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16 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

vezes já fizera, sem ter pedido licença ou justificar a sua falta, o que indicava o mais absoluto desprezo e desrespeito pela vereação, resolveu esta, por proposta do vereador Falcão, substituí-lo no exercicio das suas funcções, a que faltava, por um outro empregado da secretaria.

Na mesma sessão, e em seguida á posse do secretario interino que fôra eleito, propôs o vereador Abilio Porto que, em virtude das repetidas ausencias não justificadas, do secretario effectivo e em virtude do facto de já ter sido em 1895 julgado impossibilitado para o serviço publico, o referido secretario fosse de novo submettido á inspecção medica para os effeitos de aposentação, se para isso fosse julgado em condições, proposta esta que foi approvada por unanimidade.

Ainda na mesma sessão, pelo vereador Daniel Rodrigues, foi feita a accusação de que pela secretaria da camara foi enviada á auditoria administrativa, para instruir um processo de recurso, a minuta da acta de uma sessão apenas assinada por quatro vereadores, quando se averiguava que essa mesma acta está assinada por cinco vereadores, como é legal.

Em sessão de 11 do mesmo mês deliberou a camara, por proposta do vereador Daniel Rodrigues:

1.° Que fossem avisados os arrematantes para legalizarem os seus contratos sem demora, sob pena d'esses contratos serem rescindidos e os referidos arrematantes processados;

2.° Que fosse ouvido o secretario effectivo, tendo 8 dias para a sua resposta, sobre os motivos porque:

a) Se effectuaram os pagamentos das verbas relatadas no primeiro orçamento supplementar de 1906, contra o disposto no decreto de 6 de setembro de 1902;

b) Foi mandado á auditoria administrativa a parte respectiva da acta da sessão ordinaria de 16 de fevereiro de 1905, apenas assinada por 4 vereadores, quando no respectivo livro se vê que assinaram 5;

c) Não teem sido apresentados os documentos da conta da gerencia de 1906.

A esta proposta fez um additamento o vereador Falcão (que tambem foi approvado), para que lhe fossem fornecidos os documentos relativos á venda de umas sacas que vieram do Mercado de Productos Agricolas, e que deviam estar em poder do mesmo secretario.

Da acta da sessão celebrada em 10 de maio de 1907 se verifica tambem:

1.° Que o secretario José Valentim Carneiro faltou ao respeito devido á vereação retirando-se em seguida com todas as chaves indispensaveis para o regular funccionamento na sessão, já aberta, e em dia designado para varias arramatações;

2.° Que mandado intimar pela presidencia para fazer immediatamente entrega d'essas chaves e documentos necessarios, se recusou a receber essa intimação, mandando fechar a porta da sua casa ao empregado encarregado de a levar a effeito;

3.° Que, por proposta do vereador Abilio Porto, e depois da camara se ter inteirado da resposta do secretario ás accusações e perguntas constantes das actas das sessões antecedentes, resposta que não constitui por forma alguma, defesa dos seus actos, foi resolvida por unanimidade a sua suspensão immediata pelo prazo de 50 dias, até ulterior resolução.

Em sessão de 16 do mesmo mês, e em face de um documento de conta corrente entre o secretario José Valentim Carneiro e differentes individuos d'esta cidade, a vereação reconhece que o referido secretario prevaricou, pelos seguintes motivos:

1.° Porque o logar de secretario da camara, em vista do disposto no § unico do artigo 12.° do Codigo Administrativo, é incompativel com o de thesoureiro;

2.° Porque os depositos, tanto os provisorios como os definitivos, para garantia de contratos, só podem ser effectuados por meio de guia, na thesouraria da camara ou na Caixa Geral de Depositos, e nunca na mão do secretario, nem para garantir a este o pagamento de sêllos e emolumentos que este funccionario tem direito a exigir e a receber dos interessodos por qualquer acto official que pratique:

3.° Porque reteve em seu poder, desde 1904 até ao presente, a quantia de 12$000 réis proveniente da venda de pedra feita a Manuel Joaquim Dias, d'esta cidade, importancia que devia fazer parte da receita municipal d'aquelle anno e que só agora, depois de denunciado, veio entregar, descontando ainda a quantia de 2$100 réis, a titulo de emolumentos e sellos, devidos pelo contrato de arrematação que o mencionado Dias acceitou como fornecedor dos generos para sustentação do pessoal do Asylo Duque de Bragança, durante o actual anno, sendo tambem certo que da venda da pedra se não lavrou o respectivo termo legal! e resolveu, em face d'isso, convidar o referido secretario José Valentim Carneiro a repor os descontos feitos nos depositos de que se trata, visto que elle embolsou emolumentos por alguns actos que não chegaram a ser ultimados, sob pena de participação ao poder judicial!

Na mesma sessão foi o referido secretario, pelo vereador Daniel Rodrigues, accusado de indigno ou desleal visto ter de má fé evidente, occultado um officio de 31 de dezembro de 1906 (que nem mesmo foi dado a registo) em que pelo governo civil era feita a communicação de ter sido reprovado o primeiro orçamento supplementar, levando por essa forma a presidencia a assinar mandados da pagamento (que elle teve o cuidado de não subscrever, contra o que preceitua o Codigo Administrativo), sobre verbas descritas nesse orçamento.

Na mesma sessão deliberou a camara que se consignasse na acta a omissão propositadamente feita pelo secretario, não só na sua leitura, mas até mesmo na sua transcrição para a acta da sessão de 18 de abril, da parte final de um orneio do governo civil, de 13 do mesmo mês, em que se perguntava o motivo porque tinha sido desrespeitada a deliberação da estação tutelar, constante do officio do mesmo governo civil, de 31 de dezembro, a que já se fez referencia, e que, como se viu, tinha sido religiosamente guardado com o mais absoluto segredo, pelo secretario effectivo; e bem assim que da mesma acta ficassem constando differentes factos que foram apontados e que demonstravam plenamente que o referido secretario fingira ignorar disposições legaes que era obrigado a conhecer e conhecia, para elucidar a camara somente para, como empregado desleal e dementado, «vir accusar a vereação de omissões por elle praticadas e de sua inteira responsabilidade».

Na mesma sessão foi ainda, pelo vereador Daniel Rodrigues, accusado o secretario Carneiro de não ter mandado affixar editaes para arrematações que tinham sido deliberadas em sessão de 25 de abril, e bem assim, por nem mesmo ter incluido essa deliberação na acta d'essa sessão.

Finalmente, consta da mesma acta de 16 de maio a proposta do mesmo vereador em virtude da qual, por deliberação unanime, a camara resolveu não reintegrar um cantoneiro demittido, «tornando responsavel pelas custas e mais despesas pagas e a pagar, nesse processo, o secretario José Valentim Carneiro, que occultou um documento importante para o caso e forneceu falsos elementos ao respectivo tribunal de primeira instancia».

Afora as tremendas accusações que ficam expostas e que nós resumimos de certidões autenticas, em nosso poder, muitas e outras habilidades de identico teor, praticadas pelo referido secretario, se encontram espalhadas pelos differentes livros da secretaria municipal, e que não deixam duvida alguma de que o secretario José Valentim Carneiro foi um criminoso.

Restava apenas á camara, para proceder como fosse de justiça, esclarecer-se sobre se o seu empregado era um criminoso responsavel ou irresponsavel.

Nesse intuito e em cumprimento da deliberação já tomada e atrás citada, por officio da presidencia foi esse funccionario intimado a comparecer, em dia e hora determinada, perante a junta medica que devia inspeccioná-lo.

Desobedeceu mais uma vez o secretario Carneiro, pois só comparece dias depois (em 12 de junho de 1907) e em virtude de nova intimação, feita por intermedio da autoridade administrativa.

O resultado final d'essa inspecção, que se encontra no desenvolvido relatorio que a ella se refere, é do teor seguinte:

... «o que tudo, bem ponderado e confrontado com o exame actual, mostra:

1.° Que, propositada ou inconscientemente o inspeccionando falseava a verdade quando respondia ao primeiro perito que na sua vida não havia antecedentes morbidos, e ao terceiro perito que a sua consciencia o não accusava de ter faltado ás suas obrigações, que não se lembrava de ter deixado de cumprir os seus deveres como funccionario, e que nunca fôra aposentado:

2.° Que as doenças indicadas no exame eftuado em 9 de março de 1895, longe de terem curado, ou pelo menos de se terem attenuado, subsistem mais agravadas, como se prova com o attestado citado de 17 de dezembro de 1906, pelo que respeita ao rheumatismo, e pelo exame actual, reforçado pelos documentos citados acima, e contradições entre elles e as declarações do examinando, pelo que respeita ás lesões nervosas então diagnosticadas de periencephalite, o que leva os peritos á conclusão de que, alem do rheumatismo antigo susceptivel de se manifestar, como já succedeu, em ataques sub-agudos, o examinado José Valentim Carneiro soffre ha muitos annos, e com aggravamento cada vez mais accentuado, de uma doença de systema nervoso central, cujo diagnostico só pode ser estabelecido com rigor por medidas psychiatras, apos larga e continua observação, mas que, pelos phenomenos indicativos de profundas e irreparaveis alterações organicas e funccionaes, que a exteriorizam tão frequentemente, constitue um verdadeiro e constante perigo para as pessoas que mais em contacto tenham de estar com o referido examinado, e para o regular funccionamento e ordem no desempenho das complexas e melindrosas funcções do cargo de secretario da camara, e que por isso torna o referido examinado José Valentim Carneiro absoluta e permanentemente impossibilitado do exercicio d'esse cargo».

D'este parecer tomou conhecimento a camara, em sessão celebrada poucos dias depois, e com elle se conformou evidentemente o examinado, pois não consta que interpusesse recurso perante o tribunal competente.

Elucidada pois a camara sobre a irresponsabilidade do citado empregado, nos crimes em que havia incorrido, no pleno uso das suas attribuições, aposentou o seu antigo secre-