SESSÃO N.° 28 DE 18 DE JULHO DE 1908 13
cações, é um cargo unico, o que aliás até hoje ninguem ousou contentar, prova-o á exuberancia a situação dos lentes militares das escolas superiores, em que ninguem pode ver a accumulação de dois cargos, apesar das gratificações, ordenados ou soldos que por diverso titulo hajam de por esse facto perceber.
Ao alto e esclarecido criterio dos Dignos Pares do Reino deixa o supplicante os commentarios que, sob o ponto de vista moral, decorrem d'esta representação; pondera no entanto o seu signatario que o sacrificio que lhe foi imposto, e ao qual se submetteu pela justa comprehensão que tem dos seus deveres moraes, representa uma parcela minima e mesquinha de que só beneficia o Thesouro, emquanto o supplicante se achar disposto ao mesmo sacrificio
Só da vontade e do sacrificio do supplicante tem com effeito dependido o lucro que o Estado aufere com a arrecadação do que ao supplicante é devido pelo seu trabalho.
Dignos Pares do Reino! Sobre todos o funccionarios publicos impendem deveres e responsabilidades inherentes aos cargos que desempenham.
Não vê o supplicante maneira de se effectivarem para si taes deveres e responsabilidades, pois só de si depende o prestar-se ou não ao cumprimento de funcções que sendo para todos retribuirias, só para o supplicante o não são.
Estabelece a lei que todos os alumnos internos do lyceu sejam examinados pelos porfessores que os leccionam. Bem poderia o supplicante recusar-se ao extenuante serviço de exames, impossibilitando assim por si proprio o cumprimento d'essa garantia legalmente preceituada, se tal procedimento coubesse em seu animo.
Pullulam, finalmente, os absurdos e contrastes que da errada interpretação da lei se deduzem. Fosse ella, ao menos, integralmente observada para todos, e não teria o supplicante a pesar no seu espirito o desgosto de se ver tão desigualmente tratado e tão mal apreciados e tão desfavoravelmente reconhecidos os serviços que ao ensino tem prestado.
Na douta e esclarecida ponderação dos Dignos Pares do Reino confia o supplicante, submettendo á sua justa apreciação as razões summariamente expostas no presente memorial.
Lisboa, 16 de julho de 1908. = Joaquim José de Barros.
Dignos Pares do Reino. - Perante V. Exas. vem o abaixo assinado, Manuel Ferreira Cardoso, reclamar contra a abusiva interpretação dada relativamente a elle e a poucos mais ao disposto no artigo 21.º do decreto de 29 de junho de 1907, e com a qual se conformou o Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino, interpretação em virtude da qual o supplicante ha tempo está sendo prejudicado, não recebendo os honorarios de um cargo vitalicio a que tem direito.
O supplicante diz relativamente a elle e a poucos mais, porque só com elle e com outro, que saiba, se tem dado tal interpretação, deixando de receber ordenados de diversos empregos e de diversas commissões por outros individuos.
Expondo os factos pela sua ordem chronologica, tornar se-ha tudo claro, e ver-se-ha com que injustiça, absoluta e relativa, se procedeu para com elle.
O supplicante foi nomeado medico do Asylo Municipal de Lisboa em 26 de outubro de 1882, pela Commissão de Beneficencia da Camara Municipal, autorizada para isso pela mesma Camara; tomou posse do seu cargo e entrou no exercicio d'elle em 1 de novembro do mesmo anno, e por deliberação tomada pela Camara foi confirmado no dito cargo em sessão de 23 de janeiro de 1885.
O cargo era de serventia vitalicia, no qual o supplicante se encartou com o pagamento dos respectivos direitos de mercê, e a contento da Camara zelosamente o serviu até dezembro de 1905. Era pois este emprego um cargo vitalicio e não uma commissão.
Em 27 de dezembro do mesmo anno, o asylo municipal foi extincto, organizando-se por outra forma os serviços de beneficencia publica; os direitos adquiridos do supplicante e de mais dois collegas no asylo, bem como de todos os outros empregados, foram respeitados como não podia deixar de ser, dando-se a todos collocações apropriadas, e o supplicante foi collocado em um dos novos cargos dos mesmos serviços.
Nesta qualidade e emquanto se não podia dar plena execução aos citados decretos, continuou o supplicante a receber os 3000$000 réis annuaes, e sendo certo que apesar de até hoje se não ter realizado a completa organização dos novos serviços de beneficencia, o supplicante entrou na posse do seu novo cargo e o começou a exercer, desempenhando varios serviços que superiormente lhe foram ordenados.
Nem é pelo facto de não estarem organizados estes serviços que se recusa ao supplicante o pagamento do seu ordenado, reconhecem todos que é um cargo vitalicio de que não pode ser esbulhado; a falta de pagamento que se tem dado provem de uma ruim interpretação do artigo 21.° do decreto de 29 de junho de 1907, como já disse e como se verá.
Por decreto de 11 de janeiro de 1894 foi o supplicante nomeado para o cargo, tambem vitalicio, de sub-delegado de saude effectivo do Municipio de Lisboa; nesse cargo se encartou legalmente com o pagamento dos respectivos direitos de mercê, emolumentos, etc. No vencimento que lhe pertencia por este cargo soffria o supplicante, por virtude de disposições legaes vigentes, o desconto de 200$000 réis annuaes, que assim quasi lhe absorvia o seu ordenado de antigo medico do Asylo Municipal.
D'estes dois logares, ambos vitalicios, tirava o supplicante o ordenado de 1:000$000 réis sujeito ainda a muitos descontos, e durante muito tempo ao imposto de rendimento de 15 por cento.
Em 1895 foi nomeado professor provisorio do Lyceu do Carmo de Lisboa. E uma commissão que tem sido renovada constantemente desde então até agora, e pela qual o supplicante recebia os vencimentos que por lei são fixados a esses professores.
O conjunto d'esses ordenados, dos dois cargos vitalicos e da commissão do lyceu fica immensamente inferior ao limite marcado pela lei de contabilidade publica, pois, apesar d'isso, por parte da 3.ª Repartição da Contabilidade oppuseram se difficuldades á continuação do pagamento de taes vencimentos, allegando-se que o supplicante se achava incurso na disposição do artigo 21.° do decreto, de 29 de junho de 1907 e que portanto não podia receber os vencimentos do lyceu se não prescindisse do seu antigo vencimento de medico do extincto asylo municipal!!
Collocado nesta alternativa, viu-se obrigado a não receber o ordenado de medico do asylo, mas protestando contra o abuso.
E que é um abuso, e não um cumprimento de lei, mostra-o a simples leitura do citado artigo 21.°, que o que prohibe é a accumulação, em qualquer funccionario, de mais de uma commissão remunerada, com as funcções do seu cargo, e não a simples accumulação de uma commissão remunerada, com os vencimentos de dois cargos vitalicios, legalmente pertencentes a um funccionario publico, hypothese esta que não está prevista no citado artigo, e que se dava e dá com o sup-plicante.
Nem da letra, nem do espirito d'esse artigo se pode concluir que o supplicante estivesse inhibido de exercer juntamente com os seus dois cargos vitalicios, de subdelegado de saude e de medico dos serviços de beneficencia, a commissão unica remunerada de professor provisorio.
Aquelles cargos não são commissões: commissão é só o logar do lyceu; não são pois incompativeis aquelles cargos e a sua remuneração com a commissão do lyceu: só o seriam se as remunerações ultrapassassem o limite marcado; e não ultrapassam, antes ficam muito áquem.
Reclamou o supplicante para o Sr. Ministro, e consta-lhe não ter sido attendido, não sabe por que razões.
Ao passo que isto se dá com elle, é publico e notorio que ha diversissimos funccionarios dependentes do Ministerio do Reino, exercendo dois ou mais cargos vitalicios e uma ou mais commissões remuneradas, não se lhes recusando a remuneração de nenhuma.
Por todos estes motivos, e estando ainda em vigor a obnoxia lei que prohibe recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo dos actos e despachos do Governo, com poucas excepções (artigo 352.°, n.° 6.° do Codigo Administrativo de 4 de maio de 1896), não havendo portanto remedio legal para um despacho qualquer pouco justo, vem o supplicante - Pedir respeitosamente a V. Exas. que ou se revogue o n.° 6.° do artigo 352.° do Codigo Administrativo, dando recurso para o Supremo Tribunal Administrativo dos actos e despachos do Governo, que por qualquer forma possam ser julgados contrarios á lei, restabelecendo-se neste ponto a antiga legislação liberal, ou que seja interpretado legalmente o artigo 21.° do decreto de 29 de junho de 1907 no sentido de se não consentir que um cargo vitalicio seja reputado uma commissão, e que ao mesmo tempo se permittam accumulações de ordenados segundo o arbitrio.
Lisboa, 18 de julho de 1908. = Manuel Ferreira Cardoso.