APPENDICE Á SESSÃO N.° 28 DE 18 DE JULHO DE 1908 17
ario e deliberou solicitar do Governo autorização para prover, por concurso, a vaga que se abrira.
De todas as deliberações municipaes, pelos resumos que em prazos fixados na lei e por intermedio da administração do concelho lhe são enviados, teem conhecimento as secretarias do governo civil e do Ministerio do Reino.
No Ministerio do Reino soube-se pois que fôra aposentado o secretario da camara, e do Ministerio do Reino baixou, com bastante rapidez até, a autorização pedida para a abertura do concurso, por meio do qual devia ser prehenchida a vaga a que essa aposentação dera logar.
Decorreu, portanto, serenamente o prazo d'esse concurso: terminou esse prazo; fez-se o exame dos documentos dos concorrentes, e de entre elles, e em harmonia com todas as disposições legaes, escolheu a camara o seu novo secretario, que tomou posse do seu logar e a quem foram, de seguida, liquidados os respectivos direitos de mercê, que pouco depois começou pagando.
Se alguma irregularidade tivesse havido no processo de aposentação do secretario Carneiro, não escaparia certamente essa irregularidade á secretaria do governo civil que, por seu turno, d'ella não deixaria de informar a secretaria do Ministerio do Reino.
Meses depois, porem, de tudo se ter concluido, surge abruptamente, em 21 de outubro, um officio do governo civil perguntando á camara o motivo ou motivos por que se não tinham pago os vencimentos ao secretario (!) José Valentim Carneiro!
Suppomos que a camara respondeu que, tendo sido aposentado já depois de approvado o orçamento ordinario, e não tendo ainda sido elaborado orçamento supplementar, não havia verba por onde se pudesse satisfazer esse pagamento.
Em face d'esta ou identica resposta, num extraordinario interesse pelo antigo secretario (interesse nunca manifestado por qualquer outro empregado a quem a camara tivesse deixado de pagar), baixou em 8 do mês seguinte, do mesmo governo civil, o primeiro dos successivos mandados mensaes, ordenando esse pagamento na qualidade de secretario effectivo!
A camara aposentara-o; com essa aposentação se haviam conformado as secretarias do governo civil e do Ministerio do Reino, baixando d'esta ultima, como nova confirmação da legalidade de tudo quanto se fizera, a autorização pedida, para o provimento por concurso da vaga existente, e, no entanto, meses depois, no governo civil, o secretario Carneiro, era ainda o secretario effectivo!
Não se comprehende!
Explicou-se, por então, que a camara mandara apenas o resumo das deliberações tomadas na sessão em que votara a aposentação do secretario, quando era do seu dever enviar a copia da parte respectiva da acta que se referia a essa aposentação.
Era a primeira vez, nestes ultimos annos, segundo nos affirmaram, que se recordava uma tal obrigação da camara (apesar de outras aposentações se terem feito) e d'ella, por certo, e da sua falta, se não fizera menção, até certa altura, para a secretaria do Ministerio do Reino, pois de contrario esta não teria informado o respectivo Ministro para dar a sua approvação ás deliberações tomadas.
Foi sanada essa irregularidade, e o documento que, a meses de distancia, se julgava essencial, serviu para, sobre elle, o antigo secretario basear, não um recurso para os tribunaes competentes, mas sim um requerimento, pedindo a annullação da citada deliberação a pretexto de que, no exame medico que o dava como irresponsavel mas perigoso por unanimidade de votos, haviam entrado apenas dois dos tres facultativos municicipaes!
Não se perguntaram á camara as razões por que o terceiro facultativo municipal não havia sido convidado; não se informou a secretaria do Ministerio do Reino de que esse terceiro facultativo municipal tinha a sede do seu partido a 42 kilometros de Bragança e numa zona onde no verão, entre outras, se aggrava com a maior intensidade a endemia das pustulas malignas.
Pelo proprio governo civil, onde é perfeitamente conhecido o cadastro do antigo secretario, que atrás resumimos, e onde são conhecidos os pareceres concordantes de seis medicos, exarados em dois documentos distanciados 12 annos um do outro, foi sim, recebido e enviado para o Ministerio do Reino o requerimento citado!
Commetteu se uma falta, respondeu a secretaria d'este Ministerio, não de doutrina, por certo, porque o voto dos dois medicos municipaes constituia em absoluto, o voto da maioria da junta medica, mas de forma evidentemente, e essa secretaria, que informara meses antes o respectivo Ministro no sentido de approvar directa e indirectamente as deliberações municipaes, informa-o então no sentido de annullar essas deliberações mandando reintegrar, por officio, communicado á camara com data de 9 de março d'este anno, no serviço effectivo o funccionario cujo cadastro tão bem conhecia e que meses antes fôra declarado solemnemente, por uma junta medica de que faziam parte dois ou tres facultativos municipaes do concelho, como doido e doido perigoso!
D'este officio tomou conhecimento a camara em sessão de 23 de abril, deliberando em 7 de maio sanar essa falta pela convocação de uma nova junta em que interviessem os tres medicos municipaes.
Deu d'isso conhecimento ao interessado Carneiro, mandando o comparecer perante essa junta em 12 do mesmo mês.
Segundo o costume, desobedeceu mais uma vez, não comparecendo e ausentando-se da cidade.
Pela presidencia foi pedida a intervenção do administrador do concelho em 29 d'esse mês, recebendo em 2 de junho a resposta d'essa autoridade, acompanhada da certidão de não ter feito a intimação pedida por se ter o interessado ausentado para a capital.
Ha dias regressou elle de Lisboa, e de seguida, pelo presidente da camara (em officio de 3 do corrente) foi de novo pedida a intervenção do administrador do concelho. Resolveu-se, ao que nos consta, a pedido do proprio administrador, que fosse marcado o dia 9 do corrente para a comparencia que elle devia intimar-lhe.
Correu, logo porem, que essa intimação se não faria, porque mais uma vez se esconderia para a evitar e que d'isso era conhecedora a autoridade administrativa.
Em 6, baixa porem do governo civil, um novo officio do Ministerio do Reino ordenando a reintegração dentro de curto prazo, do secretario Carneiro, sob pena de desobediencia e de ser feita por delegado do governo civil!
Em 8, em resposta ao officio em que o presidente da camara solicitava do administrador do concelho lhe dissesse se effectuara a intimação pedida no seu officio do dia 3, communica esta autoridade, - que tem por dever fazer cumprir as deliberações da camara, quando a sua intervenção seja necessaria - «que não intimara o referido Carneiro, porque isso era das attribuições da presidencia!»
Hontem, dia marcado para novo exame medico, recebe o proprio Carneiro, perante testemunhas, um officio da presidencia, intimando-o para horas depois se apresentar nos Paços do Concelho, a fim de ser inspeccionado.
Á hora marcada estava reunida a junta medica que, meia hora depois teve de limitar-se a assinar o auto em que declarava não ter podido effectuar o serviço para que fôra convocada, visto o examinando, mais uma vez, ter desobedecido ás ordens da presidencia!
Expostos os factos com tanta clareza e verdade, pois todos constam de documentos officiaes e irrefutaveis, que conclusão se pode tirar d'elles?
Que ha ou pode haver, contra o interessado José Valentim Carneiro, accintosa e odiosa perseguição, por parte de um determinado grupo politico, para o esbulhar de um logar que conseguiu, durante muitos annos, desempenhar, em luta constante com successivas vereações, como certamente elle e os seus pouquissimos protectores hão de ter pretendido fazer ver?
Não. Não pode haver perseguição: na luta travada e que agora attingiu o seu maximo, não pode haver senão a justissima defesa de um municipio contra o empregado que, pelos seus crimes sempre provadas, tendo sido em 1892 demittido por unanimidade de votos de uma vereação na sua maioria pertencente ao partido regenerador, foi suspenso em 1900 por uma vereação pertencente ao partido progressista, e accusado, em 1907, de crimes gravissimos, sempre os mesmos (insolencia, desrespeito, desobediencia, deslealdade, nas informações que a lei lhe impõe, má fé e desvio de dinheiros municipaes), por uma vereação em que ha representantes d'estes dois partidos politicos, e que, intimada para o reintegrar no exercicio do seu cargo, resolve por unanimidade de votos, não acatar essa ordem superior, como violenta e illegal, e submettê-lo a nova inspecção medica, para manter a decisão anteriormente tomada!
Se outros argumentos não houvessse para provar que contra o ex-secretario da camara ha simplesmente o direito e o dever de defesa dos interesses do municipio, bastaria este - que os representantes dos dois grandes partidos monarchicos, isto é, os representantes da quasi totalidade dos eleitores do concelho, teem successiva e simultaneamente reconhecido a necessidade de afastar, por qualquer processo, do logar que não soubera nanca exercer, o citado Carneiro.
Como se pode pois interpretar o que se tem passado desde a aposentação, que foi a consequencia do exame que, por unanimidade, declarou o referido empregado como irresponsavel, pela doença mental, dos crimes que commettera, mas, por ella mesma, perigoso para o serviço publico?!
Como se pode explicar que duas secretarias de Estado se tenham manifestado, de ha meses para cá, incondicionalmente favoraveis ao empregado cujos crimes e cuja perigosa doença não podem ignorar?!
Como se pode explicar a incondicional protecção, ao mesmo empregado, do administrador do concelho (o mesmo individuo que como presidente da Camara, em 1892, em plena sessão, pelo mesmo Carneiro foi apodado de - indigno e falsario), traduzida claramente na pressa com que satisfez a intimação que lhe era pedida, em 2 de junho, quando sabia ausente o visado nesse pedido, e se recusa agora a fazê-la, quando o visado se encontrava em Bragança?!
De uma forma, simplesmente: que ha um pequenissimo grupo de individuos que, pondo de parte a moralidade e a justiça, pretendem impor a um concelho inteiro um funccionario convencido de gravissimos crimes e julgado, sem contestação, doido perigoso!
Mas contra esta imposição, que representa