328 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
do regulamento de 7 de abril de 1863 veiu a ser illudida pela falta de fiscalisação, ficando assim aberta uma ampla porta aos que não podiam vencer as dificuldades, que lhes embargavam a saida pela via maritima. Reconhece, porém, o governo de Vossa Magestade, que, embora sob o ponto de vista policial nenhuma rasão haja para que á saida pela raia secca não se appliquem as mesmas disposições que se se estabeleceram e se executam para a que se effectua pela via maritima, esta será sempre a do maior numero de emigrantes, como já hoje acontece, apesar de terem livre a fronteira terrestre.
È, pois, de justiça que taes disposições sejam menos onerosas no primeiro caso, convindo reduzir a taxa do sêllo e os emolumentos dos respectivos passaportes. Assim propomos que os emolumentos para os nacionaes sejam reduzidos de 4$800 a 3$000 réis, e o sêllo de 4$000 a 1$500 réis, e para os estrangeiros, aquelles de 1$600 a 800 réis, e este de 3$000 a 1$000 réis. E por motivo que ocioso seria explanar, deve tambem facilitar-se a mais prompta expedição dos passaportes, permittindo-se que sejam conferidos nas administrações de concelho, se assim convier aos impetrantes, e que em Lisboa e Porto possam ser obtidos desde as nove horas da manhã até ás sete da tarde. Por todos estes meios se conciliará o indispensavel cumprimento das disposições em vigor com os interesses e commodidades dos passageiros, sem prejuizo, antes com vantagem, do thesouro publico, apesar da reducção das respectivas taxas, visto que até agora insignificante era a receita que se cobrava da saida pelas vias terrestres.
Não basta, porém, e a experiencia de sobejo o demonstra, suscitar a observancia de preceitos legaes ou regulamentares, embora se torne menos pesado o cumprimento das obrigações respectivas. Ainda que se torne bem expressa a prohibição de se concederem passaportes sem previa verificação da identidade pessoal dos impetrantes, e não menos definida a responsabilidade, assim dos funccionarios, que deixem preterir esta condição, como d’aquelles, que, ou intencionalmente ou por negligencia, das obrigações do seu emprego não se oppozerem á saida de viajantes sem os necessarios documentos, é indispensavel crear um serviço exclusivamente destinado não só á fiscalisação de passaportes, mas tambem á repressão da emigração clandestina nos pontos da fronteira, onde essa fiscalisação se tem mostrado necessaria.
Já hoje e em mui larga escala os emigrantes, evitando a passagem pelas localidades onde seria mais facil apprehendel-os, buscam outros pontos mais favoraveis aos seus intentos, e como, segundo o plano que temos em vista, não póde deixar de se exercer, ácerca dos passageiros nas linhas ferreas, permanente fiscalisação de passaportes, é evidente que, para o effeito de se reprimir a emigração indocumentada, ficariam mallogradas todas as providencias restrictivas, se aos emigrantes se deixasse a facilidade de as frustar nos pontos da fronteira, não servidos por linhas ferreas.
Mas não é este o unico fim a que deve destinar-se o sobredito serviço de fiscalisação especial, embora já seja de grande alcance vigiar o rigoroso cumprimento dos regulamentos policiaes e impedir a saida clandestina de emigrantes. A mesma fiscalisação deve ser incessantemente empregada na descoberta e repressão dos engajadores e de todos os que tomam parte no repugnante trafico de alliciar emigrantes clandestinos, aos quaes sem escrupulo illudem e tantas vezes impellem para a mais desditosa sorte. Esta é a fonte mais abundante e criminosa da emigração clandestina, que importa combater sem treguas, fazendo impor implacavelmente aos seus agentes a responsabilidade criminal correlativa.
Nas circumstancias actuaes inconveniente seria organizar um novo serviço de fiscalisação, á custa do thesouro publico; mas, como das medidas que propomos resultarão novas receitas, nenhum escrupulo poderia justificar a dilação de providencias tão instantemente reclamadas pelo interesse publico, e cuja falta prejudicaria igualmente a arrecadação das proprias receitas que temos em vista crear.
Quanto á applicação do producto dos emolumentos de passaportes, alem da parte attribuida á sua propria fiscalisação, 20:000$000 réis continuarão a ser destinados, em harmonia com a lei de 30 de junho de 1893, a despezas geraes do estado. Segundo a mesma lei, metade do producto dos emolumentos pertenceria aos empregados dos governos civis. Não sendo intenção do governo prejudicar os interesses legalmente creados d’estes funccionarios, mas não permittindo as circumstancias que se desviem do thesouro os augmentos de receitas provenientes das providencias agora decretadas, fixa-se, em vista da importancia do actual rendimento, na quantia maxima, de 30:000$000 réis annuaes a parte do producto dos emolumentos que ficará pertencendo aos ditos empregados, para ser distribuida pelos diversos governos civis na proporção do mesmo rendimento. Pelos proprios fundamentos que a justificam, deve esta providencia restringir-se aos actuaes empregados, não podendo os que de futuro, forem nomeados arguir de ofiensiva de direitos adquiridos a privação da respectiva parte de emolumentos, a qual acrescerá assim ás sommas, a que o governo entende que se deve dar uma applicação de beneficencia publica. Por esta fórma se irá successivamente realisando uma importante economia contra a qual nenhum interesse legitimo poderá reclamar.
Não se póde duvidar que a virtude predominante em nossos dias é a caridade; e bem o comprova a diffusão dos diversos institutos hospitalares, asylos e outros estabelecimentos de beneficencia, em que o auxilio do estado e a generosa iniciativa de tantos benemeritos abrigam e soccorrem os enfermos e os desvalidos. Infelizmente, porem, a grande numero da’quelles benéficos institutos escasseiam os recursos para acudir a todas as miserias e infortunios, e até o estado, em rasão da crise dolorosa das suas finanças, se tem visto forçado a negar ou reduzir subsidios, que anteriormente eram concedidos a alguns d’elles. A propria crise, que tem apoucado as receitas publicas e particulares, fez augmentar o numero dos desventurados, que teem de implorar a caridade e bater ás portas dos asylos e dos hospitaes. Parece-nos, portanto, Senhor, que este pensamento de applicar a restante receita em auxilio de. taes estabelecimentos, sem duvida gratissimo ao magnanimo coração de Vossa Magestade, e que será sympathicamente acolhido em todo o paiz, não carece de mais ampla justificação.
Do que levâmos dito, naturalmente se conclue que das indicadas providencias restrictivas devem ficar excluidos não só os portuguezes e hespanhoes, habitantes da raia, que pelas exigencias do seu trafego, já hoje gosam isenção legal de passaporte, cujos termos convem regular, e os operarias e jornaleiros, que nos diversos districtos se costumam passar, em determinadas epochas do anno, a Hespanha ou dali vir, para se empregarem em trabalhos de pesca ou agricolas, mas tambem os operarios, a que respeita o artigo 25.° do regulamento de transito approvado pelo convenio de 5 de julho ultimo.
Por todas estas considerações em que, sem offensa de relações internacionaes e sem prejuizo de direitos adquiridos, sem vantagem para o estado e proveito para a beneficencia publica, se concordam com o indeclinavel cumprimento das leis e regulamentos de policia todos os interesses legitimos e attendiveis, temos a honra de submetter á approvação de Vossa Magestade o seguinte projecto de decreto.
Paço em 10 de janeiro de 1895.= Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco — Antonio d’Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = João Antonio de Brissac das Neves