DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 243
Beira Alta. Mas os factos são tão extraordinarios, as circumstancias que os acompanham tão difficeis de explicar. plausivelmente, que me não poderei eximir a uma outra reflexão, porventura alheia ao objecto principal do meu discurso: mostrar a ligeireza, não quero dar-lhe outra denominação, com que o sr. ministro tratou este grave negocio publico.
Eu começarei por perguntar ao sr. Saraiva do Carvalho do que tratava- s. exa. na communicação que fez á companhia do norte em 22 de julho do anno passado?
E s. exa. não póde evidentemente responder-me senão com a propria communicação, que eu tenho aqui, e que vouá ler camara.
"Copia. - O governo portuguez, tendo já construido ao norte do Tejo as linhas ferreas de Lisboa ao Porto, e do Porto a Valença, fronteira da Galliza, e da mesma cidade do Porto á Regua; e tendo em construcção a da Beira Alta, que parto do kilometro 231,6 da linha do norte em direcção á fronteira de leste: e desejando não só augmentar a viação accelerada nas zonas mais productivas do paiz, como tambem aproveitar-se dos melhores portos maritimos para embarque e exportação dos productos da, industria nacional: tem deliberado pôr em communicação a villa da Figueira da Foz, junto ao Cabo Mondego, com es mencionados caminhos de ferro por meio de uma linha ferrea.
"Este caminho do ferro, partindo do entroncamento do da Beira Alta, na linha do noite, ficará na sua origem distante, como fica dito, 231,0 kilometros de Lisboa, 104,2 do Porto, 242 de Valença sobre o rio Minho, e 200 da fronteira de Hespanha, em Villar Formoso, direcção de Salamanca.
"Devendo ter o caminho de que se trata approximadamente 47 kilometros. vê-se que elle, sem concorrencia possivel dos portos de Lisboa e Porto, poderá aproveitar-se do trafico de um grande numero de estacões da linha de Lisboa ao Porto, e de todas as da Beira Alta, pelo que respeita aos productos exportaveis do uma rica e vasta região, essencialmente productora de bons vinhos, que já hoje em parte se expedem pela barra da Figueira para paizes estrangeiros, e absorverá exclusivamente todo o trafico do terreno que atravessa, igualmente fertil.
"As principaes condições d'este caminho serão sensivelmente as do caminho do ferro da Beira Alta, a saber:
"1.ª Este caminho do ferro, partindo do entroncamento do da Beira Alta, na linha do norte, tocará ou approximar-se-ha quanto possivel de Cantanhede e Montemór, e determinará na villa da Figueira, ou no ponto que o governo designar entre esta villa e Buarcos;
"2.ª O leito e obras de arte serão para uma só via, excepto nas estacões;
"3.ª A largura da via será do 1m,67 entre as arestas interiores dos carris;
"4.ª Os carris serão de aço e de peso não inferior a 30 kilogrammas por metro corrente;
5.ª As declividades maximas serão de 15 millimetros;
"6.ª Os raios minimos das curvas na linha directa serão do 350 metros e nas estacões e vias de resguardo de 250 metros;
"7.ª Alem das estacões de entroncamento e intermedias, haverá na villa da Figueira da Foz uma estacão terminus do 1.ª classe, com todos os seus accessorios, cães seccos e molhados, e ponte de embarque, sendo precisa.
"As condições geraes serão:
"1.ª Concessão da exportação por noventa e nove annos;
" 2.ª Direi to de remissão por parto do governo depois do decorridos quinze annos de exploração, nos termos do artigo 27.° do contrato de 5 de maio de 1860, para a construcção dos caminhos do ferro de norte e leste;
"3.ª Isenção de contribuição gorai ou municipal nos primeiros vinte annos, depois do começo das obras, com excepção do imposto do transito. Nenhuma contribuição especial durante a concessão;
"4.ª Entrada livre de direitos de alfandega, durante o praso da construcção, de todos os materiaes e utensilios, machinas, combustiveis e mais objectos que forem necessarios para a construcção e para pôr em exploração o caminho de ferro;
"5.ª Isenção de direitos de alfandega nos dois primeiros annos da exploração para as machinas e combustiveis á mesma destinados;
"6.ª Tarifas geraes regulando o preço de transporte de passageiro", gado e mercadorias, em caso algum poderão ser superiores ás menores correspondentes dos caminhos de ferro do norte e Beira Alta;
"7.ª Reducção do preço a metade para os militares e marinheiros, por si e suas bagagens, em serviço, viajando em corpo ou isoladamente;
"8.ª Igual redacção para transporte de tropas ou material de guerra;
"9.ª Transporte gratuito das malas do correio e dos seus conductores;
"10.ª Numero de comboios, sua velocidade e horarios sujeitos á approvação do governo;
"11.ª Os estudos do traçado serão feitos pela companhia adjudicataria, devendo os projectos ser submettidos á approvação do governo, no tempo que se fixar no contrato definitivo;
"12.ª A linha estará concluida um anno depois da approvação dos projectos.
"Salvas todas as mais condições technicas, geraes e administrativas que é de uso e serão inseridas no contrato definitivo, quando haja de se fazer.
"Com as presentes indicações ficará v. exa. habilitado, caso lhe convenha, a fazer ao governo portuguez a proposta que tiver por conveniente para a construcção e exploração da linha ferrea da Pampilhosa á Figueira da Foz, na intelligencia de que o governo quer contratar sobre a base de subvenção kilometrica paga de uma só vez, ou pagavel em annuidades, que comprehendam juro e amortisação durante periodo extenso.
"No caso em que convenha á companhia, que v. exa. representa, a construcção e exploração d'esta linha ferrea, espero m'o fará saber até ás tres horas da tarde do dia 22 do agosto proximo futuro, indicando-me as condições em que lh'o convem acceitar o contrato, em ambas as hypotheses acima mencionadas.
"Deus guarde a v. exa. Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 22 de julho de 1879. - IIImo e exmo. sr. Manuel Affonso Espregueira, director da exploração dos caminhos de ferro do norte e leste. = O secretario do ministerio, Viriato Luiz Nogueira.
"Está conforme. - Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 27 de agosto de 1879. = Viriato Luiz Nogueira.
"Identico para o vice-presidente do conselho de administração da companhia dos caminhos de ferro portuguezes da Beira Alta."
O sr. ministro quer a construcção do caminho de ferro da Figueira á Pampilhosa.
É a sua unica, unica não direi bem, é uma das suas principaes preoccupações.
E honra lhe seja. Dotar o paiz com um caminho de ferro a mais, é augmentar as forças da riqueza publica, é pôr ao serviço do progresso e da civilisação do paiz um dos seus mais gloriosos instrumentos. Mas que ingenuidade da parte do sr. Saraiva de Carvalho! S. exa., recolhido no remanso do seu gabinete de estudo, decreta que se faça o caminho do ferro da Pampilhosa, e fica satisfeito de si mesmo, porque communicou á companhia do norte, que devia ser preterida, este util e louvavel proposito.
Mas, sr. Saraiva de Carvalho, o caminho que faz as delicias do seu espirito a que categoria pertence? É um ramal?
S. exa. guarda o mais profundo silencio a esse respeito.