniões ou associações diversas com differentes mesas, importa que o tribunal note que com estes documentos vão em harmonia as testemunhas do summario. Dizem que o réu, o sr. conde de Peniche, fazia parte e presidia ao centro progressista, mas não dizem o mesmo dos comicios 'populares. Do conjuncto de todos estes documentos e depoimentos das testemunhas se deduz que todos os factos que são mencionados na culpa formada, e que deixo referidos ao tribunal, são resultado não da mesa do centro progressista, mas da mesa dos comicios populares.
Passamos agora ao summario das testemunhas: alem d'aquellas que constituiram o corpo de delicto indirecto, ha um summario de vinte testemunhas, as quaes dizem que realmente nos comicios populares havia discursos sediciosos que chamavam o povo á revolta, á guerra civil, á mudança da constituição do estado e á queda do ministerio. Dizem tambem as testemunhas que houve uma grande reunião de povo no largo das Duas Igrejas, á porta da secretaria do reino, por occasião do povo acompanhar uma commissão dos comicios populares que foi apresentar ao sr. ministro do reino uma representação pedindo providencias a favor dos operarios que se achavam com fome, que os membros d'esta commissão foram mandados prender pelo sr. ministro do reino, e que n'aquella occasião se praticaram alguns actos de violencia contra os policias civis, actos de violencia que se repetiram nos ajuntamentos que houve nas immediações da casa do sr. conde de Peniche.
Apparecem mais no processo da culpa formada diversos autos de noticia, e outros officios de menor importancia. O essencial do processo é o que fica relatado em breve resumo.
É meu dever, pela posição que occupo, não ser n'este logar nem mais extenso nem mais explicito. Se os srs. juizes do tribunal dos dignos pares precisarem de mais algu-
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mas explicações, eu estou prompto a dar-lh'as na casa das conferencias, como é do meu dever. Disse.
Agora requeiro ao sr. presidente do tribunal que convide os membros d'elle a recolherem-se á casa das conferencias para deliberarem: 1.°, se julgam, ou não, procedente a accusação do digno par o sr. conde de Peniche; 2.°, no caso affirmativo, se o sr. conde de Peniche se ha de livrar preso sem fiança, ou solto com fiança, ou solto sem ella.
O sr. Juiz Presidente: — Convido os dignos pares a recolherem-se á sala das conferencias.
(Eram duas horas menos um quarto.)
(Abriu-se de novo a audiencia, eram tres horas e tres quartos.)
O sr. Juiz Presidente: — Continua a audiencia. Tem a palavra o sr. juiz relator.
O sr. Juiz Relator: — Sr. presidente, srs. juizes do tribunal dos dignos pares, passo a ter o accordão.
«Accorda o tribunal dos dignos pares, depois de examinado o processo da culpa formada ao réu, digno par conde de Peniche, no qual foi pronunciado a prisão sem fiança pelo juiz do 1.° districto criminal d'esta cidade, que julga procedente a accusação; e, attendendo a circumstancias do processo, que o digno par conde de Peniche se livre solto sem fiança.
«Sala das conferencias, 22 de junho de 1868. = Conde de Castro, presidente = Marquez de Fronteira — Duque de Loulé — Marquez de Ponte de Lima = Conde de Rio Maior, vencido em parte = Marquez de Niza, vencido emquanto á procedencia da accusação — Francisco Simões Margiochi, vencido emquanto a livrar-se solto sem fiança — Felix Pereira de Magalhães = Conde de Avillez, vencido em parte = Conde de Alva, vencido em parte = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão = Conde da Azinhaga — Conde de Fonte Nova, vencido quanto á procedencia da accusação = Conde da Ponte = Visconde de Ovar = Conde de Linhares — José Maria Baldy — José Joaquim dos Reis e Vasconcellos, vencido quanto á concessão da fiança = Alberto Antonio de Moraes Carvalho = Visconde de Condeixa = Rodrigo de Castro Menezes Pita = Antonio de Azevedo Coutinho Mello e Carvalho — Marquez de Sabugosa = Manuel Vaz Preto Geraldes, vencido quanto á procedencia da accusação = Jayme Larcher — Marquez de Sousa Holstein = Roque Joaquim Fernandes Thomás, vencido emquanto á concessão da fiança — Vicente Ferrer Neto de Paiva, relator.»,
O sr. Presidente: — Está levantada a sessão do tribunal.
Eram quatro horas da tarde.
Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 22 de junho de 1868
Os ex.mos srs.: Conde de Castro; Duque de Loulé; Marquezes, de Fronteira, de Niza, de Ponte de Lima, de Sabugosa, de Sousa; Condes, de Alva, de Avilez, da Azinhaga, de Fonte Nova, de Linhares, da Ponte, de Rio Maior; Viscondes, de Condeixa, de Ovar; Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Pereira de Magalhães, Silva Ferrão, Margiochi, Larcher, Reis e Vasconcellos, Baldy, Preto Geraldes, Menezes Pita, Fernandes Thomás e Ferrer.