274 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente, já tinha perdido a esperança de poder usar da palavra na discussão d'este projecto de lei.
Quando elle veio á discussão estava eu doente, não pude por isso tomar parte n'ella, e agora affazeres estranhos á Camara, mas de natureza urgente, impediram-me de seguir dia a dia as discussões, mas pela attenção demorada que a Camara entendeu dever dar a este parecer de emendas, depara-se-me felizmente o ensejo de usar da palavra, e escusado será dizer que foi com muito prazer e satisfação que ouvi os discursos dos Srs. Hintze Ribeiro e Luciano Monteiro.
Antes de apresentar as considerações que me levaram a inscrever-me não posso, não só pela estima e muita consideração que tributo ao Digno Par que me antecedeu no uso da palavra, mas porque as suas palavras são sempre de alto conceito e de um grande relevo, não posso, repito, deixar de me referir, ao ponto mais saillant do discurso do Digno Par.
Disse o Digno Par Sr. Luciano Monteiro que não possue nenhuma especie de relações com Bessou, Sturm e Leroy Beaulieu e, acêrca d'este ultimo pronunciou se por forma a tornar imminente um desaguisado.
(Interrupção do Sr. Luciano Monteiro, que não foi ouvida).
Em todo o caso, a resolução que o Sr. Luciano Monteiro nos annuncia de se não querer approximar d'estes illustres economistas e financeiros, sobretudo a muito particular resolução de se não querer approximar de Leroy Beaulieu, tendo este projecto na mão, parece-me, por varios motivos, muito ajuizada, porque são tantas as heresias e barbaridades de caracter economico e financeiro que este papel contém, que, se porventura o Digno Par Sr. Luciano Monteiro sahindo da sua reserva se aproximasse de qualquer economista francez, fatalmente teriamos desgraça. A forma como Beaulieu receberia o Digno Par não poderia deixar de ser a do maior desagrado.
Felicito-me, e felicito S. Exa., pela prudencia que tem de se não aproximar do sabio francez nem do allemão.
Fique S. Exa. n'essa situação pacata e serena, que tem até agora seguido, e creia que não teremos desastre a lamentar.
Mas o Digno Par, procurando responder ao discurso do Sr. Hintze Ribeiro, procurou salvar o projecto do argumento, mais do que fundado, absolutamente irrespondivel que aquelle Digno Par tinha apresentado quanto a ficarem os membros do Parlamento impedidos de apresentar qualquer proposta que envolva augmento de despesa ou diminuição de receita.
O systema de defesa do Sr. Luciano Monteiro foi o seguinte:
S. Exa. sustentou que uma cousa era diminuição de receita, outra cousa era a correcção de qualquer erro que o projecto de orçamento trouxesse á Camara.
A primeira cousa que entra pelos olhos dentro é a absoluta impossibilidade que ha de saber onde acaba o alcance da palavra correcção, e onde começa propriamente o alcance da palavra iniciativa.
Pergunto eu, por exemplo:
Correcção é só a emenda de um erro arithmetico?
Ou correcção é porventura imprimir á despesa o seu verdadeiro aspecto, isto é, reconhecer que uma despesa era insuficientemente dotada e dotá-la sufficientemente?
Correcção é só a questão propriamente arithmetica de emendar um erro de somma, de diminuição, de multiplicação ou divisão?
Ou é ir a uma receita que um Digno Par ou Deputado supponha que está exaggeradamente calculada e diminui-la, reduzindo-a ás suas verdadeiras proporções?
Onde acaba a correcção? Onde acaba a emenda? Onde começa a iniciativa?
Se uma despesa não é apresentada sob a égide da correcção, fica rejeitada?
A que estado vemos reduzida uma garantia: a iniciativa parlamentar entregue a esta confusão, a esta incerteza, a esta obscuridade!
Como é possivel que o direito mais sagrado dos Parlamentos, qual é o de fiscalizar as receitas e despesas, fique entregue a esta situação absolutamente vaga e indecisa, e que cada qual pode interpretar ao sabor dos seus interesses politicos?
A mesa ha de intervir n'um facto d'estes como quem resolve uma disposição regimental.
Como ha de a mesa receber essa proposta?
É muito difficil innovar n'esta materia, e é excessivamente perigoso entregar essas innovações a uma politica jacobina, a uma politica que se arroga uma austera moralidade, e que se proclama absolutamente incomparavel a qualquer outra no que respeite a assumptos economicos e financeiros.
O Governo, quanto á falacia nos centros e á exposição de generalidades sobre direito publico, lá vae caminhando, mas quando se dispõe a entrar em um terreno pratico, apresenta providencias como aquella que faz objecto da apreciação da Camara.
Não quero abandonar o discurso do Sr. Luciano Monteiro, sem fazer uma referencia á ultima parte das considerações por S. Exa. apresentadas.
O Digno Par, depois de fazer o encomio do projecto em discussão, termina por fazer ama affirmação que é completamente verdadeira.
Disse S. Exa. que as garantias que se estabelecem de nada valem, porque acima de tudo está um eleitorado que fornece á outra Camara um conjunto de individuos na dependencia ou na sujeição do poder executivo.
Se no fundo das palavras do Digno Par ha uma grande verdade - e no que digo não vae o minimo desprimor para com os cavalheiros que constituem a outra assembleia legislativa - pergunto:
Se os pobres Deputados são unicamente a chancella do poder executivo por que é que se imagina evitar um perigo, tirando-lhes a iniciativa de propostas que augmentem despesas?
A que vem, e para que servem as disposições do projecto se os Deputados votam o que os Governos querem?
Como é que se julga conquistar qualquer garantia seria, coarctando a iniciativa aos Deputados, se elles não são mais do que uma phantasmagoria, se não passam de executores servis das ordens do poder executivo?
Eu já disse e repito que as minhas palavras não incluem o minimo desprimor para com aquella Camara, em geral, e, em especial, para qualquer dos seus illustres membros.
Se o estado do eleitorado portuguez é aquelle que nos descreveu o Digno Par, a que vem e para que serve essa commissão fiscalizadora de contas?
Que valor pode attribuir-se ás deliberações d'essa commissão, cujos membros não passam de uns simples serventuarios do poder executivo?
Como é que um homem, ornamento do partido regenerador liberal, defende com grande energia a criação de uma commissão tirada da Cornara dos Senhores Deputados, quando ao mesmo tempo affirma que esses Deputados obedecem apenas ás indicações ou ordens do Governo?
Cumprida assim a obrigação e satisfeito o prazer de me referir á palavra sempre mascula do Digno Par Luciano Monteiro, passo a referir-me a um ou a outro ponto do projecto; mas, estando o assumpto, por assim dizer, esgotado, e tendo-se prorogado a sessão, tratarei de me haver por forma a não merecer o epitheto de maçador.
O Sr. Presidente do Conselho, ha dias, indignou-se com umas phrases proferidas pelo Digno Par Julio de Vilhena, phrases que eu aliás tenho proferido varias vezes.
O Digno Par Julio de Vilhena disse