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Sessão de 16 de Março de 1849.
Presidiu — O Em.mo e Rev.mo Sr. Cardeal Patriarcha.
Secretários — Os Srs. M. de Ponte de Lima V. de Gouvêa.
(Summario — Correspondencia — Incidente sobre o destino da Representação de uma Camara Municipal — Última redacção do Projecto de Lei sobre Commissões Mixtas — Ordem do dm, Parecer da Commissão de Petições, Votos em separado, e Proposta do Sr. Serpa Machado, sobre o Requerimento do Sr. C. do Farrobo.)
Aberta a Sessão pela uma hora e meia da tarde, estando presentes 45 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da última Sessão — Estiveram presentes o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, e o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. Mencionou-se a seguinte
correspondencia.
Uma Representação da Camara Municipal do Concelho de Palmella, reclamando contra um Projecto de Lei que se diz existir, para obter privilegio, e montar uma machina movida a vapor para o fim de moer cereaes, azeitona, e branquear arroz, cuja reclamação faz pelos prejuizos que intende causará aos proprietarios de lagares de azeite, de moinhos, e de asenhas.
0 Sr. V. de Laborim (sobre a ordem) — Desejaria saber como se apresentou esse Requerimento, e quem o apresentou.
O Sr. Secretario V. de Gouvêa— Achei-o na pasta, e como é de uma Corporação, o costume sempre foi lêr-se na Mesa; alem do que, perguntando eu aqui ao Official Maior a quem era dirigido, elle disse-me que era dirigido á Presidencia.
O Sr. V. de Laborim — Hontem, fazendo eu essa observação ao meu nobre amigo o Sr. V. de Oliveira, S. Ex.ª deu-me uma lição de Regimento, e fez-mo vêr, aonde no artigo 31 vejo, que não é essa a fórma: admittem-se na caixa, e a Commissão de Petições dá-lhes a direcção que julga conveniente.
O Sr. M. de Ponte de Lima — Para informação ao D. Par direi, que esta Representação não podia ir á caixa, porque veio fechada com sob-escripto dirigido á Presidencia.
O Sr. Secretario V. de Gouvêa— Requerimentos desta natureza sempre se lêem na Mesa, e este diversifica muito da circumstancia em que falla o Sr. V. de Laborim.
O Sr. V. de Laborim — O Regimento não faz differença; o Regimento é Lei; e pratica contra o Regimento não a admitto.
O Sr. Secretario V. de Gouvêa — Isto é uma Representação de uma Camara Municipal, e então parece-me que deve ter esta consideração em quanto a Camara não determinar o contrario.
O Sr. Presidente — Proponho que vá á Commissão de Petições, ou seja remettida ao Governo para lhe dar a consideração que merecer.
O Sr. D. de Palmella — Parece-me que devia simplesmente ficar na Secretaria.
O Sr. C. de Thomar — Peço a V. Em. queira mandar lêr o Pede (leu-se).
O Sr. D. de Palmella — Pois quando «Camara houver de conceder ou negar a licença para esse privilegio, então se tractará de lhe dar seguimento.
O Sr. C. de Thomar — As Representações das Camaras Municipaes não podem, no meu intender, ser tractadas assim: é pois conveniente que uma Commissão examine esse negocio (Apoiados), e tome a Camara embora depois a resolução que acaba de indicar o Sr. D. de Palmella (Apoiados); mas em todo o caso é necessario que procedamos com conhecimento de causa.
O Sr. Fonseca Magalhães — Sr. Presidente, leu-se esse papel como representação de uma Camara Municipal; contêm um pedido justo ou injusto, attendivel ou não; porém e uma Camara a que representa, provavelmente a favor do que julga interesses municipaes (Apoiados). Mandar o papel, depois de lido, á Commissão de Petições fazei com que volte atraí. Este hão é o destino competente: parece-me que deve ser enviado uma, que dê sobre elle um parecer de meritto para se tomar uma resolução; essa seja embora de o remetter ao Governo. Não é um requerimento individual o que se apresenta; e por isso sobre elle não cumpre ouvir a Commissão de Petições. Seja outra, qual se quizer, a de Administração por exemplo; com tanto que a representarão da Camara Municipal de Setubal, dirigida a esta Camara, seja propriamente attendida.
A Representação foi dirigida á Commissão de Administração Publica.
O Sr. Presidente — Vai-se lêr a última redacção do Projecto sobre Commissões Mixtas.
Última redacção do Projecto N.° 93 V sobre Commissões Mixtas.
Art.º 1.º As resoluções das Commissões Mixtas de Pares e Deputados, em conformidade com o Art.° 54 da Carta Constitucional, são consultivas, ou definitivas, segundo os termos declarados na presente Lei.
Art.º 2.° Quando acamara dos Deputados não approvar as Emendas ou Addições da dos Pares, ou vice versa, e todavia a Camara recusante julgar que o Projecto é vantajoso, terá logar a Commissão Mixta, composta de doze Membros, e de quatro Supplentes de cada uma das Camaras, eleitos por escrutinio. O que será competentemente participado á outra Camara.
Art.º 3.° O Presidente da Camara dos Pares o Vice-Presidente, e os Supplentes á Presidencia, serão por sua ordem Presidentes da Commissão Mixta, quando para ella tiverem sido eleitos. Na falta de qualquer dos sobreditos presidirá o Par de maior idade, que fôr Membro da Commissão Mixta.
§. unico. Os trabalhos da Commissão serão regulados pelo respectivo Regimento, e provisoriamente pelo interno da Camara dos Pares.
Art.º 4.º Compete ao Presidente da Camara dos Pares designar, e fazer constar em ambas as Camaras, o dia e hora da primeira reunião da Commissão Mixta, que terá logar na Casa das Sessões da Camara dos Pares, em quanto não houver uma Sala destinada para a reunião das Côrtes; e servirão de Secretarios um Par e um Deputado, que a Commissão eleger, ou á escolha do Presidente da Commissão.
Art.º 5.º A discussão da Commissão Mixta versará sobre os Artigos, Emendas, ou Addições em que não tiverem concordado ambas as Camaras; e bem assim sobre quaesquer alterações, Additamentos, ou Emendas, que forem offerecidas na mesma discussão, com tanto que sejam de materia analoga ao mesmo objecto.
§. unico. O que a Commissão Mixta decidir, por pluralidade devotos, servirá, ou para ser inserido no Projecto de Lei, ou para ser logo recusado: o empate na votação equivale sempre á rejeição.
Art.º 6.º As resoluções que a Commissão Mixta approvar serão de novo discutidas, approvadas, ou rejeitadas por cada uma das Camaras: a sua discussão começará na Camara em que teve origem o Projecto, para cujo effeito lhe serão communicadas pelo Presidente da Commissão
§. unico. Não podem ser objecto de nova discussão aquelles artigos em que ambas as Camaras tiverem concordado.
Art.° 7.° Se em qualquer das Camaras fordes approvada a Proposta da Commissão Mixta, ficará ella rejeitada; e não poderá apresentar-se de novo á discussão durante a mesma Sessão da Legislatura.
Art.º 8.º É por este modo regulado o Artigo 54 da Carta Constitucional, e ficam em pleno vigor os actos até agora praticados pelas Commissões Mixtas.
Sala da Commissão de Redacção, em 16 de Março de 1849 = G. Cardeal Patriarcha = R. da Fonseca Magalhães = A. M. de Sousa Azevedo.
Foi julgada conforme ao que se vencêra, e mandou-se expedir para a outra Camara.
ordem do dia.
Parecer n.º 104 da Commissão, votos em separado em Parecer n.º 104 A do Sr. B. de S. Pedro, e em Parecer n.º 104 B do Sr. V. de Graciosa, Proposta do Sr. Serpa Machado, relativo tudo ao Requerimento do Sr. C. do Farrobo. Começou a discussão a pag. 341, col.ª 1.ª
Parecer. 104 da Commissão—pag. 341, col.ª 2.º
— dito n.º 104 A de voto em separado do Sr. B. de S. Pedro—pag. 341, col.ª 3.ª
— dito n.º 104B de voto em separado do Sr. V. de Graciosa—pag. 342, col.ª 1.ª -Requerimento do Sr. C. do Farrobo—-pag. 342, col.ª 1
Proposta do Sr. Serpa Machado. Proponho que se tracte de fazer uma Lei organica e regulamentar do art.º 33 da Carta, em logar de se decidir e approvar o Parecer da Commissão, e dos Membros dissidentes.
O Sr. V. de Laborim — Sr. Presidente, eu pedia que entrassemos na discussão da Proposta do). Par o Sr. Serpa Machado, que é por onde devemos começar, visto ser uma questão preliminar.
O Sr. Presidente — Está admittida á discussão, e por tanto póde-se entrar nessa questão. Tem a palavra o Sr. C. de Lavradio.
O Sr. V. de Laborim — é por onde nós devemos principiar (Apoiados); mas o D. Par o Sr. C. de Lavradio tinha pedido a palavra sobre a materia.
O Sr. C. de Lavradio (sobre a ordem) — Sr. Presidente, parece-me que a questão apresentada pelo D. Par o Sr. Serpa Machado póde ser tractada conjunctamente com a materia da discussão. O Sr. V. de Laborim — A questão do D. Par o Sr. Serpa Machado parece-me (pode ser que eu me engane), que importa Um addiamento. Peço a V. Em.ª queira mandar fazer a leitura da Proposta (Apoiados — Tendo-se lido). É uma questão prejudicial: importa por tanto um addiamento, cuja discussão deve ter logar antes da questão.
O Sr. C. de Lavradio — Sr. Presidente, a Proposta do D. Par o Sr. Serpa Machado é uma questão prévia, que devia ter sido apresentada no logar competente, mas que o não póde ser depois de se haver entrado na discussão da materia, que é conveniente que continue, tanto mais que me parece, que esta Proposta póde ser muito bem tractada, ao mesmo tempo que a materia principal; porque no meu modo de intender, uma das conclusões que se ha de tirar desta discussão é a necessidade da interpretação do Artigo 33 da Carta Constitucional. É por tanto escusado haver duas discussões, quando se póde tractar uma conjunctamente com a outra.
O Sr. V. de Fonte Arcada — Sr. Presidente, sinto muito não me poder conformar com a opinião do D. Par C. de Lavradio: eu encaro a questão de maneira diversa daquella pela qual S. Ex.ª a encarou. Eu intendo assim o negocio. Dirigiu-se um Requerimento á Camara, o qual foi mandado á Commissão de Petições, que sobre elle apresentou o seu Parecer: entrando este em discussão, e approvando-se a Proposta do Sr. Serpa Machado, fica prejudicado o deferimento que devesse ter logar no mesmo Requerimento. Intendo por isso, que a Proposta deve previamente ser tractada, quanto á fórma da sua discussão, porque a respeito da materia que contém, eu sou de opinião que deve ser rejeitada, por isso que impossibilita a Camara de produzir qualquer resolução sobre o Requerimento, como intendo lhe cumpre, porque necessariamente lhe deve dar aquella solução que julgar adequada.
Por tanto, julgo que esta questão deve ser tractada separadamente, para o que muito conviria, que V. Em.ª consultasse a Camara a este respeito, sendo o que sobre elle tenho por agora a dizer, não tractando ainda de emittir a minha opinião sobre qual seja a resolução que deva tomar-se sobre a materia do Requerimento.
O Sr. V. de Laborim — Sr. Presidente, creio que não estamos todos nos mesmos principios, e nasce isto da confusão, com que o negocio se apresenta. A indicação do meu nobre amigo, o D. Par o Sr. Serpa Machado, foi admittida á discussão; e assim a opinião do D. Par o. Sr. C. de Lavradio teria muito cabimento, para ella ser rejeitada depois de ser discutida; mas nunca antes disso, e é aqui o logar proprio para ella o ser, pois que, sendo o seu resultado um perfeito addiamento, póde, segundo o art.° 56 do nosso Regimento, ser admittido, e depois discutido em qualquer estado da discussão.
O Sr. C. de Thomar — Eu estou já prevenido pelos D. Pares que me precederam. Não póde deixar de ser considerada como um addiamento a Proposta do D. Par o Sr. Serpa Machado; e se um addiamento, como disseram os D. Pares, póde propôr-se em todo o estado da discussão, hão de conceder que este foi apresentado na occasião mais opportuna.
Accrescentarei que não concordo com a opinião do D. Par o Sr. C. de Lavradio, quando diz — que desta discussão póde resultar a revogação de um artigo da Carta: segundo eu intendo, desta discussão não póde resultar outra couza senão, que a Camara póde tomar hoje uma resolução, confirmando ou revogando o que já decidiu; mas intenda-se tambem, que se a Camara revoga hoje o que já decidiu, não está inhibida para daqui a oito ou quinze dias tomar uma outra deliberação, derogando essa resolução; e assim póde continuar a verificar-se em quanto não houver uma Lei, que fixe por uma vez a intelligencia do respectivo artigo da Carta. Em quanto a este respeito se não fizer o mesmo, que se fez a respeito das Commissões Mixtas, a Camara fica no direito de approvar á manhã o que reprovou hoje.
Mas fallando mais particularmente da questão de que ora se tracta, não ha dúvida que não podemos entrar na questão principal, sem se tractar primeiro a do addiamento que propoz o D. Par o Sr. Serpa Machado, visto que elle propõe, que se não entre na discussão do Requerimento, sem que se tracte primeiramente de decidir, se se deve fazer uma Lei regulamentar dos artigos 31, 32, e 33 da Carta. É esta uma questão que prejudica toda e qualquer outra, e portanto é necessario tracta-la em primeiro logar.
O Sr. C. de Lavradio — Não posso deixar de dizer, que se encararmos a Proposta do D. Par o Sr. Serpa Machado como uma questão de addiamento, não ha dúvida nenhuma em que ella foi apresentada no tempo competente. Agora necessito de dar uma explicação.
Eu não disse que desta questão resultava a interpretação da Carta; e se o disse certamente não o queria dizer assim: o que porém digo é, que della hade resultar a necessidade da interpretação da Carta, e eu o demonstrarei.
Quanto á discussão do addiamento não tenho nada a dizer, nem me opponho a ella (Apoiados).
O Sr. Serpa Machado — Sr. Presidente, o addiamento limitado é uma consequencia da minha Proposta, mas não é o objecto principal della: o que eu proponho é a necessidade de uma Lei organica, e daqui se deduz o addiamento na resolução da questão; mas esta materia tem tal ligação com os pontos sobre que a Commissão deu o seu Parecer, que me parece que não é possivel fallar nella sem tocar nesses pontos. A Camara resolverá o que intender: ou tractar promiscuamente da questão dos Pareceres, ou considera-la em separado; mas eu, como já disse, supponho que se não poderá fallar na materia principal da rainha Proposta, sem que se toque nos pontos que foram o objecto dos Pareceres.
O Sr. Presidente — Eu vou consultar a Camara sobre a questão que se tem agitado, e vem a ser se se ha de tractar previamente da Proposta
apresentada pelo D. Par o Sr. Serpa Machado ou se esta deverá tractar-se conjunctamente com o Parecer que está em discussão.
O Sr. C. de Lavradio — Então peço a palavra para perguntar á Camara, se se considera habilitada para tractar agora do objecto da Proposta apresentada pelo D. Par o Sr. Serpa Machado.
Pergunto á Camara — Está ella habilitada para entrar desde já na discussão de materia tão importante qual é a interpretação de um artigo da Carta? Pois, sem que se tivesse dado para Ordem do dia, ha de tractar-se de uma questão tão importante, qual é a interpretação de um artigo da Lei Fundamental? Se se tracta de discutir o addiamento, considerava eu admissivel esta discussão; mas era necessario apresentar alguma circumstancia plausivel para se sobreestar no deferimento, que a Camara tem de dar ao Requerimento que lhe foi apresentado. Não se tracta aqui senão de deferir a esse Requerimento; mas sobreestar a esse deferimento para se interpretar primeiro um artigo da Carta, isso seria um absurdo.
O Sr. D. de Palmella — Ou eu intendo muito mal esta questão de Ordem, ou o meu Collega e amigo o Sr. C. de Lavradio não a intende como eu. Não se pretende que vamos desde já interpretar o artigo 31.* da Carta (Apoiados); o que se pretende é que a interpretação tenha logar antes de votar-se o Parecer da Commissão apoiado».;
Peço licença á Camara para observar, que não se tem até ao presente intendido como devera ser a disposição da Carta; e o meu voto é, que deve haver uma Lei regulamentar sobre a disposição do artigo 31.º, para não deixar ao arbitrio do Governo no futuro o prevalecer-se dessa disposição de uma maneira irregular. Intendo porém igualmente, que por isso não deve deixar de tractar-se previamente do Parecer da Commissão.
O Sr. V. de Laborim — Sr. Presidente, eu estou perfeitamente prevenido pelo nobre D. de Palmella. O meu amigo o Sr. C. de Lavradio hade permittir que lhe diga — que me parece que labora n'um perfeito equivoco, porque não se tracta agora de interpretar o artigo 31.º da Carta, mas de se deliberar se se hade fazer uma Lei regulamentar para esse fim.
O Sr. C; de Lavradio — Eu desejo que a Camara me diga, porque este Requerimento ha de ter uma resolução, se esta ha de esperar por uma Lei que se ha de fazer....
Sr. Presidente, nós não podemos deixar de nos occupar hoje deste Requerimento, para dizer á parte que vamos fazer uma Lei, para depois lhe deferirmos o seu Requerimento (O Sr. V. de Laborim— Peço a palavra), em que não se nos pede senão a declaração da intelligencia, que a Camara deu a uma resolução que tomou. Para isto não havemos dizer que vamos fazer primeiro uma Lei para interpretar um artigo da Carta! Eu peço á Camara, que antes de decidir alguma couza, considere bem a materia, e o que vai fazer.
O Sr. V. de Laborim —Sr. Presidente, as razões, que deu o D. Par são convenientes para rejeitar a Proposta do Sr. Serpa Machado; eu hei de rejeita-la, e peço desde já a palavra sobre essa materia; mas querer S. Ex.ª que isto se faça (volto a repetir o que disse) antes do negocio se discutir, por se persuadir que se tracta de interpretar o artigo 31 da Carta, quando se está discutindo se para isso se ha de fazer uma Lei; não tem logar: peço-lhe que reflicta, com mais attenção, e ha de mudar de pensar.
O Sr. C. de Thomar—Votos.
Ficou empatada a Cotação sobre discutir-se a Proposta do Sr. Serpa Machado juntamente com o Parecer e votos em separado da Commissão.
O Sr. Presidente — No rigor do Regimento não se póde pôr á votação no mesmo dia uma questão que ficar empatada; mas parece-me que a Camara póde dispensar esta parte do Regimento, e vou consultar a Camara, por que o artigo 73 diz (Leu-o).
O Sr. D. de Palmella — Peço a palavra.
O Sr. Presidente — Tem a palavra.
O Sr. D. de Palmella — A questão é de ordem, e esse artigo do Regimento deve applicar-se só aos objectos cuja decisão importa alguma consequencia fóra da Camara; agora porém tracta-se de uma questão de ordem na Camara (Apoiados).
O Sr. Presidente — Mas parece-me ao menos do meu dever consultar a Camara, e obter para segurança uma votação.
A Camara resolveu que progredisse a discussão. O Sr. Sousa Azevedo — V. Em.ª dá licença? dispensa-se para entrar já em discussão; e depois de acabada esta, tem logar a nova votação.
O Sr. Presidente—Mas já tem faltado differentes D. Pares, e não tenho nenhum inscripto, e então segue-se pôr á votação; mas parece-me que antes de votar convinha fixar o sentido da Proposta, porque ella, segundo me parece, involve só o reconhecimento da necessidade de uma Lei organica e regulamentar deste artigo, e não expressa o addiamento, nem a exclusão; más creio que é da intenção do D. Par, que fez á Proposta, que votando-se nunca se intende addiada a resolução dos Pareceres. - Se esta é a intenção do D. Par....
O Sr. D. de Palmella—V; Em.ª faz favor de tornar, a mandar lêr, a Proposta do D. Par? por que me parece que ella é prejudicial, visto que diz — em logar de se decidir, etc.(Tendo-se lido) É um addiamento do Parecer.
O Sr. Presidente — Por tanto está bem intendido o sentido da Proposta, e vou pô-la á votação, porque não ha ninguem que tenha pedido a palavra—
O Sr. V. de Laborim — Eu já tinha pedido a palavra, e disse que a rejeitava.
O Sr. Presidente—Então perdoe: está era discussão a Proposta....
O Sr. D. de Palmella — Está se a querem rejeitar.
O Sr. V. de Laborim — Peço a palavra.
(.) Discussão — pag. 195, col.ª 2.ª—208, 2.ª — 214, 4.º—223, 1.º—primeira redacção — 284, 1º -
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O Sr. Presidente — Tem a palavra. O Sr. V. de Laborim— Sr. Presidente, peço a V. Em.ª que queira dignar-se mandar lêr outra vez a Proposta do D. Par o Sr. Serpa Machado. O Sr. Secretario V. de Gouvêa — (Leu-a). O Sr. V. de Laborim — Aonde nos leva a Proposição do D. Par o Sr. Serpa Machado?! — Primeiramente não se tracta no artigo 31 de Pares, e Deputados? Não se diz nesse artigo 31 — que os Pares, e Deputados não podem accumular outras funcções, que não sejam as de Conselheiro de Estado, e Ministro de Estado? Terá isto ou não connexão com o artigo 141 da Carta? Será este objecto pertencente aos limites e attribuições respectivas de um dos Poderes politicos do Estado? Sem duvida nenhuma: logo, parece-me que antes de adoptarmos a Proposta do D. Par, temos que principiar outra questão preliminar, e vem a ser — se o artigo 31 é constitucional ou não; e aonde nos leva este negocio?
Sr. Presidente, essa Proposta, diga-se o que se quizer dizer, é um addiamento, e um addiamento indefinido da questão, que nos occupa. A questão que nos occupa não olha para o futuro, olha para o passado, e a Proposição do D. Par o Sr. Serpa Machado quer olhar só para o futuro, e esquecer-se do passado; é, em verdadeira frase portugueza, pôr pedra sobre o negocio, e não sei que isso possa ser considerado muito decente na posição definida, e elevada, a que tem chegado esta desgraçada questão. De mais, Sr. Presidente, parece-me que o D. Par, com quanto o considero dignissimo (O Sr. Visconde da Granja — Sr. Presidente, peço a palavra), e caminhando sempre com lealdade, e boa fé em todas as questões, e que nesta caminha da mesma maneira; todavia Dão o intendo, e por outro lado, permitta-me que. lhe diga, que querendo S. Ex.ª deitar agoa sobre o fogo, deitou polvora, porque ministrou na sua Proposição fortes, e irresistíveis argumentos, para aquelles, que quizerem tractar com proveito da illegalidade da licença concedida no dia 3 de Janeiro aos Pares, para accumularem; propondo a necessidade de se fazer uma Lei organica, que é o mesmo que dizer—reconheço que a Camara obrou sem ter Lei, que a authorisasse; e assim fez o que não podia fazer. Portanto, Sr. Presidente, para dignidade da discussão, e por todos os principios, que tenho apontado, rejeito em toda a ex-tenção a Proposição do D. Par (Apoiados).
O Sr. Presidente — Tem a palavra o Sr. Serpa Machado.
O Sr. Serpa Machado — Sr. Presidente, necessito justificar, ou antes desculpar-me, pela temeridade que tive de apresentar á Camara a minha Proposta, em logar da que linha feito a Commissão de Petições, e os Membros dissidentes della; mas em um objecto Ião importante e desta natureza, cada um deve dar o seu contingente, e parece-me que se elle fosse adequado para se fazer uma boa Lei, não devia ficar sepultado no silencio. Eu intendi por esta nova Proposta, levar esta Camara aquella situação que mais lhe compete, que é o exercicio do Poder Legislativo, e subtrahir-se a tudo que fôr fazer Leis minguadas e defectivas, ou disposições que possam perturbar os direitos adquiridos e interesse das Partes, sejam quaes forem. Eu intendo como todos intendemos, que esta Camara é um Corpo Legislativo e não Judicial, e que ella não deve influir directa ou indirectamente nos negocios, que dizem respeito aos interessados que tem outros Juizes (O Sr. D. de Palmella — Peço a palavra); porque intendi que devia considerar este negocio sem considerar a questão do Requerimento, para reconhecer a necessidade de se fazer uma Lei, sem nos occuparmos de objectos que já estão decididos, ou pertencem a outra Authoridade.
Sr. Presidente, a importancia da materia é grande como já disse, e torno a dizer, porque diz respeito a uma Lei organica e regulamentar de um artigo da Carta, e diz respeito a interesses de Partes; é igualmente importante porque póde perturbar os limites do Poder Judicial, e do Poder Legislativo, e por isso é que chamei a attenção da Camara sobre este objecto debaixo de um ponto de vista geral, sem querer defender-me da pouco merecida arguição, que me fez um D. Par, de que eu pretendia pôr uma pedra sobre o negocio. Eu não tracto disso, porque o negocio não nos pertence e é puramente judicial. (Apoiados.) ¦ Agora quanto á concessão, que se fez ao Governo para chamar os Membros desta Camara para exercerem empregos fóra della; (O Sr. V. de Laborim — Peço a palavra) é, por assim dizer, uma pedra que se lançou da mão, e os effeitos que produziu não se podem retractar arbitrariamente, porque se converteram em direitos adquiridos. Esta idéa de que nós, que fizemos a concessão, devia mos marcar os limites della, parece exacta mas não o é: fizemos essa concessão; e o Governo, em virtude della encarregou os Empregados pertencentes a esta Camara, de accumularem as funcções dos seus empregos com as de Pares, e disso resultaram interesses ás Partes, tanto no Administrativo como no Judicial, e nós não podemos dar restricções ou ampliações, porque essa decisão já produziu os seus effeitos; e tanto é exacta esta supposição, que ella apparece reconhecida não só pela Commissão, mas tambem pelos Membros dissidentes, para que ou não se tracte deste negocio, ou restrinja aos Empregados administrativos e não judiciaes, ou exclua uns e outros, porque já nos não pertence de preterito, e não póde ter effeito se não de futuro.
Disse um D. Par — que eu tracto do futuro. Sim, Senhor, porque o Legislador nunca póde legislar para factos passados, e deve sempre referir-se a factos futuros: estas são as minhas idéas e inalteraveis principios, e por isso é que suscitei esta idéa, unica de providente legislação, não para lhe pôr pedra em cima, porque este negocio ha de ser decidido pelo Poder Judicial com relação aos litigantes, e pelo Poder Legislativo com relação aos futuros casos; e por tanto eu queria chamar a questão a este ponto. Mas disse-se esta Lei poderá ser muito demorada — todas as Leis o podem ser, e teem mais ou menos inconvenientes; porém tudo isso é melhor (e esta demora é toleravel), do que dizer-se, que se executou e interpretou mal um artigo da Carta. Pois não ha differentes artigos nella que teem tido differente execução? (O Sr. C. de Thomar — Peço a palavra.) Pois não aconteceu isto com as Commissões Mixtas, e não succede o mesmo com todas as Leis, porque não ha nada mais facil do que haver embaraços na sua execução?
Por tanto. Sr. Presidente, não é contra a dignidade da Camara dizer, que errou, e agora emenda os erros que commetteu; mas queria que o fizesse de um modo decente, e dentro dos limites do Poder Legislativo, sem se entremetter com o Poder Judicial, para que os Juizes não digam — nós somos os competentes, e vós não podei» dar ás Leis, ou ás vossas concessões aquella intelligencia que lhes quereis dar, depois de terem produzido o seu effeito.
Estas são as minhas razões: entretanto a Camara as avaliará, e tomará na sua alta sabedoria; e eu tomei uni pouco de calor neste assumpto, porque me pareceu que o Sr. V. de Laborim deu uma idéa desfavoravel ás minhas reflexões, e julgo que é melhor tractar este negocio em abstracto, do que em concreto, e aproveitar as occasiões, não para o tractar em retalho, mas para tomar disposições legislativas sobre o que tem de praticar-se de futuro em ponto tão delicado. Se os D. Pares fizerem mais algumas observações sobre este objecto, que exijam resposta, eu pedirei novamente venia pira dizer o mais que convier.
O Sr. V. da Granja — Sr. Presidente, eu tinha tenção de pedir a palavra quando se tractasse da questão principal, que vem a ser o Parecer da illustre Commissão de Petições, para declarar que eu me considerava inhibido de tomar parte na sua discussão e votar nella. Como não sei se esta occasião se apresentará, porque então seria o logar competente para dar as minhas explicações, e este negocio que agora se discute tomou o logar da questão principal, e póde ser decisivo; desde já me considero inhibido de dar tambem sobre elle o meu voto, e portanto darei agora as explicações que tinha reservado dar naquella occasião.
Sr. Presidente, estas explicações tem por principal objecto justificar o meu procedimento, e desviar de sobre mim a censura que de alguma sorte lançou um D. Par, que fallou na Sessão passada, sobre os Membros desta Camara que em consequencia daquella resolução da mesma Camara tinham intendido, que se achavam authorisados para exercer as funcções dos seus empregos.
Sr. Presidente, depois que o Governo pediu em 3 de Janeiro, e a Camara lhe concedeu aquella authorisação, eu tenho servido constantemente o logar de Juiz Relator do Supremo Conselho de Justiça Militar, e intendi que devia exercer este emprego não só pela deferencia que tenho pelas decisões desta Camara, e pelos antigos precedentes sobre que não houve até agora a mais pequena reclamação, mas principalmente porque julguei, que aquelle serviço era muito util ao bem do Estado, e este é um dos fundamentos, como os D. Pares sabem, que na conformidade do artigo 33.º da Carta authorisa o Governo para fazer estas reclamações, e justifica taes concessões.
Sr. Presidente, o Supremo Conselho de Justiça Militar, na conformidade da Lei da sua organisação, é composto alem de Vogaes Militares, de tres Juizes togados, que são o Juiz Relator e dous Ajudantes, entre os quaes se distribuem os processos que a elle sobem, e por elles são propostos e julgados no mesmo Tribunal. Haverá perto de anno e meio, que succedeu fallecer um dos Ajudantes; e por esta occasião não posso deixar de tributar á sua memoria os elogios, deque era digno este benemerito Magistrado, morto na flor dos annos, e que dava esperanças de ser um dos ornamentos da Magistratura (Muitos apoiados). Em consequencia deste acontecimento, o Tribunal, conhecendo as apuradas circumstancias do Thesouro, e desejando contribuir quanto podesse para diminuir as despezas publicas, intendeu que devia propôr ao Governo a suppressão deste logar; e o Governo elogiando o procedimento do Tribunal annuiu a esta Proposta, e foi com effeito supprimido aquelle logar de Ajudante, e hoje existem sómente dous Juizes togados encarregados de lodo o expediente do Tribunal. Se acaso pois eu me abstivesse de comparecer, seguir-se-hia que todo o expediente do Tribunal vinha a recahir sobre um só individuo; e parece-me que apezar do zêlo intelligencia e boa vontade que nelle reconheço, era impossivel que elle podesse dar conta deste expediente com a promptidão que a justiça exige; por quanto, se os D. Pares vissem a estatistica do Tribunal publicada no Diario do Governo, e se reparassem nella, achariam que só no decurso do anno passado entraram no Tribunal 1323 processos, dos quaes se sentenciaram 1203, o que certamente não aconteceria se um só Juiz fosse encarregado de propôr e sentenciar tão avultado numero de processos: essa tarefa por certo excedia as forças humanas. Por consequencia, reflectindo nesta impossibilidade intendi, que para bem do Serviço convinha alli concorrer, para ajudar com o meu fraco auxilio o prompto expediente dos negocios, repartindo entre dous o trabalho que um só não podia fazer.
E note bem a Camara, e peço que attenda ás consequencias que resultariam da grande demora na expedição de tantos processos, porque dessa demora resultava conservarem-se por muito mais tempo nas prisões e nos calabouços, centenares de pessoas (Apoiados), o que alem de ser injusto e offensivo do direito, que os réos tem a ver decididos os seus processos nos prazos marcados nas Leis; trazia alem disso o inconveniente de onerar o Estado com avultadas despezas, por ter de alimentar por muito mais tempo nas prisões todos estes individuos, sem que delles podesse aproveitar o serviço que podiam prestar nas fileiras do Exercito.
Estas foram pois as razões que me levaram a fazer uso da dispensa, que a Camara implicitamente me deu para continuar a ir ao Tribunal; e deixo á sabedoria da Camara decidir se tive ou não justo motivo para assim obrar (O Sr. S usa Azevedo — Peço a palavra sobre este incidente). Em todo o caso eu me submetterei ás suas decisões; mas repito; que não posso nem devo entrar na discussão, e ainda menos votar sobre este objecto. ' -
O Sr. Sousa Azevedo — Não cançarei muito tempo a attenção da Camara, porque os motivos com que pretendo justificar o ter accumulado o serviço do Emprego publico com o de Membro desta Casa, reservo-os para depois de se acabar a discussão, e mesmo a votação. (Apoiados.) Eu tenho os mesmos motivos que os D. Pares para não tomar parte na discussão, nem na votação; porque, como Membro; do Tribunal do Thesouro tenho continuado a prestar alli o meu serviço: mostrarei pois em occasião opportuna (que me parece ser a que indiquei), e documentarei até, os motivos porque assim procedi.
O Sr. B. de Porto de Moz — Eu acho-me nas mesmas circumstancias, mas não me reservarei para depois da discussão e da votação, por isso que em poucas palavras me parece poder justificar o meu procedimento.
Eu intendi que a votação da Camara, recahida sobre a Proposta do Sr. Presidente do Conselho, me authorisava a accumular o Serviço, e considerava me mesmo authorisado afaze-lo sem escrupulo, fundado nos artigos 31 e 33 da Carta, pois que na Repartição em que servia dava-se a circumstancia da indispensabilidade. O todo do Tribunal eram cinco; e se eu com dous dos meus Collegas que estavam no mesmo caso de ser dispensados, o não fossemos, ficava o Tribunal composto de dous,. e o resultado era parar inteiramente a acção fiscal daquelle Tribunal: intendi por tanto, que eu estava inegavelmente comprehendido na lettra da Carta, e que a Camara authorisando com o seu voto expresso a muitos para o fim de accumular o Serviço, me tinha authorisado tambem para esse effeito (Apoiados); e considerei-me authorisado legalmente pela Lei da necessidade; isto sem querer entrar na questão da legitimidade com que tal ou tal individuo accumulou. (Apoiados.) Por tanto, querendo evitar a censura que me caberia de não prestar esse Serviço, e querendo mais que tudo evitar o mal que com isso faria, por ficarem (se os que estavam nas mesmas circumstancias lá não fossem) só dous Vogaes, que no Tribunal a que pertenço podiam funccionar; intendi que para não ser censurado de nenhum modo, e em segurança de minha consciencia, devia ir ao Tribunal.
Entretanto, para entrar nesta discussão, e na votação que della ha de resultar, julgo-me inhibido, e por isso me retiro.
O Sr. V. de Laborim — Sr. Presidente, dura é a "minha sobre, e forçoso é confessa-lo. Os D. Pares teem justificado o seu procedimento de accumular, e eu hei de justificar o meu de não accumular (Apoiados. — Vozes — Muito bem), e para o fazer, com a dignidade devida, reservo-me para quando se entrar na materia, para o que com anticipação peço a palavra.
O Sr. Duarte Leitão — Eu como Membro do Supremo Tribunal de Justiça não posso tomar parte na discussão nem na votação.
O Sr. D. de Palmella — Cingir-me-hei sómente ao exame da Proposta do Sr. Serpa Machado, e declaro que no que vou dizer não pretendo de modo algum prejudicar, nem o meu voto, nem as opiniões que emittir sobre a questão principal, que se apresentou nesta Camara com os differentes Pareceres da Commissão de Petições.
Estou certo de que o D. Par o Sr. Serpa Machado apresentou a sua Proposta com as intenções mais puras, e julgo que toda a Camara está disso convencida (Apoiados); intendo porém igualmente, que se a Camara admittir a Proposta vem de facto a addiar-se a questão pendente; e parece-me que não devemos sahir da difficuldade por essa tangente. Digo mais — que ainda assim não conseguiriamos esse fim; porque resolvendo-se que se fizesse uma Lei, cuja iniciativa partiria desta Camara (não para interpretar o art. 31, porque não póde haver Lei interpretativa em artigos desta natureza, mas para regular a sua applicação) aconteceria (digo isto como hypothese), que estando em litigio nos Tribunaes alguma questão sobre a intelligencia das determinações da Camara, as partes interessadas se aproveitariam desse projecto para procurar suspenderão seu andamento, até que terminasse a discussão da Lei em ambas as Camaras.
Qual seria a consequencia depois de feita a Lei? Ia-se regular ou interpretar os art. 31 e 33 da Carta? Mas depois de dada solemne e legalmente essa interpretação, podia por ventura applicar-se a factos anteriores? Creio que não; e neste caso para que serve começar por fazer a Lei regulamentar? (Apoiados repetidos.) Uma de duas: ou a Lei terá effeito retroactivo, ou se o não tiver é inutil tractar já della. Ora quando uma resolução, que se propõe, não póde ter effeito prático util, e não tem outro resultado senão o de addiar uma questão, ou sahir momentaneamente de uma difficuldade, não me parece da dignidade da Camara adopta-la.
O Sr. V. de Laborim — Sr. Presidente, magoa-me sensivelmente, que o meu nobre amigo o Sr. Serpa Machado se persuadisse de que eu directa, ou indirectamente o quizesse offender! Eu disse que reconhecia em S. Ex.ª a melhor boa fé possivel, e appello para os Srs. Tachygraphos, que tomaram as notas, e para a Camara, que me escutou; agora o que eu disse, em quanto á consequencia da Proposta, repito-o, e se não é pôr pedra em cima da materia, permitta-me V. Em.ª que eu faça ao meu collega uma pergunta, que me parece, parlamentar. Então (olhando para o
Sr. Serpa Machado) qual é o resultado da sua Proposta, se fôr approvada?... Parece-me que não negará que é deixar sem deferimento o objecto, que nos occupa, e de que a Camara se fez cargo (Apoiados): logo será ou não, em boa phrase portugueza. pôr pedra em cima do negocio, de que se tracta? (O Sr. V. de Fonte Areada — É verdade) e permitta-me mais que lhe diga que essa pedra tem um pezo tão extraordinario, que eu não podendo com ella, mas sabendo avaliá-la, e conhecendo o fito, a que se dirige, tracto de a repettir, fazendo todavia a maior justiça ás intenções de V. Ex.ª (Riso de approvação.)
Sr. Presidente, agora voltando-me para outro assumpto, digo que se labora no maior dos equivocos na questão, que ventilamos; aqui, Senhores, é necessario que nos desenganemos, não se tracta do Supremo Tribunal de Justiça, nem por fórma alguma do Poder Judicial (Apoiados — Muito bem, muito bem — O Sr. Marquez de Loulé— É verdade); tracta-se meramente do principio, a saber, se a Camara cumpriu com o seu dever na concessão, que fez aos D. Pares, para accumularem, e se nisto satisfez, ou deixou de satisfazer ao artigo 31.* da Lei Fundamental do Estado. (Muitos apoiados), e todos os outros argumentos, que tenho ouvido, permitta-se-me que diga, que os considero um pouco capciosos, fallando com franqueza, e ingenuidade, porque nós não devemos trazer para aqui uma só palavra, uma só idéa, que indique personalidade, e que alluda directamente, nem ao meu nobre amigo, e D. Par o Sr. José da Silva Carvalho, nem ao outro D. Par o Sr. C. do Farrobo, e aos seus contendores: o que simplesmente nos pertence discutir é o principio, que já indiquei, e nada mais.
O Sr. C. de Thomar—Sr. Presidente, eu principio como acabou o D. Par que me precedeu: nesta questão cumpre-nos sómente tractar do principio; mas segundo ouço dizer (em um áparte) — este principio tem cauda, e por mais que se queira separar a questão do principio, da questão particular, é absolutamente impossivel.
Eu pedi a palavra quando o meu particular amigo o Sr. V. de Laborim, na primeira occasião que fallou disse, que não sabia se na posição em que estava esta melindrosa questão, era decente tractar da questão apresentada pelo Sr. Serpa Machado! (O Sr. V. de Laborim — Apoiado.) Eu digo tambem, que na melindrosa posição em que se acha esta questão, convém saber se é decente para a Camara o tractar de interpretar a sua resolução, quando se tracta de uma questão de interesse particular pendente nos Tribunaes. (Apoiados.) Eu queria, Sr. Presidente, que se me dissesse, se é por ventura na occasião em que se tracta de saber se foi ou não legal um Accordão do Supremo Tribunal de Justiça, que a Camara dos Pares deve tractar de uma questão tão importante como esta? Eu queria se me dissesse, se a decisão que nós tomarmos póde ou não influir nesse julgado? Eu queria se me dissesse, se cabe nas attribuições desta Camara o entremetter-se em similhante objecto?
Sr. Presidente, sabiamente tractou esta questão o Sr. Serpa Machado, porque a tractou na conformidade dos principios: são esses que eu invoco, e espero que a Camara os tenha em vista a par tambem da sua dignidade.
Sr. Presidente, desde que esta Camara toma uma resolução qualquer, o julgar dos effeitos dessa resolução perante os Tribunaes não é já da competencia desta Camara: assim dispensados os Pares que são Empregados Públicos, e permittida a accumulação das funcções de Pares com as de Empregados Públicos, o julgar dos effeitos que produzem os actos desses Empregados no exercicio dessas funcções, não compete a esta Camara (Apoiados); seria uma ingerencia em attribuições alheias, e admira-me que seja do lado da Opposição donde partem hoje doutrinas tão erradas, e tão oppostas mesmo a todos os principios que até agora tem sustentado! (O Sr. V. de Fonte Areada — Peço a palavra.) (O Sr. Fonseca Magalhães — Eu peço-a sobre a ordem.) Sr. Presidente, eu estimo muito que os D. Pares tomem a palavra, quando assim fallo da Opposição, porque não posso deixar de considerar bem singular o desejo que ella mostrou, de que a Camara se occupe deste objecto, resolvendo sobre a pretenção de um particular, aliás aí facto aos Tribunaes. (O Sr. C. de Lavradio — Peço a palavra.) É sobre tudo admiravel o empenho, que a Opposição mostra em querer decidir com toda a brevidade esta importantissima questão! (O Sr. M. de Loulé — Apoiado.) Então se apoiam nada terá que estranhar-me, e permittam alem disto que lhes pergunte — quando em 3 de Janeiro veio aqui o Governo pedir aquella auctorisação porque se não oppozeram a ella? (O Sr. C. de Lavradio - Agora peço a palavra sobre a ordem.) Eu recordo-me de que não houve uma unica voz, que se levantasse para a negar (O Sr. C de Lavradio
Em seis annos seguidos tenho faltado contra tal concessão); mas não neste anno. (O Sr. M. de Loulé — Porque já não fazia effeito.) Ahi está a justificação da Proposta do Sr. Serpa Machado. Muitos annos se passaram, em que sempre se deu a mesma intelligencia á Carta, e hade então ser na occasião, em que se tracta de uma pretenção particular, aliás pendente nos Tribunaes, que esta Camara se ha de ir occupar de interpretar e revogar todas quantas resoluções identicas tem tomado ha tantos annos, e por tantos Parlamentos?
Sr. Presidente, sejamos francos: qualquer que Seja a decisão da Camara, ou sustentando ou revogando a resolução que tomou, ella vai necessariamente influir no julgado (Apoiados); no primeiro caso influe a favor do Sr. Pimenta, e no segundo caso influe a favor do Sr. C. do Farrobo. Pergunto agora: quem deu authoridade á Camara para assim influir em um julgado, querendo fazer a fortuna de um individuo, ou a ruina de outro? A Camara não deixará por certo de ter em vista o fim a que se dirige o Parecer do D.
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Par o Sr. B. de S. Pedro. Eis-aqui Como se explica o D. Par (Leu o seu Parecer). Por ventura compele á Camara occupar-se dessa materia, e conhecer da justiça ou injustiça do pleito? Seguramente não: lá está o Poder Judicial a quem compete examinar, se a resolução da Camara está ou não tomada dentro das suas attribuições para o effeito de admittir no respectivo Tribunal o Par, que foi dispensado, e a quem se permittiu accumular. E não é isto couza nova: nos nossos dias se passou ainda um caso mais saliente do que este (porque então não se tractava da execução de uma resolução da Camara dos Pares, ou dos Deputados, mas sim da execução de uma Lei que havia tido a approvação das duas Camaras, e obtido a sancção do Poder Moderador); e não obstante esse Poder independente, e que o deve ser (fallo do Poder Judicial) disse — não executo porque é contra a Carta — fallo da Lei dos Tribunaes mixtos, que foram estabelecidos no anno de 18ÍÍ para certos julgamentos dos compromettidos na revolta de Almeida, do que resultou o Governo (de que eu fazia parte) retrogradar, mudar de systema, e propôr uma nova medida legislativa, que foram os Conselhos de guerra. Se esse Poder tão independente como se tem mostrado, intendesse que a resolução da Camara não estava dentro das attribuições que as Leis lhe confere, não teria feito opposição? Ter-se-hia conformado com ella?
Eu ouvi lêr nessa Meza um documento, ao qual não posso deixar de dar toda a consideração. Esta materia de suspeição, produzida contra um D. Par, que accumulou as funcções de Par com as de Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, foi já produzida em Juizo, e desattendida n'um Accordão por illegal; e havemos agora por deliberação nossa annullar o Accordão desse Tribunal? Isto não póde ser: um tal procedimento, alem de ser contrario á nossa primeira resolução, mostraria a nossa parcialidade, e commetteriamos um excesso! Deixemos obrar os Tribunaes livremente.... Uma resolução da Camara, de que a intelligencia até agora dada á Carta Constitucional é illegal, e que os Juizes que são Pares do Reino não podiam accumular as suas funcções; que resultados fataes não póde trazer comsigo! (Apoiados). Pois uma resolução dessas não vai influir em todos os julgados que teem havido ha tantos annos, isto é, desde que esta Camara tem feito taes concessões ao Governo? E poderá esta Camara tomar uma resolução em virtude da qual vão ser affectadas de nullidade todas essas sentenças? Isto não é possivel de maneira alguma (Apoiados repetidos).
Eu não tenho nada com a questão particular, absolutamente nada; quero que os Tribunaes a decidam como intenderem; mas desejo que esta Camara não dê uma prova de tão precipitada, que tendo tomado uma resolução em conformidade com o que ella mesma tem praticado ha muitos annos, vá agora tomar uma resolução differente para attender aos interesses de um individuo: intendo que o não deve fazer: espero que o não fará.
Sr. Presidente, se é verdade que effectivamente apparecem dúvidas sobre a interpetração do artigo da Carta; se é certo que é indispensavel fazer uma Lei sobre esse objecto; apresente-se o respectivo Projecto; mas não se faça alteração nas decisões tomadas ha tantos annos, e por tantas Camaras, nesta occasião, para que se não diga que estamos discutindo aqui uma questão, e decidindo-a hoje por outra fórma, porque estamos debaixo das influencias de alguem !... Nem se diga, como ouvi a alguem, que fica a pretenção do Requerimento sem ser deferida. Passando a discutir um Projecto regulador dos artigos da Carta em questão, fazemos aquillo que devemos, e só aquillo de que devemos occupar-nos. A questão que deve tractar-se nesta Camara, não é a questão do Sr. C. de Farrobo. (O Sr. V. de Fonte Ateada — Mas á Camara foi presente um Requerimento de S. Ex.ª) É verdade; mas eu digo que a esse Requerimento é que a Camara não póde agora attender, sem que ella lance sobre si estygma maior que póde lançar; isto é. que andou precipitada quando fez a sua concessão, e que não intendeu então a Carta, e que hoje vai decidir por differente fórma esta questão, só porque se lhe apresenta um negocio de interesse particular. Ora, eu pergunto á Camara, e ao meu amigo o Sr. V. de Laborim, se é decente que se faça isto? Não por certo.
É muito natural que sobre a questão principal eu nada diga; mas quando se tracta da dignidade desta Camara, e da deceneia dos seus actos, é então necessario que os Membros della se levantem para sustentar essa mesma dignidade, e essa mesma decencia, e que neste proceder todos sejam conformes; salvo se os D. Pares do outro lado encaram este negocio como sendo uma questão politica. (O Sr. Fonseca Magalhães — Não. Não.) Salvo, se querem fazer desta questão uma questão ministerial, para obrigarem o Governo a retirar-se. (O Sr. V. de Fonte Areada—-Não querem.) Só se os D. Pares teem em vista conseguir, que aquelles Empregados a quem está confiada a Segurança publica em Lisboa, e que tão bons serviços teem feito, em virtude da resolução que se quer agora tomar, voltem a occupar ás suas cadeiras nesta Casa, devendo, visto que não podem accumular, ser substituidos por outros que melhor conta lhes façam. (O Sr. C. de Lavradio — Eu vejo que o D. Par está fóra da ordem, porque discute a materia.) O meu fim é mostrar, que "não é decente para a Camara o occupar-se agora de tomar uma resolução sobre o Requerimento do "Sr. C. do Farrobo, a isto se tem limitado as minhas observações: se a questão prévia propõe isto mesmo, se esta está em discussão, como estou eu fóra da ordem? Sim, estou discutindo a materia; mas é a da Proposta do Sr. Serpa Machado, a qual no meu intender é muito justa.
Digo pois, Sr. Presidente, que me parece que á artigo da Carta deve ser regulado, e que Convém tomar-se uma resolução legislativa para o futuro, afim de não apparecerem os inconvenientes que apparecem agora; mas assento que não é esta a occasião propria para isso, porque se iria influir nas decisões ou julgados do Poder Judicial, no que deve ser muito cautellosa esta Camara. (Apoiados.)
Além do que, se a Camara hoje tomar uma resolução em sentido contrario á que tomou, não ficava inhibida de, passado algum tempo, se o Governo fizesse pedido de qualquer concessão a esta Camara, e ella visse que era de justiça, tomar então uma resolução opposta á que hoje toma? Ora, supponhamos, que passado algum tempo, o Ministerio actual largava o seu logar, e que homens de differente opinião politica, ou mesmo outros que partilhassem a mesma opinião, iam sentar-se naquellas cadeiras: qualquer parte contra quem tivesse sido proferida uma sentença, não teria nada mais a fazer, do que pedir a algum dos Sr.s Ministros, ou a qualquer D. Par, pira que se tomasse então uma1 resolução em contrario aquella, e por este meio essa parte contra a qual tivesse havido um julgado, conseguiria o seu fim, isto é a sua annullação. Sr. Presidente, eu pergunto— se as sentenças do Poder Judicial podem estar sujeitas ás fluctuações das resoluções em contrario que aqui se podem tomar? Isso não é possivel (Apoiados); e então segue-se daqui, que deve ser approvada a Proposta do D. Par o Sr. Serpa Machado. Não se perca de vista, que ninguem póde sustentar, que esta Camara seja logar proprio e competente para tractar dos actos do Poder Judicial, perfeitamente independente nas suas resoluções.
Concluo pois dizendo, que é minha opinião, que em logar de se occupar a Camara de uma questão particular, deve antes occupar-se de fazer uma Lei regulamentar sobre este objecto. (Apoiados.)
O Sr. Fonseca Magalhães— Sr. Presidente, eu começo por declarar que faço tenção de fallar na materia tão largamente quanto me pareça necessario: o negocio assim o requer; e penalisa-me, que alguns D. Pares, que são por todos nós reconhecidos como ornamentos da Camara, não queiram tomar parte nesta questão: penalisa-me, repito, que um certo melindre de que não quero ser juiz, mas que devo respeitar, os leve a essa resolução. Seremos poucos os que teremos de fallar: e talvez seja eu o que trate do assumpto como elle se me offerece ao intendimento. No meio destes preparativos que observo, das cousas que vejo de novo, e que aqui não via até agora, dá-me vontade deter medo — seria commodo nesta occasião adoecer de medo; porém declaro que não estou para isso disposto; nem me importam os juizos que de mim se farão. No meu filiar, bem como no meu proceder, não tenho outro oraculo que não seja a consciencia. As folhas deste livro não receio entrega-las á leitura pública, ao exame de todos — commetterei erros; falsidades não.
Pedi «palavra, Sr. Presidente, quando ouvi que um D. Par attribuiu á opposição.... não direi precisamente o que — cousas más, como tem de costume. Affigurou-se-me que quando estava desenvolvendo principios que me pareceram sensatos, quiz mostrar que nós os que occuparam este lado da Camara desconhecíamos esses principios. Engana-se o D. Par: reconhecemos, e respeitamos os verdadeiros principios; e intendo que não é prudente affirmar o contrario antes de ouvir as opiniões daquelles que as quizerem emittir.
Mas permitta-me o D. Par observar-lhe, que S. Ex.ª esteve fóra da questão. O que devia discutir-se era o addiamento da materia principal; e não vejo que della se devesse tratar nesta occasião. Ouso affirmar que ainda adoptando-se a doutrina do D. Par o Sr. Serpa Machado, não devemos pôr de parte o objecto da Ordem do dia. Eu não quero considerar este objecto como o negocio de um particular: é o parecer de uma Commissão da Casa, que foi lido e destinado á discussão, (Apoiados.)
Tambem estou disposto a discutir os principios, as theses geraes, embora eu seja singular no modo de aprecia-las.
Têem-se proferido aqui expressões de que eu me hei de fazer cargo; observo certa pretenção ao exercicio de uma authoridade que não reconheço, até para regular o estylo, e a natureza dos discursos que se hão de fazer. Quem é, perguntarei eu, o competente para qualificar de especiosos os nossos discursos, os nossos argumentos? Ha aqui alguma bandeira de commando, ao qual devamos obedecer? Ah! não pensemos em tal.
Não cuidava eu que tomaria o menor calor nesta discussão; mas vejo que a meu pesar o tomarei, resistindo a certas tentativas que me parecem desarrazoadas, a preconceitos intolerantes, insoffridos de toda a contrariedade. — Tenho ainda outro dever sacratissimo — a defensa de um amigo honrado, contra o qual se escrevem insultos, e em cujas faces se tem cuspido: fallo do Sr. José da Silva Carvalho, que aqui não está, e a quem não faltará ao menos um unico amigo. As obrigações que me ligam a elle são para mim de immensa força. Nada me fará desistir de cumpri-las. Hei de defendê-lo, que tenho para isso meios de sobejo; ninguem me ha de impedir que aqui o faça, porque aqui foram distribuidas as, injurias a que agora não dou epitheto. — »E ninguem me dirá que os meus discursos senão devem permittir por especiosos, nem que sahi da ordem, nem que trato de questões pessoaes: —• quem isto quer evitar é que tem tratado dellas.
Repito, Sr. Presidente, eu não impugno as doutrinas expendidas pelo D. Par o Sr. Serpa Machado; mas parece-me que ellas não perdem do seu valor, nem da sua applicação, porque discutamos o objecto, que se nos apresenta — o Parecer da Commissão. O que eu peço, o que eu imploro é que procedamos com equidade para com todos; que não sejamos com razão tachados de parciaes. Vi com dor que aqui se apresentaram hontem dois requerimentos de que se hão quiz conhecer; e que por uma rapida leitura, que mal se ouviu, foram rejeitados — traziam documentos, dos quaes poucas palavras apenas para perceber. Não sei, não posso avaliar se deviam ou não ser dispensadas; mas é certo que para se decidir que o pedido de um homem, similhante ao de outro de que se tomou conhecimento, não merecia attenção, cumpria* pensar mais. (O Sr. V. de Oliveira— Muito bem.) Diga-se embora, que não queremos conhecer do que se passa nos tribunaes; porém antes de assim o declarar ouçamos a todos, e respondamos com razões. Eu não me oppuz á decisão mais do que com o meu voto: bem vi os grãos do thermometro da casa: seria inutil. Virá occasião em que o possa fizer, e em que incite o exemplo.
Sr. Presidente, não sei se tenho declamado; declamei menos do que os que me antecederam. O que sei é que tenho dito o que sinto, e o que intendo: é-me perfeitamente igual que a questão se vença por um ou por outro modo pelo que respeita a pessoas: affirmo-o pela minha palavra de honra. Eu é que não hei de ser vencido: creio verdadeiros os principios que sigo nesta questão; e os verdadeiros principios podem ser desprezados, desattendidos, mas vencidos não.
Sr. Presidente, a questão e simples; o D Par intende, em virtude dos principios que expôz,; que se deveria sobre-estar na discussão do Parecer da Commissão; eu intendo que os principios não teem nada que perder, tratando-se da questão. Aqui estão os tres Pareceres da maioria da Commissão, e dos dois D. Pares que os deram em separado; entre-se francamente na materia. Deponhamos o desgraçado sentimentalismo pessoal. Deixemo-lo para fóra daqui, e não tenhamos receio de que elle deixe de campear. Perdoe o meu nobre amigo que propoz o adiamento a insistencia que faço. Já se vê que não me tenho desviado uma linha da ordem (Riso). V. Em.ª bem o sabe; e tanto isto é certo, que ninguem me chamou a ella, nem aquelles contra cujas opiniões filiei.
Por tanto concluo, sobre a ordem, a respeito do adiamento, que não podemos tratar delle agora com prejuizo da questão principal, da qual devemos occupar-nos, e que está no Parecer da illustre Commissão.
O Sr. C. de Thomar — Para uma explicação... O Sr. Presidente — O Sr. V. de Fonte Arcada tem primeiro a palavra.
O Sr. V. de Fonte Arcada — Eu direi muito pouco.
Sr. Presidente, eu pedi a palavra quando um D. Par, que se senta daquelle lado, usou de algumas expressões a respeito da Opposição, das quaes se podia concluir, que ella agora não estava naquelles principios em que sempre tem estado; e estou convencido de que S. Ex.ª não podia dizer nada a este respeito, porque ainda não se tem tractado da questão: por consequencia, não podia saber qual será o modo como ella a tractará. Eu estou porém convencido, de que a Opposição ha de tractar esta questão, e seguir os mesmos principios, que tem seguido até agora sobre este objecto.
Tambem eu me opponho ao addiamento, e desejo que esta Proposta seja rejeitada; porque, se nós formos neste andamento não haverá artigo da Carta, que não possa ser revogado por uma Lei ordinaria (Apoiados). Intendo que o artigo 31.º da Carta nunca póde ter outra interpretação do que a grammatical do mesmo artigo. Elle diz o seguinte (Leu-o.)
Ora, eu intendo que é clarissimo, e que não ha necessidade alguma de ser interpretado. É essencialmente abusiva a pratica que se tem seguido algumas vezes, de se quererem considerar os artigos da Carta como obscuros, porque se tem tomado resoluções, que depois se conhece que formas tomadas com menos prudencia. Deste modo em pouco a Lei fundamental vai ser alterada por Leis regulamentares em todos os seus principios. Por estes fundamentos é que eu rejeito a Proposição do D. Par o Sr. Serpa Machado.
O Sr. Presidente—Agora tem a palavra o Sr. C. de Lavradio.
O Sr. C. de Lavradio — Sr. Presidente, eu tinha pedido a palavra sobre a ordem, e tenho-a sobre a materia. IO Sr. Presidente — Todos as D. Pares tinham pedido a palavra sobre a ordem.)
Eu tinha a palavra sobre a materia; mas pedi-a sobre a ordem, porque me pareceu que o D. Par que havia filiado, tinha sahido da ordem, e estava tractando da materia. Mas uma vez que me foi concedida a palavra, desde já protestarei contra o que o D. Par me attribuiu, e invoco o testemunho de todos os Membros desta Camaras Eu, desde 1842 até 48, todas as vezes que o Governo se apresentou a pedir estas concessões, sempre as combati, sempre as neguei fundado nas disposições dos artigos 31.' e 32.º da Carta Constitucional (Apoiados). Se a não combati neste anno, desde já digo que foi porque julguei que era inutil combatê-la; porque não podia senão repetir o que já linha dito inutilmente por seis differentes vezes, sem que ninguem respondesse aos meus argumentos. Mas eu não quero agora tomar tempo á Camara, espero me tocará ainda hoje a palavra, e então me explicarei mais claramente.
O Sr. D. de Palmella—Pedi a palavra sobre a ordem quando fallava o D. Par o Sr. C. de Thomar, porque me pareceu que S. Ex.ª tomava muito calor na questão, sahindo verdadeiramente da ordem, por isso que não se occupou da Proposta do Sr. Serpa Machado, mas sim dos Pareceres da Commissão, e creio que tirou uma conclusão contrária ás premissas que estabeleceu.
O motivo pelo qual me opponho á Proposta, é porque ella vai ter aquella influencia que o D. Par pretende que não lenha fóra da Camara (O Sr. C. de Lavradio — Apoiado). Assento que decidindo a Camara occupar-se de uma Lei explicativa, interpretativa, regulamentar, como quizerem, dos artigos taes e taes da Carta, disto se prevalecerão as pessoas que tenham questões judiciaes, a que ella possa applicar-se, para demorar o seu andamento; e esse resultado é que conviria evitar.
O D. Par quiz attribuir a uma parte desta Camara, que denominou Opposição, e não sei se estou incluido nesse numero, allusões que me parece não tinham fundamento, porque a maior parte das pessoas a que se referiu ainda não fatiaram na materia. Sendo possivel que a Camara se enganasse, porque isso é proprio da humanidade, e não póde ella como qualquer outra Corporação composta de homens reputar-se infallivel (Apoiados), julgo que para proceder mais de accôrdo com a sua dignidade, não deveria, como já disse, escapar-se pela tangente, abstendo-se de emittir um voto por occasião da apresentação do Requerimento, para se occupar sómente delle depois de feita uma Lei, que necessariamente dará pretexto para se suspender, ou pelo menos para se pedir a suspensão do andamento do processo com o qual tem relação. Uma vez que a Lei possa produzir effeito no processo, ha de tê-lo ainda que não seja essa a intenção do Corpo Legislativo; ha de ter, moralmente filiando um effeito retroactivo.
O Sr. C. de Thomar — Em primeiro logar devo declarar, que tudo quanto eu disse, foi confirmado pelo Sr. C. de Lavradio. Eu disse que em 3 de Janeiro, em que tinha sido apresentada esta Proposta, ninguem a combateu; e S. Ex.ª disse — que tendo-a combatido seis annos, o não fizera neste anno por motivos que intendeu.
O facto é, que esta Proposta foi apresentada, que ninguem a combateu, e que foi votada pela Camara sem. repugnancia alguma. (O Sr. M. de Loulé — Nós votámos contra.) Não alteremos os. factos, eu tambem disse que alguem tinha votado contra, mas votar não é combater, e o D. Par veio confirmar isto. (O Sr. C. de Lavradio — Entramos na materia?) Deixe-me fallar, tem tanta pressa de entrar na meteria! (O Sr. C. de Lavradio — Nenhuma.) Eu vejo que desde hontem se faz grande esforço para isso, e mesmo para mostrar, que eu estava fóra de ordem: até o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, que segundo deu a intender, tem a mesma opinião que eu sobre esta questão, disse que eu tinha sustentado bons principios, mas tambem me accusou de estar fóra da ordem. (0 Sr. Fonseca Magalhães — Não é accusar. — Sussurro.) Eu gosto destas interrupções, porque são uma especie de conversação amigavel. (O Sr. Fonseca Magalhães — Eu tambem gosto.) Eu as estimo muito, porque até alguma vezes tiro partido dellas. Sr. Presidente, não ha meio de tractar a questão do Sr. Serpa Machado senão da maneira pela qual eu a tractei; e os argumentos com que se póde sustentar ou atacar a questão principal hão de o ir força ser trazidos para esta. Se eu me decidir a combater a questão principal, hei de combate-la pela influencia que pode ter nos julgados do Poder Judicial. Ora, a questão prévia tem principalmente em vista evitar, que se exerça essa influencia: sustentando a Proposta, como podia deixar de apresentar os argumentos que apresentei?
Eu não fiz accusação á Opposição, e o Sr. V. de Fonte Arcada disse, que elle ha de tractar esta questão como a tem tractado sempre; isto é, ha de sustentar que a Camara não tem auctoridade para conceder licença para o? Empregados publicos exercerem as suas funcções cumulativamente com as de Par (O Sr. F. Magalhães — Quem sabe?) Acabou tambem de o dizer o Sr. C, de Lavradio; e sustentando esta opinião vem necessariamente a achar justiça na pretenção particular, que se apresenta, e que tende a declarar a nullidade de um Accordão em que assignou um D. Par: eis-aqui a razão porque eu disse, que a Opposição, que sempre tinha sustentado que não nos deviamos entremetter nas attribuições do Poder Judicial, agora segue um caminho differente daquelle que linha seguido até agora (O Sr. C. de Lavradio — Peço a palavra) Ainda que o não disse por estes termos, as consequencias são inteiramente as mesmas.
Diz o D. Par o Sr. D. de Palmella — que por uma razão opposta á minha é que sustenta a Proposta do Sr. Serpa Machado (O Sr. D. de Palmella— É similhante). Sr. Presidente, deixando a questão no estado era que está agora, e deixando os Tribunaes com acção livre, para julgar, parece-me que estamos n'uma posição inteiramente desembaraçada; mas desde que nós resolvermos que não podiamos dar licença a um D. Par para exercer cumulativamente as suas funcções de Juiz, o caso muda, e note S. Ex.ª — a Camara tem fornecido fundamento para arguir de nullidade o julgado.
Não fallo mais sobre esta materia, porque tinha pedido a palavra só para uma explicação.
O Sr. C. de Lavradio — Desejava que o D. Par me dissesse qual a frase, de que eu usei, que fosse tendente a influir no Poder Judicial. (Apoiados.) Se eu já tivesse tido occasião de manifestar as minhas idéas sobre a materia que nos occupa, talvez a questão que tivesse levado o caminho, que Ião inconvenientemente tem seguido, (Apoiados.) Eu queria abstrahir completamente, das pessoas, e não queria tractar senão da questão de principios, resolvido o que se póde, porque nem eu, nem esta Camara nos devemos. importar com as causas do Requerimento, e com os seus fins. (Apoiados). Eu já disse que só nos competia examinar a Proposta do Governo, e o que resolveu a Camara, e se esta resolução foi bem tomada; porém agora a questão tomou um, caminho tão desagradavel, que declaro que ha de ser com grande repugnancia, que hei de fallar na materia, apesar de me considerar acima de toda a suspeita.
O Sr. Presidente — Não ha mais ninguem inscripto.
O Sr. Fonseca Magalhães — Não ha mais ninguem inscripto, mas eu creio que não perderíamos, tempo era dividir a Proposta do Sr. Serpa
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Machado em duas partes, porque a mim sempre me custa muito que uma Proposta apresentada com um intuito tão justo e tão lealmente motivado, como todas as que o D. Par apresenta, seja rejeitada in lotum. Ella contém duas partes: na primeira, de cuja utilidade não póde a Camara duvidar, propõe se que se faça uma Lei regulamentar sobre os artigos da Carta, que dizem respeito ao objecto de que nos occupa, e que se intendem de diverso modo: esta é (pira assim dizer) a these do D. Par; e não haveria duvida em que a Camara votasse a necessidade dessa Lei. Agora em quanto á segunda, isto é, que se trate dessa Lei sobre estando-se na discussão dos Pareceres, essa talvez não possa admittir-se; mas em quanto á primeira, apesar do áparte do D. Par, eu não concebo que se possa duvidar da sua necessidade, não menor do que da que já passou sobre as Commissões mixtas, que regulou a intelligencia da Carta em contrario a todas as praticas seguidas até hoje. Proponho que se vote por estes dous quesitos, sem me importar que isto se rejeite ou não; porque a rejeição actual não póde impedir que para o futuro se faça a Lei que declare a intelligencia de taes artigos. (Apoiados.)
O certo é que elles se tem intendido por todas as legislaturas parlamentares, desde a restauração da Carta até agora, de um modo que aqui se diz errado; e no fim ouço dizer não carecemos de Lei que regule essa intelligencia!...
O Sr. Serva Machado—Vou tractar de um objecto transcendente, que reputo de grande importancia, e que tractarei concisamente; mas antes de me occupar do dilema que apresentou o D. Par o nobre D. de Palmella, devo dizer que era meu parecer, que V. Em.ª e a Camara devia, pelos meios que Se julgassem convenientes, convidar os D. Pares que se retiram, a que não desamparassem a Camara abstendo-se de votar, porque, tota consciencia, eu acho que podem votar (Apoiados), pois devemo-nos lembrar, de que quasi todas as Leis que sabem do Corpo Legislativo dizem respeito de futuro aquelles, que as votaram, e então se por mal intendido melindre nos retirassemos, as Leis não se poderiam fazer. Agora fallarei sobre o dilema, que apresentou o D. Par o nobre D. de Palmella.
Diz S. Ex.ª, que a Lei regulamentar ou de nada serve, ou ha de influir no passado, porque os litigantes e as partes hão de estar á espera desta Lei para melhorar de situação! Pois não é doutrina corrente, que as Leis, quaesquer que sejam, nunca podem ter effeito retroactivo? (O Sr. D. de Palmella — Moralmente.) Isso é uma expressão mais rethorica do que convincente, mas que nada aproveita á questão; porque, o que é certo é que depois de votada a Lei, ella não póde servir de regra aos Juizes ou litigantes para um negocio já passado e consumado. E pergunto — quaes terão mais influencia, ou retroactividade moral, como se lhe chama, essas decisões tomadas em geral sobre o objecto e de futuro, ou estas immediatas de dizer— revogue-se e retracte-se a decisão que já se tomou, e revoguem-se os effeitos que ella já produziu? Parece-me que ninguem hesitará na resposta, e portanto intendo que a Proposta que eu fiz não offende os direitos das partes, e deixa os braços abertos aquelles a quem compele decidir o negocio judicialmente.
O Sr. Pereira de Magalhães— Principio por dizer, que commetti uma indiscrição em interromper o Sr. Fonseca Magalhães, a quem n'um áparte disse que ainda não tinha visto demonstrado, que houvesse necessidade de uma Lei regulamentar do artigo 31.° da Carta; e como commetti esta indiscrição, vi-me na obrigação de pedir a palavra, a qual agora estimo tanto mais quanto é certo poder por esta occasião declarar o meu voto, que é contra a Proposta.
Tem-se dito muita couza, e muita couza boa; tendo-se entusiasmado quasi todos os que teem tomado parte neste assumpto, o que o tem tornado, por assim dizer, gravissimo, quando na minha opinião era de sua natureza muito simples (Apoiados). Eu hei de em tempo opportuno fallar na materia, e fallar nella com todo o sangue frio, porque estou inteiramente gelado nesta questão, por isso que para mim não ha aqui senão a questão de principios (Apoiados), e o que se está passando nesta questão é mais uma prova, de que nós os deviamos ter sempre presentes, porque o Governo constitucional não vive senão de principios, transgredidos os quaes veem as consequencias, de que nós, por assim dizer, estamos agora sendo victimas (Apoiados). — (O Sr. M. de Loulé—Muito bem.) Tudo marcharia na melhor ordem, e não viriam difficuldades como esta, se nós observássemos em tudo os principios (Apoiados); mas ponho i4o de parte, porque pedi a palavra simplesmente para dizer, que rejeito a Proposta do Sr. Serpa Machado, porque ainda ninguem demonstrou, que fosse necessaria uma Lei regulamentar do artigo 31.° da Carta Constitucional; e eu vou demonstrar que não é necessaria, porque ella está na mesma Carta, artigo 31.º (Leu-o).
Eu pedia pois aos D. Pares que dizem ser necessaria essa Lei regulamentar deste artigo,.que a fizessem, é veriam que a sua disposição é tão clara, que não ha que regulamentar: é nos dois artigos seguintes, que está a maneira como se deve executar o antecedente (Leu-os).
Por estas disposições se conhece, que a Lei não é possivel fazer-se; e quando a Camara quizesse tomar uma resolução a respeito da Proposta, eu intendo que não podia senão manda-la a uma Commissão, e esta então diria se era necessario fazer-se a Lei (Apoiados). Eu acho as disposições da Carta tão explicitas, que não admittem interpretação alguma, e não sei que hypotheses se hão de figurar para fazer a proposta Lei, olhando á lettra, e ao sentido grammatical (O Sr. C. de Thomar — A Camara póde conceder a accumulação...) essa questão é outra, e lá chegaremos, isto é, se a Camara póde ou não póde conceder que os seus Membros accumulem as funcções dos empregos publicos — a Carta responderá, e em occasião propria farei uso da palavra se intender em minha consciencia, que o devo fazer sem me importar com os casos particulares, nem com as consequencias, porque estabelecidos os principios hão de se lhes necessariamente soffrer as consequencias (Apoiados). O nosso grande mal é que ninguem duvida dos principios em abstracto; mas quando se tracta da sua applicação, se esta offende os nossos interesses, ninguem quer supportar as consequencias dos principios reconhecidos: por exemplo, todos nós somos mui to constitucionaes, e de republicanos (se é possivel); mas quando se tracta de supportar as consequencias destas formas de governo, desapparece a uniformidade e accôrdo sobre o principio que os aviventa. Se os principios pois fossem para nós sempre inviolaveis, e os quizessemos com todas as suas consequencias, a nossa tarefa era pequena (Apoiados). Pela minha parte nas couzas publicas sou o mesmo que nas particulares; sigo franca e claramente os principios; supporto-lhes todas as suas consequencias; e ainda não tive occasião de me arrepender.
Disse alguem que é de conveniencia pública a accumulação das funcções prohibida pelo artigo 31.°.. Eu não o duvido; mas o remedio não e violar 3 Carta; o remedio é outro, que não me pertence indicar.
Concluo, que quando senão observam os principios com todas as suas consequencias, o resultado é esta difficuldade de que não sei como havemos de sahir. Declaro finalmente, que não é necessaria a proposta Lei regulamentar, e que as disposições da Carta são tão claras, que a não admittem.
O Sr. D. de Palmella—Não quero fatigar a Camara repetindo as mesmas couzas, nem quero tambem entrar na que são principal. Limito-me a fallar acêrca da Proposta do D, Par o Serpa Machado.
Não desejaria que a Camara, para sahir da difficuldade em que nos achámos, declare que vai fazer uma Lei interpretativa ou regulamentar do Art. 31.° da Carta. Com isto não pretendo sustentar, que não é conveniente fazer a Lei; pelo contrario digo que o é. O D. Par o Sr. Felix Pereira de Magalhães observou, que seria opportuno, que as pessoas convencidas da utilidade dessa Lei apresentassem o competente Projecto. Não seria muito difficil esse encargo; e S. Ex.ª mesmo indicou varios pontos a respeito dos quaes conviria, que houvesse algum esclarecimento; por exemplo, em quanto á accumulação do exercicio de Legislador com o de Funccionario publico. (Apoiados.) Conviria tambem, que se applicasse aos Membros desta Camara a disposição do Art.33.° da Carta, que só diz respeito aos Srs. Deputados. Seria opportuno, que ácerca da iniciativa que tem o Governo em virtude desse artigo se determinasse, que no caso de querer empregar Pares ou Deputados, só o poderá fazer mencionando os nomes dos Membros das Camaras de que carecer, e o motivo porque os pede. (Apoiados.)
Vê-se pois que a Lei podia ser util; seria porém intempestivo occupar-nos com ella no estado em que a questão se acha, até porque assim se ia talvez exercer, moralmente fallando, uma certa influencia no andamento do processo judicial. Supponho porém que nem o D. Par o Sr. Serpa Machado, nem o D. Par o Sr. C. de Thomar entraram no verdadeiro espirito da minha asserção, e que me attribuiram um absurdo. Não querendo eu exercer influencia nos Tribunaes com a expectativa da Lei suggerida pelo Sr. Serpa Machado, ainda a exerceria maior se adoptasse o arbitrio de revogar a licença concedida pela Camara, como estando em opposição ao artigo da Carta. A denegação de uma couza não importa porém a concessão da outra; póde-se votar agora contra a Proposta do Sr. Serpa Machado, e declarar-se com tudo, que não se toma em consideração o Requerimento que se apresentou.
O Sr. C. de Thomar—-é porque a fé pública, que repousa na boa fé da Camara, fica illudida e enganada desde o momento, em que a Camara tome uma decisão contra em virtude de uma questão particular.
O Sr. D. de Palmella — Mas a decisão que a Camara tomar agora acêrca da Proposta do Sr. Serpa Machado não influe de maneira nenhuma na decisão, que houver sobre o Parecer da Commissão. Julgo pois, que tendo-se este ponto em vista, unicamente se procede mais airosamente do que approvando a Proposta a que alludi. Com, esta explicação melhor se ficará intendendo qual é a. minha idéa.
O Sr. Serpa Machado—Que a Lei Orgânica é necessaria, isso não entra em dúvida, porque ha muitos embaraços, e grandes na sua execução e applicação, como é, por exemplo, o não se dar para os Pares a mesma concessão que o artigo dá para os Deputados, quando ha a mesma razão, e já se vê que mesmo para soltar esta difficuldade é necessario, que haja uma Lei regulamentar, organica, e interpretativa; e isso tanto mais é necessario, porque podem dar-se casos tão importantes que exijam que um Membro desta Camara saia para uma Commissão regular, ou extraordinaria: póde mesmo entrar em dúvida, se uma Commissão está no caso de qualquer outro exercicio de funcções regulares e ordinarias dos Empregados Públicos. Esta Lei porém, posto que tenha algumas difficuldades, não são ellas invenciveis. (Apoiados.)
Agora notarei, em resposta ás observações que acabaram de fazer-se, que eu não lembrei a Lei regulamentar, como um meio exclusivo para não se tractar dos Requerimentos que se apresentaram; roas achava eu que era melhor, que a Camara mostrasse já, que se la occupar dessa materia da interpretação e modo da execução do artigo 33.° da Carta; e isto como um meio o mais decente de sahir deste embaraço, sem nos expormos ao gravissimo perigo e damno irreparavel de influir directa, ou indirectamente em lides pendentes.
Foi pois para dar esta explicação que eu pedi permissão para fallar.
O Sr. V. de Laborim — Eu requeiro que V. Em.ª consulte a Camara se julga a materia sufficientemente discutida.
O Sr. C. de Semodães — Eu declaro que não posso votar sobre este objecto; porque, sendo Vogal do Supremo Tribunal de Justiça Militar, e tendo accumulado aquellas funcções com as de Membro desta Camara, julgo ser do meu dever o abster-me de tomar parte nesta votação.
O Sr. D. de Terceira — Eu faço identica declaração; porque, tambem sou Membro do Supremo Tribunal de Justiça Militar, e tenho accumulado essas funcções ás de Par, e por isso não posso votar.
O Sr. V. de Foste Arcada — Eu não intendo como os D. Pares se possam eximir devotar agora, tendo votado pela Proposta que o Governo apresentou quando pediu essa concessão: não intendo realmente como possam agora deixar de o fazer! (O Sr. Sousa Azevedo — Peço a palavra: talvez que S. Ex.ª se arrependa do que acabou dedÍ2er.) Talvez que eu esteja enganado, póde ser; e se os D. Pares a quem eu me refiro não votaram pelo pedido do Governo, então cessa o meu reparo.
Agora direi, que qualquer que seja o modo pelo qual eu vote nesta questão, não tenho que dar satisfação alguma do modo porque o faça. Sr. Presidente, ou a vida do homem serve para alguma cousa, ou. não serve. Se serve são escusadas quaesquer satisfações; senão serve, de nada serviriam as que se dessem aqui..
O Sr. Sousa Azevedo—Sr. Presidente, o D. Par já se arrependeu, antes de eu fallar, do que havia dito! S. Ex.ª tinha affirmado positiva e não condicionalmente, que era para estranhar que os D. Pares que agora não queriam votar, o tivessem feito quando o Governo aqui veio requerer a concessão a que se refere. Sr. Presidente, era necessario que o D. Par antes disso tivesse verificado se isso era exacto; mas como o D. Par o não fez, eu direi a S. Ex.ª que está perfeitamente enganado.
Eu, Sr. Presidente, nunca votei em couza alguma que me diga respeito directamente, e mesmo neste anno, quando essa concessão se fez, eu estava em minha casa no leito da dor, e por isso não podia achar-me na Camara quando aqui se tractou deste objecto. Já o D. Par vê que com muita rasão eu disse, que S. Ex.ª, pelo que me dizia respeito, havia de arrepender-se do que acabava de estranhar; mas como S. Ex.ª retirou a sua Proposição, nada mais tenho a accrescentar.
O Sr. C. de Thomar — Os D. Pares fizeram esta declaração por simples motivo de melindre. Se se tracta da questão de principios, e de fixar a verdadeira interpretação da Carta Constitucional, não vejo então como os D. Pares se possam eximir de votar nesta questão! SS. Ex.ª, pela sua parte, já fizeram o que pedia a sua honra e melindre; mas a Camara é que não deve admittir a escusa que pedem os D. Pares para não votarem.
O Sr. V. da Granja — Eu não pedi á Camara uma votação para ser dispensado de votar, nem para me dar licença de o não fazer: declarei terminantemente que eu não podia votar, porque assim o intendia em minha consciencia. Ora, a Camara não me póde obrigar a praticar acto algum contra o dictame da minha consciencia, e por isso o expediente que o Regimento authorisa, e que eu vou tomar, é o de sahir já da Sala.
O Sr. Sousa Azevedo — Eu não costumo recusar-me a dar a minha opinião, nem a votar em todas as questões graves e importantes que vem a esta Camara: na gravissima questão que actualmente se agita, eu poderia ser longo, se tomasse parte na discussão della; mas as poucas forças com que me acho me fazem desfallecer. Não fallar por tanto e votar, não é conforme aos meus principios: eis-aqui estão pois os motivos e as razões que me levaram a ter escrupulo de votar nesta materia. Levei até o meu escrupulo, Sr. Presidente, em não expender já os motivos, porque tenho accumulado as funcções de Membro desta Camara, e as de Membro do Tribunal do Thesouro Publico: não quiz expender já esses motivos, mas hei de expendê-los depois de se ter concluido esta questão.
Estou decidido por tanto, e essa é a minha firme intenção, de não entrar nesta discussão, nem mesmo de votar nella.
O Sr. C. de Lavradio — Era para me dirigir aos D. Pares que acabam de ausentar-se, que eu pedi a palavra, e não sei se será muito conveniente fallar tendo sahido os D. Pares.
Eu estou convencido, de que os D. Pares, retirando-se, praticaram um acto de delicadeza que a Camara não exigia, nem podia exigir: o que se tracta aqui é de uma questão, como já se disse, de principios, e não de pessoas (O Sr. Fonseca Magalhães — Peço a palavra sobre este objecto); e os D. Pares que accumularam obedeceram a uma resolução da Camara: por tanto elles, querendo, podem entrar na discussão e votar; mas o que me parece é que a Camara não poderá fazer-lhes violencia quando elles não queiram votar (Apoiados).
Eu, quando se discutiu o nosso Regimento interno, propuz que fosse lícito aos Membros desta Camara declarar, que se abstinham devotar, porque ha muitas occasiões em que o Par não póde votar a favor nem contra, por não se achar sufficientemente instruido, e nessas circumstancias parece-me que não deve votar.
O Sr. D. de Palmella — Peço que se leia o Regimento.
O Sr. D. de Palmella — O artigo do Regimento é claro. Os D. Pares que accumularam não commetteram nisso acção criminosa, era de que lhes possa resultar responsabilidade. Poderia julgar-se que dahi provinha responsabilidade á Camara toda, mas não a cada um dos seus Membros; e não vejo portanto motivo para qualquer delles deixar de votar, ainda que conheço ser mais commodo algumas vezes não tomar parte na votação. ¦ O Sr. Presidente — O Sr. Fonseca Magalhães tem a palavra.
O Sr. Fonseca Magalhães — Sr. Presidente, não tomarei muito tempo: talvez o tenha gasto já demais. Declaro que não sei quaes os fundamentos da delicadeza dos D. Pares, que não querem tomar parte na questão: ignoro se o escrupulo é delles para com a Camara, ou se o suppõem na Camara a respeito delles. A Camara nunca poderia exigir que os D. Pares não votassem nesta materia.
Poderíamos achar motivos de retirar-nos quasi todos, ou de votar de certa maneira. Eu votei em 3 de Janeiro contra a concessão pedida pelo Governo; e mais de uma vez dei igual voto na Camara dos Sr. Deputados: outras vezes terei votado a favor: nisto acho muitos companheiros: e quem se julgar innocente destas fragilidades lance-me a sua pedra.
O que eu costumo fazer é obedecer ás resoluções da Camara, embora sejam contra a minha opinião (Apoiados). Intendo que os verdadeiros principios são estes; e se não são, terei de voltar á escola.
É importante esta questão; os D. Pares por isso mesmo não querem parecer parciaes nella, sem embargo de eu não saber atinar com a causa que poderia haver para tal arguição, mais do que as que se tem feito sem razão a outras pessoas. Por isso respeito a resolução que S. Ex.ª tomou: era outra qualquer circumstancia eu insistiria em que fosse cumprido o Regimento. Mas tem-se já dito tanto, e de tal modo; tem-se manifestado taes opiniões, e apparecido taes circumstancias, que eu não posso deixar de inclinar a cabeça aos escrupulos de moralidade, que devem prevalecer sobre os preceitos legaes: e assim intendo que os D. Pares não sejam obrigados a votar (Apoiados).
O Sr. R. de Porto de Moz — A Camara me desculpará de que lhe tome alguns momentos; mas o que se tem dito, parece-me que exige da minha parte mais amplas explicações do que já dei, ou antes restrictas, a este objecto.
Sr. Presidente, quem suscitou primeiramente esta questão foi o Sr. V. de Fonte Arcada, parecendo-lhe que havia contradicção nos Pares que se abstinham de votar agora, e com tudo se julgaram habeis para o. fazer, quando veio no dia 3 de Janeiro a Proposta do Governo á Camara. Observarei a S. Ex.ª, que as circumstancias são inteiramente diversas; então, Sr. Presidente, a quês-1 tão era olhada debaixo de outro ponto, o do direito em geral, a cuja decisão nada nos prohibia de concorrer; então ninguem tinha reclamado sobre um facto já consequencia dessa decisão; então a concessão não tinha as consequencias que hoje poderá ter a denegação. Nestas circumstancias, Sr. Presidente, se cada um de nós, que tem. exercido o seu emprego, e os que estão no meus caso, tem exercido uma jurisdicção sem recurso, podendo agora, se votar, approvar, ou rejeitar (Apoiados); é claro, que nós, com o nosso voto podemos fazer vencimento na questão; e não faremos com isso inclinar para nossos proprios actos, de que parece recorrer se, a questão que se ventilla? porque, as cousas, como se tem dito, e acaba de estranhar o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, parece encaminharem-se a um recurso, e eu pela minha parte não quero desvia-lo, o que faria aquelle, que viesse depois de dar uma sentença, votar nesta questão, sendo Juiz duas vezes, e de si mesmo. Por tanto, já se vê que é justificavel o motivo que temos.
Nestas circumstancias, eu penso que ninguem estranhará, que aquelles que estão no meu caso não votem. Agora, que nós o fizemos contra o Regimento, parece-me que é um pouco gratuita esta asserção: muito antes de se aproximar a votação, por um de nós (e pedindo desculpa á Camara por ser um pouco antecipada a apresenta, cão dos nossos motivos) foi feita a declaração, de que não votávamos, e não foi no acto de Se Votar que sahimos da Camara, porque conhecíamos o. Regimento. Por tanto, Sr. Presidente, ainda que eu esteja aqui forçado a dar esta explicação, porque já estava no corredor quando soube, que se contestava o direito de nos retirarmos, ha muito tempo que tinhamos feito esta declaração. Por tanto, eu espero que a Camara, attendendo ás minhas observações, intenda que é por uma razão fundada, que julgámos não dever votar, e não por motivos de commodidade, que eu jamais aproveitei. Espero que assim seja considerado pela Camara (Apoiados).
O Sr. Presidente — Vou pôr á votação da Camara o Requerimento do Sr. V. de Laborim, para que ella decida se a materia da Proposta do Sr.. Serpa Machado está ou não discutida.
Julgou-se a sufficiencia da discussão.
O Sr. Presidente — Segue-se agora -pôr á votação a mesma Proposta; mas parece-me que antes de se votar se deve intender, que ainda quando ella seja rejeitada, não se emittiu opinião nenhuma sobre nenhum dos Pareceres, nem fica prejudicada nenhuma opinião sobre os mesmos.
O Sr. D. de Palmella — Peço a palavra sobre a ordem da votação. (O Sr. Presidente — Tem a palavra.) Intendo que rejeitando-se a Proposta não fica rejeitada a opinião; e approvando-se a Proposta fica prejudicada....
O Sr. Presidente — Isso sim.
Foi rejeitada a Proposta do Sr. Serpa Machado.
O Sr. Presidente — A hora já deu, continua ámanhã a mesma Ordem do dia, que é a discussão* do Parecer da Commissão de Petições e os votos em separado. Está fechada a Sessão — Eram quatro horas e meia da tarde..
Repartição de Redacção das Sessões da Camara, em 22 de Março de 18Í9. = O Sub-Director da Secretaria, Chefe da dita Repartição
José Joaquim Ribeiro e Silva