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N.º 28
SESSÃO DE 10 DE JUNHO DE 1887
Presidencia do exmo. sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa
Secretarios - os dignos pares
Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta. - Antes da ordem do dia o digno par o sr. Bocage pede a palavra para quando estiver presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros. - Os dignos pares os srs. Ressano Garcia e Mendonça Cortez mandam para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda, relativos á conversão da divida publica e ao orçamento rectificado. Foram a imprimir. - O digno par o sr. conde de Campo Bello participa haver-se constituido a commissão de instrucção publica. - O sr. presidente propõe, e a camara approva, que se suspenda a sessão até estar presente algum dos srs. ministros. - Entram pouco depois o sr. presidente do conselho e os srs. ministros dos negocios estrangeiros, da guerra e da justiça.- Ordem do dia: proseguimento da discussão sobre o projecto da resposta ao discurso da corôa. - Usam da palavra os dignos pares os srs. marquez de Rio Maior, Pereira Dias e Miguel Osorio, que manda para a mesa uma segunda moção em substituição da sua primeira. É admittida á discussão. - O digno par o sr. conde de Castro propõe que se prorogue a sessão até se votar o mencionado projecto. A camara approva. - O digno par o sr. visconde da Arriaga fundamenta, e manda para a mesa, uma sua moção. Tambem é admittida á discussão. - Os dignos pares os srs. Serra e Moura, visconde de Carnide, Bocage e Silva Amado, que estavam inscriptos, desistem da palavra. - O sr. ministro dos negocios estrangeiros faz algumas reflexões com referencia ás supplicas das christandades de Ceylão. - Protesta contra ellas o sr. Bocage. - O digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme pede a palavra sobre o modo de propor. Responde-lhe o sr. presidente.- Lê-se depois o projecto de resposta ao discurso da coroa, e é approvado. - O digno par o sr. Fernando Palha pede para retirar a sua moção, bem como o sr. Thomás Ribeiro a sua primeira. A camara annue. - Em seguida lêem-se as moções dos dignos pares os srs. Bocage, arcebispo resignatario de Braga e Antonio Augusto de Aguiar, que são rejeitadas. - Approvam-se as dos dignos pares os srs. marquez de Rio Maior e Barros e Sá. - A do digno par o sr. Carlos Bento considera-se satisfeita, em vista da anterior resposta do sr. presidente do conselho. - Segue-se a segunda moção do sr. Thomás Ribeiro. - Pede sobre ella votação nominal o sr. D. Luiz da Camara Leme. A camara approva. - É rejeitada por 51 votos contra 14. - É approvada a proposta do digno par o sr. Coelho de Carvalho, referente ao feito de armas de Tungue.- O digno par o sr. Miguel Osorio requer votação nominal sobre a sua segunda moção. A camara rejeita o requerimento e approva a moção. - O digno par o sr. visconde de Arriaga pede para retirar a sua proposta, visto estar implicita na antecedente. A camara annue. - O sr. presidente nomeia a deputação para levar a Sua Magestade a resposta ao discurso da corôa.- O sr. presidente do conselho declara o dia e a hora em que Sua Magestade se dignará recebel-a. - Levanta-se, emfim, a sessão e designa-se a immediata e a respedtiva ordem do dia.
Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 20 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Não houve correspondencia.
(Entraram durante a sessão os srs. presidente do conselho e ministros dos negocios estrangeiros e da justiça.)
O sr. Barbosa du Bocage: - Peço a v. exa. que me reserve a palavra para quando esteja presente o sr. ministre dos negocios estrangeiros.
O sr. Ressano Garcia: - Tenho a honra de mandar para a mesa o parecer da commissão de fazenda, sobre o projecto de lei n.° 4, que trata da conversão da divida publica.
Leu-se na mesa e foi a imprimir.
O sr. Conde de Campo Bello: - Cumpre-me participar a v. exa. e á camara que a commissão de instrucção publica se acha constituida, tendo nomeado para seu presidente o sr. reitor da universidade de Coimbra, Adriano Machado, e a mim para secretario, havendo relatores especiaes.
O sr. Presidente: - Como não está presente nenhum dos srs. ministros, não se póde entrar na ordem do dia.
Interrompo, pois, a sessão por alguns minutos até que esteja presente algum membro do governo.
Eram duas horas e quarenta e cinco minutos da tarde.
Entra na sala, o sr. presidente do conselho de ministros.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto da resposta ao discurso da corôa
O sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia, visto achar-se presente o sr. presidente do conselho.
Tem a palavra o sr. relator da commissão, marquez de Rio Maior.
(Entram os srs. ministros dos negocios estrangeiros, da guerra e da justiça.)
O sr. Marquez de Rio Maior: - Quando na ultima sessão pedi a palavra, estava quasi a dar a hora, e tencionava dar apenas uma ligeira explicação á camara a respeito da proposta, mandada para a mesa pelo digno par o sr. Coelho de Carvalho, acceitando-a ao mesmo tempo.
Mas, visto caber-me a palavra hoje no principio da sessão, vou, ainda que muito de passagem, porque sei que a camara está cansada deste debate, dizer alguma cousa a proposito das ultimas reflexões, que têem sido apresentadas por parte de alguns dos meus collegas contra o estabelecimento das ordens religiosas no ultramar, cujas vantagens affirmo, e que julgo o complemento indispensavel da concordata de 1886.
O que provoca mais estas minhas observações é um livro, que acaba de ser publicado, e me chegou hontem, por acaso, ás mãos; uma novidade, como se diz em linguagem de livreiro, n'elle encontro a opinião de um homem eminente, applaudindo a mesma doutrina, que sustentei.
Sr. presidente, escreveu, ultimamente, alguem, a proposito de ter eu defendido a necessidade das congregações religiosas no ultramar, Honneur au courage malheureux. Não acceito tamanha compaixão, que não preciso, e vou levantar a phrase.
É possivel, que n'esta assembléa esteja em minoria, mas não estou só; todavia consola-me, e consola aquelles que pensam como eu, o facto de quasi toda a Europa civilisada seguir a minha opinião; estes principies são praticados pela Hespanha, pela França, pela Italia, pela Allemanha e pela Inglaterra; portanto estamos em muito boa companhia, e se os meus adversarios invocam o marquez de Pombal, nós podemos citar a auctoridade dos homens verdadeiramente liberaes da actualidade, como muito bem dizia o meu amigo o sr. Barros e Sá, que lembrava os no-
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mes de Sagasta e Montero Rios. Não é necessario ir tão longe, temos cá no paiz, e mesmo no primeiro periodo constitucional, homens importantes, que pensavam o que eu penso.
O documento, que vou ler, tem a data de 1840, é da responsabilidade do ministerio de que fazia parte o conde do Bomfim, Rodrigo da Fonseca Magalhães, Costa Cabral, conde de Villa Real. N'essa epocha o ministro dos negocios da marinha e ultramar, no seu relatorio, apresentado ás camaras na sessão extraordinaria de 1840, tratando do estado religioso das nossas possessões e do anniquilamento do padroado portuguez, dizia o seguinte: "Entretanto o pequeno numero de padres existentes no collegio de S. José em Macau, e a maior parte d'elles impossibilitados, por seus annos e moléstias, de entrarem para as missões, faz receiar que dentro de poucos annos, a pão se tomar alguma providencia, façam com que ellas se percam para o padroado; tanto mais que a Sé Apostolica não é possivel que deixe em abandono cincoenta a sessenta mil christãos das missões portuguezas, tendo talvez já por essa rasão nomeado um novo vigario apostolico para Kiamey e Kikiam, provincias pertencentes ao bispado de Pekim.
" Convem que quanto antes se restabeleça uma corporação, que tenha a seu cargo as missões, para evitar a perda do padroado portuguez no Indostão, Malabar, Bengala, Malacca, China e resto da Asia. Parece tambem que o mais conveniente é a congregação da missão, que outr'ora existiu em Rilhafolles, que por experiencia se demonstrou ser a mais util, e que tanta gloria deu ao nome portuguez."
A leitura foi um pouco comprida, mas não podia deixar de a fazer toda. Agora pergunto aos meus collegas: não acham s. exas. que a auctoridade do relatorio, assignado por nomes tão importantes, se impõe á attenção de todo nós? Não demonstra elle que estes velhos liberaes julgavam vantajosas e necessarias as congregações religiosas para o padroado? Não são as opiniões d'elles conformes com as minhas?
N'este mesmo livro, interessantissimo, vem uma carta de Silvestre Pinheiro, escripta em Paris em 4 de outubro de 1826, na qual se consignam os sentimentos mais favoraveis á congregação do oratorio. "Os meus sentimentos, diz elle, são invariaveis; possa eu merecer o titulo de digno filho de essa congregação, a que sempre estive unido por gratidão e por affecto".
Ainda vou citar mais um grande liberal, o marquez de Sá da Bandeira.
Diz o Livro branco, volume I, pag. 187, as instrucções do marquez de Sá, de 11 de março de 1868 auctorisavam a annuencia formal do governo de Sua Magestade em concordar no estabelecimento em Bombaim de um collegio de missões, confiado a uma ordem religiosa, e o restabelecimento da missão dos capuchinhos italianos em Santo Antonio do Sonho (margem esquerda do Zaire) concorrendo o governo para a despeza do transporte dos missionarios.
Sinto que o sr.. Thomás Ribeiro só desse agora entrada na sala, e não ouvisse a leitura, que fiz de um documento importantissimo, da responsabilidade dos srs. Costa Cabra!, Rodrigo da Fonseca Magalhes, conde do Bomfim e conde de Villa Real, documentos em que estes illustres homens d'estado se pronunciam a favor da, congregação das missões, outr'ora existente em Rilhafolles, como meio de evitar a perda do padroado.
Agora fallo do livro, a que já me referi, é intitula-se Atravez o hemispherio do sul, por mr. Michel. Conta elle, que chegado ao Brazil foi apresentado ao Imperador, e este lhe fallou da congregação italiana de D. Bosco, que tem por fim a educação das creanças, manifestando o chefe do estado viva satisfação por saber que estes padres iam fundar brevemente uma casa para a sua ordem no Rio de Janeiro.
O Imperador do Brazil é um liberal, um homem distinctissimo e illustrado, e o seu voto merece consideração.
Devo dizer que não tenho a honra de conhecer, nem directa nem indirectamente, o auctor d'esta obra, comquanto n'ella se façam referencias muito lisonjeiras a respeito da administração da Misericordia de Lisboa e de outros institutos piedosos, que dependem de pessoas da minha familia.
Diz o mesmo escriptor que no hospicio da misericordia, do Rio de Janeiro, os irmãos de S. Vicente de Paula tratam 1:500 doentes internos, e dão diariamente remedios, receitados pelo medico, a 600 outros doentes externos.
Aqui tem a camara a prova de que as congregações religiosas são admittidas tambem n'aquelle vasto imperio.
Sr. presidente, nunca em occasião mais opportuna me chegou á mão um livro tão valioso. Outra citação vou d'elle tirar. Apresentou-se contra a minha doutrina um arsenal completo; tem só um defeito, são velhas as armas. Veiu o Voltaire e o Rousseau! Pois a respeito do primeiro acho tambem nesta obra de mr. Michel um facto curioso; refere o auctor uma conversa, que teve no Chili com um dos chefes do partido liberal, o deputado D. Ambrozio Montt, a proposito de uma discussão, que lá tinha havido, e disse este homem politico o seguinte:
"Na verdade de que serviria um Voltaire na nossa America. No norte ha o grande Washington a seguir, mas nas republicas latinas do sul o genio de Voltaire enfraqueceria a idéa christa, fundamento da nossa sociedade, e auxilio poderoso das nossas instituições republicanas, nau nos dando em compensação uma philosophia para os nossos pensadores, uma sciencia para os nossos publicistas, uma religião para o nosso povo!"
Esta é a opinião de um illustre republicano a respeito do velho Voltaire, tão mal trazido polo sr. Fernando Palha para o debate.
Quanto aos jesuitas, não fui eu só que o disse, confessaram os meus adversarios que elles eram bons missionarios, bons educadores, até bons portuguezes, que só tinham o defeito de se não gostar d'elles, e que mettiam medo. Não sei responder a estes argumentos.
Exclamam: os jesuitas para ganhar popularidade até acompanham os condemnados ao patibulo; respondo, os jesuitas lêem immensos merecimentos; comtudo não é este o emprego especial dos seus padres.
Peço desculpa ao meu amigo, o sr. Thomás Ribeiro, para lhe dizer: póde ser que uma ou outra vez fosse algum jesuita acompanhar algum condemnado ao patibulo, mas, repito, não é essa a sua missão. Em Lisboa acompanhavam quasi sempre os moribundos, os frades de S. Pedro de Alcantara, chamados pela Misericordia; quanto aos jesuitas santa é a sua popularidade, se ella se affirma, como dizem os dignos pares seus inimigos, com obras tão meritorias.
Sr. presidente, uma das muitas cousas que se declarou, porque nesta discussão tem havido uma tal diversidade de palavras e de idéas, que bem disse o sr. Thomás Ribeiro, o debate recorda uma verdadeira Babylonia, foi que ás creanças ora prejudicial dar-lhes educação religiosa na tenra idade.
Nada de incutir ás creanças educação religiosa!
O sr. Senna: - Fui eu que disse isso; não pude, porem, desenvolver a minha idéa, porque m'o impediu uma observação do sr. presidente.
O Orador: - V. exa. não póde desenvolver a sua idéa; luas como eu fallei n'este ponto, vou, sem me referir a v. exa., e para instrucção de todos nós, apresentar uma opinião insuspeita.
Á camara deve agradar a leitura, que vou fazer, porque é portuguez de lei, é de um homem, que escrevia em linguagem vernacula, e sabia, como os melhores, a sua lingua.
Dizia assim:
"Era, porém, a superstição a religião do povo, e quem de algum modo amparava, e aviventava a moral, a virtude a vida intima d'elle; affrontada, amaldiçoada, arrastada
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já, nas cidades, pelo lodo das ruas publicas, sel-o-ia brevemente pelas viellas e azinhagas das aldeias e casaes. Mas o que ficou em logar d'ella nas cidades; o que ficará nos campos? Nada: porque ella era a crença do povo. E podemos-lhe dar outra? Não; porque a religião só se estampa na alma durante os tenros annos.
"Desgraçadamente o philosophismo já se aquece no soalheiro da praça, e
encosta-se ao balcão da tenda; a religião, porem, nau sáe dos cathecisrnos da escola, ou dos livros dos theologos; a impiedade pavoneia-se descaradamente por palacios e choupanas, por salas e tabernas, e se lhes perguntaes de onde veiu, que bem faz á humanidade, em que titulos funda o seu modo senhoril e desprezador do passado, responde-vos que sois fanaticos, supersticiosos e intolerantes. "
Ouviu a camara esta linguagem tão verdadeira! É, talvez, de algum reaccionario, fanatico, supersticioso e intolerante? Não, não é! O homem que isto escreveu chamava-se Alexandre Herculano! A sua palavra é de uma grande auctoridade.
O sr. Carlos Testa: - Era um reaccionario!
O Orador: - Eu comprehendo, sr. presidente, que os que julgam os jesuitas prejudiciaes á educação não mandem lá seus filhos, mas não entendo que o façam aquelles que os atacam. Este procedimento não é correcto. Aproveito a occasião para declarar que os jesuitas não teem em Portugal existencia official, porém teem direito a aqui residir individualmente, como qualquer mahometano, israelita, ou adorador de Boudha. (Apoiados.} As leis do marquez de Pombal não podem obrigal-os a sair do reino, ha lei mais moderna que os protege e defende. Aos jesuitas habilitados como professores, é lhes livre o ensino, como a quaesquer outros mestres.
O digno par, o sr. Thomás Ribeiro, que disse muita cousa boa no seu discurso,, e tanto que eu lhe não regateei os meus apoiados, declarou n'este ponto, em que o nosso desaccordo é completo, que, depois de enumerar os bons serviços, prestados pela Companhia de Jesus, havia de demonstrar quanto ella nos foi contraria. Póde ser, sr. presidente, que eu não comprehendesse o fim do discurso do digno par, tão bem como lhe comprehendi o principio, que s. exa. desenvolveu largamente; mas o facto é que esperei a completa demonstração dos delictos contra nós praticaticados pelos jesuitas, e não os encontrei. S. exa. apresentou a proposição, sentença condemnatoria, o desenvolvimento do libello é que não houve!
Os jesuitas são Francisco Xavier na Indiano padre Antonio Vieira, pregando contra os hollandezes, o padre Loureiro, prestando os assignalados serviços, que enumerei. Os jesuitas são estes todos, e os muitos que, como honra da Companhia, evangelisam hoje em todo o mundo. Bastantes serviços prestaram á bandeira das quinas; mas o que foi hontem póde sel-o ámanhã, para gloria de Portugal e defeza do nosso padroado.
Digo tudo isto, sr. presidente,, para que tudo se fique sabendo aqui bem, e conste lá fóra. Tome cada um as suas responsabilidades.
Repito, a discussão tem sido uma Babylonia! Até se fallou na inquisição, instituição que não foi respeitavel, que eu por fórma alguma defendo, que ao contrario combato; mas devo explicar, a inquisição foi principalmente um tribunal religioso, posto ás ordens do poder civil. N'este ponto não concordo com o sr. Cánovas dei Castillo. Ainda ultimamente ha o seu prefacio da obra de Gaspar Muro, A dugueza de Eboli. Para, mim Filippe II personifica um dos maiores tyrannos da humanidade, a inquisição era um dos meios da sua politica atroz. A reforma não entrou em Hespanha, é verdade, mas isso não absolve as fogueiras e os autos de fé. É necessario, porém, para ser historiador imparcial, attender ao meio em que se vivia, a vida humana não era então respeitada como hoje.
Francisco I, o cavalheiroso Rei de França, o homem da renascença, levantava um dia na praça da Greve cincoenta forças, e a nossa princeza D Joanna, irmã de Filippe II, e mãe de D. Sebastião, assistia de gala, decotada com as suas damas e a sua côrte durante todo um dia, em Valladolid, a um horrivel auto de fé, em que muitos desgraçados foram queimados!
Eram as idéas, más idéas d'aquelle tempo.
Se faço todas estas reflexões não é porque deseje cansar a camara, mas tendo os meus argumentos sido contradictados, não podia deixar de dizer resumidamente algumas palavras.
Agora passo ao assumpto para que pedi ante-hontem a palavra. Tenho a declarar, por parte da commissão, que acceito a proposta do digno par o sr. Coelho de Carvalho. A commissão de bom grado ampliará o louvor, sobre á acção dá bahia de Tungue, ás forças do exercito de terra que tomaram parte no desembarque.
Devo, porém, dizer que a omissão, notada pelo digno par, na resposta ao discurso da corôa, teve por unica causa o não serem ainda conhecidos os relatorios d'aquelle feito glorioso, quando foi redigido o projecto de resposta.
Comtudo, fallando-se nas forças de marinha, comprehendiam-se todos, que estavam, embarcados nos nossos vasos de guerra. Não houve a menor idéa de exclusão. (Apoiados.) Ao contrario; devia-se tambem entender que o elogio era para as forças do exercito de terra, que fizeram, parte d'essa expedição maritima. Tanto não podia haver, pensamento de menos louvor para as forças do exercito, que desembarcaram, quanto é certo ser eu, relator do projecto, amigo pessoal do illustre official que as commandava, o sr. Palma Velho. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
O sr. Mendonça Cortez: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, sobre o orçamento rectificado.
Foi a imprimir.
O sr. Pereira Dias: - Declara que não tem o gosto ide sei- amigo pessoal do sr. marquez de Rio Maior, e diz isto. não porque tenha para com s. exa. a minima animosidade, senão sómente para se desviar do estylo contraproducente d'aquella casa, consistindo elle em que o orador que se levanta, desde logo se protesta muito amigo do que o antecede, e depois falla e conclue de modo que o publico fica na profunda convicção de que ambos são dois inimigos figadaes.
Repugna-lhe isto e não menos fallar muito, a fim de obstar a que por mais tempo se dilate uma discussão já de si tão longa, e a cujo proposito, se houvesse de apresentar alguma proposta, fôra no sentido de a adiar para o inverno, attenta a calma intensa da actual estação.
Passa depois a rebater alguns argumentos do sr. marquez de Rio Maior, e referindo-se ás congregações religiosas, que s. exa. tanto defendera, entende que ellas já tiveram utilidade, e portanto a sua rasão de ser. Actualmente, porém, até a educação subministrada pelos jesuitas chega a atrophiar a precocidade das intelligencias.
Quanto ao discurso do sr. Fernando Palha, acha que este digno par tivera por vezes rasão nas suas referencias ao bezerro de oiro, pois que elle proprio, orador, estava, muito ás claras, vendo o dito bezerro saltando de pagina para pagina em todo o Livro branco.
Impugna a moção do sr. Thomás Ribeiro, comparando-a a certa droga chimica, de nome singelo e agradavel sabor, mas um toxico tão violento, que alguem assim descreveu o quanto ella era fallaz:
Cave, sub hoc specioso nomine, horrendum venenum!
Rejeita-a conseguintemente como um producto insidioso, e justifica e approva a concordata.
(O discurso de s. exa. será publicado na integra, quando haja revisto as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Queira o digno par mandar para a mesa a sua moção.
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O sr. Pereira Dias: - Effectivamente usei da palavra, sobre a ordem, mas como tenho a convicção de que hoje ou ámanhã se ha de discutir o assumpto, dispense-me v. exa. de apresentar qualquer proposta.
O sr. Miguel Osorio Cabral (presidente, da relação de Lisboa) (sobre a ordem): - Em substituição da minha primeira proposta tenho a honra de mandar para a mesa a que vou ler, e desde já requeiro a v. exa. que haja de consultar opportunamente a camara para que me permitta retiral-a para que fique assim substituida, e quando não seja necessaria a permissão da camara, ficará sem effeito o meu requerimento.
A minha proposta é a seguinte:
"Proponho- que, depois de votada a resposta ao discurso da corôa, seja submettida á votação da camara a seguinte proposta:
"Em vista das manifestações de sentimento da camara a favor das christandades supplicantes de Ceylão, que imploram do intimo d'alma ser conservadas no real padroado do oriente, a camara dos pares, attento o melindre do governo em não propor novas negociações, espera, comtudo, que elle fará levar ao conhecimento de Sua Santidade este voto respeitoso de uma das casas do parlamento portuguez. = M. Osorio = Arcebispo resignatario de Braga = Conde d'Alte = J. V. Barbosa du Bocage = A. Aguiar = Marquez de Rio Maior = Antonio Maria de Sena = Fernando Pereira Palha."
É firmada com o meu nome, certamente o menos significativo e importante, mas é auctorisada pelos nomes respeitabilissimos de outros signatarios mais distinctos.
Exprime ella o voto de quasi todos os oradores, que têem tomado parte na larga discussão ácerca da concordata de 23 de junho de 1886 sobre o padroado de Portugal no oriente, e é como que o epilogo dos differentes discursos a favor das desoladas christandades de Ceylão, que supplicam fervorosamente não ficarem excluidas do mesmo padroado, e cujas deprecações lastimosas teem feito echo profundo e sentimental n'esta casa do parlamento portuguez.
Não alongarei as minhas considerações sobre um assumpto já por demais debatido nesta casa, porque seria abusar da benignidade da camara, depois que pela sua muita attenção, que eu não esperava merecer-lhe, obrigou tanto o meu reconhecimento. Assim a minha proposta podesse servir de remate a está tão ampla discussão, com a qual, não só vae cansando a attenção da camara, mas surgindo na opinião lá fóra uma certa impaciencia.
O governo, pela voz do sr. ministro, dos negocios estrangeiros, tem declarado estar inhibido de requisitar mais concessões, ou de propor negociações novas sobre o alargamento do padroado alem dos limites fixados na ultima concordata e seu additamento, e a camara respeita esse melindre do governo, como está expresso na proposta; deseja, porém, que elle pelos meios diplomaticos ao seu alcance faça officialmente constar ao Chefe Supremo da Igreja o voto respeitoso da mesma camara a favor dos catholico portuguezes supplicantes, a quem eu chamarei as nossas christandades de Ceylão.
Mas o governo, que se considera inhibido de pedir mais nada sei que está de accordo em satisfazer ao desejo da camara, e tenho tambem por certo que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, assim como pela honestidade e nobreza do seu caracter zela escrupulosamente a honra do poder executivo e a da nação, para não transpor os limites, que no seu entender lhe prescreve a propria dignidade, não deixará, pelo mesmo escrupulo deconsciencia, de informar da verdade dos factos, e de tornar em conhecida á attitude d'esta camara na manifestação de um sentimento, que tem tanto de respeitoso, como de vehemente.
Se na ajustada consciencia do nobre ministro não cabe pedir mais cousa alguma para o padroado, tambem na consciencia escrupulosa de s. exa. não caberá omittir a verdade.
O Santo Padre, no seu elevado e benigno espirito, resolverá como houver por bem, mas eu, como filho da Igreja, a que Sua Santidade tão illustradamente preside, tenho confiança em que lhe hão de commover o coração paternal as supplicas enternecidas d'esses fieis, e em que não deixará de considerar se é, ou não, consentaneo com os interesses do catholicismo que na, mesma Igreja, com a mesma crença, e subordinada ao mesmo Chefe Supremo e unico, haja duas religiões,-uma de paz, espontanea, toda do coração, e da vontade, - e outra imposta, contrafeita, violenta.
Sr. presidente, tomei a palavra ha dias n'esta discussão por entender que devia dar rasão de mim, visto que na camara electiva tinha votado contra a concordata de 1807, e disse que d'essa votação tinha companheiros n'esta camara. (Apoiados.)
No discurso, que tive a honra de proferir, fui um pouco doutrinario, porque, estranho ha muito tempo á vida parlamentar, quiz eu, ainda que inteiramente despretencioso, affirmar certos principies e certas doutrinas, não só para ficar sabido qual é o meu feitio n'este quadro da politica, mas para que ninguem me argua de adstricto nem a isso, a que por ahi se chama ultramontanismo, reacção e jesuitismo, nem muito menos a nenhuma das descrenças petrificadas da escola dos sói disants espiritos fortes e livres pensadores.
Não nasci para homem de marmore, nem para isso me educaram.
Quando na infancia me infundiam sentimentos religiosos com exemplos raros de virtude, o mesmo dedo que me apontava para o céu, apontava patrioticamente tambem para os episodios verdadeiros de um grande poema da humanidade, que se chama historia de Portugal.
E fiquei assim...
Quero para a minha patria todos os melhoramentos moraes e materiaes, mas no tope sempre o escudo venerando das quinas com a sua fórma em cruz.
Uma das proposições, que de relance affirmei, foi que os bispos, alem da instituição divina, em que recebem um poder espiritual directamente dos apóstolos, são representantes do Pontifice no que respeita ao governo e administração das suas dioceses. Foi contestada pelo meu dilecto parente e digno par esta affirmativa. Causou-me estranheza e pezar a contestação, por ser desairoso ignorar eu os principios mais geraes e rudimentares do direito publico ecclesiastico, e do direito canonico, quando se dizia que os bispos não são delegados, nem representam o Papa.
Procurei logo verificar se estaria em erro, ou não, mas reconheci que a minha opinião é a verdadeira. Não fui talvez rigoroso na terminologia technica usada pelos escriptores ecclesiasticos.
A distincção é entre o sacramento da ordem, que se .administra ao diácono em primeiro grau, ao presbytero em segundo e ao bispo, que é o complemento, em terceiro, e a, jurisdicção, que é delegada pelo Papa para o governo das dioceses, e tanto assim que elle póde suspender os bispos e destituil os, quando haja fundamento ou irregularidade canonica legitimamente provada.
O poder espiritual do sacramento da ordem define-o a Igreja como procedente do Espirito Santo, e a jurisdicção como delegada pelo Papa, não podendo os bispos, simplesmente titulares, ou in partibus, ingerir-se a exercer funcções episcopaes em qualquer diocese sem auctorisação do prelado d'ella, e não tendo o Pontifice outros intermediarios, como representantes, ou delegados seus, para exercer a propria auctoridáde suprema sobre os fieis, senão os bispos.
A opinião contraria não só é erronea, mas póde até ser heretica.
Sr. presidente, quando pela primeira vez fallei n'esta
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discussão, sustentei eu que Portugal póde satisfazer regularmente as obrigações do padroado, não só na extensão, que lhe é assegurada pela ultima concordata, mas ainda com respeito a algumas christandades mais, como as de Ceylão, que se não querem separar de nós, mas que é necessario que o governo aproveite cuidadosamente os meios directos e indirectos, que tem, sendo o mais efficaz de todos a missão.
Agora chamarei a attenção do sr. ministro dos negocios estrangeiros e da marinha para o estado precario e arriscado, em que vae ficar a nossa antiga igreja de Malaca.
Estava accordado que se restabeleceria ali o antigo bispado, mas pela ultima concordata vae annexar-se á diocese de Macau, na distancia de quasi 20 graus geographicos de longitude, sendo de certo difficeis e raras as communicações, com o mar da China de permeio, ao mesmo tempo que se não declara, e só se infere por inducção, que a diocese de Macau continuará a ser suffraganea da sé metropolitana de Goa.
Esta incerteza duma situação indeterminada e vaga é para causar receios.
A nossa igreja de Malaca tem ainda bens, segundo os inventarios, no valor de 600:000$000 reis! O seu rendimento deveria ser bastante para sustentar o bispado com o seu cabido, seminario, missões e escolas, mas fica em muito desamparo n'aquelle isolamento, e como está á beira mar, cumpre seriamente ao governo precaver que não vá tudo por agua abaixo.
Tenho por ultimo de pedir perdão á camara, e á minha patria, de uma inadvertencia, que tive, de momento.
Memorando as virtudes sympathicas de Sua Santidade Leão XIII, dia se eu que a Europa vae em breve presenciar na exposição do Vaticano a homenagem de respeito talvez mais esplendida, que se tem dado ao successor de S. Pedro desde a instituição do pontificado.
A incerteza da minha asserção tinha fundamento.
Se fosse possivel abrir-se concurso de manifestações as maiores e mais ruidosas, que tenha havido, ou possa haver, em honra do Chefe Supremo da Igreja, e o mundo se apresentasse agora com essa maravilha, que está em preparativos no Vaticano, desafiando á competencia quem quer que fosse, erguer-se-ia da mais pequena orla do extremo continente occidental da Europa um pequeno povo a levantar a luva e a afrontar reunidos todos os outros povos da terra!
Em 1514 mandava o afortunado Rei de Portugal D. Manuel ao Papa Leão X a mais grandiosa e extraordinaria, embaixada que jamais entrou na cidade eterna. Foi embaixador de Portugal um dos heroes legendarios da nossa historia, o grande Tristão da Cunha, o qual com seus proprios filhos e outros nobres portuguezes; com o riquissimo presente das primicias do oiro do oriente, de preço inestimavel, e nesse tempo avaliado em um milhão; com o celebre elephante real recamado de oiro a borrifar de agua aromatica as mais altas janellas do castello de Santo Angelo, onde estava o Papa e os cardeaes, e a multidão em redor; com o seu cornaca indio, que o ia governando; com a onça de caça de Ormuz na anca de um cavallo persico; com os seus cavallos ferrados de prata; e com o luzimento deslumbrante do seu apparatoso séquito; apresentava ao Soberano Pontifice a obediencia das regiões do oriente, cujas portas acabava Portugal de abrir, não só á concorrencia e trato da Europa attonita, mas ainda mais ao imperio da fé christã!
Isso sim! Isso é que foi a maior de todas as manifestações, e que não póde mais repetir-se, com assombrosos effeitos para o catholicismo e para a civilisação! Foi ahi que teve origem o primeiro titulo escripto do nosso padroado.
Se o concurso estivesse aberto, sabe a camara em quem nós nos louvariamos para ser juiz no certame com inteiro conhecimento de causa, e que o havia de decidir a nosso favor, por ser prova viva de tudo quanto poderiamos allegar?
A sagrada congregação de propaganda fide.
Não temos hoje um Tristão da Cunha para levar a nossa embaixada! Mas valha-nos o seu nome, que tanta luz ainda reflecte na historia, e valha aos nossos christãos de Ceylão a memoria d'elle, que se não póde ter apagado em Roma.
D'esses nossos christãos, que sem nos conhecer, nem tratar, tão nossos são em espirito, não se nos desapegará o coração.
E se em Roma alguma entidade ha, que possa intrometter-se a allegar contra nós ao Summo Pontifice quaesquer rasões, por mais conscienciosas, que se inculquem, confio em que Roma não prevalecerá contra Roma.
A causa das nossas christandades de Ceylão é a nossa causa. (Apoiados.)
Leu-se na mesa a seguinte
Moção de ordem
Proponho que, depois de votada a resposta ao discurso da coroa, seja submettida á votação da camara a seguinte:
Proposta
Em vista das manifestações de sentimento da camara a favor das christandades supplicantes de Ceylão, que. imploram do intimo da alma ser considerados no real padroado do oriente, a camara dos pares, attento o melindre do governo em propor novas negociações, espera comtudo que elle fará levar ao conhecimento de Sua Santidade este voto respeitoso de uma das casas do parlamento portuguez. = M. Osorio = Arcebispo resignatario de Braga = Conde de Alte = José V. Barbosa du Bocage = A. de Aguiar = Marquez de Rio Maior = Antonio Maria de Senna = Fernando Pereira Palha.
O sr. Presidente: - Os dignos pares, que admittem á discussão a moção que acaba de ser lida na mesa tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Presidente: - Eu pergunto ao digno par o sr. Miguel Osorio Cabral, se retira a sua outra moção?
O sr. Miguel Osorio Cabral: - Sim, senhor.
Eu peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha primeira moção e a substitua pela outra que acabou de ser lida na mesa.
O sr. Presidente: - Os dignos pares, que permittem que o digno par o sr. Miguel Osorio Cabral retire a sua primeira moção e a substitua pela outra que mandou para, a mesa, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Conde de Castro: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que se prorogue a sessão até se votar a resposta ao discurso da corôa.
O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o requerimento que acaba de fazer o digno par o sr. conde de Castro, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Visconde de Arriaga (sobre a ordem): - Apresentou a seguinte moção:
"A camara dos pares faz votos para que o governo de Vossa Magestade empregue todos os esforços a fim dos christãos portuguezes da ilha de Ceylão e os dos Gattes ficarem pertencendo ao padroado portuguez na India."
S. exa. usou largamente da palavra a favor das christandades que ficaram, pela nova concordata, fóra da nossa jurisdição.
(Não desenvolvemos este extracto, por indicações de s. exa. cujo discurso será publicado na integra, quando haja revisto as notas tachygraphicas.)
O sr. Serra e Moura: - Em vista do requerimento do digno par o sr. conde de Castro, e do facto de não es-
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418 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
tar presente o. sr. arcebispo resignatario de Braga, a quem me tinha de dirigir, desisto da palavra.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. visconde de Carnide.
Q sr. Visconde de Carnide: - Desisto tambem da palavra.
O sr. Presidente: - Segue-se o sr. Bocage. Tem s. exa. a. palavra.
O sr. Bocage: - Desisto igualmente da palavra.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. (Barros Gomes): - Peço a v. exa., sr. presidente, que me dê a palavra para quando estiver esgotada a inscripção.
O sr. Presidente: - Segue-se na ordem da inscripção o sr. visconde de Moreira, de Rey, mas, como s. exa. não está presente, tem a palavra o digno par o sr. Silva Amado.
O sr. Silva Amado: - Desisto da palavra.
O sr. Presidente: - Como está esgotada a inscripção,, tem a palavra o sr. ministro dos negocios estrangeiros.
O1 sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Sr. presidente, o digno par o sr. Miguel Osorio pediu licença á camara para substituir uma proposta em que pedia para se alterar a redacção de um paragrapho da resposta ao discurso da corôa, por uma moção que se votasse independentemente d'esse documento.
Sobre a doutrina formulada n'essa moção acha-se a situação do governo perfeita, positiva claramente definida, e por mais de uma vez, tanto n'esta como na outra casa do parlamento, tive occasião de a fixar.
O governo, depois de ter firmado a concordata, dirigiu-se ao Santo Padre e procurou alcançar algumas modificações n'essa mesma concordata, que acabava de ser firmada; pediu essas modificações, porque as entendeu necessarias para conseguir o fim principal a que mirava, isto é, uma mais perfeita circumscripção das dioceses indianas.
As reclamações das christandades que o governo apresentou e defendeu, foram, attendidas. benevolamente pelo Santo Padre, e por essa occasião e por tal motivo tomou o governo para com a Santa Sé o. compromisso de não apresentar mais nenhuma.
N'estas, circumstancias, o governo não pôde, sem faltar ao que deve a si proprio, abrir negociações novas, nem formular em seu nome, ou mesmo apoiar quaesquer reclamações.
É certo que no decurso d'este debate quasi todos os oradores manifestaram sentimento de sympathia para com as christandades de Ceylão,, e eu mesmo, por mais de uma vez ao usar da palavra, declarei sempre que, folgaria immenso. se ao Santo Padre fosse possivel- attender ainda os rogos, d'essas christandades.
Se a camara deseja concretar na approvação da moção apresentada, pelo digno par q sr. Miguel Osorio, esses seus sentimentos, de que aliás, o Santo Padre já deve ter tido conhecimento, pois que o seu representante n'esta côrte não terá deixado de o informar do que aqui se tem passado, a respeito d'este, assumpto, se a camara, repito, quizer concretas na moção apresentada pelo sr. Miguel Osorio essa expressão do seu sentimento está no uso liberrimo do seu direito fazendo-o, e o governo não podia nem mesmo queria negar-se e transmittirá á Santa Sé esse voto formulado pela camara.
Agora, o que o governo não póde fazer é solicitar, é insistir junto de Sua Santidade para que satisfaça os desejos da camara. Dar-lhe-ha d'elles conhecimento, mas limitando-se a isso deixará que o Santo Padre, no uso pleno do seu direito, tendo em conta unicamente a melhor administração d'aquella parte das christandades da India oriental, deliberará, escutando unica e exclusivamente a voz da sua consciencia, e as verdadeiras conveniencias do governo da Igreja, e, pela minha parte estimarei, inutil é acrescental-o, que a resolução que Sua Santidade, tomar livremente, seja concorde com os desejos da camara.
O sr. Miguel Osorio: - O que eu peço ao governo é que informe Sua Santidade da attitude da camara para com as christandades de Ceylão.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Eu. creio que já dei todas as explicações que tinha a dar a este respeito, não tenha duvida em transmittir á Santa Sé, por intermedio do seu representante em Lisboa, o conhecimento do voto da camara, bem como das manifestações que completam esse voto, limitando, porém, d'essa maneira a minha intervenção, no, assumpto.
O sr. Bocage: - Levanto-me para, em poucas palavras, exprimir a mágua que sinto por ver que o governa se collocou na situação, de não poder juntar os sem aos nossos esforços, embora os reconheça justos.
Lamento, pois, que se não possa obter a reparação, de uma falta que os factos posteriores demonstraram ser maior do que a principio, se julgou.
(S. exa. não reviu.}
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - O digno par que acaba de fallar, interpretou como quiz a posição do governo; mas eu é que* não deixo pesar sobre mim a accusação que se contem nas palavras de s. exa. Repito o que por vezes asseverei, quando se celebra um tratado não póde haver a pretensão de alcançar da outra parte que negoceia tudo quanto se deseja.
Nas negociações ha sempre reciprocas concessões.
Entre nós a pratica tem revelado, em todos os tratados que temos negociado com as nações estrangeiras, a vedada desta minha asseveração, e talvez que o digno par não seja dos que mesmo tenha reconhecido essa necessidade de ceder, e uma vez. feita a cessão tem de a respeitar.
Não podemos, de certo,, exigir que a. Santa Sé, por não; dispor de exercitos ou de esquadras, se transponha, uma, maneira de negociar diversa da que acceitâmos para a, Inglaterra e para todas as nações com quem temos tratado.
E infelizmente, em alguns desses tratados, foram bem pouco attendidos os direitos, sempre affirmados, do governo e da nação portugueza, o que não succede com o ultimo convenio celebrado com o Summo Pontifice, que não é, como se pretendeu affirmal-o, deshonroso para o nosso paiz. (Apoiadas.)
Se perdemos algumas vantagens, temos n'elle amplas compensações para esses, prejuizos, em tudo e por tudo absolutamente secundarios.
Sr. presidente, é com a cabeça; bem erguida que affirmo mais uma vez julgar-me no direito de dizer que o tratado, a que se referiu a discussão que acaba de terminar, não vae juntar-se áquelles em que Portugal; foi absoluta ou relativamente prejudicado.
Vozes: - Votos, votos.
O sr. camara Leme: - Desejo saber se a votação do parecer é feita por paragraphos.
Approvo a resposta ao discurso da corôa, mas rejeito o paragrapho que diz respeito á concordata.
O sr. Presidente: - Vou pôr á votação em primeiro logar o parecer, e depois os additamentos. E este o costume constantemente seguido.
O sr. Thomás Ribeiro: - V. exa. dá-me a palavra?
O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.
O sr. Thomás Ribeiro: - V. exa. estava indicando, a fórma da votação, e eu desejo que a moção que tive a honra,, de mandar para a mesa não seja prejudicada com essa votação.
Peço a v. exa. que consulte a camara, sobre se ella consente que eu retire a minha primeira moção, e requeiro que a minha, segunda proposta seja votada nominalmente.
Já tive occasião de dizer que fiz a diligencia para dar á minha segunda moção uma fórma innocente, e, em todo o caso, o que peço a v, exa., sr. presidente, é, que, qual-
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SESSÃO DE 10 DE JUNHO DE 1887 419
quer que seja a votação, ella não prejudique a proposta sobre a qual desejo que a camara se pronuncie nominalmente.
(S. exa. não reviu).
O sr. Presidente: - Tomo nota das palavras do digno par, e serão consideradas quando se proceda á votação.. .
O sr. Thomás Ribeiro: - V. exa. permitte-me ainda uma pequena explicação?
O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.
O sr. Thomás Ribeiro: - Apresentei a minha primeira moção como uma questão previa, mas v. exa. entendeu dever dar-lhe outra feição, pondo-a em discussão conjunctamente com toda a materia.
Pouco se me dá que essa proposta não fosse considerada uma questão previa, e o que peço agora unicamente é que não fique prejudicada a moção que ultimamente mandei para a mesa.
O sr. Presidente: - Eu já expliquei á camara que a approvação da resposta ao discurso da corôa não prejudicava nenhum dos additamentos, emendas ou moções que tivessem sido mandados para mesa.
Vae ler-se a resposta ao discurso da corôa.
Leu-se na mesa e foi approvada.
O sr. Presidente: - Vão ler-se agora e serão successivamente votados, os additamentos, propostas e emendas mandados para a mesa por varios dignos pares durante a discussão da resposta ao discurso da corôa.
Successivamente leram-se na mesa:
A primeira moção do digno par o sr. Thomás Ribeiro, que s. exa. pedia licença, para retirar, annuindo a camara.
A moção do digno par a sr. Carlos Bento, que se julgou satisfeita pela declaração do sr. presidente do conselho, não recaindo portanto sobre ella votação alguma.
A emenda do digno par o sr. marquez de Rio Maior, que foi approvada.
A moção do digno par o sr. Antonio Augusto de Aguiar, que foi rejeitada.
A moção do digno par o sr. Barros e Sá, que se julgou prejudicada.
A segunda moção do digno par o sr. Thomás Ribeiro.
O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Requeiro a v. exa. consulte a camara sobre se permitte que haja votação nominal sobre esta moção.
Consultada a camara resolveu affirmativamente.
O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvarem a moção dizem approvo, e os que a rejeitarem dizem rejeito.
Vae proceder-se á chamada.
Fez-se a chamada.
Disseram approvo os dignos pares: João de Andrade Corvo, conde de Alte, conde de Gouveia, visconde de Arriaga, visconde de Azarujinha, Antonio de Serpa, Barjona de Freitas, Hintze Ribeiro, Jayme Moniz, Barbosa du Bo-cage, D. Luiz da Camara Leme, Sebastião Calheiros, Thomás Ribeiro, visconde de Bivar.
Disseram rejeito os dignos pares: João Chrysostomo de Abreu e Sousa, marquez de Pomares, marquez de Rio Maior, marquez de Vallada, conde de Campo Bello, conde de Castro, conde da Folgosa, conde de Linhares, conde de Magalhães, conde de Paraty, conde do Restello, visconde de Benalcanfor, visconde de Borges de Castro, visconde de Carnide, visconde de S. Januario, Adriano Machado, Antonio Gonçalves da Silva e Cunha, Antunes Guerreiro, Henriques Secco, Antonio Maria de Serma, Costa Lobo, Augusto José da Cunha, Carlos Testa, Sequeira Pinto, Pinheiro Borges, Fernando Palha, Francisco Maria da Cunha, Ressano Garcia, Barros Gomes, Henrique de Macedo, João Chrysostomo Melicio, Mendonça Cortez, Vasco Ferreira Leão, Vasconcellos Gusmão, Bandeira Coelho de Mello, Baptista de Andrade, Fructuoso Ayres de Gouveia Osorio, José Joaquim de Castro, Silva Amado, Luciano de Castro, José Maria Lobo d'Avila, Ponte e Horta, José Maria Raposo do Amaral, Mexia Salema, Manuel Antonio de Seixas, Pereira Dias, Marino João Franzini, Miguel Osorio, D. Miguel Pereira Coutinho, Thomás de Carvalho, Serra e Moura.
O sr. Presidente: - Está, pois, rejeitada esta moção por 51 votos contra 14.
Vão ler-se as restantes moções que estão sobre a mesa.
O sr. Miguel Osorio: - Requeiro votação nominal sobre a minha segunda proposta.
Consultada a camara, rejeitou o requerimento do digno par.
Leram-se da mesa:
O additamento assignado pelos dignos pares Coelho de Carvalho e D. Luiz da camara, que foi approvado.
A segunda proposta apresentada pelo digno par sr. Miguel Osorio e tambem assignada pelos dignos pares os srs. arcebispo resignatario de Braga, conde de Alte, Bocage, Aguiar, marquez de Rio Maior, Senna e Fernando Palha, que foi approvada.
O additamento do, digno par o sr. visconde de Arriaga, que, por estar implicito na proposta antecedente, s. exa. retirou com consentimento da camara.
O sr. Presidente: - Estão votados todos os additamentos, moções, emendas e propostas, mandados para a mesa.
Agora vou nomear a deputação que ha de ir ao paço da Ajuda entregar a Sua Magestade a resposta desta camara ao discurso da corôa.
Será composta, alem da mesa, dos dignos pares:
Duque de Loulé.
Marquez de Pomares.
Conde de Alte.
Conde de Castro.
Visconde da Azarujinha.
Adriano Machado.
Antonio Augusto de Aguiar.
Fernando Palha.
Holbeche,
Gomes Lages.
José Baptista de Andrade.
João Leandro Valladas.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Estou auctorisado a participar a v. exa., que Sua Magestade El-Rei receberá a deputação, que v. exa. acaba de nomear, na terça feira, pelas duas horas da tarde.
O sr. Presidente: - Far-se-ha essa communicação aos dignos pares, em sua casa.
A ordem do dia para a proxima sessão, que será ámanhã, sabbado, é a discussão dos pareceres n.os 49, 51 e 52.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas e meia da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 10 de junho de 1887
Exmos. srs.: João Chrysostomo de Abreu e Sousa: João de Andrade Corvo; marquezes, de Rio Maior, de Pomares, de Vallada; condes, de Alte, do Bomfim, de Campo Bello, de Castro, da Folgoza, de Linhares, de Magalhães, de Paraty, da Praia e de Monforte, do Restello, de Gouveia; viscondes, de Arriaga, da Azarujinha, de Benalcanfor, de Bivar, de Borges de Castro, de Carnide, de S. Januario; Adriano Machado, Aguiar, Sousa Pinto, Silva e Cunha. Henriques Secco, Senna, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Augusto Cunha, Carlos Testa, Sequeira Pinto, Hintze Ribeiro, Cardoso de Albuquerque, Francisco Cunha, Ressano Gar-
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cia, Barros Gomes, Henrique de Macedo, Antunes Guerreiro, Jayme Moniz, Melicio, Holbeche, Mendonça Cortez, Vasco Leão, Coelho de Carvalho, Gusmão, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Ayres de Gouveia, Castro, Silva Amado, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Lobo d'Avila, Raposo do Amaral, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro Bocage, Camara Leme, Seixas, Pereira Dias, Franzini, D. Miguel Coutinho, Miguel Osorio Cabral, Calheiros, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Fernando Palha, Pinheiro Borges, Serra e Moura.
Redactor = Ulpio Veiga.