APPENDICE A SESSÃO N.° 28 DE 18 DE JULHO DE 1908 15
Transcrição de um artigo do «Nordeste», a que se refere o discurso do Digno Par Francisco José Machado.
Justiça
Ao Exmo. Ministro do Reino
Era, havia alguns annos, não muitos ainda, secretario da camara municipal d'este concelho um antigo professor de instrucção primaria de nome José Valente Carneiro, natural, segundo se diz, da Rua dos Quarteis, d'esta cidade, quando em 30 de dezembro de 1891, pelo então presidente da vereação Francisco Avelino Ferreira, cunhado do proprio secretario e actualmente administrador do concelho, foi, em plena sessão da camara accusado:
1.° De abuso de confiança e desobediencia, por abrir a correspondencia contra ordem expressa d'elle, presidente;
2.° De desobediencia, por se negar a mostrar ao presidente os livros e documentos que elle desejasse ver;
3.° De desobediencia, negando-se a cumprir ordens, que lhe transmittia, para execução das deliberações da camara, e de abandono frequente do seu logar, visto ausentar-se, quando e durante o tempo que queria, sem autorização legal;
4.° De desobediencia, e incitamento á desobediencia por parte dos empregados da secretaria, quando elle, presidente, lhe ordenara que passasse alvarás de nomeação de guardas campestres;
5.° De insultos a elle, presidente, em acto de sessão da camara, traduzidos pelas palavras - indigno e falsario - que entre outras lhe dirigiu (sendo por esse motivo, nessa mesma sessão, suspenso, por unanimidade de votos, durante 30 dias).
Em sessão de 7 de janeiro de 1892, tendo sido a camara informada de que no dia seguinte áquelle em que fôra votada a sua suspensão, o secretario «abandonara a secretaria, escondendo as chaves sob as quaes guardava, no archivo e sua secretaria, os papeis, livros e utensilios indispensaveis ao serviço d'aquella repartição, e se escondera para não lhe ser intimada a suspensão, vende-se o presidente na necessidade de recorrer á autoridade administrativa para proceder ao arrombamento dos moveis, onde essas chaves tinham sido guardadas, resolveu que o referido secretario fosse relaxado ao poder judicial para soffrer o castigo pelas offensas feitas ao presidente, vereadores e administrador do concelho.
Em sessão de 24 de fevereiro do mesmo anno de 1892, suspeitando, com fundadas razões a camara, que o referido secretario pretendia fazer incorrer a vereação na penalidade do artigo 373.° do Codigo Administrativo «pois apesar de instado por differentes vezes, já depois do expirado o prazo da sua suspensão, para organizar as contas de receita e despesa relativa ao anno civil de 1891. visto isto ser da sua obrigação e não haver escrituração e elementos legaes para ellas poderem ser mandadas organizar por qualquer outro empregado», foi resovido torná-lo responsavel por essa falta.
Em virtude de todas estas graves accusações, todas ainda mais graves pela demonstração (resultante da syndicancia a que, por intermedio do administrador do concelho, mandou proceder o governador civil) de que «o referido secretario trazia a escrituração irregular, apparecendo por toda a parte a confusão, o desleixo e o chaos, pois não só se verificava que não havia um inventario dos documentos, livros e mais papeis existentes no archivo a seu cargo, mas ainda que faltavam alguns livros indispensaveis para a regular escrituração de receitas e despesas, e a forma incompleta ou nulla por que essa escrituração era feita nos que existiam, factos estes que provavam á evidencia o desleixo e falta de competencia d'este funccionario para o bom desempenho de logar tão importante, como é o de dirigir a secretaria de um concelho de primeira ordem, sede de um districto», resolveu a camara, em sessão de 6 de abril do mesmo anno, encarregar os vereadores Antonio Claudino Fernandes Pereira e Carlos Alberto de Lima e Almeida de formular o processo para a demissão (que nessa mesma sessão lhe havia sido proposta) do secretario José Valentim Carneiro.
Desempenharam-se d'essa commissão os referidos vereadores, apresentando o seu relatorio em 23 do mesmo mês e anno, do qual, e bem assim da resposta do accusado, tomou conhecimento a camara em sessão do dia 27 d'esse mês, resolvendo por unanimidade e pelos motivos largamente expostos na acta d'essa mesma sessão a demissão do secretario citado.
Esta demissão foi levada a effeito, mas, por artes de berliques e berloques, passados alguns meses, era o referido José Valentim Carneiro reintegrado no logar de que fôra demittido por uma vereação na sua maioria regeneradora.
Consultando, porem, talvez a sua consciencia e receioso portanto de que cedo ou tarde uma nova demissão o viesse então ferir certeiramente, solicita á vereação de 1895 (extra-officialmente para evitar despesas com a organização completa do processo) a inspecção medica indispensavel para a sua aposentação.
Reunida a junta sanitaria, constituida pelos dois facultativos municipaes que então possuia o concelho e por um medico militar, devidamente convidado, em 9 de março d'esse mesmo anno, foi ella de parecer:
«Que o referido José Valentim Carneiro, secretario da camara municipal d'este concelho, alem de por differentes vezes ter soffrido de rheumatismo dos membros superiores e de nevralgias faciaes accusa uma periencephalite que se evidencia já por algumas desordens nervosas, e por isso o julgam impossibilitado de continuar no exercicio do cargo».
Que o interessado desejava então essa aposentação e que se conformou com o parecer da junta medica, verifica-se facilmente nas actas das sessões de 14 de março d'esse anno (em que se faz menção de documentos, que só elle podia ter fornecido, para legalizar a aposentação que nesse dia lhe foi votada) de 22 do mesmo mês e anno (em que se menciona a entrada de um requerimento «como secretario que foi, d'esta municipalidade») e em todas as outras (até o dia em que pela falta da declaração no relatorio medico citado, de que a impossibilidade era absoluta e permanente, foi mandado entrar, pelo Ministro do Reino, de novo no exercicio d'esse cargo) em nenhuma das quaes consta que a sua reintegração no serviço activo fosse ordenada por sentença do tribunal competente, lavrada em processo de recurso intentado por elle.
Reintegrado, porem, por ordem ministerial, pouco tempo depois, em sessão da camara de 5 de abril de 1900, era accusado o mesmo funccionario:
1.º De insolente nas suas relações com os empregados subalternos e com os cidadãos que se viam forçados a manter relações com a secretaria da camara;
2.° De falta de zelo e competencia no exercicio do seu cargo, pois continuava mantendo a mais completa desordem no archivo e escrituração;
3.° De falta de honestidade por não ter apresentado documento comprovativo de haver esgotado as verbas destinadas aos differentes expedientes, sem que o referido secretario tenha accusado saldo algum d'essas verbas;
4.° De insultar e ameaçar publicamente, por palavras e por escrito, como já era seu costume, alguns membros da vereação;
5.° De deslealdade por ter, por varias vezes, aconselhado a vereação á pratica de actos illegaes;
6.° De desfalcar o cofre do municipio, não dando andamento ás participações de transgressões das posturas municipaes, feitas legalmente contra individuos a quem é ou lhe são affectos.
Ouvido sobre estas accusações, e não conseguindo destrui-las na sua defesa, resolveu a camara applicar-lhe a pena de suspensão e proceder a rigorosa syndicancia na secretaria a seu cargo (que não chegou a ser concluida), sem que, ao que nos conste, d'essa deliberação tivesse recorrido o interessado.
Alguns annos depois, em 22 de março de 1907, pelo vereador Falcão é participado á camara que por desleixo ou má fé do secretario José Valentim Carneiro «estão ainda nessa data por sellar diversas escrituras de arrematação de rendimentos e taxas, e bem assim por entrar na thesouraria alguns dos depositos definitivos destinados a garantir esses rendimentos e taxas».
Nessa mesma sessão é accusado o mesmo funccionario, pelo vereador Daniel Rodrigues, de «ter sujeitado a camara á penalidade imposta pelo artigo 17.°, n.° 1.° do Codigo Administrativo e á censura da estação tutelar superior, sem que a mesma camara incorresse numa ou noutra, pois que tendo sido por ella approvado o orçamento ordinario em sessão de 10 de janeiro d'esse anno, a demora até 7 de fevereiro seguinte, na sua remessa á administração do concelho, foi apenas o resultado da incuria ou desleixo que nesta camara se nota ha muito tempo, no cumprimento das resoluções tomadas.
Verifica-se tambem que a acta d'esta sessão não está subscrita pelo respectivo secretario, como preceitua o artigo 33.° do Codigo Administrativo.
Em sessão de 4 de abril seguinte, não tendo comparecido o secretario, como mais