O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 363

N.º 28

SESSÃO DE 26 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcelos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
José Augusto da Gama

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta.- O digno par o sr. Lencastre refere-se á crise alimenticia de Cabo Verde, e manda um requerimento para a mesa.- Responde-lhe o sr. ministro da fazenda.- O digno par Vaz Preto prescinde de documentos que pedira, relativos ao crime do Fundão, por terem sido absolvidos os réus n'elle implicados.- Os dignos pares Oliveira Monteiro e Bandeira Coelho justificam as suas faltas ás sessões.

Ordem do dia: proseguimento da discussão do orçamento rectificado.- Continúa, e conclue, o digno par José Luciano de Castro o seu discurso encetado na véspera.- Responde-lhe o sr. ministro da fazenda.- O sr. Rodrigo Affonso Pequito propõe que á commissão de instrucção publica sejam aggregados os dignos pares Lourenço de Azevedo e Oliveira Feijão.- O sr. Luciano de Castro torna a usar da palavra, pedindo explicações.- Dá-lhas o sr. ministro da fazenda.- Levanta-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e meia da tarde, achando-se presentes 30 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente.

Não houve correspondencia.

(Estava presente o sr. ministro da fazenda.)

O sr. Luiz de Lencastre: - Mando para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.)

Sr. presidente, eu comecei a minha carreira publica na provincia de Cabo Verde.

Passei ali alguns annos da minha vida, dedico-lhe verdadeira estima e considero-a como se fosse minha terra natal.

Pelos jornaes que li tenho conhecimento de que n'aquella provincia ha uma crise alimenticia muito grave que está flagellando aquelles povos.

Estou convencido, e sei que o governo não faltará com as providencias necessarias para acudir á situação lastimosa e desgraçada em que se acha a provincia.

Eu peço as informações officiaes porque desejo que a camara e o paiz tenham conhecimento do verdadeiro estado da crise e da miseria em que se encontram os povos de Cabo Verde.

Sr. presidente, o meu requerimento não significa de modo algum desconfiança da actividade e zelo do nobre ministro da marinha.

Tenho a mais completa e inteira confiança em s. exa.

Sei bem que o nobre ministro ha de corresponder com os seus actos á gravidade das circamstancias por que está passando a provincia.

Entendi dever chamar a attenção da camara para este assumpto, porque não é demais o seu auxilio para, pelo menos attenuar o mal que está flagellando aquelles povos.

Sr. presidente, é forçoso encarar de frente o estado da provincia de Cabo Verde.

Desde 1841 até 1843 houve em Cabo Verde uma crise alimenticia que poz em alarme, e foi o terror d'aquelles povos.

Desde então a falta de chuva, e como consequencia daquella falta as crises alimenticias têem-se tornado periodicas.

V. exa. e a camara sabem, a falta de chuvas é a causa principal da crise.

O digno par e meu amigo sr. conde de S. Januario que vejo presente, e que governou Cabo Verde, conhece bem o quanto soffrem os povos d'aquella provincia por falta de chuvas.

Não ha duvida que os governos e a caridade publica teem attendido sempre, em casos de crise, aos povos da provincia; mas não basta só isto, é necessario estudar as condições da provincia e olhar para as suas necessidades, para prover de remedio para o futuro.

É preciso envidar todos os esforços no presente para melhorar, attenuar, e fazer face ao mal actual, mas é sobretudo necessario olhar para o futuro, e por meio do estudo e cuidados constantes, tratar de melhorar as condições da provincia.

É necessario examinar, ver, e conhecer qual o meio da cultura que deve applicar-se áquelle solo que é fertilissimo, qual a fórma pela qual se póde e deve attenuar a falta periodica de chuvas, causa principal das crises alimenticias que flagellam de tempo em tempo a provincia de Cabo Verde.

Para isso chamo a attenção da camara, e peço o auxilio dos poderes publicos.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento do dino par o sr. Luiz de Lencastre.

Leu-se na mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da marinha e do ultramar, sejam enviadas a esta camara as ultimas noticias officiaes ácerca da crise alimenticia na provincia de Cabo Verde.

Mandou-se expedir.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Sr. presidente, eu posso dizer ao digno par, o sr. Lencastre, que o sr. ministro da marinha se occupa em providenciar no sentido de suavisar as circumstancias em que a crise alimenticia de Cabo Verde collocou os habitantes d'aquelle archipelago, mandando dar-lhes trabalho e tencionando, se preciso for, pedir um credito extraordinario para obras publicas n'aquella provincia.

No emtanto eu transmittirei ao meu collega as recommendações do digno par.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, pedi a palavra para declarar á camara e a v. exa., que tendo pedido pelos ministerios do reino e da justiça documentos relativos ao crime de fogo posto no Alcaide na casa de Frederico Carlos Ferreira Franco, pae do actual ministro da fazenda, desisto delles, porque tenho a satisfação de communicar á camara a agradavel noticia de que os pretendidos réus foram absolvidos por unanimidade, e que as duas principaes testemunhas de accusação que foram tambem por unanimidade declaradas perjuras já estão presas. A reparação publica foi completa e significativa. A Providencia nunca abandonou os innocentes!

Sr. presidente, se eu não tivesse a plena convicção da

36

Página 364

364 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

sua innocencia jamais tomaria a sua defeza. Os pretendidos réus prezaraim tanto o seu bom nome e a sua dignidade, e estavam tão cônscios da sua innocencia que deixaram de aggravar da injusta pronuncia e prescindiram do beneficio da amnistia que lhes era applicada, preferindo estar encarcerados alguns mezes com o intuito unico de, em audiencia publica, confundirem os seus detractores, e provarem a toda a luz da evidencia a grave injustiça que lhes fizeram.

A verdade appareceu finalmente em todo o seu brilho, e elles poderam lavar, por esta fórma, a nodoa villã com que pertenderam manchal-os, e devolvendo com altivez aos seus miseraveis e vis calumniadores o labéu infamante com que elles procuravam denegrir-lhes o caracter. De tudo ficou-lhes ao menos a consolação de que hoje todos conhecem quem são os verdadeiros petroleiros, e os detratores da honra alheia.

Sr. presidente, sinto que não esteja presente o sr. ministro da justiça, porque queria agradecer-lhe a attitude energica que tomou nesta questão, evitando assim que fosse por diante mais um grande escandalo.

O sr. Lencastre: - Sr. presidente, se pedi novamente a palavra foi só para agradecer ao sr. ministro da fazenda o que respondeu ao que eu ha pouco disse.

O sr. Oliveira Monteiro: - Sr. presidente, cumpre-me participar a v. exa. e camara que, se não tenho comparecido aqui ás sessões, tem sido porque outros serviços publicos que tenho a meu cargo, mo têem impedido.

Por esta occasião peço a v. exa. que faça informar o sr. ministro das obras publicas de que desejo interpellar s. exa. sobre assumpto relativo ao instituto industrial do Porto.

O sr. Bandeira Coelho: - Sr. presidente, participo a v. exa. e á camara que por justo motivo não tenho comparecido a algumas sessões.

O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia. Tem a palavra, que lhe ficou reservada, o digno par, sr. José Luciano.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do orçamento rectificado

O sr. José Luciano de Castro: - Continuando com o seu discurso, encetado na véspera, diz que, nas considerações que então fizera se dilatara mais do que hoje., pois que não deseja cansar a attenção da camara, nem prolongar o debate.

Reconhece que urge approvar o orçamento rectificado, visto como o anno economico está a findar e não quer levantar difficuldades ao governo.

Passa depois a estranhar que num ministerio modesto, qual o do reino, a despeza ordinaria augmentasse réis 132:000$000; pedindo-se a mais para despezas com a policia civil e guarda municipal 98:000$000 réis.

Com referencia, porém, ao augmento da verba para despezas da policia preventiva, verificara cautelosamente que no orçamento rectificado nada se diz a este respeito; mas, sem embargo, tivera modo de saber as despezas feitas com ella desde que elle saíra do ministerio, podendo asseverar á camara que essas despezas, só no governo civil de Lisboa orçaram por 44:000$000 réis em quatro mezes, sendo que, presidindo elle aos negocios publicos, se haviam gasto apenas, no mesmo espaço de tempo 11:000$000 réis.

Nota que o sr. Serpa pede agora, para despezas de policia preventiva 55:000$000 réis, era vez de 12:000$000 réis pedidos pelo ministerio transacto.

Cumpre-lhe lembrar á camara, sem fazer nenhuma insinuação, que n'este anno se fizeram as eleições de deputados e pares do reino, e que é muito possivel, que é mesmo justificavel a suspeita de que algum d'aquelle dinheiro não fosse rigorosamente gasto em despezas de policia preventiva.

Promette fazer ver á camara, nos outros ministerios, despezas identicas a estas, e adverte que se é rigoroso com os actuaes srs. ministros na apreciação d'estes factos, é só porque o sr. ministro da fazenda, na accusação que fez no seu relatorio á administração passada, a isso o move.

Mas passa adiante e vae referir-se agora ao ministerio da instrucção publica.

Propõe-se para este ministerio apenas a verba necessaria para d'ella se pagar o respectivo ministro.

A seu ver, esta é a menor das despezas, porque os accessorios é que hão de avultar a muito, e da por notorio que na outra camara já se acha uma proposta de lei para a organisação d'este ministerio, d'onde resulta que só o arrendamento da respectiva casa, que se faz por dez annos, subirá a 32:000$000 réis.

Lembra a este proposito que houve já um ministerio de instrucção publica, creado pelo decreto dictatorial de 25 de agosto de 1870, no qual se prescrevia que a creação do novo ministerio não importava nenhum augmento de despeza, nem mesmo o do ordenado do ministro, porque deixava de existir, como independente, o ministerio dos negocios estrangeiros, passando a andar junto com a presidencia do conselho a pasta d'este ministerio ou em qualquer outra.

Que quem então gerira os negocios do novo ministerio fôra um cavalheiro, não de certo inferior ao sr. Arroyo em assumptos de instrucção publica, e o qual se contentara em viver na modesta casa em que actualmente está o ministerio do reino.

Porque se não creou o actual á similhança do ministerio da instrucção publica de 1870, e antes, alem do que já expoz, se aggravou a sua creação com a de tres direcções geraes, sobre o que já se despende com o secretario geral, acrescendo ainda a direcção geral do commercio, no ministerio das obras publicas, que tem a seu cargo os institutos industriaes e que, pela nova organisação, passa tambem para o ministerio de instrucção publica?

Póde garantir que com os empregados actuaes do ministerio do reino, e, principamlente, com o sr. Antonio Maria de Amorim, funccionario exemplarissimo, se proveria perfeitamente a todas as necessidades do ensino, segundo já em tempo succedêra.

Affirma que todos os governos encontram sempre nos empregados que compõem aquella repartição a cooperação sufficiente e o mais sincero empenho em resolver todas as difficuldades que se oppõem á diffusão do ensino.

Refere-se depois ao ministerio da justiça e diz que no capitulo respectivo a este ministerio figura uma verba destinada a pagar aos magistrados judiciaes.

Confessa que é grande o seu respeito pela magistratura judicial, que não contesta a necessidade de melhorar os seus honorarios, e tanto assim que o governo, a que tivera a honra de presidir, tinha pendente de approvação um projecto que attendia ás necessidades da magistratura portugueza, sem offensa nem aggravo para os interesses do thesouro.

Mas como é que, no intuito de levar a effeito essa medida, não poderam esperar que o parlamento se reunisse, e a realisaram justamente quando o governo publicava o decreto restringindo o direito de reunião e de liberdade de imprensa?

Se o governo suppoz, pela melhoria de remuneração, chamar a si, sob o ponto de vista partidario, a magistratura judicial, enganou-se.

Todos os homens sensatos lamentaram esta medida e estão convencidos de que em ambas as casas do parlamento não deixariam de haver impedimentos sufficientemente justos e rasoaveis á approvação de uma proposta n'este sentido.

Vae reportar-se agora ao ministerio dos negocios estrangeiros; e a uma verba para a qual chama a attenção da camara, pedindo d'ella tambem explicações ao sr. ministro da fazenda.

Página 365

SESSÃO DE 26 DE JUNHO DE 1890 365

Essa verba, attinente a legações e consulados, subia agora a 58:000$000 réis, quando a verba consignada anteriormente era de 18:500$000 réis.

Em que se gastou este dinheiro?

É possivel que houvesse um grande movimento nas nossas legações e consulados, é possivel que houvesse alguns negocios importantes que obrigassem o governo a gastar esse dinheiro, mas isso é o que elle não conhece, carecendo, portanto de explicações do governo.

Na occasião em que se vão pedir ao paiz novos sacrificios tributarios, não julga opportuno pedir-se-lhe tambem mais aquelle augmento.

Faz sobre isto mais algumas considerações e transfere-se em seguida a apreciar as verbas do ministerio das obras publicas.

N'este intento, avulta-lhe logo, na despeza ordinaria, o pedido de mais 1.055:000$000 réis, e decompõe e ajuiza desfavoravelmente deste augmento, principalmente da ver ha de 607:000$000 réis, destinada a diversas obras, não acceitando a explicação que relativamente a ella dá no seu relatorio o sr. ministro da fazenda, porque, sobretudo, s. exa., quando entrou no seu ministerio, não se conformando com os despachos feitos pelo seu antecessor, alterou tudo quanto achara feito e levou o seu zelo pelas economias até o ponto de revogar annuncios que estavam feitos, para empreitadas de obras nos districtos do Porto, Braga e outros.

No do Porto, por exemplo, estava annunciada uma empreitada para as obras do porto da Povoa de Varzim, e o sr. ministro das obras publicas mandou suspender tudo; mas propondo os influentes d'aquelle circulo que tornasse o governo a annunciar a empreitada das obras d'aquelle porto, que elles lhe elegeriam um candidato ministerial, o governo assim o fez, revogando assim num dia o que pouco depois ordenava que novamente se annunciasse.

Como este, cita outro exemplo occorrido em Braga, em que a seu parecer, o mesmo sr. ministro das obras publicas, revogando uma empreitada annunciada pelo sr. Eduardo Coelho, para a estrada que vae de Braga a Chaves, teve novamente de annunciar a arrematação d'essa empreitada.

Igualmente especifica outra verba, a de 60:000$000 réis, para diversos serviços, quando o que está inscripto no orçamento ordinario é apenas um total de 37:000$000 réis.

Não faz insinuações, mas realmente, á vista d'isto, crê não commetter grande indiscripção, perguntando como se gastaram a mais 40:000$000 réis?

Confessa que lhe fizera impressão esta differença.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Apoiado.

O Orador: - Ainda bem que s. exa. concorda commigo.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco: - Apoiadissimo!

O Orador: - Continuando, allega que se fossem os progressistas que houvessem feito isto, não seria de espantar. Para gastar dinheiro, ninguem ha como elles, na opinião do sr. ministro da fazenda. Mas, como em verdade, progressistas e regeneradores, todos são igualmente peccadores, mal irá aquelle que se julgue com direito de atirar pedras ao telhado do vizinho, quando tem o proprio telhado de vidro.

Portanto, sem querer levantar a menor suspeita ácerca da applicação desta verba de 60:000$000 réis, admira-se de que ella seja tão avultada.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco: - Apoiado!

O Orador: - Declara não levar mais longe o exame das differentes verbas dos outros ministerios. Dá-se por fatigado e reputa que a camara não o esteja menos, e, attento o augmento do deficit, pondera que a situação da fazenda impõe serios deveres aos representantes do paiz e ao governo, sem com isto significar que acompanha o sr. ministro da fazenda na descripção melancholica e quasi desesperada que nos faz da situação da fazenda publica na primeira parte do seu relatorio, sendo que a segunda não condiz com a primeira.

Faz mais algumas considerações, e conclue dizendo que o governo progressista, ao sair do poder, deixara assegurado o pagamento de todas as despezas, sem que fosse necessario recorrer agora ao credito, e faz mais algumas considerações e lembra varios alvitres a que o governo se podia ter soccorrido, para o equilibrio das nossas finanças.

(O discurso do digno par será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Vae ser o mais breve que possa, sem comtudo deixar de responder aos pontos mais importantes do discurso do illustre chefe do partido progressista, procurando pôr em evidencia que s. exa. foi tanto mais infeliz no que disse, quanto menos era de esperar que o fosse, por ser s. exa. o homem que tendo sido chefe da situação transacta e havendo-se proclamado sentinella vigilante dos actos dos seus collegas nessa situação, não cumpriu o seu dever, de vigilancia, visto ignorar muita coisa do que então se passou.

Tem que s. exa. unicamente procurára no que preferira confundil-o, apresentando-o á camara e ao paiz como tendo desempenhado um papel odioso na apreciação que fizera do estado em que lhe fôra legada, pelo gabinete a que s. exa. presidira, a administração da fazenda publica. Com toda a vehemencia o censurara s. exa., por ter, não só exagerado para mal as circumstancias do thesouro, mas ainda por haver menospresado os meritos dos seus adversarios politicos.

Conceitua que hoje s. exa. seguira o systema diverso do dia anterior, porque então fôra sobremodo palavroso, e hoje, mais sóbrio de palavras, o buscara derrotar com a simples analyse da fórma como no orçamento rectficado algumas verbas se acham descriptas.

Hontem, s. exa. recorrêra-se mais uma vez a uma velha rhetorica de gala, que se bem ainda apparatosa e ruidosa, comtudo, por estar já fóra de moda e por ser nullissima nos seus effeitos, torna-se licito dizer della que é hoje tão innocente e inoffensiva que até se póde receitar a doentes.

Hoje, porém, o nobre chefe do partido progressista e sentinella vigilante do gabinete transacto, inquiria do actual ministro da fazenda a explicação de factos que s. exa. não podia ignorar, como presidente do ministerio anterior, e que, na hypothese de ignoral-a, junto de si tinha pessoa competente para d'ella se informar.

Portanto, antes de responder ás insinuações severas de s. exa., quer desde já dizer o seguinte.

S. exa., examinando as verbas descriptas no orçamento rectificado e encontrando a mais, no ministerio das obras publicas, 60:000$000 réis, perguntara em que se havia gasto esta somma. A par d'isto, juntara que não queria fazer insinuações e todos sabem que s. exa. na sua longa e gloriosa carreira politica foi sempre adverso a qualquer insinuação aos seus adversarios, mas, emfim, não podia deixar de estranhar esse augmento tão extraordinario por um ministerio que parecia querer seguir o caminho severo da administração publica.

Sente não poder satisfazer a esta pergunta, mas adverte-lhe que existe uma pessoa, collega, de s. exa. no gabinete transacto, o sr. Eduardo José Coelho, que lhe podia dar as explicações desejadas.

Parece-lhe, pois, que não deve ser permittido a ninguem que tenho gerido qualquer pasta maravilhar-se com despezas que são unica e exclusivamente da sua responsabilidade, ponderado que o ministerio de que fora chefe o sr. Luciano de Castro em seis mezes despendera a verba total de 37:000$000 réis, destinada para as despezas de diversos serviços d'aquelle ministerio, e que alem d'esta

Página 366

366 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

verba reclamara mais 9:920$000 réis, gastando por isso, em seis mezes, mais de 46:000$000 réis, e não querendo agora s. exa. que o sr. ministro das obras publicas consumisse nas mesmas despezas e em igual espaço de tempo 14:000$000 réis, e antes desejando que a actual administração fosse severa, que nada gastasse?!

Não pôde, pois, tolher a sua admiração perante o facto de ver censurados aquelles que tão pouco gastaram pelos que haviam gasto tanto!

D'ahi, a sua surpreza ao ver o sr. José Luciano de Castro irado e facundo, ainda que na sua velha rhetorica de gala, para com toda a sua acrimonia o reprehender por haver dito no seu relatorio o que é muito menos eloquente do que este facto que s. exa. não devia ignorar.

Cumpre-lhe, conseguintemente, aproveitar desde já este ensejo para dizer, em primeiro logar, que s. exa. nada sabe do que se passou na gerencia da situação a que presidira; em segundo logar, que vem pedir a este ministerio a responsabilidade de factos que só pertencera a s. exa., e, em terceiro logar, que o procedimento de s. exa. tem uma qualificação que não lhe quer dar, mas que o poderá, attentas as palavras com que se dignara de mimoseal-o.

Em retribuição dellas, porá todo o seu cuidado em demonstrar que s. exa. em tudo quanto dissera, não disse nada, que fallara do seu relatorio, sem nunca o ter lido, que criticara o orçamento rectificado, sem o conhecer, e que, finalmente, com respeito ás promessas ao sr. conde de Burnay relativas ao pagamento dos 40:000$000 réis, s. exa. ignora o que escreveu e o que se passou entre este cavalheiro e o sr. governador civil.

Muito serena e tranquillamente, pois, sem galas de rhetorica, nem louçanias de estylo argumentará com o que vale mais do que tudo, isto é, com factos.

Começara o sr. Luciano de Castro o seu discurso pela analyse da verba dos 40:000$000 réis, inscripta no orçamento rectificado, para pagar a differença que havia entre o producto de uma subscripção aberta pelo Jornal do commercio, para resgate de camas e roupas de vestuario das classes desvalidas, por occasião da influenza, e a importancia total do mesmo resgate. Admirado, s. exa. pozera bem em relevo o facto de ter este ministerio para com s. exa., com relação a este pagamento, deferencias e attenções que não encontrara com respeito a outros assumptos. E a este proposito, perguntára s. exa. se essas deferencias e attenções teriam deveras por alvo a s. exa. ou se miravam tão sómente a respeitar os interesses do individuo a quem se devia aquelle dinheiro.

Nota por isso que s. exa., tendo avançado que nunca fizera insinuações, logo em seguida quiz dar uma prova d'esta asserção, proferindo phrases que são como que punhaes de dois gumes, vibrados com requintada crueldade, sendo disto incontrastavel testemunho o que s. exa. outr'ora dissera de Fontes Pereira de Mello e o que hontem viera dizer á camara do mesmo estadista.

Escusara-se o sr. Luciano de Castro com dizer que a auctorisação do pagamento em questão fora dada em um momento de confusão, produzida pelo ultimatum inglez. Mas toda a camara sabe como s. exa. explicou os motivos da sua saida do poder, e declarou que assim procedêra por entender por melhor que outro ministerio podia continuar as negociações com a Inglaterra. Pois então sabendo s. exa. que ia largar o poder e que outro ministerio se lhe succederia, não duvidou dar uma auctorisação desta natureza?! Pois não era melhor que s. exa. respondesse a quem para esse fim o procurou, que não podia deliberar mais ácerca das cousas do estado, deixando assim de se pôr em contradicção com as suas proprias intenções, filhas de factos consummados, que determinaram a sua saída do poder?! Pois é n'esta altura que s. exa. toma um compromisso verbal, e, sobre isso, estranha s. exa. agora o acto praticado pelo sr. ministro do reino?!

Parece-lhe que se porventura s. exa. encontrasse tal compromisso verbal legado pelo seu antecessor, sem o preto no branco, como se costuma dizer, de certo não teria o mesmo respeito que teve por s. exa. e seu successor.

Insinuara tambem s. exa. que não sabia se esta deferencia era para comsigo ou se pelo cavalheiro a quem s, exa. dera a notoria auctorisação.

A isto responde que não é por um nem por outro individuo, que dos dinheiros da nação, como s. exa. devia saber, não é permittido dispor, nem usar por deferencia pessoal ou politica para com um ministerio e menos para com uca particular. Que a rasão, segundo a qual o sr. ministro do reino sustentara este compromisso, fora o que já havia dito, isto é, porque entendeu que estando annunciado, como já estava, que se iam resgatar roupas, camas e objectos de vestuario, e havendo já aquella auctorisação não devia retirar a esperança do beneficio que já começara a traduzir-se em factos. Eis a rasão, pela qual se confirmou a auctorisação concedida pelo sr. Luciano de Castro ao sr. conde de Burnay, e não por deferencia para com este cavalheiro, mas unicamente para attenuar a miseria dos desgraçados, a quem a enfermidade viera aggravar a pobreza.

Sustenta que se tanto preciso fora, abrir-se-ia até um credito extraordinario, sendo que o motivo para isso, estava previsto no regulamento de contabilidade que permitte ao governo abrir creditos extraordinarios era favor dos pobres, em caso de epidemia.

O orador corrobora o que diz, lendo a este respeito o citado regulamento.

Pondera depois que se o sr. José Luciano de Castro pretende suggerir duvidas sobre se o sr. conde de Burnay se locupletou com esse dinheiro, então diga-o francamente e seja s. exa. o primeiro a duvidar.

Quanto á responsabilidade do pagamento, já o dissera e repete-o agora que o governo actual toma n'isto, não só as suas responsabilidades, senão tambem as do governo transacto, e não é a primeira vez que o sr. José Luciano de Castro ouve dizer que ha alguem que tenha coragem de responder pelos seus proprios actos e pelos de s. exa., como succedeu com um collega seu no ministerio transacto a que s. exa. presidia. Portanto, não precisa nesta questão do auxilio do digno par.

Relatara s. exa. na vespera que ao dar auctorisação para o pagamento d'esse dinheiro, advertira logo que era pela verba da beneficencia.

Onde está isso?

O orador não duvida da palavra do sr. Luciano de Castro, porem, ainda menos poderá duvidar das suas proprias curtas, segundo as quaes s. exa. auctorisára o governador civil de então a declarar ao sr. conde de Burnay, que o governo concorreria com qualquer quantia alem da que se obtivesse da subscripção aberta pelo Jornal do commercio, mas que sobre isto guardasse segredo.

Mais dissera s. exa. na sessão anterior que se estivesse no poder e soubesse das fraudes que no resgate da penhores se haviam dado, tomaria providencias, cousa que aliás o sr. Serpa não fizera.

Tem igualmente isto por menos exacto, e a fim de o comprovar lê á camara varios documentos, finda a leitura dos quaes, e devidamente commentados, conclue por dizer que a camara decida entre elle e o sr. Luciano de Castro e que em qualquer hypothese acatará o seu veredictum.

Refere-se em seguida á apreciação que o sr. Luciano de Castro fizera do seu relatorio, e lembra que s. exa. tal confiança tivera no acerado das suas palavras, que imaginou magual-o com ellas, dizendo que lhe causara este sentimento doloroso, pelo cumprimento de um dever.

N'isto vê que s. exa. mais uma vez se enganára, porque está convencido de que nem as palavras de s. exa. levaram a menor persuasão á camara, e tão pouco lhe causaram o minimo desprazer, porque o discurso de s. exa. não fôra

Página 367

SESSÃO DE 26 DE JUNHO DE 1890 367

mais que um acervo de palavras e só factos o poderiam encommodar.

Medil o com Fontes Pereira de Mello e achal-o menor que o grande estadista, por cuja mão entrara na politica, era cousa de todos já sabida, e por isso não o incommodára tambem. S. exa., o sr. Luciano de Castro, é que se collocára em mau terreno, vindo elogiar agora um homem a que s. exa. e o partido progressista amarguraram os ultimos dias de existencia, pretendendo denegrir-lhe a dignidade e a honra. Todos se hão de lembrar - porque estão escriptas em letras de fogo - aquellas palavras do sr. José Luciano de Castro, proferidas na outra casa do parlamento: que ou elle ou o sr. Fontes haviam de sair deshonrados d'aquella casa! Mas em vista do elogio que hontem o sr. Luciano de Castro rendera ao grande estadista, vê-se que ou s. exa. não fallou verdade, ou que o deshonrado não foi o sr. Fontes.

Assacára-lhe tambem o sr. Luciano de Castro, que elle, orador, só buscara no seu relatorio infamar a gerencia progressista e erigir-se a si proprio um pedestal. Para dar relevo a esta affirmativa contrapozera-lhe um relatorio do sr. Fontes, dizendo-lhe depois que era assim que elle devera ter fallado, elle que fora levado a ministro da fazenda pelos acasos da politica. N'esta ultima parte, não pergunta por seu turno qual a carreira de glorias que levaram s. exa. a chefe do partido e á presidencia do conselho em varios ministerios.

Passo em seguida a ler varios trechos do seu relatorio, no intuito de contrastar as asserções do seu antagonista, e finda essa leitura diz que se porventura o sr. Fontes escrevera com verdade e justiça o seu relatorio, outro tanto fizera elle, orador, chamando a attenção do parlamento para o caminho em que vão as despezas, mas louvando as gerencias dos seus antecessores. Nem dissera, ou escrevera, o que lhe attribue o sr. Luciano de Castro, que a situação da fazenda publica era desesperada, mas unicamente que o motivo grave da situação estava em serem as despezas superiores á economia do paiz, e que era necessario não continuar em despendios exagerados, e, juntando factos a estas palavras, pouco depois do seu relatorio, apresentava a lei de meios, na qual se tomam providencias, por todos até agora louvadas, e que tem por fim uma severa economia e uma boa administração.

Quanto ao bando que s. exa. capricha em publicar, e que se resume n'um temeroso repto para um fero combate, para uma formidanda batalha, que se ha de travar entre s. exa. e o ministro da fazenda, o panico, que s. exa. tem pretendido incutir-lhe com este pregão, cffectivãmente apossou-se-lhe do espirito. S. exa. até chegou a convidar, hontem, o sr. Coelho de Carvalho para juiz da liça.

Ora, é já a terceira vez que o sr. José Luciano o repta; á primeira vez respondera-lhe que lhe erguia o guante e acceitava o repto; á segunda, redarguira-lhe que era talvez melhor não anunciar tanto; hoje, porem, observa-lhe que não fallemos mais nisso, emquanto não chegar a occasião do seu terrivel assalto. Mesmo porque avivando-lhe constantemente na memoria, o traz de continuo sobre-saltado, quando tanto precisa de socego, não só por si, como tambem por via da sua familia, como ainda por conveniencia dos negocios publicos.

O sr. Luciano de Castro parece indicar que elle é o mais offensivo dos seus adversarios politicos e que não poderá dar-lhe quartel, porque tambem elle o não dá a nenhum adversario seu. S. exa. declarava, hontem, que seria breve porque não queria negar ao governo os meios constitucionaes de governar, e fallando duas sessões successivas, logo voltava aos seus rudes e proverbiaes ataques, ameaçando-o por sobre isto com o futuro e feroz combate.

Nunca víra uma cousa tão retumbantemente annunciada!.. Só nos romances de cavallaria.

Já na sua phantasia lhe avulta o sr. José Luciano de Castro, todo coberto das impenetraveis peças da sua armadura, de viseira calada e lança em riste, remettendo a elle, a toda força do seu corcel?!

Acha demasiado requinte de crueldade trazei o por tanto tempo sob o peso de tamanho terror!!

Todavia, entende por melhor deixar-se s. exa. de mais ameaças e entrar opportunamente no ajustado repto, que elle pela sua parte, repete, não quebrará o ajuste.

Passa depois a tratar do orçamento rectificado e a justificar varias economias por si feitas a diversas verbas ali inscriptas.

(O discurso do orador será publicado na integra quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Rodrigo Affonso Pequito: - Por parte da commissão de instrucção publica eu pedia a v. exa. que fossem aggregados á mesma commissão os dignos pares Lourenço de Azevedo e Oliveira Feijão.

Consultada á camara resolveu affirmativamente.

O sr. José Luciano de Castro: - Sr. presidente, limito-me apenas ao ponto que me obrigou a pedir a palavra.

Já por duas vezes que o sr. ministro da fazenda tem dito nesta casa que um collega meu no ministerio havia dito numa das casas do parlamento, que não só assumia as suas responsabilidades, mas que tambem assumia as minhas, e é sobre este facto que exijo explicações.

Quem foi esse cavalheiro que affirmou tal?

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Gastei Io Branco):- Foi o sr. Marianno de Carvalho, na questão dos tabacos.

O Orador: - É o que eu precisava saber, e o sr. ministro da fazenda, que não gosta de fazer insinuações, era melhor ter dito claramente de que se tratava, que assim me dispensava de pedir a palavra.

Ora a verdade é que eu, quando se discutiu este assumpto, declarei terminantemente que assumia todos as responsabilidades do acto tão vivamente incriminado pela opposição, apezar do sr. Marianno de Carvalho ter dito que reivindicava para si só, todas as responsabilidades do facto que havia praticado.

Não se podia attribuir-lhe outra significação ás suas palavras, porque isso seria uma _contradicção. (Apoiados.}

É verdade, porém, que o sr. ministro da fazenda não entendeu as cousas assim.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco):- (Interrompendo} Não, senhor.

O sr. José Luciano de Castro continuando): - Duas vezes fez s. exa. esta allusão e eu tinha de fazer a s. exa. a escusada declaração de que tomo todas as minhas responsabilidades, as quaes nunca declinei. Quando o sr. ministro da fazenda o quizer verificar, não lhe faltarão occasiões.

S. exa. tambem alludiu a uma phrase por mim proferida em relação a Fontes.

É verdade que ha vinte e nove ou trinta annos, no calor de uma discussão, proferi essa phrase.

E de então para cá, especialmente nos ultimos annos, eu posso provar, inclusivamente por cartas particulares, quão boas eram as relações e sincera a amisade que tinha com Fontes Pereira de Mello.

O certo é que, comquanto adversarios politicos, nunca deixámos de trocar um. aperto de mão.

O sr. Presidente: - Amanhã ha sessão, e a ordem do dia será a mesma e mais a discussão do parecer n.° 47, sobre a lei de meios.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 26 de junho de 1890

Exmos. srs.: Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Marquez da Praia e de Monforte; Condes, das Alcaçovas, de Alte, d'Avila, de Arriaga, do Bomfim, de

Página 368

368 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Carnide, da Folgoza, de S. Januario, de Lagoaça., de Valbom; Bispo da Guarda; Viscondes, de Asseca, de Ferreira do Alemtejo, de Moreira de Rey, de Sousa Fonseca; Barão, de Almeida Santos; Agostinho de Ornellas, Moraes Carvalho, Caetano de Oliveira, Sousa e Silva, Antonio José Teixeira, Oliveira Monteiro, Botelho de Faria, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Augusto Cunha, Neves Carneiro, Bernardino Machado, Bernardo de Serpa, Cypriano Jardim, Montufar Barreiros, Firmino J. Lopes, Costa e Silva, Francisco Cunha, Barros Gomes, Serpa Pimentel, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Coelho de Carvalho, Gusmão, Gomes Lages, Gama, Bandeira Coelho, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Salema, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Polycarpo dos Anjos, Rodrigo Pequito, Thomás Ribeiro, Marçal Pacheco.

O redactor = Ulpio Veiga.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×